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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.27 no.1 Braga jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Grupo reflexivo de professores da educação superior: Estudo sobre seus movimentos construtivos

Constructive movements of a group of reflective teachers

Movimientos constructivos de un grupo de profesores reflexivos

 

Hedioneia Maria F. Pivettai & Silvia Maria de Aguiar Isaiaii

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

 

RESUMO

O foco do estudo centra-se nos movimentos construtivos de um grupo reflexivo na educação superior. Teve por objetivos identificar os movimentos construtivos deste grupo, analisar a dinâmica grupal e a importância da reflexividade na sua constituição. A abordagem metodológica foi de cunho qualitativo narrativo com características de investigação-formação (Maciel, 2006). Desenvolveu-se a partir de quinze encontros com professores de uma instituição confessional do Rio Grande do Sul, Brasil, tendo como estratégia propulsora da reflexão o diário de aula e vivências planejadas para os encontros. A análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007) constituiu a escolha para a sistematização dos resultados. A dinâmica grupal permitiu identificar três movimentos construtivos: (1) articulação inicial; (2) aproximações e afastamentos; e (3) continuum reflexivo. O grupo constituiu-se em um processo inter e intrapessoal e inter-relacional estabelecido como um lugar de compartilhamento, agente da transformação no sentir, no pensar e no agir dos professores.

Palavras-chave: Grupo reflexivo; Movimentos construtivos; Aprendizagem docente; Educação superior

 

ABSTRACT

The focus of the study was aimed at the constructive movements of the group of teachers as a reflective learning device in college studies. The objective was to identify the constructive movements of this group, analyze the group dynamics of teaching and learning from it. The study featured the qualitative-narrative methodological approach with research-training and action research characteristics (Maciel, 2006). Fifteen meetings were held with a group of sixteen teachers of a religious institution of Rio Grande do Sul, in Brazil, with the strategy of developing daily reflection over the class diary and the teachers’ experiences in the classroom. The discursive textual analysis (Moraes & Galiazzi, 2007) was the choice for the systematization of results. This strategy allowed us to identify the group dynamics involving three constructive movements: (1) first articulation; (2) approaches and departures; and (3) reflective continuum. The teachers' learning consisted in an interpersonal, intrapersonal and inter-relational process in the group context, established as a motivational place of sharing, an important agent in the transformation of the way teachers feel, think and act.

Keywords: Reflective group; Teacher's learning; College education

 

RESUMEN

El foco de ese estudio está concentrado en los movimientos constructivos del grupo de profesores reflexivos como dispositivos de aprendizaje docente de la educación superior. Tubo por objetivos identificar cuales los movimientos constructivos de este grupo, analizar la dinámica grupal y el aprendizaje de la docencia a partir de él. El camino recorrido envolvió el abordaje metodológica de cuño cualitativo narrativo con características de investigación-formación e investigación-acción (Maciel, 2006). Se desarrolló a partir de quince encuentros con un grupo de dieciséis profesores de una institución confesional del Rio Grande do Sul, Brasil, teniendo como estrategia propulsora de la reflexión el diario de clase adoptado por los profesores y vivencias planeadas para los encuentros. La análisis textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007) constituyó la escoja para la sistematización de los resultados. El trayecto hecho permitió identificar la dinámica grupal envolviendo tres movimientos constructivos: (1) articulación inicial; (2) aproximaciones y alejamientos; y (3) continuum reflexivo. El aprendizaje docente se constituyó en un proceso inter e intrapersonal e inter-relacional en el contexto grupal, establecido como un lugar motivacional y de compartir, agentes de la transformación en el sentir, en el pensar y en el actuar de los profesores.

Mots-clé: Grupo de reflexión; Aprendizaje del profesor; Educación superior

 

Delineamento do estudo

A formação para a docência universitária tem sido amplamente discutida, havendo reconhecimento quanto à necessidade de formação pedagógica para os professores da educação superior. Dentre os aspectos considerados relevantes nessa discussão, destacamos os escritos de Nóvoa (2007) ao referir que pensar a formação de professores carece transcender capacitações docentes incipientes e descontínuas, pois não se tolera mais escrever sobre a prática como referência do fazer docente se não se consolida a presença e ocompromisso do professor na sua formação.

Desse modo, propostas e processos formativos permanentes para professores da educação superior são indispensáveis, pois a importância em proporcionar espaços e lugares de formação qualifica o desenvolvimento da docência superior, entendendo-a como uma atividade que requer conhecimentos próprios, em que a inter-relação do saber e do fazer vão se consolidando durante a trajetória formativa do professor. Entendemos que a docência superior envolve, além dos conhecimentos prévios e específicos do professor, os conhecimentos pedagógicos e sua relação com a prática pedagógica desenvolvida no cotidiano universitário.

Neste estudo procuramos compreender a constituição de um grupo reflexivo e os movimentos construtivos deste grupo no caminho da aprendizagem de ser professor, entendendo essa aprendizagem como elemento relevante da qualificação profissional para a docência superior. Para tanto, apresentamos os pressupostos teóricos que sustentam o estudo a partir da abordagem grupal e professor reflexivo, articulando-os com a aprendizagem docente e, finalmente, procuramos entrelaçá-los para a compreensão do objeto do estudo, os movimentos construtivos do grupo.

Entendemos que o professor da educação superior precisa colocar-se em constante aprendizagem, exercitando a reconstrução reflexiva da sua experiência docente ao longo da vida. Colocar-se como aprendente pressupõe ir ao encontro do outro, relacionar-se e, destas inter-relações estabelecidas na docência, extrair os pressupostos que delineiam o trabalho cotidiano do professor, transformando o sentir, o pensar e o agir.

Zabalza (2004b) comenta que toda a aprendizagem requer o estabelecimento de conexões e relações entre novas informações e sobre o que já se sabia. Isaia (2007) acrescenta que a aprendizagem docente estabelece-se na relação de três processos inter-relacionados: o processo formativo, o desenvolvimento profissional e a docência, entendendo que cada um desses três processos exige um professor aberto, reflexivo, flexível e receptivo a novas maneiras de se constituir professor, mas que está entretecido das trajetórias de vida e de profissão dos professores, no entrelaçamento do que se sabia das experiências anteriores, somadas às vivências formativas atuais (Isaia, 2007, 2008). Essa perspectiva remete a conceituação do trabalho grupal, que pode ser compreendido como "campo de interconexiones, de entrecruzamientos de lo individual, lo institucional, lo social, etc. donde surgen acontecimientos y procesos compartidos (imaginarios, reales, etc) entre sujetos que persiguen objetivos comunes de aprendizajes" (Souto, 2007, p. 58).

Kurt Lewin (1890-1947) é um dos precursores da abordagem grupal. Trabalhou com o grupo, considerado unificador em suas obras, como constituinte da base das percepções, ações e sentimentos do indivíduo, ou seja, a base do grupo social produz a personalidade e a subjetividade do mesmo. Em seus estudos com grupos, Lewin (1948) centrou sua discussão no processo democrático como complexo, mas necessário ao mundo social, e unificou as leis e a dinâmica do comportamento humano. Suas obras constituem-se em referências para trabalhos grupais até os dias de hoje.

Contemporaneamente, estudos vêm demonstrando marcos conceituais, possibilidades e benefícios da abordagem grupal. A especificidade do trabalho em grupo centra-se nas características peculiares dos objetivos, dos meios, da evolução, que agrega configurações subjacentes específicas de acordo com seus membros (Souto, 2007). A concepção de Souto (2007) pressupõe que ensinar e aprender levam em conta processos diferenciados, dialéticos e em inter-relação permanente, sendo o grupal um campo de recursos e meios para satisfazer as necessidades dos seus membros numa perspectiva de reciprocidade e mediação.

A vida em grupo impõe certas particularidades que envolvem a dimensão pessoal de cada participante, na qual o desejo, as subjetividades e as objetividades são gradativamente afloradas. Sentimentos, aspirações, conhecer-se e fazer-se conhecer, transpor as dificuldades e limitações pessoais, comunicar-se e experimentar-se, entram em jogo e carregam as diferentes personalidades que a formam. Desenvolve-se a partir de confrontos de opiniões e concepções, envolvendo uma espécie de evolução de atitudes educativas que gradativamente incorporam um processo de troca intelectual (Ferry, 1974). Assim compreendido, o trabalho em grupo pode ser incorporado como dispositivo de aprendizagem docente, na medida em que se estabelece o encontro e se institui a reflexão dos professores sobre si e sobre sua prática socialmente construída e [re]significada, tendo como premissa a possibilidade de mudança, transformação e aprendizagem.

No que concerne à reflexão, Nóvoa (1992) refere que a formação do professor "não se constrói por acumulação (de cursos, conhecimentos ou técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal" (p. 25). Nessa perspectiva, a reflexibilidade surge como condição necessária ao fazer docente e, consequentemente, à aprendizagem da docência.

O conceito de professor reflexivo foi sistematicamente referenciado por John Dewey, na década de 30. Conforme Dewey, o pensamento reflexivo envolve necessariamente um estado de imprecisão, hesitação, perplexidade e até mesmo dificuldade, o que origina o ato de pensar. A necessidade de solucionar algo consiste no fator orientador do pensamento reflexivo, da mesma maneira que "a natureza do problema a resolver determina o objetivo do pensamento e este objetivo orienta o processo do ato de pensar" (Dewey, 1959, p. 24). O pensamento reflexivo deriva de partes sucessivas que procedem e se sustentam umas às outras ordenadamente: "A correnteza, o fluxo, transforma-se numa série, numa cadeia. Em qualquer pensamento reflexivo, há unidades definidas, ligadas entre si de tal arte que o resultado é um movimento continuado para um fim comum" (Dewey, 1959, p. 14).

O conceito de professor reflexivo também foi desenvolvido a partir das contribuições de Zeichner, em meados de 80. A essência do conceito, para Zeichner (1993), reside na experiência do próprio professor, quando este adquire consciência e compreensão da necessidade de melhorar a sua ação. Essa concepção remete para a aprendizagem ao longo da vida, pois significa que o professor aprende e ensina, ao aprender, a ensinar. Na década de 90, um dos grandes protagonistas da reflexividade foi o norte-americano Donald Schön. O autor propõe a formação profissional para além dos currículos normativos, que trazem a ciência separada de sua prática (Schön, 2000), uma vez que os profissionais com esse modelo formativo não atendem as demandas cotidianas, já que estas ultrapassam os conhecimentos postos pela ciência. No entanto, o professor, para ser reflexivo, precisa desenvolver atitude interativa, investigativa, de troca, avaliação, análise, compreensão, enfim, de reflexão, a fim de que possa construir e reconstruir seus próprios planejamentos, em função dos diferentes contextos, das diversidades dos alunos, das mudanças curriculares, dos limites das próprias instituições e das parcerias e cooperações firmadas (Zabalza, 2004b).

Neste estudo, enfocamos a reflexão sobre a ação docente, entendendo que esta ocorre por meio de mediações e que leva ao desenvolvimento quando o professor sistematiza um processo reflexivo sobre si, sobre o que tem feito e como tem feito (Ferry, 2004). Assim, a temática exposta nos remete aos seguintes questionamentos: Como se constitui um grupo de professores que refletem sobre a docência superior no caminho da aprendizagem da docência? Quais os movimentos construtivos do grupo reflexivo?

Para identificar os movimentos construtivos do grupo reflexivo tomamos por referência a concepção de movimentos construtivos da docência superior identificada nos estudos de Isaia e Bolzan (2007a, 2007b). Por movimentos construtivos compreendemos os diferentes momentos e fases que, entrelaçadamente, vão se estabelecendo ao longo do tempo. No campo da docência superior, referem-se aos distintos espaços e tempos que surgem ao longo da carreira do professor, os quais envolvem o campo pessoal, profissional e institucional, e as transformações ocorridas ao longo da trajetória dos professores (Isaia & Bolzan, 2007a, 2007b). Ao longo dessa produção, pretendemos elucidar o caminho seguido no decorrer do processo, demonstrando como se constituiu o grupo reflexivo e os movimentos construtivos dele decorrentes, no caminho da aprendizagem da docência superior.

 

Caminhos percorridos para compreensão do objeto de estudo

O estudo realizado caracteriza-se como qualitativo narrativo com características de investigação-formação (Maciel, 2006). Qualitativo narrativo uma vez que a narrativa constitui-se como estratégia de vinculação do conhecimento do profissional com sua prática, ou seja, a narrativa representa a organização, o conhecimento e as habilidades para (re)construir uma história, esta entendida como o relato de atos, ações ou acontecimentos, apresentando conexão moral e substancial (Gudmundsdottir, 1995). A investigação narrativa pode ser entendida como um processo temporal e socialmente interativo, em que os professores estão continuamente implicados numa tarefa, cuja história experiencial é contada com palavras que permitem ao narrador refletir sobre suas vivências, explicando-as aos demais. Assim, o professor está envolvido, ao mesmo tempo, em viver, explicar, reexplicar e reviver suas histórias e as histórias dos pares (Connelly & Clandinin, 1995).

Quinze encontros constituíram o grupo reflexivo formado por dezesseis professores de um curso da área da saúde de uma instituição confessional do Rio Grande do Sul, Brasil. Mediante conversas, compartilhamento de anseios e sugestões, organizámos encontros com o objetivo de refletir sobre a docência superior. Os encontros mensais foram pensados e programados com horário determinado para seu início durante, aproximadamente, uma a duas horas, conforme o grupo se desenvolvia. O diário de campo, de natureza descritiva, constituiu um instrumento de registro dos apontamentos do grupo, sendo que a descrição dos acontecimentos foi fundamental para a interpretação dos achados.

O diário de aula foi adotado pelos professores participantes do grupo reflexivo, pois estes se constituem em "documentos onde os professores anotam suas impressões sobre o que vai acontecendo em suas aulas" (Zabalza, 2004a, p. 13). Segundo Zabalza (2004a), o sentido básico do diário de aula é de "se tornar um espaço narrativo dos pensamentos dos professores" (p. 41). É um instrumento que permite explorar desde o planejamento até a execução, assim como os resultados de uma aula, com suas conquistas e inquietações. O diário de aula foi utilizado como um instrumento de reflexão coletiva, pois apesar de se constituir em um instrumento individual e pessoal do professor, ele é fruto de intersubjetivação e inter-relação entre os sujeitos no seu contexto de vida docente.

A reflexão dos professores foi desencadeada mediante a realização de vivências. As vivências foram previamente planejadas para cada encontro, entendendo-as como uma estratégia, um modo de abordagem/condução do grupo, elaborada ou adaptada de uma situação real ou até mesmo imaginária, geradora e instigadora da reflexão, a partir da qual os professores experenciam determinada situação, ou seja, sentem, vivem e revivem, experimentam e, a partir daí, aproximam-se do cotidiano docente, (re)conceituam a atividade docente, propondo mudanças, transformações.

As narrativas dos professores registradas do diário de campo, diário de aula e transcrições do grupo reflexivo a partir das vivências constituíram-se no corpus da investigação, que foi analisado via análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007). A análise textual discursiva traz como premissa o transcurso de quatro momentos. O primeiro é um momento de transcrição das narrativas orais expressas nos encontros de reflexão do grupo de professores. O segundo momento é a leitura exploratória de todos os textos, através da análise minuciosa dessas narrativas, seguidas de possíveis anotações e grifos das informações consideradas relevantes acerca da temática pesquisada, o que se denomina de unitarização dos termos ou desmontagem dos textos. Nesse segundo momento, ainda consideramos relevante comentar que o recorte das narrativas consistiu em um momento peculiar, pois os grifos e as análises anteriormente realizadas foram sistematicamente reinterpretados e compilados em tabelas, conforme a proximidade dos significados das vozes dos professores. O terceiro momento se caracteriza pela construção de relações entre as unidades, combinando-as e classificando-as, no intuito de permitir a compreensão das mesmas e a eleição de categorias (Moraes & Galiazzi, 2007), que permitiu a identificação dos movimentos construtivos. Consideramos que essa análise constitui um trabalho denso no qual recolhemos as temáticas por repetições, assim como os eventos que caracterizam as evoluções das situações expressas nas narrativas dos professores. O quarto e último elemento constitui-se na produção do metatexto. De acordo com Moraes e Galiazzi (2007), o metatexto pode ser considerado como a construção de um novo texto que se origina a partir dos textos originais, expressando a compreensão do pesquisador sobre os significados e sentidos construídos a partir destes achados. Conforme os autores:

Uma vez que as categorias estejam definidas e expressas descritivamente a partir dos elementos que as constituem, inicia-se um processo de explicitação de relações entre elas, no sentido da construção e da estrutura de um metatexto. Nesse movimento, o pesquisador, a partir dos argumentos parciais de cada categoria, exercita a explicitação de um argumento aglutinador do todo. Este é, então, empregado para costurar as diferentes categorias entre si, na expressão da compreensão do todo (Moraes & Galiazzi, 2007, p. 30).

O conjunto de elementos que constituem esse método de análise se constituiu em um processo capaz de organizar, orientar e sistematizar a análise e interpretação dos dados coletados na pesquisa. As narrativas foram gravadas, transcritas, analisadas e interpretadas e permitiram identificar a constituição de um grupo de professores reflexivos (expressas no texto por meio de pseudônimos). Essa abordagem organizou-se com o intuito de explorar as diversas formas de expressão e reflexão do grupo, permitindo compreender a sua constituição e os movimentos construtivos do mesmo.

 

 

O processo de constituição do grupo reflexivo

O tema da investigação teve como mote central os movimentos construtivos de um grupo de professores que refletem sobre seu fazer no caminho da aprendizagem da docência superior. Para tanto, buscamos compreender inicialmente a constituição deste grupo. Assim, colocamos as seguintes indagações, que orientam a descrição da dinâmica do grupo reflexivo: Como surge um grupo de professores reflexivos? Como se organizam os encontros? O que os professores refletem? Qual abordagem do grupal?

O grupo reflexivo surge pela necessidade identificada pelos professores de um Curso Superior da área da saúde acerca de sua formação para a docência superior, ou seja, através do diálogo inter-pares emerge a constituição de um grupo disposto a refletir sobre o ser professor. Os momentos de convivência do grupal foram delineando-se conforme o desenrolar dos encontros e necessidades identificadas no grupo e pelo grupo. Todo o percurso se caracterizou como um processo transversal e democrático em que os professores, como autores de suas vidas e de sua aprendizagem, sugeriram temáticas, bem como participaram do planejamento das vivências. As vivências constituíram-se em estratégia que valorizou a participação de todos os professores, não os reduzindo a meros informantes ou ouvintes, mas proporcionando um lugar em que se estabeleceu um sistema ativo de interação e mediação entre os pares, que caracteriza a situação investigada. Assim, acreditamos que esse movimento de vivência e produção de si mesmo se constituiu em ferramenta para a [re]significação da pessoa professor, identificando a dinâmica e os movimentos construtivos do grupo reflexivo, uma vez que os professores tiveram a oportunidade de deixar emergir para si e para o grupo as fases, as mudanças e as transformações ocorridas durante sua trajetória docente.

 

A dinâmica do grupo reflexivo

Elegemos a descrição dos fatos, dos acontecimentos que permearam o acontecer grupal, para a compreensão da dinâmica do grupo reflexivo. Utilizamos as narrativas dos professores, que vêm ao encontro das interpretações realizadas, no intuito de elucidar a explanação.

O grupo foi se constituindo a partir da narrativa geradora do pensamento reflexivo dos professores. Ao narrar o diário de aula ou mesmo uma situação vivida provocada pela vivência, observamos a dinâmica de atividade do grupo. Na medida em que um professor narra sua vivência, revive-a e reconstrói numa outra perspectiva. Isso quer dizer que, ao narrar um acontecimento vivido aos colegas, o professor tem a possibilidade de afastar-se da situação, trabalhando sobre suas representações mentais, reconstruindo-a a partir de um olhar mais crítico, reflexivo. As narrativas dos professores demonstram essa constatação:

(...) ela me provocava e eu aceitava a provocação, e daí isso foi extremamente ruim e eu sei que grande parte disso foi porque eu estava entrando, porque eu ainda não me enxergava como professora (Sirius).

Sabe, eu estava pensando, porque eu fui olhar nas questões dos exames e realmente, embora eu acho que elas estejam certas, a forma de perguntar eu acho que dei um nó na cabeça deles (Alkaid).

Os relatos demonstram percalços no exercício da docência e como, nesse momento, conseguem perceber os acontecimentos numa outra perspectiva, nesse instante voltando o olhar para si como professor. O distanciamento tomado no momento da narrativa permite ao docente recorrer a sua memória, colocando-se como outro, fazendo-se compreendido por aqueles que o escutam (Ferry, 2004). Na medida em que o professor narra sua experiência, os demais, que estão na escuta cuidadosa do colega, refletem sobre o acontecimento, buscando compreender a situação, ponderando questões de natureza pessoal e profissional, "revivendo" ou aproximando-se da vivência do colega, como explicitam as falas:

Talvez não tenha sido bem claro, tu não tenhas conseguido deixar bem claro para a turma o diferencial que é essa disciplina. Talvez a turma não tenha entendido (Giove).

Eu faço uma leitura bem diferente, na verdade, do que tu estás falando, eu acho que eu volto a bater no mesmo ponto inicial, porque todo mundo tem disciplinas e todo mundo já passou por situações de aperto aqui, mas o que mais me chama a atenção é a tua insegurança (...). Tu dominas os métodos, tu sabes disso, mas tu estás insegura, não sei se como pessoa ou como professora, nesse momento (Errai).

Os professores passam a mediar a própria existência do grupo, participando e procurando trazer à tona questões não percebidas pelo professor ou então mantidas implícitas. Neste momento, percebe-se a mobilização de questões profissionais e pessoais, que são indissociadas da vida do professor. Esse caminho consiste em uma dinâmica de desenvolvimento que também é pessoal. Assim, a aprendizagem da docência envolve o itinerário existencial na profissão docente, mas também o desenvolvimento da capacidade de raciocínio a partir das representações que adquire do mundo, descobrindo suas próprias capacidades, seus próprios recursos (Ferry, 2004).

Na medida em que o grupo reflete sobre o problema narrado pelo colega, os professores iniciam um movimento no qual "revivem" as suas experiências, compartilhando-as e complementando com seu aprendizado na situação em foco. Ao reviverem, reconstroem a sua própria vivência e passam a refletir sobre o seu acontecimento vivido, ou seja, a reflexão de um professor gera a reflexão dos demais colegas acerca de diferentes situações da docência superior. Seguem as vozes dos professores:

Eu também ajo dessa maneira, mas eu, com o passar dos anos, a vida vai ensinando a gente (Polaris).

O que eu fazia era tentar valorizar a pergunta dos outros, eu falava assim "pessoal a pergunta que a colega está fazendo é muito importante (Alnair).

Percebemos que, a partir da narrativa docente, o grupo apresenta suas memórias, seus percursos e suas vivências, conferindo circularidade ao acontecer do grupo reflexivo. Esse dinamismo atribui momentos reflexivos oportunos que orientam para o aprender a ser professor (Ferry, 2004).

A dinâmica do grupo reflexivo partiu das próprias experiências profissionais dos professores e das necessidades evidenciadas a partir do cotidiano docente. A estrutura e a constituição do grupo sofrem transformações de acordo com a especificidade de cada componente e do momento vivido pelo grupo, pois geram experiências, constroem aprendizados, assim como criam representações internas desse grupo e dos seus membros (Souto, 2007). Em todo esse processo de constituição do grupo, destacamos como relevante os papéis que os participantes assumiram durante seu percurso. Dentre esses papéis, enfatizamos a figura do pesquisador, do coordenador, que possui a função de conduzir as atividades do grupo. Consideramos que a função de coordenar pressupõe a capacidade de não se omitir, de conduzir sem monopolizar, orientar sem privar, valorizar sem expor nem subjugar o outro, incitar sem constranger; enfim, mediar a participação no e pelo grupo, fazendo com que ele se efetive como tal e não simplesmente como uma reunião de pessoas. A ideia de coordenar o grupo reflexivo que assumimos esteve em favorecer a análise e o desvelar das problemáticas e das soluções pelos próprios professores, de maneira compartilhada e contextualizada, envolvendo-os no permanente compromisso de reflexão sobre a ação.

De acordo com Ferry (2004), a condução de um grupo pode ser: cooperativa, na qual a figura do coordenador coopera com o grupo na produção, organização e regulação do mesmo; diretiva, ou centralizada no problema, quando este se abstém de qualquer intervenção no conteúdo da discussão, limitando-se em assumir as funções de organização e regulação do grupo; e não-diretiva, ou centralizada no grupo, quando o coordenador contribui apenas para a regulação do grupo, não assumindo outra função além da elucidativa. É possível, ainda, conforme esclarece Ferry (2004), que haja formas mistas de conduzir um grupo; como exemplo, cita a forma cooperativa na fase inicial e diretiva ou não-diretiva posteriormente.

O acontecer grupal vai se estabelecendo pelo conjunto de docentes envolvidos nas suas chegadas e despedidas, tendo em vista a incorporação de novos membros no grupo, bem como o afastamento de outros professores que se arredam da instituição. As características pessoais dos docentes que compõem o grupo proporcionam momentos especiais de encontros e desencontros, que têm a perspectiva de realmente discutir para aprender, mantendo e respeitando a existência pessoal profissional de cada professor.

A constituição de um grupo está intimamente atrelada à motivação e implicação pessoal pela docência e pelo compromisso que os profissionais assumiram em ser professor e constituir-se verdadeiramente como tal, apesar dos percalços e tropeços apresentados. O desafio da escolha de manter-se na docência superior é, em alguma medida, amenizado pelas mediações e interações pessoais que vão se estabelecendo nas velhas e novas parcerias que se instituem ao longo da trajetória de ser professor. É importante ressaltar, também, que o grupo se constituiu nas mediações, mediações essas que desencadeiam processos reflexivos promissores na descoberta de si, do outro e da docência em todas as suas dimensões. As mediações e interações do grupo, na medida em que seus membros se conhecem e reconhecem no outro, estabelecem a possibilidade de seu aprender. Desse modo, podemos inferir que todo esse processo reflexivo grupal possibilitou o delineamento dos movimentos construtivos, os diferentes momentos da vida em grupo que envolveram o percurso pessoal e profissional dos membros que dele fizeram parte.

Movimentos construtivos do grupo reflexivo

As vivências grupais e a disposição de um professor capaz de refletir sobre a sua aprendizagem permitem que ele adquira uma nova postura e estabeleça novas redes de interações para a transformação da docência superior. A partir das chegadas e despedidas, o grupo reflexivo se constituiu da narrativa e do silêncio que foram se estabelecendo e consolidando a partir das vivências pessoais e profissionais e das reconstruções mentais conscientes e inconscientes que, gradativamente, são despertadas no processo grupal.

A partir do acontecer e da dinâmica grupal, foi possível identificar os movimentos construtivos do grupo reflexivo. A definição de movimentos construtivos do grupo decorre da conceituação de Isaia e Bolzan (2007a, 2007b) sobre os movimentos construtivos da docência. Por movimentos construtivos do grupo reflexivo compreendemos as distintas fases, momentos, que ocorrem ao longo da trajetória de vida do grupo, assim como as transformações peculiares advindas destas, conforme os acontecimentos e entrecruzamentos dos campos psicológicos que vão se estabelecendo no espaço de vida grupal. Referem-se aos momentos do próprio campo grupal que abarca as dimensões pessoais, profissionais, individuais e sociais, envolvendo o contexto institucional bem como as transformações que vão ocorrendo no campo grupal. Os movimentos construtivos do grupo reflexivo delineiam-se a partir da dinâmica grupal entrelaçada nos diferentes espaços de vida que compõem o grupo. Os movimentos construtivos – articulação inicial; aproximações e afastamentos; e continuum reflexivo – demonstram a circularidade do processo grupal, na medida em que se transversalizam, apresentam-se mutantes tendo em vista as constantes progressões e regressões, avanços e retrocessos.

 

 

A articulação inicial constitui-se no movimento caracterizado pela dependência dos participantes no desencadeamento do grupo, do processo reflexivo. Uma fase caracteristicamente mais passiva, onde poucos falam e muitos ouvem, mas em que, independentemente disso, os espaços de vida começam a entrecruzar-se, mesclando o eu e o outro. Desejos e interesses, aspirações e concepções, surgem e vão estabelecendo gradualmente o campo grupal. Nesse contexto, o silenciamento assume distintos significados, como sentimentos grupais indicativos de reflexão, inquietude, tranquilidade, insegurança, dúvida, medo ou vergonha. Esses sentimentos também podem representar a resistência apresentada pelo individual no processo grupal, um misto do eu e do outro que se conhecem, desconhecem e reconhecem no desenrolar do grupo. O silêncio também pode representar fuga de si mesmo ou do outro, pois o grupo torna-se revelador da condição humana que aos poucos começa a emergir.

Os conflitos são inerentes ao processo grupal e nessa fase inicial são dispostos pela contradição do eu individual e do eu grupal, ou seja, o que de pessoal se apresenta no grupo e o que do grupo se incorpora no pessoal. Apesar deste conflito, o objetivo de pertencer ao grupo e de manter-se no grupo prevalecem, com base na implicação de aprender a ser professor. O diálogo que segue demonstra essa constatação:

(...) eu acho que esse é um exercício que todos nós podemos fazer e em que proporção a gente está conseguindo articular conhecimento teórico/prático, esse conhecimento do fazer (Atria).

O curso é muita técnica (Giove).

Mas Giove, aí que está a verdadeira articulação da teoria com a pratica. Nós conseguimos fazer isso nas nossas avaliações? Vamos dar uma olhada nas nossas questões, se a gente realmente está conseguindo? (Atria)

O movimento de aproximações e afastamentos constitui-se na fase em que o grupo desencadeia reflexões que, paulatinamente, assumem "corpo", e por meio das quais se fomenta a aprendizagem docente. Este movimento demonstra os constantes avanços e retrocessos, idas e vindas pertinentes ao encontro e desencontro dos diferentes espaços de vida das pessoas/professores que constituem o grupal. Nessa trajetória de aprender a ser professor, uma das características marcantes que aproxima é o olhar para si, uma espécie de introspecção individual a partir do grupal que encontra as fragilidades, as angústias, os medos, mas também as motivações pessoais e profissionais com a docência superior:

(...) quando a gente consegue se ver, se enxergar com as nossas limitações e com as nossas possibilidades, a gente consegue também perceber isso mais próximo no outro, aceitar e trabalhar isso no outro. Porque não é só ver, perceber e criticar, avaliar, mas é perceber e trazer pra si. (...) eu acho que no momento em que você começas a te olhar um pouco mais, refletir sobre tuas atitudes, sentimentos, acredito que você aprimora o teu olhar sobre o outro (...) (Talitha).

Nessa caminhada de olhar para si, percebe-se, há o reconhecimento do eu professor e da sua prática. Na medida em que os professores colocam-se para o grupo, mostram-se como pessoa e como profissional, o que remete ao movimento de aproximação do grupal. Para Ferry (2004), a perspectiva de trabalho grupal pressupõe também a dinâmica de desenvolvimento pessoal, o que está além da aquisição de conhecimento e da aprendizagem de habilidades para o desenvolvimento de uma profissão.

Outra característica desse movimento construtivo é a indissociabilidade pessoa/professor. Incontestavelmente, o professor é uma pessoa que evolui constantemente e, nessa dinâmica de aprender, precisa aprender a perceber-se, a construir uma visão de si mesmo em busca de autorrealização (Abraham, 1986). As falas a seguir são representativas deste posicionamento.

(...) Estou com a percepção de vida e mundo alterada ou perturbada, estou em conflito, coisa que não é novidade, nem o último, estou sempre em conflito (...) realmente estou com problemas pessoais, talvez até não tão reais, mas emocionais, como se não sentisse fisicamente (...) (Errai).

(...) esse semestre eu passei por algumas crises, por alguns momentos assim, eu acho que isso é normal com a gente que está vivendo nessa prática reflexiva, justamente o expor, no caso para vocês, um pouco do que aconteceu comigo em alguns momentos (Sirius).

Apesar das importantes aproximações manifestadas pelo grupo, incorrem também alguns afastamentos. Esses são interpretados a partir dos movimentos de resistência apresentado pelo grupo nas suas idas e vindas. Resistência essa gradativamente manifestada, na medida em que se instituem momentos de conflitos, de forças de maior tensão no grupal. Seguem as vozes.

Eu vou falar aquilo que eu percebi (...) percebi uma ênfase, um apego ao conhecimento específico em detrimento do pedagógico. Eu acredito que isso está aparecendo em todos os momentos; não vejo como uma falha, não é isso que estou dizendo, vejo como uma característica forte e falo para que a gente possa sair daqui refletindo sobre isso (Atria).

(....) eu continuo pensando assim, talvez eu consiga entender hoje, de tanto vocês falarem, mas acho que por repetição (...) (Giove).

É pertinente à constituição do grupal a origem de conflitos; crises, juízos, sentimentos, crenças, valores, conhecimentos representativos do eu pessoal e profissional se aproximam e se afastam na busca em aprender a ser professor. Esse movimento demonstra o confronto, as tensões do mundo interior de cada professor com aquelas que emergem do campo grupal, diferentemente das crises manifestadas no movimento de articulação inicial, por sua dimensão, intensidade e profundidade alcançadas. Relevante é destacar que as forças que aproximam o grupo precisam ser maiores do que aquelas que afastam. Assim, o movimento de aproximações e afastamentos toma um duplo sentido, pois apresenta forças opostas mas que mantêm o professor no grupo, na busca pela sua aprendizagem docente (Lewin, 1965).

O continuum reflexivo é marcado por dois elementos a considerar: (1) a reflexão grupal para o grupal e (2) a reflexão grupal para a reflexão individual. O primeiro elemento refere-se à retomada da reflexão do grupo trazida novamente para o grupo, no final do encontro, abordando componentes implícitos, não ditos, e explícitos, manifestos. O segundo diz respeito ao que cada professor leva do grupo para si, manifestado a partir da significação e da representação do grupo na vida desses professores.

Segundo Ferry (2004), reflexão denota o ato de refletir e tratar de compreender o objeto de estudo, num determinado tempo e espaço, para o trabalho de si mesmo. Isto se dá para além do individualismo reflexivo e da hegemonia autoritária, nos quais o professor reflete somente em torno de si próprio, pois esse pensar sobre si germina do coletivo devidamente apropriado, através da compreensão da gênese e da circunstância que gerou tal reflexão. Apresentam-se as vozes dos professores, reconhecendo o grupo reflexivo como dispositivo que desencadeia reflexões contínuas e demonstrando o movimento do grupal para o grupal e do grupal para o individual:

Eu acho que a nossa participação, a conversa, isso agrega bastante. A gente consegue trocar, eu não vou ter as tuas ações como minhas experiências, mas já consigo refletir um pouco mais sobre outras situações (Alkaid).

Na prática reflexiva de hoje eu senti duas coisas diferentes, bem antagônicas. Um, achei perfeita a discussão, ótima oportunidade, só que por outro lado eu fiquei chocada (...). Quantos anos tem o curso e é a primeira vez que está acontecendo isso? De ver que algumas coisas precisam ser colocadas antes, outras depois. Hora de ajuste do curso! (Polaris)

O continuum reflexivo representa o eco da reflexão grupal na vida do professor, que se refere ao movimento consecutivo de todo o processo grupal. Cada membro leva do grupo aquilo que era do coletivo, mas interioriza conforme a sua essência, possibilidade e desejo. Allport (1948), ao reportar-se à teoria lewiniana sobre grupos, apresenta a metáfora: "assim como o leito do rio talha a direção e o ritmo do fluxo d´água, o grupo determina o curso da vida do indivíduo. Esta interdependência entre a base e o curso configurado é inevitável, íntima, dinâmica, mas também indefinível" (p. 8), ou seja, não há como prever o curso da vida e as repercussões do grupo reflexivo no constituir-se professor dos integrantes do grupo em longo prazo, mesmo havendo essa interdependência do pessoal com o grupal e dos distintos campos psicológicos de seus membros.

 

Reflexões finais

O grupo de professores reflexivos foi se constituindo e demarcando suas expectativas em relação ao processo da docência superior e se manteve a partir das próprias vivências e experiências, que deram a tônica, o motivo e a finalidade para pertencer a esse grupo. As reflexões grupais realizadas tornaram-se mais ricas a partir das experiências de vida e de formação dos próprios professores. Indicaram, assim, que a sistematização de um grupo reflexivo precisa, necessariamente, considerar as expectativas nele contidas, além de proporcionar o envolvimento dos participantes, ou seja, as narrativas surgidas da reflexão coletiva precisam ser exploradas de maneira natural, espontânea, compartilhada com seus pares, pois as vivências pessoais profissionais constituem uma excelente fonte para essa reflexão.

Entendemos que o grupo reflexivo constitui-se em dispositivo que contribui para a aprendizagem docente, à medida que a reflexão grupal sobre o cotidiano do professor, a interação com os sujeitos e com o meio [re]significam a docência superior. Porém, a constituição do grupal exige conhecimentos e habilidades próprias ao campo teórico conceitual envolvido, mas, acima de tudo, a disposição e o compromisso das pessoas/professores com sua formação. Esta implica um permanente processo de aprendizagem. O professor só se transforma se ele aceita aprender, o que envolve um itinerário vivencial-profissional.

Para a efetivação do grupo propriamente dito, foi preciso considerar as suas fases de constituição bem como administrar os eventos inerentes a estas. Assim, os movimentos construtivos do grupo reflexivo – articulação inicial; aproximações e afastamentos; e continuum reflexivo – constituíram-se nas fases, nos momentos da vida em grupo que gradativamente foram se instituindo. Conforme o grupo foi aumentando vínculos e afetos, tornou-se a âncora para aprender a docência superior, propagando a reflexão nas dimensões individual e grupal, desvelando o eu pessoal e profissional dos professores.

Desse modo, o grupo de professores reflexivos constitui-se no tempo e lugar de seus participantes articulados com o contexto institucional. Demonstra-se favorável à formação para a docência superior, uma vez que emergem necessidades, expectativas e limitações que são evocadas e reconstruídas coletivamente, proporcionando a reflexão e possível transformação do saber e do fazer docente.

A partir do exposto, podemos inferir que mobilizamos novas construções para o campo teórico, uma vez que descrevemos a constituição e a dinâmica do que denominamos grupo de professores reflexivos, no qual delineamos os movimentos construtivos desse grupo. Este construto teórico torna-se relevante, pois pode se constituir em suporte teórico conceitual para pesquisas futuras.

O diagrama apresentado a partir da análise da dinâmica grupal sistematiza e demonstra o caminho apreendido mediante as reflexões dos professores no grupo que levaram aos movimentos construtivos delineados, mobilizando novas construções metodológicas para a área estudada. Os caminhos escolhidos para efetivação do grupo representam possibilidades emergentes para que espaços-lugares de formação do professor sejam gradativamente instituídos, nos distintos territórios da educação superior, acenando para a melhoria da qualidade da docência universitária.

 

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Recebido em outubro/2013

Aceite para publicação em maio/2014