SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 issue4Medicina criando evidência author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.27 no.4 Porto Aug. 2013

 

COMENTÁRIO

Novos caminhos para a investigação em saúde I

Ana Fonseca1, Manuel Cardoso de Oliveira1

 

1Universidade Fernando Pessoa

 

A Saúde, como área de enorme complexidade e grande importância humana, social e política, está sujeita a constantes desafios e nunca como agora esteve em tão apertado escrutínio.

Para responder a estas novas exigências, e perante este quadro com contornos realistas, é evidente que a aprendizagem na área da saúde tem de acertar o passo com este novo tempo. E se a reforma de Flexner mantém ainda aspetos aproveitáveis, indo a aprendizagem à base de resolução de problemas no mesmo sentido, torna-se necessário destacar a importância atual da aprendizagem transformativa conforme se vai salientando em muitos sectores da educação. Ensinar na área da saúde pressupõe existência de conhecimentos (científicos, experienciais e organizacionais) e o aproveitamento das melhores condições para os criar, facilitando a sua translação para as práticas profissionais. Daí a importância da investigação.

Na avaliação das instituições de saúde deve constar, como é natural, a atenção que é dedicada à investigação. Os incentivos, porém, são escassos e os suportes para uma investigação de qualidade insuficientes, e nem sempre os recursos disponíveis se distribuem de modo justo.

Assiste-se, efetivamente, a uma escalada de problemas e mudanças que têm efeito direto, muitas vezes negativo, nas experiências dos doentes e nas interações destes com a área dos cuidados de Saúde. Esta conflitualidade reduz a qualidade e aumenta os custos dos referidos cuidados, secundarizando os objetivos de serem efetivos e eficientes.

Melhorar o nível de saúde da população é, em termos simples, o objetivo principal de qualquer plano nacional de saúde1. Para que esse objetivo seja mais facilmente atingido é indispensável criar estruturas, melhorar a cultura organizacional da saúde e disseminar conhecimentos. Apesar da evidência destas necessidades, a verdade é que a investigação científica na área da saúde em Portugal continua na maior parte dos casos em plano modesto, sem que às instituições caiba a maior cota de responsabilidade. É bem sabido, como salientou Daniel Serrão, que “ nos estabelecimentos hospitalares a exceção é que neles se desenvolva investigação sustentada e coerente, ressalvando casos exemplares que, por serem um exemplo, não são a regra”2.

No Plano Nacional de Saúde 2011-2016 o capítulo de investigação elaborado por João Lobo Antunes passa em revista os vários tipos de investigação, começando por se referir à investigação básica como dependente das instituições que tutelam a ciência e a tecnologia, num enquadramento de grande escassez e muitas exigências burocráticas com pouco reconhecimento académico e afastada, muitas vezes, das necessidades da clínica. Com a criação do programa da ciência e da rede de laboratórios associados estas limitações atenuaram-se, mas estamos ainda longe de ter um plano satisfatório, como muitos vão reconhecendo.

Quanto à investigação clínica, aquele autor considera-a uma investigação orientada para o doente e terá sempre o clínico como o seu natural protagonista. É ainda referida a crise instalada do conceito médico-cientista, entre nós, há dezenas de anos, e as deficiências que continuam a verificar-se nas estruturas científicas nacionais, o que não permite expectativas otimistas sobre esta temática. Acresce que é uma investigação cara, que ocupa tempo, pelo que os clínicos preferem as atividades assistenciais e muitas vezes só fazem investigação para progredirem na carreira académica. Além disto, o espetáculo pouco recomendável de alguns professores ignorarem a parte académica dos curricula de docentes do ciclo clínico leva a que alguns jovens se afastem da carreira universitária, que, além de exigente, os deixa expostos às maiores arbitrariedades. É também bem reconhecida a extrema escassez de estruturas e de financiamentos, o que só agrava este quadro desolador. A investigação de translação e a investigação de natureza epidemiológica têm uma enorme importância, sendo indispensável que as unidades de saúde possuam elementos com formação epidemiológica adequada ou estabeleçam parcerias com centros idóneos. A área dos ensaios clínicos tem grande especificidade e muita importância científica e económica, exigindo infraestruturas e quadros que possam permitir uma maior visibilidade do país a nível internacional.

A investigação de natureza socioprofissional e económica é referida no Plano Nacional de Saúde 2011-2016 como uma área vastíssima, de um modo geral conduzida por profissionais com formação sociológica, económica ou de gestão, devendo argumentar-se que este tipo de investigação ganha naturalmente outra clarividência quando os profissionais da área da saúde participam ou coordenam esses projectos, como há já vários anos temos procurado fomentar com evidentes proveitos.

Desde o fim do século XX, após iniciativa do Instituto de Medicina Norte-Americano (IoM), e nos anos seguintes, a atenção dedicada à questão da qualidade clínica teve um desenvolvimento espetacular. Um dos componentes mais importantes da qualidade é a segurança do doente (patient safety) cujo estatuto foi ganhando particular evidência. Esta dinâmica veio colmatar muitas insuficiências dos processos de acreditação das unidades de saúde, inicialmente subjugados por uma carga burocrática inconveniente e afastados das questões mais diretamente ligadas aos doentes. Isso mesmo foi reconhecido pelas diversas agências de acreditação, podendo dizer-se que o panorama mudou completamente. Mesmo assim é agora conveniente investigar quais as verdadeiras repercussões das acreditações nas unidades de saúde, sabendo-se que estas sugestões têm aparecido nalguns sectores, orientação que insistentemente temos defendido3.

Como anteriormente referimos, os incentivos e a tendência para se publicar artigos nestas áreas emergentes de tão grande importância clínica, organizacional e científica são escassos e as compensações curriculares tardam a aparecer. Não surpreende, pois, que mesmo aqueles que esforçadamente vão tendo iniciativas suscetíveis de serem divulgadas, optem por não as publicar, o que é mau, ou quando as desejam publicar encontrem obstáculos intransponíveis, muitas vezes devidos à ignorância dos que julgam, para não falar de outras insuficiências como, por vezes, parece acontecer. Os cientistas clássicos, guardiões da ciência e da investigação em áreas importantíssimas da medicina e da biologia, poderão não estar nas melhores condições para apreciar a importância da ciência pragmática nestas áreas. Torna-se indispensável dar a conhecer o que está a acontecer ao mais alto nível nestas áreas, referindo as contribuições de numerosos e qualificados profissionais que reivindicam fundamentadamente um lugar próprio para as referidas áreas, com resultados que começam a ter visibilidade. A verdade é que há já revistas cotadas que adequam os seus critérios de exigência redatorial, excelentes livros de texto surgem a um ritmo impressionante e numerosos congressos e outros tipos de reuniões acontecem em todo o mundo, devendo registar-se até os esforços em países em desenvolvimento.

Será oportuno lembrar que apesar dos mais diversos constrangimentos na área da investigação em saúde, a verdade é que os nossos académicos continuam a ver apreciada a sua produtividade científica para efeitos de progressão na carreira ou de adequação curricular para atividade docente e acreditação de cursos. Sem obviamente negar a importância da investigação tradicional para aqueles efeitos, lamenta-se assistir-se a assimetrias nas exigências, ora porque os critérios usados só são rigorosos para alguns, ora porque nem sempre os julgadores possuem a formação adequada para se pronunciarem. A importância do que está em causa exige que mais detalhadamente analisemos estas questões. Para o efeito recorremos a um editorial intitulado “iconoclasias” que um de nós elaborou em 2010. Então dizíamos que os cientistas da segunda metade do Séc. XX, iconoclastas e com uma grande devoção pelo método científico, consideraram este método uma ferramenta essencial para avaliar os desempenhos dos profissionais da Saúde, o que ganhou ainda mais expressão com o desenvolvimento da medicina baseada na evidência. Tal, porém, não invalida os métodos de observação e reflexão que servem para grande parte da aprendizagem humana e, francamente, na base dos quais muitas indústrias e outras organizações modernas estão a construir o futuro. Esta ciência pragmática, apesar de viva e bem viva, está, porém, encurralada por metodologistas com larga influência em vários sectores pelo que se torna necessário contornar estas dificuldades. Na área da melhoria da qualidade clínica e na da segurança dos doentes os investigadores usam métodos diversos dos que são usados na investigação biomédica tradicional, apontando para a importância da aprendizagem experiencial. Como a ciência não tem fronteiras, a aposta em áreas emergentes da saúde é irrecusável, tendo de louvar-se o esforço de todos os que se empenharam em aproximar os dois campos, oferecendo orientação e princípios para que a comunidade científica se vá inteirando dos notáveis progressos que conduzem a novos conhecimentos, bem como da absoluta necessidade de translacionar estes para práticas com evidência crescente. Neste sentido, em 2005 Davidoff e Batalden5 elaboram guidelines para publicação de temas na área da melhoria da qualidade e da segurança dos doentes, procurando estabelecer a teoria subjacente à aprendizagem experiencial que é central a muita da respetiva investigação. O acrónimo SQUIRE significa Standards for Quality Improvement Reporting Excellence e constitui uma base fundamental para o propósito da aproximação referida. Subsequentemente, com o apoio financeiro da Fundação Robert Wood Johnson, realizou-se uma conferência de editores e peritos na matéria, tendo o documento original sido revisto. Esta revisão foi efetuada por 150 líderes de opinião e, após três ciclos de aperfeiçoamento, foi publicada em 2008 em revista da especialidade6.

Refira-se que, anteriormente a SQUIRE, foram elaboradas orientações concisas para projetos de melhoria da qualidade7 (Quality Improvement Reports-QIR) de âmbito mais focalizado, ligados ao sucesso ou falhas das iniciativas em causa. Apesar de SQUIRE e QIR estarem ambos ligados à comunicação de estratégias de melhoria, há, no entanto, alguma diferença entre eles. Com efeito, SQUIRE tem um âmbito mais largo e segue o formato clássico -Introduction, methods, results and discussion (IMRD), enquanto QIR é mais flexível a descrever a implementação de mudanças8. De qualquer modo, ambos têm contribuído para uma melhor divulgação das investigações realizadas, prevendo-se que o encorajamento de uma maior interação com o site SQUIRE possa acarretar avanços mais substanciais. Dado o carácter muito genérico da sua estrutura em documento posteriormente elaborado, foram desenvolvidos aspetos relativos à sua explanação e elaboração9.

As vantagens das publicações nestas áreas são evidentes, permitindo obter dados sobre desempenhos profissionais e institucionais, referindo estímulos para que ambos melhorem, mas podem também ter aspetos negativos como o aumento do consumerismo e da competitividade desenfreada entre profissionais10. Mas para nós uma das maiores desvantagens poderá ser a tentativa de publicar trabalhos sem idoneidade científica, confundindo ferramentas de apoio a meras medidas de gestão com iniciativas cujo recorte científico não ofereça dúvidas.

Ao contrário de dados relativos à área da investigação clínica, a ciência da melhoria da qualidade e da segurança do doente é essencialmente um processo social, cujos propósitos imediatos são mudar comportamentos humanos, mais do que gerar novos conhecimentos11. É uma ciência aplicada mais do que uma disciplina académica e esta diferença fundamental tem de ser devidamente ponderada pelos que são responsáveis por decisões relativas à importância destas matérias. A adesão rígida a planos de melhoria é incompatível com um elemento essencial desta que é a modificação contínua daqueles planos iniciais em resposta ao feedback sobre os resultados que se vão obtendo, como é próprio das ferramentas dos ciclos PDSA tão usados no sector. As guidelines são importantes como auxiliares de memória e têm grande utilidade na gestão de sistemas complexos como é o caso da saúde12, ainda que se não aconselhe uma aplicação rígida. Simultaneamente podem servir como importantes drivers para a criatividade, devendo ser entendidas como “pistas de sinalização e não como algemas”13.

O uso conjunto das guidelines SQUIRE com outras guidelines para publicação não está excluído, o que lhes retira um carácter de exclusividade que aliás nunca reclamaram. É reconhecido que as descrições em SQUIRE são mais detalhadas do que outras, louvandose todos os esforços para lhes aumentar a utilidade, mas infelizmente pouco se sabe acerca dos meios mais efetivos para as aplicar na prática. Como consequência os editores foram forçados a aprender com a experiência a usar outras guidelines de publicação, reconhecendo que as especificidades do seu uso variam de revista para revista. Ainda que SQUIRE tenha como principal propósito estimular publicações na área da ciência da melhoria, não pode deixar de se reconhecer as suas potencialidades educativas.

Enquanto floresce a prática da melhoria contínua da qualidade, a evolução da sua base científica é dificultada pela complexidade e diversidade da informação necessária para avaliar a sua implementação e efeitos. Apesar do seu corrente uso, a evidência rigorosa sobre a sua efetividade continua escassa e os cientistas clássicos questionam se os padrões correntes para avaliar a melhoria contínua da realidade não serão muito permissivos. Em contraste, muitos investigadores na área da qualidade bem como certos editores de revistas e profissionais reconhecem limitações nos tradicionais estudos randomizados quando usados como padrões para julgar a hipótese de publicação na sua área de trabalho. Estas limitações foram já abordadas anteriormente por um de nós4.

Os trabalhos sobre a investigação na área da melhoria da qualidade em saúde são escassos, especialmente em países ditos menos desenvolvidos. Apesar desta escassez, deve salientar-se um claro aumento de publicações, especialmente estudos observacionais, sendo ainda de salientar o grande número de iniciativas que lamentavelmente não têm conduzido à elaboração de trabalhos. No entanto, quer a WHO quer outras instituições de referência mundial na área da saúde chamam a atenção para a necessidade de fortalecer novos caminhos da ciência de modo a implementar o que já sabemos mas não praticamos, o que passa por saber como promover práticas baseadas na evidência. A possibilidade de nos trabalhos a publicar estarem referidos a identificação do problema, o processo de melhoria, as intervenções testadas e os métodos de avaliação usados, conferir-lhes-á a consistência necessária para publicação. Estes conceitos foram recentemente discutidos com extrema elegância14. Efetivamente existe uma considerável lacuna entre o que sabemos com base na investigação e o que é feito na prática clínica15. A Evidence Based Medicine (EBM) e a Quality Improvement (QI) têm globalmente objectivos semelhantes mas focam-se em partes diferentes do problema. A EBM centra-se mais no “doing the right things” (ações informadas pela melhor evidência disponível) enquanto QI se foca mais no “ doing things right” (as ações desenvolvidas são-no meticulosa, eficiente e fiavelmente). Contudo ambas (EBM e QI) são complementares e em combinação conduzemnos para o “ do the right things right”16. Neste excelente e oportuno artigo os autores examinaram as diferenças e as semelhanças entre os dois tipos de metodologias e propõem a sua integração na prática clínica, concluindo que o desenvolvimento e o treino de ambas trarão benefícios mútuos. Dado que a epistemologia de ambas as disciplinas está a evoluir, é de esperar que estes avanços conjuntos nos conduzam a resultados cada vez mais interessantes. Mais do que esforços isolados torna-se indispensável reconhecer que a aprendizagem experiencial é um processo cíclico de PDSA e que novas técnicas generalizáveis estão a evoluir. Por isso uma nova geração de clínicos deve estar preparada em ambas as disciplinas17. Os curricula médicos aos diversos níveis e as unidades de saúde devem atender à importância de encarar globalmente a EBM e a QI14.

Manda o senso comum que atendendo a que os cuidados de saúde são, na sua essência, um dar e receber de sentimentos dos seres humanos, quer individualmente quer em grupos, o poder real da melhoria apoia –se consequentemente no domínio das complexas realidades que comandam e inibem os desempenhos humanos, os comportamentos profissionais e a mudança social. É bem verdade que mesmo nos seus mais científicos e técnicos momentos, a provisão de cuidados de saúde é sempre, mas sempre, um ato social18. Esta tónica multidisciplinar teve, como era de esperar, repercussões nos curricula dos profissionais, pressões para investigações adequadas e colaborações centradas nos sistemas sociotécnicos. É, pois, necessário que também os líderes se consciencializem da importância destes novos caminhos, tocados pelo espírito de pesquisa e pelo domínio das ferramentas intelectuais necessárias para melhorar os cuidados de saúde. Esta não é uma ciência dos recônditos dos laboratórios, é antes uma ciência altamente aplicada, que tem a ver com os intricados atoleiros do mundo real, mais que com as bem formuladas hipóteses do mundo académico18. Esta é uma diferença que nos parece oportuno acentuar e que exige a todos clareza de pontos de vista e transparência nas atuações. Os cientistas “ clássicos “ têm de reconhecer que esta é uma área emergente com aplicações práticas de vulto, não só em termos de saúde como de educação e investigação. Em muitos países18 um número apreciável de profissionais encontrou o caminho da ciência pragmática mais por acidente do que por orientação preconcebida e muitos deles têm contribuído decisivamente para o desenvolvimento sustentado destes conceitos com tão grandes implicações práticas. Não tem sido fácil este trabalho multidisciplinar de angariação de talentos; o desafio é grande, mas os potenciais benefícios serão maiores18.

Como insistentemente temos referido, os cuidados de saúde estão a mudar muito e nunca como agora o sector esteve em tão apertado escrutínio. Com o espantoso desenvolvimento científico e tecnológico a que vimos assistindo não surpreende que as opções diagnósticas e terapêuticas tenham aumentado muito, tornando necessário um conhecimento apurado dos benefícios e dos riscos de cada uma delas. Como é óbvio, muitas das opções disponíveis são motivadas por resultados da investigação. Todavia muitos clínicos e a maior parte dos doentes acham este um processo um tanto misterioso, tendo dificuldade em selecionar na volumosa disponibilidade da evidência médica a informação que é fiável e acionável para as suas necessidades19.

A investigação sobre os outcomes centrados nos doentes – Patient Centered Outcomes Research (PCOR), também conhecida como Comparative Effectiveness Research (CER), prometeu aumentar a capacidade dos gestores para decidir e pesar alternativas. Por isso torna-se necessário dispor de uma orientação sistematizada para o uso apropriado dos métodos deste novo tipo de investigação, sem a qual se corre o risco de alguma confusão. CER é um conceito surgido desde 1970 com vários nomes. Inicialmente como avaliação tecnológica da saúde, em 1980 como “effectiveness research”, em 1990 como “outcomes research’’, nos últimos anos até como “evidence based medicine”20. Embora este tipo de investigação não seja novo, a sua importância foi fortalecida mediante a criação de legislação e investimentos indispensáveis.

Os aspetos únicos deste tipo de investigação são o seguimento longitudinal dos doentes, a inclusão de resultados por estes referidos, e a interacção com os stakeholders ao longo de todas as fases de investigação. Os investimentos ligados a este tipo de investigação devem esforçar-se por explorar meios inovadores que permitam intensificar a translação de resultados para a prática clínica, deste modo aumentando a precisão desta.

Embora importante, a CER tem de defrontar enormes desafios pois difere da investigação biomédica e da investigação clínica tradicionais no seu tipo global de gestão, métodos, mecanismos de financiamento e impacto na cultura académica21.

Todos os profissionais relacionados com a saúde devem estar interessados em participar neste tipo de investigação. As parcerias com certos grupos populacionais (crianças, idosos, minorias étnicas) são cada vez mais encorajadas assim como com certas áreas da medicina (medicina clínica, melhoria da qualidade, operações clínicas).

Por várias razões é importante conhecer, pelo menos no essencial, os achados deste tipo de investigação. Como vimos os problemas de saúde são crescentemente complexos e o número e os tipos de opções terapêuticas aumentaram muito. Sabe-se também que os sistemas de prestação de serviços estão a mudar rapidamente em resposta a pressões económicas e preocupações com a qualidade. Finalmente, a promessa de uma medicina individualizada lançou uma vultuosa investigação para explorar os caminhos da genética, da epigenética e outras características pessoais que influenciam as respostas à terapêutica19.

Em Julho de 2012 a comissão metodológica do Patient Centered Outcomes Research Institute (PCORI) publicou padrões selecionados para a condução de investigações que levem a intervenções baseadas na evidência e centradas nos doentes. Na agenda desta instituição estão incluídas fundamentalmente cinco áreas: avaliação das opções terapêuticas, da prevenção e das opções de diagnóstico; melhoria dos sistemas de saúde; comunicação e disseminação; identificação de disparidades; aceleração da investigação metodológica centrada nos doentes22.

Sabe-se que os ensaios randomizados e controlados (RCTs) são o gold standard para determinar a eficácia e a segurança dos fármacos, mas também têm algumas limitações. Os dados da CER derivados dos RCTs podem não permitir comparações efetivas entre tratamentos, havendo quem acredite que a CER poderá identificar as características clínicas que predizem qual a intervenção que poderá ser mais benéfica num doente23, assim como as subpopulações de doentes que mais provavelmente beneficiam de uma intervenção e não de outra. Sendo uma área em grande desenvolvimento a CER tem, como seria de esperar, benefícios e prejuízos. E se é verdade que pode permitir eliminar intervenções que não tenham benefícios, e tem impacto na inovação de fármacos, há opiniões díspares quanto à sua influência na medicina personalizada. Nesta área debatemo-nos com a dificuldade de mudar o comportamento de médicos e doentes e, por vezes, com a ausência de lideranças esclarecidas. Parece-nos, no entanto, claro que a CER, em íntima relação com a epidemiologia, tem potencialidades para melhorar outcomes e diminuir custos o que é uma garantia para o seu natural desenvolvimento.

 

REFERÊNCIAS

1. Antunes, J.L. Investigação Científica e Plano Nacional de Saúde 2011-2016. 2010: 1-20.         [ Links ]

2. Serrão, D. Investigação em Saúde. Reflexões Avulsas. Edição do Autor. Porto. 2006.         [ Links ]

3. Oliveira, M.C., Carneiro, F. Multidisciplinary contributions for the improvement of healthcare. Aceite para publicação nos Arquivos de Medicina.         [ Links ]

4. Oliveira, M.C. A Propósito das Iconoclasias. Arquivos de Medicina 2010. 24(4):153.         [ Links ]

5.Davidoff, F., Batalden, P. Toward stronger evidence on quality improvement. Draft publication guidelines: The beginning of a consensus project. Quality and Safety in Health Care 2005.14(5):319-25.         [ Links ]

6. Davidoff, F. et al. Publication Guidelines for Quality Improvement in Health Care: evolution of the SQUIRE project. Qual. Saf. Health Care 2008.17:i3-i9.         [ Links ]

7. Thomson RG, Moss FM. QIR and SQUIRE: continuum of reporting guidelines for scholarly reports in healthcare improvement. Qual Saf Health Care 2008. 17; Suppl 1:i10–i12.         [ Links ]

8. Stevens, P., Thomson, R. SQUIRE arrives – with a plan for its own improvement. Qual Saf Health Care. 2008; 17; Suppl 1: I1–I2.         [ Links ]

9. Ogrinc G., Mooney S.E., Estrada C., et al. The SQUIRE (Standards for Quality Improvement Reporting Excellence) guidelines for quality improvement reporting: explanation and elaboration. Qual Saf Health Care 2008; 17; Suppl 1:i13–i32.         [ Links ]

10. Hamblin R. Publishing quality measures, how it works and when it doesn’t. International Journal for Quality in Healthcare, June 2007.         [ Links ]

11. Pawson R., Greenhalgh T., Harvey G.,Walshe K. Realist review –a new method of systematic review designed for complex policy interventions. J Health Serv Res Policy. Jul2005;10;Suppl 1:21-34.         [ Links ]

12. Gawande A. The Checklist: if something so simple can transform intensive care, what else can it do? New Yorker 2007. 207: 86-101.         [ Links ]

13. Rutledge A. On creativity. March 2008, Issue 254. http://www.alistapart/articles/oncreativity.         [ Links ]

14. Glasziou, P.; Ogrinc, G., Goodman, S. Can evidence-based medicine and clinical quality improvement learn from each other? BMJ Qual Saf April 2011; 20; Supp 1: i13–i17.         [ Links ]

15. S. M. Asch et al. Who Is at Greatest Risk for Receiving Poor Quality Health Care? N Engl J Med 2006.         [ Links ]

16. Irwig L. An Approach to Evaluating Health Outcomes. NSW Pub Health Bull 1994; 4:135–6. Cit in. Glasziou, P.; Ogrinc, G., Goodman, S. Can evidence-based medicine and clinical quality improvement learn from each other? BMJ Qual Saf April 2011; 20; Supp 1: i13–i17.         [ Links ]

17. Coomarasamy, A.; Khan, K.S. What is the evidence that postgraduate teaching in evidence based medicine changes anything? A systematic Review. BMJ 2004; 329:1017.         [ Links ]

18. Batalden, P., Davidoff, M., Bibby, J., Pink, C. So what? Now what? Exploring, understanding and using the epistemologies that inform the improvement of healthcare. Qual Saf 2011. 20; Suppl1: i99-i105.         [ Links ]

19. Gabriel, S.E., Normand, S. T. Getting the Methods Right – The Foundation of Patient-Centered Outcomes Research. N Engl J Med 2012. 367; 9: 787-90.         [ Links ]

20. Blackstone, E.A.; Fuhr Jr., J., Ziernicki, D. Will Comparative Effectiveness Research Finally Succeed? Biotechnology Healthcare Fall 2012: 22-6.         [ Links ]

21. Clancy, C.M. Precision Science and Patient-Centered Care. Academic Medicine 2011. 86 (6): 667-90.         [ Links ]

22. PCORI – Patient-Centered Outcomes Research Institute. Draft National Priorities for Research and Research Agenda – Version 1. January 23, 2012.         [ Links ]

23. Sox, H.C. Academic Health Centers and Comparative Effectiveness Research: Opportunities and Challenges. Academic Medicine 2011. 86 (6): 664-6.         [ Links ]

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License