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Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.28 no.5 Porto Oct. 2014

 

INVESTIGAÇÃO ORIGINAL

Acessibilidade e utilização de fontes de informação em saúde cardiovascular: perceção de doentes e médicos

Accessibility and use of information sources on cardiovascular health: perceptions of patients and physicians

Elisabete Alves1,2, Paula Magalhães2, Nuno Lunet1,2, Pedro Moura Ferreira3, Susana Silva1,2

 

1Instituto de Saúde Pública, Universidade Do Porto

2Departamento de Epidemiologia Clínica, Medicina Preditiva e Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto

3Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

 

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A promoção da saúde cardiovascular contempla a disseminação de informação direcionada para cidadãos e profissionais de saúde. Este estudo pretendia mapear as perspetivas de doentes e médicos quanto às fontes privilegiadas de informação sobre saúde cardiovascular e aos objetivos com que usam a informação obtida.

Métodos: Análise de conteúdo temática de um grupo focal com médicos e outro com doentes, realizados em janeiro e março de 2011. Garantiu-se a diversidade de áreas de especialidade e de experiência profissional em doenças cardiovasculares (DCV), assim como de patologias cardiovasculares no grupo de doentes.

Resultados: Doentes e médicos realçaram a importância de obter informação credível, acessível, clara, relevante e precisa, utilizando-a para identificar e avaliar sintomas e fatores de risco, e compreender a adesão e eficácia do tratamento e as consequências psicossociais da doença. Os doentes valorizaram a informação transmitida presencialmente por profissionais de saúde ou imagens, visando compreender as características e consequências da doença e as formas de a gerir quotidianamente. Os médicos valorizaram a informação proveniente de websites e a troca de informação entre pares, centrando-se na transmissão de informação. Dificuldades em estandardizar recomendações e a valorização do conhecimento obtido empiricamente podem originar inconsistências nas informações disponíveis. Conclusões: Doentes e médicos privilegiaram diferentes fontes de informação em saúde cardiovascular e utilizam-na para finalidades específicas distintas. Importa incluir as perspetivas de doentes e médicos no desenho e implementação de políticas de saúde no âmbito da prevenção e gestão de DCV, evitando a sobreutilização dos cuidados de saúde.

Palavras-chave: doenças cardiovasculares, gestão da informação em saúde, pacientes, pesquisa qualitativa, pessoal de saúde

 

ABSTRACT

Introduction: The promotion of cardiovascular health comprises the dissemination of information among citizens and health professionals. This study aimed to map the perspectives of patients and physicians regarding privileged sources of information on cardiovascular health and the objectives for the use of the information obtained.

Methods: Thematic content analysis of a focus group with physicians and other with patients, conducted in January and march 2011. The diversity of expertise areas and professional experience in cardiovascular disease (CVD), and of cardiovascular pathology in the patients group was guaranteed.

Results: Patients and physicians highlighted the importance of obtaining information credible, accessible, clear, relevant and accurate, using it to identify and assess symptoms and risk factors, and understand the treatment adherence and efficacy, and the psychosocial consequences of the disease. Patients valued the information transmitted face-to-face by health professionals, or through images, aiming to understand the characteristics and consequences of the disease and the ways to manage it daily. Physicians appreciated information from websites and the exchange of information between peers, focusing on the dissemination of the information. Difficulties in standardizing recommendations and the enhancement of the knowledge empirically obtained can lead to inconsistencies in the information available. Conclusions: Patients and physicians favoured different information sources on cardiovascular health and used it for specific and distinct purposes. The perspectives of patients and physicians in the design and implementation of health policies on the prevention and management of CVD should be included, avoiding the over-utilization of the health care services.

Key-words: cardiovascular diseases, health information management, health personnel, patients, qualitative research

 

Introdução

As doenças do aparelho circulatório constituem as principais causas de morbilidade, invalidez e anos potenciais de vida perdidos na população portuguesa,1 representando 30,7% de todas as mortes em 2011.2 A elevada prevalência de fatores de risco cardiovascular na população, a sua natureza modificável3 e os elevados custos associados aos cuidados de saúde, quer pelo uso inadequado dos serviços, quer pela má gestão da doença,4 enfatizam a importância de investir na prevenção primária da doença cardiovascular (DCV). Em Portugal, as principais diretrizes para a promoção da saúde cardiovascular apostam na identificação dos indivíduos de alto risco e na disponibilização de informações aos cidadãos e profissionais de saúde,5 cuja eficácia carece de intervenções culturalmente adaptadas e do apoio da comunidade.6

Atendendo à relevância dos profissionais de saúde enquanto fonte de informação em saúde,7 a comunicação efetiva com os utentes é fundamental na compreensão da DCV e na adesão ao tratamento,8 mas esta nem sempre se verifica.9 O desenho e implementação de estratégias de disseminação de informação podem modular o desempenho profissional de médicos e os comportamentos da população.5

Neste contexto, importa perceber como uns e outros compreendem e valorizam a informação disponível, de forma a otimizar as estratégias de comunicação entre ambos e contribuir para a mudança comportamental promotora de saúde cardiovascular. Assim, o presente estudo pretendia mapear as perspetivas de doentes e médicos quanto às fontes privilegiadas de informação sobre saúde cardiovascular e aos objetivos com que usam a informação obtida.

 

Materiais e métodos

Este estudo baseia-se em informação recolhida no âmbito de dois grupos focais, um com profissionais de saúde e outro com doentes, realizados em janeiro e março de 2011, respetivamente. Cada sessão durou duas horas e meia e decorreu nas instalações da universidade do Porto. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital de s. João e os participantes assinaram uma declaração de consentimento informado no início da sessão.

A qualidade teórico-metodológica e a exemplaridade foram os critérios usados na constituição desta amostra intencional.10 Na Tabela 1 descreve-se a profissão e a doença ou área de especialidade dos participantes, assim como o pseudónimo utilizado. As áreas de especialidade com maior relevância para as DCV foram escolhidas por dois médicos com experiência clínica e de investigação científica na área, os quais também selecionaram os participantes com experiência em DCV. Assegurou-se a diversidade de áreas de especialidade e uma variação de menos e mais de 10 anos de experiência profissional, entre os sete médicos entrevistados no grupo focal com profissionais de saúde. Garantiuse heterogeneidade de patologias cardiovasculares no grupo de doentes e excluíram-se aqueles com os “melhores” e os “piores” prognósticos, segundo a classificação dos médicos assistentes responsáveis por convidar os sete participantes.

 

 

O guião da entrevista foi concebido por três investigadores (um em ciências da saúde e dois em ciências sociais) e as sessões foram conduzidas por dois cientistas sociais. Este incluía questões iniciais sobre a origem e a qualidade percecionada das fontes de informação em DCV, procurando identificar as fontes mais usadas e a respetiva credibilidade, assim como o tipo de informação procurada e as dificuldades encontradas nesse processo. As demais questões exploravam os conhecimentos, práticas e atitudes acerca da prevenção, diagnóstico, tratamento e prognóstico no âmbito das DCV.

As sessões foram gravadas em áudio e integralmente transcritas. De acordo com o protocolo estabelecido por Thomas e Harden11 para a análise de conteúdo temática, procedeu-se à análise descritiva, linha por linha, das transcrições, sendo os dados sistematicamente codificados e sintetizados por temas e, dentro destes, por categorias. As expressões mais ilustrativas das perceções de doentes e de médicos sobre a acessibilidade e utilização das fontes de informação em DCV foram selecionadas para apresentação no âmbito deste artigo. Os dados foram extraídos e analisados de forma independente por dois investigadores. As dúvidas e divergências foram resolvidas através de discussão conjunta até se obter consenso.

 

Resultados

Na Tabela 2 descrevem-se as fontes de informação privilegiadas por doentes e médicos. Os doentes valorizaram as fontes associadas à interação face-a-face, principalmente o médico em quem confiam e com quem estabelecem uma relação personalizada. Os médicos salientaram a pesquisa online de informação atualizada e fiável incluída em websites de instituições fidedignas de saúde.

Os doentes atribuíram ainda elevada credibilidade aos programas televisivos, como “aquele programa da maria Elisa sobre saúde” (Leonor, l148), e aos livros e revistas de saúde. Os amigos, familiares e colegas, assim como o farmacêutico, emergiram como fontes de informação complementares. Em geral, estas fontes destacaram-se pelo recurso a imagens e histórias de vida e pelo uso de uma linguagem compreensível. António, por exemplo, afirmou ler livros com “fotografias que se vê (…) o próprio fumo a entrar nas artérias” (António, l211). Miguel referiu-se a estas fontes como “segundas opiniões [que] gostamos também de conhecer” (l124-125). Rarearam as referências à internet, realçando-se o efeito perturbador que a grande variedade de informação pode causar, como revela o relato do doente mais jovem e com atividade profissional ligada à informática:

Eu (…) vou buscar informações à internet, mas já me deixei disso porque há tantas coisas lá que uma pessoa perde-se. Então, prefiro mesmo chegar à beira de pessoas que saibam um bocadinho ou que tenham uma opinião própria do que ir à internet ver. (Miguel, l114-117) também os médicos entrevistados reconheceram que a informação disponível na Internet não é “tão sistematizada” como seria desejável (Renato, l50-52) e reforçaram a importância de identificar os websites credíveis que disseminam informação atualizada e resumida, mas detalhada. Luísa, por exemplo, relatou dificuldades quando pesquisa em websites nacionais com informação útil para a clínica e para a investigação, o que, na sua perspetiva, se deve à desorganização dos mesmos:

Eu acho que, em geral, essa informação [sobre aspetos específicos de Portugal] está muito mal arrumada, está pouco organizada, os websites estão horríveis, é muito difícil de pesquisar e ter a certeza que se encontra. Eu fico sempre com dúvidas quando preciso de ir ao INE, à DGS, ao Ministério da Saúde… (Luísa, l358-362)

O predomínio da informação recolhida online surgiu articulado com a troca de informação entre pares, no local de trabalho ou em reuniões científicas, e com as guidelines em saúde. O discurso de Paulo evidencia a confiança que alguns médicos depositam nas recomendações validadas e selecionadas por organizações credíveis, perspetivadas como fontes atuais e relevantes:

A vantagem das guidelines ou outras recomendações é (…) corrigir toda a informação recente acerca de um assunto, valorizá-la e tirar o sumo. (…)

Há associações europeias e norte-americanas que fazem (…) esse trabalho e que depois produzem as suas recomendações. (Paulo, l221-227)

Porém, outros participantes realçaram a necessidade de avaliar a qualidade das recomendações, invocando o facto de estas serem “influenciadas pelas pessoas que as fazem, que por sua vez são de alguma forma pagas pela indústria que recebe depois os lucros da implementação” (Pedro, l251-253). Três dos médicos referiram-se à importância que os livros e as revistas impressas continuam a ter na educação e formação médicas nas áreas básicas. Adicionalmente, perante a impossibilidade de ler toda a informação de saúde que estes profissionais gostariam, foi mencionada a necessidade de selecionar os ensaios clínicos e, dentro destes, os que são divulgados em congressos e reuniões científicas, como uma forma rápida e credível de atualização de conhecimentos. A escolha de uma determinada fonte depende dos contextos e dos objetivos subjacentes à necessidade de procurar as informações em causa. Luísa (l5962; 67-68), por exemplo, distinguiu entre as fontes de informação que usa na prática clínica (recomendações internacionais, artigos e o UpToDate) e aquelas a que recorre no âmbito da investigação (artigos publicados em revistas da área biomédica), ao passo que Paulo sustentou que o acesso à informação depende das condições de exercício da prática clínica:

Eu não tenho acesso ao UpToDate na minha consulta (…) e, por exemplo, utilizo um sítio como o eMedicine (…) [mas] fico na dúvida até que ponto aquilo me dá uma visão global ou uma visão não enviesada do problema que estou a tentar esclarecer. (Paulo, l210-214)

Doentes e médicos referiram utilizar a informação sobre DCV em temas semelhantes, mas com propósitos distintos a nível da identificação e avaliação de sintomas e fatores de risco, do conhecimento de aspetos relacionados com a adesão e eficácia do tratamento e com as consequências psicossociais da doença, e da disseminação, como mostraremos de seguida (Tabela 3). Os doentes usaram a informação sobretudo para compreender as características e consequências da doença e as formas adequadas de a gerir quotidianamente, focando o relato na experiência pessoal quanto à gravidade dos sintomas e na identificação de fatores de risco, essencialmente comportamentais. A narrativa de ricardo mostra como alguns doentes desvalorizam a dor no peito, considerando que o principal sintoma reside nas dificuldades de respiração: “mas o [sintoma] principal mesmo não é a dor no peito, o principal mais é (…) custa-lhe a respirar e não lhe dói nada” (ricardo, l399-401). Vários participantes equacionaram a relevância de conhecer os fatores de risco das DCV e agir em conformidade, seja porque “tudo faz mal” (Miguel e António, l12171218), seja porque as eventuais consequências dependem “do organismo das pessoas” (ricardo, l101), sustentando tal perceção nos casos de doentes que sempre tiveram comportamentos “saudáveis”:

Eu não fumo, (…) eu não bebo bebidas alcoólicas, faço desporto pelo menos três vezes por semana e, no entanto, aconteceu-me [AVC]. (…) Não estou a ver (…) o que é que possa ter originado isso. (Miguel, l95-97 e l1197-1198)

Os doentes realçaram ainda a importância de compreender alterações na prescrição, como a designação, composição e ergonomia dos medicamentos e respetivas embalagens, e de conhecer a sua segurança e eficácia, em particular dos medicamentos genéricos, avaliando-os segundo os custos financeiros e os eventuais efeitos secundários, como ilustra o discurso de Leonor:

Foi por causa do preço [que usei medicamentos genéricos]. (…) Como há muitos laboratórios a fazer genéricos agora, a substância ativa é a mesma, só que a composição é que nem sempre é a mesma(…). E o que acontece é que muitas vezes [uma pessoa] dá-se muito bem com um genérico, mas se for de outro laboratório já não dá bem (por exemplo, os intestinos sentem-se e assim…), mas troca-se de laboratório e a coisa já corre bem. (Leonor, l980-988)

Adicionalmente, as crenças do doente sobre a eficácia do tratamento e as suas experiências anteriores com terapias farmacológicas sustentaram uma distinção entre medicamentos “imprescindíveis” e os restantes. Rúben afirmou que “não tem mal” esquecer-se de tomar a medicação, desde que no dia seguinte volte ao “normal” (l838-841). António também reconheceu esquecer-se de tomar medicamentos sem que haja qualquer consequência, mas afirmou nunca se esquecer de tomar os dois medicamentos “imprescindíveis” (l918-925). ricardo descreveuaopçãopornãotomarummedicamento (ou tomar apenas metade) quando precisa de fazer um esforço adicional para o ingerir como um “castigo” que aplica ao medicamento quando este fica “colado” na garganta:

Às vezes até parece que fica aqui no caroço. E vai mais uma peça de fruta, para o gajo ir para baixo, que o gajo não vai com água. (…) E eu: hoje não tomo, ficas de castigo. (…) Tem consequências se tomar a dobrar, agora se diminuir não faz mal, porque dá para 24 horas. (ricardo, l770-771 e l934-944)

Os doentes também mencionaram usar a informação para aprender a lidar com as consequências psicossociais da DCV, realçando a adequação das estratégias preventivas às circunstâncias da vida quotidiana, e o papel do apoio familiar neste processo: “tenho sorte [com os meus familiares] (…), porque vejo que em muitos sítios era preciso ajuda e ninguém se aproxima” (Leonor, l1301-1303).

Os médicos centraram-se na importância de transmitir informação clara e objetiva ao doente, corresponsabilizando-o pelo sucesso do tratamento e pela adequada valorização dos sintomas. Paulo salientou a necessidade de formalizar repetidas explicações orais em conteúdos escritos, enquanto mariana realçou a inclusão dos cuidadores:

O doente ouve hoje, voltará um mês depois e vai ouvir a mesma coisa e aquilo vai passando, talvez. (…) Recentemente a associação dos médicos de clínica geral criou, traduziu, um documento (…) que nos dá um jeitaço, que é um conjunto de handouts, traduzidos e claros, e com bonequinhos simpáticos e, portanto, aquilo torna-se fácil de ler. (Paulo, l674-681)

O doente acaba por não ter a capacidade de perceber aquilo que lhe é dito e motivar quem vai [com ele] à consulta para tentar também corrigir os estilos de vida é muito importante. (mariana, l662-666)

Os participantes no grupo focal com médicos enfatizaram os obstáculos que encontram neste processo, nomeadamente: a apropriação, por parte dos doentes, das informações acerca da sintomatologia para conquistarem atenção ou se automedicarem, como ilustram os relatos de Paulo e Patrícia; e as dificuldades em quantificar e estandardizar recomendações para fatores de risco como a alimentação, o consumo de álcool e a prática de exercício físico, atendendo a que “é duvidoso [dizer] em que é que consiste comer adequadamente” (Luísa, l1551259), por exemplo, ou estabelecer a idade apropriada para começar a medir a tensão arterial em consultas de vigilância e a respetiva periodicidade.

Eu tenho uma série de doentes que me chegam à consulta sem diagnóstico de hipertensão arterial. Se calhar é porque querem ter mais atenção (…), mas chegam lá com dores de cabeça dizendo: Dói-me a cabeça, mas tenho a tensão alta; Sr. Dr., importa-se de ver? (Paulo, l1133-1137)

Qualquer sinal neurológico focal [ter adormecimento de um lado ou falta de força, um desequilíbrio] e que possa não ter uma relação direta com a hipertensão, se as pessoas são hipertensas pensam: ah eu tive isto, mas depois medi e as tensões estavam um bocadinho altas –devia ser disso, tomei um comprimido. E às vezes facilitam. (Patrícia: l1105-1109)

Na perspetiva dos médicos, a obtenção de informações acerca dos benefícios e das limitações de medicamentos, em particular os genéricos, é essencial para garantir a adesão ao tratamento. no relato de Patrícia evidencia-se a importância de usar esta informação para esclarecer eventuais dúvidas colocadas pelos doentes quanto ao respetivo preço e ergonomia:

Eu explico isso ao doente: o senhor, se quiser, pode chegar à farmácia e mudar para outro [medicamento], mas eu vou-lhe pôr agora na receita este que é mais barato. O que é que acontece com isto? Como os mais baratos vão sendo diferentes, o doente tem para o mesmo fármaco aspetos diferentes de comprimidos, de caixas, que era uma referência que eles tinham (…). Depois de embalagem para embalagem os comprimidos vão ser diferente e se isso tem gerado de facto uma confusão muito grande. (Patrícia, l985-999)

Perspetiva-se com utilidade conhecer e implementar estratégias para manter os doentes motivados, bem como para detetar e encaminhar os doentes que precisam de profissionais não-médicos ou aqueles que não aderem aos tratamentos. O diálogo estabelecido entre Renato e Beatriz mostra como a escassa evidência nesta matéria se repercute em práticas clínicas diferenciadas, manifestadas na opção por “dar alta” a doentes não cumpridores ou na tentativa de reforçar o acompanhamento médico e compreender os motivos que podem justificar a não adesão:

Renato:

Ao fim de uns anos de trabalho, qualquer um dos médicos(… )identifica logo aquilo que nós chamamos o pato bravo. E depois cada um toma as medidas que entender. (…) Ao fim de duas ou três consultas digo: olhe, dá-me a entender que não está disponível para ser o primeiro interessado na sua própria saúde, o que é que pretende fazer? E se a pessoa tiver honestidade para dizer logo: Oh Dr. olhe eu não vou levar isto a sério. Então ele vai permitir que eu lhe dê alta.

Beatriz:

Pois, mas é essa estratégia que não está recomendada. [A recomendação] é nunca dar alta a um doente que não adere, é aumentar [a vigilância médica]. (Renato e Beatriz, l1042-1053)

O esclarecimento adequado e atempado sobre as consequências psicossociais da DCV junto dos doentes, sobretudo no que se refere às implicações ao nível da atividade laboral e da atividade sexual, bem como a adequação a cada doente das possíveis opções de resposta foi também referido pelos médicos como uma das áreas privilegiadas de utilização da informação sobre DVC.

 

Discussão

Doentes e médicos privilegiaram diferentes fontes de informação em saúde cardiovascular, emergindo em ambos os grupos a importância da confiança enquanto critério que preside a escolha. Os doentes valorizaram, por um lado, a informação transmitida pelo médico que os acompanha, assim como por outros profissionais de saúde e conhecidos a quem conferem credibilidade, e, por outro, o uso de linguagem acessível, oral ou escrita, preferencialmente acompanhada por imagens. Os médicos realçaram a informação proveniente de websites de instituições fidedignas de saúde, bem como a troca de informação entre pares, no local de trabalho ou em congressos e reuniões.

Os resultados obtidos corroboram as conclusões de estudos prévios sobre as principais fontes de informação em saúde procuradas pela população em geral,7 que revelam que os profissionais de saúde são a fonte de informação em que os cidadãos mais confiam, sobretudo quando se deparam com questões sobre o diagnóstico, o tratamento e, em particular, a medicação.12 Atendendo à preferência dos doentes pela obtenção de informação sobre saúde durante conversas presenciais com o habitual prestador de cuidados de saúde, proporcionar informação personalizada e potenciar oportunidades de interatividade e comunicação podem ser fatores importantes no planeamento de intervenções que visem modificar comportamentos em saúde.13

As referências à internet rarearam nos relatos dos doentes, emergindo o efeito perturbador causado pela grande variedade de informação disponível e pela impossibilidade de colocar questões ou esclarecer dúvidas.14 num estudo recente sobre a qualidade da informação disponível, em português, na internet sobre hipertensão arterial e enfarte agudo do miocárdio verificou-se que esta era, frequentemente, inadequada e insuficiente, sobretudo no que respeita ao diagnóstico e tratamento.15 Esta constatação exige das instituições de saúde uma atenção redobrada na avaliação da qualidade de websites dirigidos a doentes, mas também a médicos. Importa que esses websites sejam desenvolvidos em parceria com a população-alvo de forma a compreender efetivamente como as pessoas usam a internet, que informações procuram, e de que modo a informação deve ser organizada e apresentada.16 também a formação dos profissionais de saúde em tecnologias da informação, bem como a disponibilização de motoresde busca delivre acesso e com conteúdos devidamente avaliados, pode ser relevante na melhoria da qualidade da informação pesquisada e obtida e do acesso eficiente a recursos online.17

Os colegas de trabalho, assim como as recomendações em saúde, são importantes fontes de informação para os médicos, acrescentando conhecimento enraizado na experiência e a estandardização dos procedimentos.18 Contudo, no caso das recomendações produzidas no âmbito da prevenção do risco de DCV, uma revisão sistemática publicada recentemente chamou a atenção para as diferenças entre várias diretrizes, alertando para o uso exclusivo de recomendações desenvolvidas a partir de normas rigorosas, de forma a obter informações consistentes e coerentes.19

Outras fontes de informação credíveis, economicamente acessíveis e facilmente disponíveis, como as linhas de apoio telefónico, campanhas e folhetos, não foram mencionadas quer pelos doentes, quer pelos médicos. Da mesma forma, médicos foram omissos quanto ao recurso a ações de formação que visem melhorar a sua prática clínica, apesar de as mesmas se encontrarem contempladas nas diretrizes nacionais para a promoção da saúde cardiovascular.5

Doentes e médicos reportaram utilizar a informação sobre saúde cardiovascular para identificar sintomas e fatores de risco, conhecer a adesão ao tratamento, mais especificamente à medicação, e as consequências psicossociais da doença, distinguindo-se os dois grupos quanto às finalidades específicas e à hierarquização de prioridades. Os doentes usaram a informação sobretudo para compreender melhor as características e consequências da sua doença e as formas mais adequadas de a gerir quotidianamente, enquanto os médicos se centraram na importância de garantir que a informação é transmitida ao doente de forma clara e objetiva, de modo a coresponsabilizá-lo pelo sucesso do tratamento, salientando as dificuldades que encontram neste processo.

No presente estudo, os doentes identificaram apenas os principais fatores de risco comportamentais definidos para a DCV.20 Importa, por isso, investir na disseminação de informação sobre os fatores de risco major junto dos doentes,8 o que poderá passar, segundo os médicos, pela simplificação e estandardização do formato e da linguagem utiliza dos em diretrizes escores de avaliação de risco cardiovascular.

As informações do doente sobre a eficácia do tratamento, frequentemente baseadas nas suas experiências prévias com as terapias farmacológicas, bem como sobre a composição, designação e ergonomia dos medicamentos afetam a adesão à medicação.21 Assim, intervenções comportamentais que envolvam aconselhamento, contactos frequentes com o paciente e monitorização do tratamento parecem ser as mais eficazes na promoção da adesão ao tratamento em DCV.22

Lidar com as consequências psicossociais da DCV pode ser mais complexo do que aprender a viver com as sequelas físicas, atendendo aos impactos duradouros da doença sobre o humor, a identidade, as relações sociais e a qualidade de vida.23 Assim, importa aumentar a consciência dos doentes sobre os riscos, promovendo estratégias preventivas, apelativas e interativas que possam ser efetivamente implementadas no seu quotidiano, tendo em consideração tanto os contextos sociais como os físicos. De facto, têm sido descritas descoincidências entre as práticas de aconselhamento dos médicos quanto à prevenção e gestão da DCV e as condições de vida dos doentes.24 O conhecimento das opções de resposta que os doentes têm disponíveis perante a suspeita de DCV, bem como a capacidade de as adequar a situações específicas, podem ajudar a atenuar as consequências de um diagnóstico de DCV. Neste contexto, os serviços de saúde deverão estar sensibilizados para a importância do rastreio precoce de problemas cognitivos e emocionais e do eventual encaminhamento para atendimento especializado, através da ação integrada de equipas multidisciplinares, para além de facultarem informações e apoio médico e psicossocial quanto a técnicas de autogestão da doença.25

Apesar do rigor metodológico implementado, a constituição de um só grupo de médicos e outro de doentes apresenta-se como uma limitação deste estudo. Contudo, a recolha de informação através do uso de uma metodologia qualitativa permitiu compreender a articulação entre dimensões científicas, técnicas e psicossociais na procura e usos de informações sobre saúde cardiovascular. Deste estudo emerge a necessidade de uma avaliação do conteúdo, desenho, estratégias de implementação e eficácia dos atuais programas de prevenção cardiovascular, que integre as perspetivas de todos os cidadãos.

 

Conclusões

O presente estudo assume-se como um ponto de partida para mapear a perceção de doentes e médicos quanto à acessibilidade e utilização das fontes de informação em saúde cardiovascular. Doentes e médicos entenderam que, para a prevenção da DCV, é essencial que a informação disponibilizada seja credível, acessível, clara, relevante e precisa sobre as medidas que os indivíduos podem adotar. Contudo, dificuldades em quantificar e estandardizar recomendações e a valorização do conhecimento obtido empiricamente podem originar inconsistências nas informações disponíveis. Estes resultados consolidam a necessidade de incluir as perspetivas de doentes e médicos no desenho e implementação de políticas de saúde no âmbito da prevenção e gestão de DCV, de forma a fomentar o envolvimento de todos os intervenientes e evitar a sobreutilização dos cuidados de saúde.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a todos os participantes pela sua disponibilidade.

 

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Correspondencia:

Elisabete Alves

Instituto de saúde Pública da Universidade do Porto, rua das taipas, nº 135; 4050-600 Porto, Portugal. E-mail: ealves@med.up.pt

 

Data de recepção / reception date: 17/04/2014

Data de aprovação / approval date: 05/05/2014

 

Esta investigação foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do Programa Harvard Medical School -Portugal (HMSP-IISE/SAU-ICT/0004/2009).

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