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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.29 no.5 Porto out. 2015

 

PUBLICAÇÃO BREVE

Aleitamento materno de crianças muito pré-termo e de crianças de termo em contexto hospitalar

Breast milk supply in hospital setting

Elisabete Alves1, Raquel Magano2, Mariana Amorim1,3, Susana Silva1

 

1Epiunit -Instituto de Saúde Pública da Universidade Do Porto (ISPUP)

2Departamento de epidemiologia clínica, medicina preditiva e saúde pública, Faculdade de medicina da Universidade do Porto

3Programa doutoral em saúde pública global, Instituto De Saúde Pública da Universidade Do Porto (ISPUP)

 

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: Pretendeu-se comparar a prevalência de aleitamento materno entre famílias de crianças muito pré-termo e famílias de crianças de termo em contexto hospitalar, e identificar os motivos para não amamentar.

Métodos: Aplicou-se um questionário estruturado a 122 famílias de crianças muito pré-termo internadas em todas as UCIN de nível III do Norte de Portugal, 15 a 22 dias após o parto (julho 2013-junho 2014) e a 385 famílias de termo no puerpério (outubro-dezembro 2014).

Resultados: A prevalência de aleitamento materno foi de 96,7% (IC95% 91,8-99,1) nas famílias de crianças muito pré-termo e de 96,4% (IC95% 94,0-98,0) nas famílias de termo. A ausência de leite e a recomendação médica foram os principais motivos invocados para não amamentar.

Conclusões: A elevada prevalência de aleitamento materno em contexto hospitalar é semelhante entre crianças muito pré-termo e crianças de termo. Importa compreender as circunstâncias que enquadram as opções das famílias relativamente ao aleitamento materno.

Palavras-chave: aleitamento materno, família, prevalência, tomada de decisões

 

ABSTRACT

Introduction: To compare the prevalence of breast milk supply, in the hospital setting, among families of very preterm infants and families of term infants, identifying the reasons for not breastfeed.

Methods: A structured questionnaire was applied to 122 families of very preterm infants and hospitalized in all level III NICU located in Northern Portugal, 15-22 days after delivery (July 2013-June 2014), and to 385 families of term infants, in the puerperium (October-December 2014).

Results: The prevalence of breast milk supply was 96.7% (95%CI 91.8-99.1) in the families of very preterm infants and 96.4% (95%CI 94.0-98.0) in the families of term infants. The absence of milk and medical recommendation were the main reasons reported for not breastfeed.

Conclusions: The high prevalence of breastfeeding, in the hospital setting, is similar among very preterm and term infants. It is important to understand the circumstances that frame the families’ options regarding breast milk supply.

Key-words: breast feeding, decision making, family, prevalence

 

Introdução

A prevalência do aleitamento materno em crianças muito prematuras, nascidas antes das 32 semanas de gestação, e internadas em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) tende a ser menor do que a observada em crianças nascidas a termo.1 Nas UCIN, as famílias revelam, muitas vezes, dificuldades no uso de bombas e preocupações quanto à produção e/ou extração de leite e realçam a importância dos seguintes aspetos no âmbito do aleitamento materno: 1) ensino/aprendizagem coerente de técnicas para extração e armazenamento do leite materno, assim como de estratégias para conhecer os corpos e sinais dos recém-nascidos e os benefícios desta prática; 2) investir em reforços positivos contínuos e estimular a motivação das mães; e 3) articular as rotinas das UCIN com as expetativas e necessidades dos pais, salvaguardando a privacidade e proximidade entre mãe, pai e criança.2

As experiências de aleitamento são influenciadas por fatores de ordem pessoal, social e cultural, incluindo o conhecimento e atitudes maternas em relação ao aleitamento, bem como o suporte do pai da criança.3 estes enquadram-se em fatores institucionais e ambientais, onde se destacam iniciativas recentes que visam proteger, promover e apoiar o aleitamento materno em contexto hospitalar, e em particular nas UCIN.4 Estes documentos são direcionados para os profissionais de saúde e fornecem informação sobre estratégias para melhorar a adesão e manutenção de aleitamento materno através da prestação de cuidados centrados na família e da continuidade de cuidados, desde o pré-natal até ao pós-natal.

Tendo por base os dados de um grupo de famílias de crianças muito pré-termo internadas em UCIN e de um grupo de famílias de crianças de termo no puerpério, pretendeu-se comparar a prevalência de aleitamento materno em contexto hospitalar e identificar os motivos referidos pelos progenitores para não amamentar.

 

Métodos

Todas as famílias de crianças muito pré-termo nascidas entre Julho de 2013 e Junho de 2014 e internadas numa das 7 UCIN de nível III localizadas no norte de Portugal foram consecutivamente convidadas a participar, 15 a 22 dias após o parto.5 Com uma proporção de participação de 96,8%, colaboraram neste estudo 122 famílias. O grupo de famílias com crianças de termo, nascidas após as 37 semanas de gestação e nunca hospitalizadas, foi consecutivamente recrutado entre Outubro e Dezembro de 2014, durante o puerpério na Maternidade do Centro Materno-Infantil do Norte. Aceitaram participar 385 famílias, o que se traduziu numa proporção de participação de 92,5%.

Um questionário estruturado foi aplicado a todas as mães e pais, separadamente, e foram recolhidos dados do processo clínico da criança. Todas as famílias foram questionadas sobre se tinham alguma vez alimentado as crianças com leite materno e, em caso negativo, sobre quais os principais motivos para não o ter feito. Estes motivos foram categorizados nas seguintes opções: decisão materna; decisão paterna; aconselhamento de familiares/amigos; recomendação médica; ausência de leite; e recusa do bebé. Os participantes poderiam ainda selecionar outro motivo e eram convidados a especificá-lo.

A análise estatística foi efetuada com recurso ao programa STATA 11.0 (College station, TX, 2009). As prevalências são apresentadas com os respetivos intervalos de confiança a 95% (IC95%). Para comparação de proporções utilizou-se o teste de quiquadrado.

O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados e pelas Comissões de Ética dos 7 hospitais onde decorreu o estudo, tendo todos os participantes assinado uma declaração de consentimento informado.

 

Resultados

As características das famílias participantes encontram-se descritas na Tabela 1. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas em relação à idade, escolaridade, estatuto marital e gravidezes prévias entre as famílias de crianças muito pré-termo e as famílias de crianças de termo.

 

 

A prevalência de aleitamento materno foi de 96,7% (IC 95% 91,8-99,1) no grupo de pais de crianças muito pré-termo e de 96,4% (IC95% 94,0-98,0) no grupo de termo. As famílias de crianças nascidas muito prematuramente referiram a recomendação médica (n=1), a ausência de leite (n=1), a recusa do bebé (n=1) e as dificuldades no uso de bombas de extração de leite (n=1) como motivos para não fornecer leite materno. As famílias de crianças nascidas a termo invocaram a recomendação médica (n=6), a ausência de leite (n=6), a decisão materna (n=1) e a recusa do bebé (n=1) como os principais motivos para não amamentar. De salientar que nenhuma família mencionou a decisão paterna ou o aconselhamento de familiares e amigos como explicações para não amamentar.

 

Discussão

Os resultados deste estudo desafiam a literatura prévia que apresenta prevalências de aleitamento materno em crianças muito prematuras inferiores às observadas em crianças nascidas a termo.1 As famílias salientam a ausência de leite e a recomendação médica como os principais motivos para não amamentar, sendo escassas as referências à recusa do bebé, a dificuldades no uso de bombas e à decisão materna.

As elevadas prevalências de aleitamento descritas neste estudo podem dever-se a um maior foco dos cuidados de saúde primários na motivação de mães e pais para amamentar e na transmissão dos benefícios associados a esta prática, principalmente no 3º trimestre da gravidez,6 bem como à implementação, durante a última década, da iniciativa “Hospitais Amigos dos Bebés”, que visa proteger, promover e apoiar o aleitamento materno em contexto hospitalar.4 Adicionalmente, o aleitamento materno tem-se transformado numa “medida da maternidade”, ou seja, num critério que supostamente distingue as “boas” mães e, neste enquadramento, não amamentar pode comprometer a identidade de uma mulher como “boa mãe” e transformar a amamentação num dever moral.7 O fato de nenhuma família de crianças muito pré-termo referir a decisão materna ou paterna como principal motivo para a ausência de aleitamento materno é especialmente relevante, num contexto em que as famílias reportam sensações de falhanço, culpa e incerteza face à prematuridade.8,9 Invocar a ausência de leite materno, tal como previamente descrito na literatura,2 pode evidenciar escassa confiança nos corpos das mulheres.10 Mencionar a recomendação médica convida a refletir sobre a existência de circunstâncias em que não amamentar será a opção mais adequada, área que apela à sensibilização quer dos profissionais de saúde, quer da família nuclear e alargada, para compreender a variabilidade das opções das famílias.

 

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito do projeto FCOMP-01-0124-FeDer-019902 (ref.ª FCT PTDC/CS-ECS/120750/2010) e das bolsas IF/00956/2013, SFRH/BPD/103562/2014 e PD/BD/105830/2014, cofinanciadas pelo Programa Operacional Potencial Humano (POPH). Este texto resulta da investigação desenvolvida no âmbito da dissertação de Mestrado em educação para a saúde de raquel Magano, apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em setembro de 2015. Os autores agradecem a todas as mães, pais e profissionais de saúde pela sua colaboração no estudo.

 

Referências

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Correspondência:

Elisabete Alves

Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), rua das taipas, n.º 135, 4050-600 Porto. E-mail: elisabete.alves@ispup.up.pt

 

Data de recepção / reception date: 03/10/2015

Data de aprovação / approval date: 10/10/2015

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