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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.30 no.1 Braga jun. 2017

https://doi.org/10.21814/rpe.11960 

EDITORIAL

 

Editorial

Maria Alfredo Moreira, Maria José Casa-Nova & Lia Raquel Oliveira

 

O primeiro número do ano de 2017 da Revista Portuguesa de Educação (RPE) reúne oito textos sobre docência, a nível da formação, e a nível da prática profissional, infância, currículo e políticas públicas. Sendo textos de conteúdo diferenciado, não deixam no entanto de produzir um continuum, percorrendo o campo da educação desde a infância, à pedagogia, formação de professores, profissionalidade docente e políticas educativas.

O artigo de Ana Maria Simões Coelho e Júlio Emílio Diniz-Pereira, do Brasil, com o título "Olhar o magistério ‘no próprio espelho’: o conceito de profissionalidade e as possibilidades de se repensar o sentido da profissão docente", constitui um artigo teórico que discute os conceitos de profissionalização, profissionalismo e profissionalidade à luz das perspectivas funcionalista, interacionista-simbólica, new-weberiana e marxista sobre a profissão docente, refletindo sobre o que parece ter sido (e ser) a tendência do magistério, que é olhar para si mesmo "no espelho dos outros", retirando assim, de forma não consciencializada, a possibilidade de reflexão sobre as especificidades da profissão. A autora e o autor propõem-se assim, discutir as possibilidades de se repensar o sentido do magistério a partir do conceito de profissionalidade, tendo como pano de fundo a sociologia das profissões. Segundo a e o autor, aquele conceito permite que o magistério se olhe "no próprio espelho", construindo um perfil profissional próprio, afastando-se do discurso do profissionalismo e das tradicionais perspectivas de profissão docente.

A discussão da identidade docente do professor no Brasil continua no texto de Veruska Pires, Charlene Martins Suzuki, Gelcemar Farias e Juarez Vieira do Nascimento, do Brasil, intitulado "Identidade docente e educação física: Um estudo de revisão sistemática". Constatando a escassa literatura sobre a identidade docente do professor de educação física, e sendo a sua identidade marcada por experiências distintas das dos restantes professores, pelo papel do uso do corpo no exercício da atividade socioprofissional, o artigo apresenta uma metanálise da literatura publicada em periódicos indexados em bases de referência internacionais num período de 10 anos. Ao todo foram analisados 16 artigos que recorreram, sobretudo, a entrevistas e diários de campo, dando visibilidade às perceções dos sujeitos sobre as suas experiências. A análise dos autores e das autoras situa a discussão da identidade nos estudos em três tempos: nas experiências anteriores à formação, no período da formação inicial e após a conclusão da licenciatura. Os autores e autoras concluem que a maioria dos estudos se situa na formação inicial em período de estágio, fase considerada crucial para a socialização do professor e construção da sua identidade.

Alessandra Rodrigues, Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida e José Armando Valente, também do Brasil, apresentam o texto "Currículo, narrativas digitais e formação de professores: Experiências da pós-graduação à escola" no qual desvelam uma tessitura entre a construção de narrativas digitais como estratégia de aprendizagem num programa presencial de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, e mudanças significativas nas práticas pedagógicas dos sujeitos envolvidos, particularmente pelo recurso a tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). Os mestrandos, professores em situação de formação, apropriaram-se quer da técnica da narrativa reflexiva quer dos artefactos necessários à sua produção em formato digital e transpuseram essas aprendizagens para as suas próprias aulas, em diferentes níveis de ensino. A narrativa digital, texto multimodal e multimédia, permite enfatizar a aprendizagem como processo bem como o seu reconhecimento enquanto experiência pessoal e autoral. Os resultados revelaram que houve reflexão sobre a ação docente que resultou em múltiplas aprendizagens dos professores, transformação profissional e integração curricular crítica das TDIC.

O artigo de Joana Amaral, Joana Cruz, Patrícia Constante, Patrícia Pinto, Marta Almeida, Elisa Lopes, Cristiana Ferreira, Ana Macedo, Liliana Monteiro, Teresa Oliveira e Filipa Cruz, de Portugal, intitulado "Competências de matemática e de literacia emergente: Estudo correlacional" estuda a correlação entre o desenvolvimento de competências de linguagem oral, consciência fonológica e linguagem escrita e o desenvolvimento de competências matemáticas, num grupo de 99 crianças de ambos os sexos, em idade pré-escolar, do concelho de Matosinhos. Os resultados evidenciam que há uma maior estimulação da linguagem oral, designadamente do vocabulário, em detrimento da consciência fonológica, do conhecimento de letras, e da relação entre a oralidade e a linguagem escrita e os conhecimentos matemáticos. Todavia, o conhecimento do número parece estar relacionado com o conhecimento de letras. As autoras concluem que, apesar da proximidade das idades, o desempenho é diferenciado entre as crianças e não há distinção entre sexos, o que sugere a forte influência de factores contextuais e ambientais no desenvolvimento destas competências. Assim, concluem que o papel da educação pré-escolar é essencial para colmatar diferenças de desempenho e mitigar diferenças sociais na escola.

O artigo de Patrícia Bandeira de Melo e de Tatiana Oliveira de Carvalho Moura, do Brasil, intitulado "Perspectiva etnográfica como proposta de metodologia de ensino de sociologia" reflete sobre uma experiência pedagógica levada a cabo na disciplina de sociologia no ensino médio brasileiro, que as autoras designam de "modelo de mediação didática". Através do conhecimento sociológico e numa aproximação ao método etnográfico, um grupo de alunos e alunas realizaram uma experiência de aprendizagem que os levou a "estranhar" uma prática cultural popular, observando-a durante a sua realização, ao olhá-la através das lentes da sociologia, o que lhes possibilitou outra compreensão de uma parcela do mundo social que habitavam distante da visão de senso comum. A aproximação etnográfica, como forma de compreensão sociológica da realidade, evidenciou ser um modelo de mediação didática eficaz, transformando os alunos e alunas em aprendizes no mundo da investigação e em cidadãos mais críticos e problematizadores face à análise do social.

Ramón Cladellas Pros, Antoni Castelló Tarrida, Mercé Clariana Muntada e Mar Badia Martin, de Espanha, no texto "Horarios laborales de los progenitores y su incidencia en el rendimiento académico de alumnos de primaria. Efectos diferenciales del género" analisam a influência dos atuais horários laborais dos progenitores, marcados pelas longas horas, instabilidade, e ausência do domicílio familiar, no rendimento académico de crianças do ensino primário. O estudo, realizado com 658 crianças entre 6 e 12 anos, visou aferir se o facto de os progenitores terem um horário laboral standard (de segunda a sexta-feira, entre as 8h e as 17h) ou não standard impacta o rendimento académico das crianças. Os resultados indicam que o rendimento nas disciplinas que implicam maior esforço cognitivo melhora nas crianças em que pelo menos um dos pais tem um horário laboral standard. Os resultados indicam ainda que a hora de finalização do horário laboral da mãe é um forte preditor do rendimento académico a Matemática, Línguas e Educação Artística.

O artigo de Fabiana de Oliveira, do Brasil, "Reflexões a respeito de uma experiência de participação infantil no Brasil envolvendo os espaços urbanos e a perspectiva das crianças" discute as possibilidades de visibilização das crianças no espaço público, ou seja, da participação infantil nos processos de decisão e exercício da cidadania. Debatendo teoricamente o conceito de participação infantil, apresenta um conjunto de experiências levadas a cabo em favelas do Rio de Janeiro pela organização não governamental CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular), explorando os resultados positivos nelas alcançados. O estudo baseia-se na análise de conteúdo de documentos, relatórios e planos de ação, disponibilizados no sítio web dessa organização. Dessa análise ressalta que, ancorado em atividades de co-produção e de trabalho colaborativo, um processo de participação das crianças é possível, mesmo considerando as desiguais relações de poder entre adultos e crianças bem como os contextos culturais e particulares de cada família.

Fátima Antunes, de Portugal, e Vera Peroni, do Brasil, encerram o número com o artigo "Reformas do Estado e políticas públicas: trajetórias de democratização e privatização em educação. Brasil e Portugal, um diálogo entre pesquisas". Tal como o título indica, as autoras fazem uma análise comparada das políticas públicas para a educação em ambos os países, analisando o papel do Estado na sua definição, financiamento e efectivação. Através da análise dos desenvolvimentos históricos, económicos e sociais nas últimas 3 décadas nos períodos pós-ditadura de ambos os países, que trouxeram melhorias inquestionáveis e de importância inegável, como a gratuidade e o acesso universal à educação básica, as autoras concluem que estes avanços são ofuscados pelas atuais condições laborais e salariais dos profissionais de educação, resultado da crescente privatização do público em todas as esferas sociais, incluindo a educação. Tal verifica-se na definição do conteúdo da educação e na gestão das escolas, na precarização do trabalho docente, no estreitamento do currículo, reduzido às aprendizagens ‘essenciais’, e nos mecanismos gerenciais impostos a uma gestão considerada eficaz por critérios e lógicas de mercado. Concluem que as fronteiras entre o público e o privado se estão a esbater em ambos os contextos nacionais.

A secção Leituras traz uma recensão da autoria de Micaela Ramon, de Portugal, do livro Leitura e Educação Literária (edições Pactor, 2016), uma obra coordenada por Fernando Azevedo e Ângela Balça.

Como habitualmente, esperamos que a leitura dos textos publicados seja útil a uma maior reflexão nos campos em análise e a uma prática profissional mais sustentada nas mais diversas esferas do social.

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