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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação v.24 n.1 Braga  2011

 

Editorial

 

Fátima Antunes e Maria de Lourdes Dionísio

 

Este primeiro número de 2011 da Revista Portuguesa de Educação reúne um conjunto de textos que exprime bem a sua missão editorial: estudar a educação como campo heterogéneo de políticas, discursos e práticas, cuja pluralidade exige uma correspondente diversidade de abordagens e problemáticas, condição radical de produção de um conhecimento científico relevante e capacitante da acção dos sujeitos e comunidades no terreno educacional.

O percurso proposto é sustentado pelos diversos olhares a partir dos quais são abordadas as complexas missões atribuídas aos sistemas de ensino, oferecendo-nos um objecto de estudo poliédrico e caleidoscópico. Ainda que a saliência de tópicos como o sucesso académico sugiram tendências fundas destes nossos tempos, a natureza polifacetada e controversa dos projectos societais para a educação é também revelada pela investigação a que aqui se dá voz. A unidade do itinerário desenhado é uma pergunta imperfeita e uma construção inacabada, argumentada pelas editoras e partilhada em diálogos potenciais envolvendo autores e leitores.

A abrir este volume, Joana Cadima, Teresa Leal e Joana Cancela discutem a relevância dos processos interactivos na sala de aula para o desempenho escolar, mobilizando investigação recente e apresentando um modelo conceptual que se apoia num conceito multidimensional de qualidade. As autoras sublinham que constituindo a interacção entre professor e alunos uma componente crucial de dinamização da aprendizagem e desenvolvimento das crianças, a heterogeneidade de perspectivas de análise daquele objecto permite construir um conhecimento mais rico da sala de aula como espaço de intervenção educativa, ao lado da acção política, social e científica direccionada para a mudança social.

Paulo Coelho Dias apresenta também uma pesquisa empírica que procura relacionar características do professor, estratégias de estudo e resultados escolares dos alunos, mobilizando uma metodologia do processo-produto. Verificando a correlação entre nível relacional e resultados escolares, o autor discute a relevância da dimensão normativa para constituir o que refere como uma prática pedagógica eficaz, face à insuficiência, também revelada pela pesquisa apresentada, da dimensão relacional. Algumas estratégias pedagógicas aparecem, de acordo com os dados, como particularmente produtivas na sustentação da aprendizagem dos alunos.

A discussão em torno da construção de práticas democráticas de gestão das escolas, nas suas conexões com o discurso e a dimensão instituinte da cultura, constitui um dos diversos eixos da problemática que o artigo de Luciana Marques desenvolve a partir de uma pesquisa em três escolas pernambucanas. A especificidade dos processos gerados em cada contexto e as dimensões de singularidade cultural da instituição escolar são empiricamente apreendidas e mobilizadas para sustentar o argumento de que, de modos complexos e conflituais, mudanças dinamizadas nas práticas escolares podem constituir elementos de estímulo à democratização das sociedades.

Debater o cosmos educacional como "espaço coletivo de culturas e conhecimentos" em construção por comunidades e redes colaborativas, potenciada pela "enorme presença das tecnologias digitais", é o desafio prosseguido por Nelson de Luca Pretto. Abordando as políticas públicas brasileiras para o campo digital e argumentando para os professores um papel de "liderança científica, cultural e ética", o autor constrói e fundamenta a questão que, no final do texto, polariza a sua discussão: como pode ser potenciado, em perspectiva democrática, o projecto educacional (labiríntico?) de sociedades contemporâneas, em face da pluralidade, agora dramaticamente aumentada, de dinâmicas (e possibilidades) de construção de saberes e sentidos que configuram ‘outras educações’?

Alexsandro da Silva e Artur Gomes de Morais questionam as irregularidades da mudança educacional, focando agora o ensino da gramática, observado a partir de manuais escolares brasileiros. Projectando um olhar que procura deixar-se sensibilizar pelos meandros e rugosidades das realidades educacionais, argumentam que o estudo revela "tentativas de mudança em tempos de transição", que se manifestam, por exemplo, enquanto "mudanças na estabilidade" e "estabilidades na mudança". A adopção de "coerência pragmática" coloca os professores novamente como actores cruciais para fazer e conhecer a mudança educacional: ‘transposição didática’, ‘construção original’ ou ‘acomodação’ entre o novo e o antigo, eis o debate lançado pelos autores em torno do ensino de "gramática" ou "análise linguística" na escola.

A sala de aula, agora quase metaforicamente configurada e reconstituída como ambiente de aprendizagem, ressurge pela mão de Margarida Pinheiro, Cláudia Sarrico e Rui Santiago para explorar relações, já prolongadamente debatidas, numa tradição científico-pedagógica aqui retomada no contexto do ensino superior, entre motivação, aprendizagem e resultados académicos. A educação profissional e os desafios (e inquietações) despertados por modelos inspirados em propostas de aprendizagem baseada em problemas ou em projectos (PBL), a questão da transferabilidade de competências, as perspectivas dos docentes e a satisfação dos estudantes, eis alguns dos tópicos explorados através da investigação discutida pelos autores. A produção do conhecimento, a conexão entre teoria e prática profissional, a autonomia e a iniciativa constituem aspectos em torno dos quais os autores procuram "estimular o debate teórico" e suscitar pistas de investigações futuras.

Em linha com a crescente focagem do campo educacional e das sociedades actuais no sucesso académico, João Paulo Saraiva e Luís Paulo Rodrigues fazem o balanço da investigação recente sobre as relações entre os domínios das aprendizagens cognitivas e o das aprendizagens motoras, para discutir a visão sociocultural dominante quanto à fundamentação de opções curriculares. Num estudo incidente sobre o impacto do ensino superior no desenvolvimento cognitivo do estudante, realizado numa instituição portuguesa, Emília Martins e Joaquim Ferreira discutem "resultados contraditórios e aparentemente paradoxais" na "cognição epistémica (pensamento)", em contraste com subidas estatisticamente significativas no que respeita a "realização cognitiva (raciocínio numérico e verbal) e académica (desempenho)". Os autores argumentam no sentido da integração destas preocupações na reflexão sobre o papel do ensino superior no desenvolvimento integral dos indivíduos, designadamente para interpelar as mudanças, também de modelos de formação, currículos e metodologias de ensino, que o Processo de Bolonha vem desencadeando.

As Notas de Leitura proporcionam a discussão crítica de dois trabalhos recentes de análise e balanço das tendências de mudança educacional, no quadro das reformas do Estado e das políticas públicas ao longo das últimas décadas, marcadas por dinâmicas de globalização e europeização das sociedades e sistemas políticos europeus e portugueses. Com a rubrica Publicações Recebidas encerramos este périplo de debate científico e académico de alguma da investigação e preocupações educacionais que vêm marcando o nosso viver comum.

Às comunidades e leitores do campo entregamos agora o fio de diálogo e confronto críticos que, segundo entendemos, nos cumpre alimentar.