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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.28 no.1 Braga June 2015

 

EDITORIAL

Editorial

 

Maria Alfredo Moreira e Maria José Casa-Nova

 

O primeiro número de 2015 da Revista Portuguesa de Educação continua a acolher uma variedade de estudos no campo das ciências da educação e que vão desde textos na educação em ciências, na educação matemática e na educação de infância, aos usos e potencialidades das tecnologias educativas, quer no apoio a alunos com Necessidades Educativas Especiais, quer na perspetiva das crianças utilizadoras ou ainda na criação de uma outra cultura digital. Acolhe ainda textos na área da formação contínua de professores e no âmbito do ensino superior.

O número inicia com as tecnologias educativas e o seu papel na escola e na sociedade digital, apresentando-nos três textos sobre esta temática. O primeiro texto, de Mónica María López Gil e Félix Angulo Rasco, intitulado “Sonorona o el rizoma de la cultura digital: un estudio de caso”, propõe-nos uma reflexão e reconceptualização do conceito de cultura digital, com base num estudo do caso de uma blogger e YouTuber popular entre a juventude espanhola. A cultura digital e tecnológica actual não muda apenas o modo como adquirimos a informação e conhecimento e como nos relacionamos uns com os outros; ela confere novos matizes à identidade pessoal e social dos sujeitos, o que leva a autora e o autor a propor a noção de rizoma (a partir da concetualização de Gilles Deleuze e Félix Guattari), aplicada à caraterização da atual cultura digital dos jovens. A cultura digital não rompe com outras culturas audiovisuais, escritas, ou orais, mas antes as amplia e potencia, introduzindo outras matizes a processos complexos como a construção da identidade, comunicação e construções cognitivas, o que faz com que o autor e a autora afirmem que a cultura digital é uma outra forma de viver que apelidam de rizomática. Ela permite-nos estar constantemente a estabelecer novas relações sociais, verticais e horizontais, a criar novos ramos e raízes, sem um centro ou um tronco comum, algo que confira estabilidade e imutabilidade. Este conceito, de cultura digital rizomática, desafia modos tradicionais de pensar a identidade dos sujeitos, na medida em que, e baseando-se no caso de uma jovem de 22 anos (María), ela permite a pessoas como María tornar-se Sonorona, sem deixar de ser María, ou seja, transmutar-se numa outra forma de vida que encerra múltiplas e cambiantes identidades, e que se consegue relacionar com os outros de um modo também diferente do que faria na vida “real”. Este potencial das tecnologias digitais faz com que o virtual seja, frequentemente, mais real do que imaginamos e o real mais virtual do que estamos habituados a pensar.

Esta indefinição das fronteiras entre o real e o virtual, trazida pelas tecnologias digitais, continua a ser objeto de reflexão no artigo de Ana Francisca Monteiro e António José Osório, intitulado “Novas tecnologias, riscos e oportunidades na perspetiva das crianças”, que aborda o modo como as crianças perspetivam os riscos e potencialidades das tecnologias digitais. Através da observação participante e do diálogo com 22 crianças, a autora e o autor procuram descortinar o modo como as crianças desenvolvem as suas próprias culturas e sentidos de pertença e identidade através do uso de novas tecnologias. As amizades, reputação, estatuto e autoimagem constroem-se de outros modos, preferencialmente através de jogos e de conversas e comentários em redes sociais, que seguem regras que não são necessariamente as mesmas das dos adultos. As novas tecnologias permitem às crianças a expansão e consolidação das suas redes sociais, ao incluir as relações de proximidade e de conhecimento pessoal, permitindo aceder a outras pessoas e relações, de outro modo inviáveis pelo seu afastamento geográfico. Assim se diluem os espaços “reais” e “virtuais”, que passam a integrar a cultura digital e a identidade da criança, de um modo natural e integrado, o que faz com que determinados conceitos, associados aos usos das novas tecnologias pelos adultos, como “oportunidade”, “vício” ou “risco”, sejam problematizados e concetualizados de modo distinto pelas crianças. Assim se evidencia a desadequação de medidas destinadas a beneficiar ou proteger as crianças online que se distanciam das suas próprias culturas, tornando-se demasiado prescritivas e estigmatizantes, pois incompreensíveis, ou mesmo incompatíveis, com as culturas e contextos socioculturais em que as suas experiências digitais ocorrem e ganham sentido.

O estudo de Simone da Fonte Ferreira e Ana Margarida Almeida, intitulado “Estratégias e modelos de avaliação utilizados pelos Centros de Recursos TIC no aconselhamento de produtos de apoio para alunos com Necessidades Educativas Especiais”, pretende conhecer e compreender as práticas desenvolvidas nos 25 Centros de Recursos TIC para a Educação Especial criados pelo Ministério da Educação português em 2007, principalmente no que diz respeito à avaliação dos alunos “com Necessidades Educativas Especiais (NEE)”. Estes Centros foram criados com o objetivo de implementar os designados “produtos de apoio (PA)” à prática educativa junto dos alunos com NEE. A partir da análise dos dados recolhidos, através de inquérito por questionário e análise documental, as autoras elaboraram uma proposta de uma plataforma de apoio designada por “Rede NEE”, que pretende ajudar os Centros acima referidos a monitorizar a implementação dos produtos de apoio atribuídos aos alunos. Tendo em atenção a importância das novas tecnologias na diminuição das dificuldades (educativas e outras) sentidas por esta população e, consequentemente, na melhoria da sua qualidade de vida, a proposta de criação desta rede vem possibilitar, não só o desenvolvimento de um trabalho em rede, de partilha de experiências e de conhecimentos, bem como uma sistematização do trabalho realizado e uma maior rentabilização de recursos, permitindo respostas mais atempadas aos diversos pedidos de apoio.

O artigo de Lívia Carvalho de Assis, André Silva Mello, Wagner dos Santos, Amarílio Ferreira Neto e Omar Schneider, intitulado “Jogo e protagonismo da criança na educação infantil”, analisa as apropriações que crianças de cinco e seis anos fazem do jogo num contexto de observação específico (um Centro de Educação Infantil). Durante quatro meses de observação participante, a autora e os autores procuraram compreender como as crianças viviam os jogos em momentos espontâneos (recreio) e em situação de aula, tendo concluído que nos momentos espontâneos predominavam os jogos simbólicos, enquanto que em situação de aula as crianças se apropriavam dos jogos propostos pelo professor de educação física, alterando-os em função dos seus interesses e interpretações. Este resultado vai de encontro ao conceito de “consumo produtivo” proposto por Certeau, segundo o qual os indivíduos não consomem passivamente os produtos que lhe são oferecidos. Desta evidência emerge a criança como actor, produtor do seu quotidiano, interpretando-o a partir do seu universo cultural, ao contrário da criança passiva, consumidora de produtos pré-existentes. A autora e os autores consideram importante que as estratégias pedagógicas dos professores integrem este protagonismo das crianças, perspectivando-as como seres dotados de vontade própria e de autonomia. Seria assim importante a existência de criação de um “lugar de autoria” para que os novos produtos criados pelas crianças (reinvenção de jogos pela sua interpretação) não se percam, criando uma memória escrita dos mesmos que possa ser utilizada pelo/a professor/a na reinvenção das suas estratégias pedagógicas.

O artigo de Maria Betânia Evangelista e Gilda Lisbôa Guimarães, intitulado “Escalas representadas em gráficos: um estudo de intervenção com alunos do 5º ano”, incide num estudo junto de 69 alunos do ensino fundamental, sobre escalas representadas em gráficos e em barras. Partindo da constatação de que os alunos brasileiros nestes níveis de ensino demonstram grandes dificuldades na compreensão e utilização de conceitos estatísticos, conceitos fundamentais a uma educação para a cidadania, as autoras defendem um maior trabalho pedagógico da escola no campo da análise, comparação e construção de escalas em educação matemática. No estudo que levaram a cabo, junto de 3 turmas de alunos de 5º ano do ensino fundamental, as autoras desenvolveram uma intervenção de ensino com 2 sessões, centradas na aprendizagem do conceito de escala em atividades de livros de texto, que envolviam a sua leitura e interpretação em situações de aplicação a medidas de comprimento, retas numéricas e mapas. Os resultados do pré-teste e pós-teste, aplicados aos 3 grupos de alunos, indicam uma melhoria significativa do desempenho dos alunos em atividades sobre escalas representadas em gráficos de barras e de linha simples, independentemente do tipo de contexto apresentado (medida de comprimento, reta numérica e mapas). Deste modo, concluem que a intervenção de ensino promoveu a aprendizagem sobre escalas e a compreensão das mesmas representadas em gráficos de linha e barras, o que evidencia o potencial de aprendizagem a partir das atividades do livro de texto, associadas a um trabalho sistemático de reflexão sobre as aprendizagens.

O texto de Maria P. Lobo Antunes e Cecília Galvão, intitulado “Manuais escolares de Ciências Naturais de 8ºano em Portugal e estrutura conceptual do PISA 2006”, procura responder à seguinte pergunta de investigação: “De que forma as atividades de aprendizagem e a avaliação formativa propostas na unidade de ensino Gestão Sustentável dos Recursos, seguem, em manuais escolares do 8º ano de Ciências Naturais, o enquadramento conceptual em literacia científica do PISA 2006?”. De modo a responder a esta questão, as autoras partem da análise dos conceitos de literacia científica e de desenvolvimento e avaliação de competências, que serviram de base à elaboração dos manuais escolares em Portugal e dos testes PISA 2006, para verificar a sua presença em 2 manuais escolares de Ciências Naturais do 8º ano de escolaridade. A análise dos manuais escolares é justificada pelo facto destes atenderem ao currículo e às orientações curriculares para os níveis de ensino aos quais se destinam, possuírem valor didático para alunos, professores e encarregados de educação e proporem orientações didáticas que guiam a prática do professor. Os resultados obtidos permitem concluir que “existe sintonia nos princípios que regem as estruturas conceptuais do currículo português das Ciências Físicas e Naturais do ensino básico e o enquadramento conceptual do PISA 2006, mas que esta sintonia não se traduz nos manuais que serviram de objeto a esta investigação”. As atividades de aprendizagem e a avaliação formativa dos manuais escolares seguem de forma incompleta a estrutura conceptual do PISA 2006, ao nível da associação do tipo de conhecimento com o tipo de competência e desta com o tipo de questão.

O artigo de Jesuína Fonseca, Carolina Carvalho, Joseph Conboy, Helena Salema, Maria Odete Valente, Ana Paula Gama e Edite Fiúza, intitulado “Feedback na prática letiva: uma oficina de formação de professores”, apresenta-nos um estudo incidente na implementação e avaliação de um programa de formação contínua que contou com a participação de 12 professore/as e 8 sessões de formação. A oficina procurou promover o desenvolvimento profissional deste/as no uso de estratégias de feedback adequadas e eficientes. Sendo essencial à aprendizagem autorregulada, à melhoria do desempenho académico do aluno, à qualidade da relação pedagógica e motivação do aluno, nem sempre o feedback dado em sala de aula pelo professor é bem usado; daí a necessidade de formação dos professores. De modo a ser eficaz, o feedback de sala de aula deve ter características identificáveis que estão, em grande parte, sob o controlo parcial do professor. O feedback eficaz é apresentado o mais rapidamente possível após o facto, é seletivo e descritivo, e visa a melhoria de desempenho e a promoção da auto-estima. A avaliação do trabalho desenvolvido no âmbito da oficina, presencial e autónomo, foi feita com recurso a um relatório final escrito, relatos e reflexões do/as professore/as participantes sobre a experiência desenvolvida em sala de aula e, ainda, a resposta a 2 questionários. A avaliação que o autor e as autoras fazem do programa de desenvolvimento profissional implementado indica que o/as professore/as participantes desenvolveram, não apenas competências associadas ao uso do feedback em sala de aula, mas também perceções mais positivas sobre as suas potencialidades na promoção da auto-estima, motivação, envolvimento e competências de autorregulação dos alunos.

Finalmente, o artigo de Alexandra Araújo, Alexandra Costa, Sonia Alfonso, Ángeles Conde, Manuel Deaño e Leandro Almeida, intitulado “Variáveis pessoais e socioculturais de diferenciação das expectativas académicas: Estudo com alunos do Ensino Superior do Norte de Portugal e Galiza”, traz-nos os resultados de uma investigação sobre diferenciação de expectativas académicas de alunos e alunas a frequentar o primeiro ano do Ensino Superior em Portugal e em Espanha, tendo em atenção as variáveis país de origem, género e pertença de classe. Tem como objetivos perceber em que medida aquelas expectativas condicionam os níveis de envolvimento dos estudantes na vida académica e em que medida o facto de serem estudantes de primeira ou segunda geração (os pais terem ou não frequentado o Ensino Superior) influencia essas expectativas. A investigação foi realizada mediante a administração de um questionário contendo várias dimensões de análise. Os resultados mostram que os estudantes apresentam expectativas académicas elevadas, embora com gradações: os estudantes espanhóis apresentam expectativas menos elevadas do que os estudantes portugueses e o facto de ser estudante de segunda geração influencia positivamente no caso dos alunos portugueses; o mesmo não se verifica com os estudantes espanhóis em idênticas condições. Do ponto de vista da pertença de género, relativamente às expectativas de mobilidade internacional, não se verificam diferenças entre as e os estudantes portugueses (que revelam expectativas elevadas entre estudantes de segunda geração), enquanto que, para o caso espanhol e para o mesmo tipo de estudante, as raparigas evidenciam expectativas mais elevadas do que os rapazes. De acordo com os autores e as autoras, importaria realizar novos estudos que permitam compreender a novidade trazida pela presente investigação no que diz respeito às menores expectativas académicas dos estudantes espanhóis de segunda geração, o que contrasta com resultados de outras investigações neste domínio.

Mais uma vez, e como se constata pela sinopse do número, a pluralidade temática, metodológica e contextual, volta a marcar uma edição da Revista Portuguesa de Educação, dando destaque às escolas, alunos e professores, mas também às (novas) culturas digitais, que trazem reptos acrescidos à educação de crianças e jovens.

Desejamos que a sua leitura possa trazer novas (ou renovadas) interrogações em torno das temáticas em análise, que permitam perspectivar o trabalho educativo numa maior e mais complexa aproximação ao conhecimento de realidades específicas.

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