SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26 issue1Conferência Anátomo-Clínica: 9 de Novembro de 2011 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.26 no.1 Porto Feb. 2012

 

COMENTÁRIO

Novos Caminhos para a Educação em Saúde

Manuel Cardoso de Oliveira1, Filipa Carneiro2

 

1 Universidade Fernando Pessoa

2 Centro Hospitalar Tâmega-Sousa

 

Correspondência

 

A Saúde, como área de enorme complexidade e grande importância social e política, está sujeita a constantes desafios. Nela as mudanças são vertiginosas, os conceitos alteram-se a um ritmo impressionante, as transformações demográficas e epidemiológicas são rápidas, o conhecimento cresce de um modo exponencial, as doenças crónicas e as populações idosas aumentam, os desperdícios são relevantes, os custos dos cuidados não param de subir, a sua integração deve actualizar-se, a necessidade de equipas multidisciplinares é manifesta e o envolvimento dos doentes e das famílias nos cuidados de saúde é cada vez maior. Como se tudo isto não bastasse, os contínuos progressos científicos e tecnológicos criam fragmentações e estas favorecem o caos. As manifestações de tribalismo nas profissões, por seu lado, dificultam muitas vezes a implementação de novos tipos organizacionais que tenham em vista superar o caos.1 Acresce que outras condicionantes devem ser tidas em conta, como as agressões ao ambiente, os problemas nutricionais e os hábitos de vida desregrados, devendo apostar-se na promoção da Saúde e na prevenção das doenças. Estas considerações constituíram a introdução a um trabalho que um de nós publicou recentemente.2

Por todas estas razões são indispensáveis lideranças esclarecidas aos mais diversos níveis dos sistemas de Saúde, podendo dizer-se que para obter avanços consideráveis necessitamos de uma revolução. Todas as questões relacionadas com a liderança estão a crescer a um ritmo tão acelerado que o seu âmbito já foi comparado à riqueza e variedade de uma floresta tropical, onde os perigos e as mais-valias se entrelaçam inextrincavelmente3. Sabe-se também que na liderança dispomos de um excesso de informação que não tem paralelo com a capacidade de a entender. Assim sendo torna-se indispensável conhecer bem vários aspectos: conceitos, características, contextos, desafios, capacidades e consequências3. Serve esta realidade para demonstrar que as perspectivas do ensino na área da Saúde são de uma enorme exigência apontando a necessidade de novos sistemas de pensamento, intensa inter e multidisciplinaridade, tipos organizacionais diferentes, e uma clara aposta na centralização dos cuidados nos doentes e na indispensabilidade da mudança. Para que os cuidados de Saúde se transformem é necessário fazer da segurança dos doentes uma prioridade, dadas as suas implicações no funcionamento global dos sistemas de Saúde. Quando no final do século XX o Instituto de Medicina revelou números alarmantes relativamente aos erros em Saúde, logo se manifestaram esforços para melhorar a referida segurança dos doentes, mas os progressos têm sido frustrantemente lentos. Em trabalho recente sobre estes assuntos4 cinco conceitos principais referidos pelos autores são a transparência, a integração dos cuidados, um maior envolvimento dos utentes, a restauração da alegria e do valor significativo do trabalho e a reforma da educação médica. Necessitamos, efectivamente, de uma visão estratégica para melhorar a segurança dos doentes criando uma cultura que permita ultrapassar barreiras. É sabido que as escolas médicas dão escassa atenção a estas questões conforme recentemente foi referido: “Because of the current lack of emphasis on patients afety education and training, today’s medical schools are producing square pegs for our caresystem’s round holes”.5 Elas têm de encarar como altas prioridades os conceitos acima referidos e tratar a segurança dos doentes como uma ciência que aposta na sua melhoria, engloba o conhecimento e as causas dos erros, as relações destes comos factores humanos, e a análise e a teoria dos sistemas. Para isso devem alterar substancialmente os seus planos de estudo, promovendo o desenvolvimento de novas competências como foi sugerido pelo IOM [provisão de cuidados centrados nos doentes, aumento da capacidade para trabalhar em equipas multidisciplinares, recurso a práticas baseadas na evidência (quando possível, direi eu),aplicação de conceitos para a melhoria da qualidade e utilização da informática].6 Sendo estas competências mais viradas para comportamentos e aptidões do que para o conhecimento, foi natural que alguns organismos altamente prestigiados (ACGME e ABMS) promulgassem um outro grupo de competências, claramente mais abrangente e, por isso, mais recomendável – medical knowledge, patient care, practice based learning and improvement,interpersonal and communnicacion skills, professionalism, systems – based practice. É tal a importância destes novos conceitos que muitos autores e instituições de enorme prestígio aconselham que este tipo de ensino deva começar precocemente, aconselhando métodos que se adequem a estas novas exigências. As estratégias para a mudança obrigam a novos métodos de acreditação, devendo reconhecer-se que para criar uma massa crítica pode demorar anos. Inicialmente o conceito de competência centrou-se na resolução de problemas relativos ao diagnóstico, mas com o crescer das expectativas sociais sobre os desempenhos dos profissionais da saúde algumas instituições apontaram novas dimensões para aquele conceito. Não surpreende, por isso, que nestes últimos anos as competências começassem ater importância crescente nos processos de acreditação, notandose mesmo muitas sobreposições entre as diversas propostas apresentadas. É, pois, indispensável que haja nesta área um esforço de coordenação para que os requisitos de acreditação fora de moda não sufoquem os educadores que sensatamente apostam na inovação. É claro que ninguém pode ser considerado competente em determinadas áreas da sua profissão, e muito menos na globalidade delas, senão forem usadas as ferramentas adequadas para a sua avaliação.

Por vezes há ideia de que a atribuição de competências pode ser um processo burocrático inquinado pelos mais diversos enviesamentos, alguns muito pouco recomendáveis. Será então possível que o ensino na área da Saúde possa ficar indiferente a este novo mundo de interdependências, globalização e áreas emergentes cuja importância salientámos? Poderá a Educação em Saúde manter-se com projectos desactualizados longe das necessidades dos doentes e das populações? Claro que as respostas são óbvias, pelo que a Educação dos profissionais de Saúde para o século XXI começou a merecer a atenção destacada de grupos e instituições internacionais altamente credenciados.7 A reforma que Flexner implementou em 1910 constituiu um valioso contributo para demonstrar o poder da ciência na transformação da Educação em Saúde. A sua importância fez-se sentir durante dezenas de anos e espantosamente só em meados do século XX se começou a falar num ensino baseado na resolução de problemas. E mesmo esta reforma, cuja pertinência parecia evidente, entre nós tardou em ser implementada. E assim chegamos a um novo século em que foi necessário repensar as reformas para revitalizar a educação dos profissionais de Saúde, melhorando os respectivos sistemas neste nosso mundo crescentemente interdependente. Estamos, então, a assistir, na área da Educação, à emergência de uma outra geração de reformas, esta última baseada em conceitos e organizações para melhorar o desempenho dos sistemas de Saúde, adaptando e/ou criando competências profissionais de enorme importância para contextos diferentes. As novas tecnologias têm demonstrado enormes potencialidades para a desejável transformação do modo de ensinar e de aprender. A maneira diferente de encarar o mundo e as recentes perspectivas da vida do dia-a-dia criaram uma nova realidade que necessariamente exige uma interpretação adequada. Quando falamos numa 3ª geração de reformas na Educação para a Saúde não queremos significar que nada das anteriores gerações (a de Flexner e a da resolução de problemas) pode ser aproveitado. Bem pelo contrário, devemos ser todos mobilizados para uma gestão moderna dos conhecimentos, comprometendo-nos com o raciocínio crítico e as condutas éticas e assim sermos competentes para participar em sistemas de Saúde, especialmente voltados para os doentes e para as populações. Esta visão, como é definido no documento ”Education of health professionals for the 21st century: a global independentcommission”,7 requer uma série de reformas instrucionais e institucionais que devem ser orientadas por 2 outcomes: aprendizagem transformativa e interdependência da educação. No fundo temos um processo global movendo-se do informativo para o formativo e finalmente o transformativo. O nível informativo tem como finalidade a aquisição de conhecimentos e de aptidões e a sua finalidade é produzir experts. O nível formativo tende a concentrar os estudantes ao redor de valores e a sua finalidade é criar profissionais. E, finalmente, o nível transformativo tem a intenção de desenvolver atributos de liderança e como finalidade produzir agentes de mudança, esclarecidos e instruídos para que possam ganhar os importantes desafios com que se defrontam. Isto é, em linhas gerais, aquilo que vem consagrado no já referido documento. Nele se reconhece que os níveis estão interligados e que a aprendizagem transformativa envolve 3 mudanças – da memorização dos factos até à pesquisa, análise e síntese de informação para a tomada de decisões; do procurar competências profissionais essenciais a um profícuo trabalho de equipa nos sistemas de saúde; da adopção de modelos educacionais até à adaptação criativa de recursos globais para tratar as prioridades locais. A aprendizagem transformativa implica pressupostos diferentes e é caracterizada por influências diversas. Segundo o modelo de aprendizagem transformativa, o indivíduo cria significados a partir de estruturas já existentes. Quando reconhecemos a inadequação dos nossos quadros de referência estamos a introduzir a necessidade de uma aprendizagem transformativa, o que envolve uma sequência de actividades de aprendizagem constituída por várias fases. Para o processo de transformação de perspectivas é muito importante o discurso racional, devendo destacar-se que a auto-reflexão crítica contribui para a emancipação do conhecimento. Em qualquer processo educativo, nomeadamente no dirigido especialmente aos adultos, a aprendizagem transformativa tem uma importância reconhecida mas não pode ser entendida isoladamente nem significa que consiga só por si trazer a excelência. Reconhece-se a importância da criação e aplicação do conhecimento médico para resolver os problemas dos doentes, sendo fundamental organizar planos mais efectivos e eficientes para a tarefa de criar um melhor sistema de prestação de cuidados. Como é sabido, um sistema de Saúde integra vários componentes: conhecimentos, processos, profissionais e organizações, nos quais, nestes últimos anos, ocorreram importantes alterações, umas resultantes de decisões deliberadas, outras de acontecimentos fortuitos. A prática clínica é a operacionalização dos conhecimentos médicos, e a influência destes nos outros componentes do sistema é muito marcada.8 A criação de novos conhecimentos tem, pois, um papel central nos sistemas operativos. Na área da Saúde cada vez mais se destaca a existência do conhecimento científico, do organizacional, e do ligado à experiência individual (este último encarado como tácito).A conversão do conhecimento tácito para conhecimento explícito ajuda a explicar a relação entre conhecimento científico, organizacional e experiencial e explica a conexão dinâmica entre processos iterativos e sequenciais. Nos processos iterativos aprende-se fazendo, testando múltiplos ciclos de hipóteses, cada ciclo apoiando-se num ciclo anterior. Em problemas altamente estruturados empregamos testes pré especificados com clara sequência. Estes conceitos têm importantes implicações na gestão das unidades de Saúde mas, para que tudo fique mais complexo num mesmo doente pode ter de recorrer-se a processos iterativos e sequenciais. Digamos em linguagem simples que os processos iterativos são da área da arte da medicina, e os sequenciais da ciência da medicina. Subjacente a todos estes conceitos está a necessidade de investigação. Não é esta a oportunidade de tratar pormenorizadamente toda a problemática da investigação em Saúde.

Mas é oportuno lembrar a importância dela quando orientada para o doente bem como a dirigida para os sectores sócio-profissionais e económicos, devendo as pessoas mais directamente ligadas à Saúde ter uma participação muito activa nesses processos. Muitas destas investigações sutilizam ferramentas adoptadas pela ciência pragmática e têm uma importância social e a organizacional, esperando-se que as revistas médicas adeqúem os seus níveis de exigência a estas novas realidades.

Como se salientou no trabalho que foi base importante para a apresentação destes conceitos2 pode “dizer –se que uma nova geração de profissionais vem a caminho “, o que obriga aos indispensáveis ajustamentos na área da Educação. E voltaremos a citar: “as revoluções ocorrem quando os velhos paradigmas se tornam insustentáveis”.

 

Referências

1. Thomas H. Lee, James J Mongan. Chaos and Organization in Health Care. the MIT Press Cambridge, Massachusetts. London, England, 2009        [ Links ]

2. Manuel Cardoso de Oliveira, Perspectivas do Ensino Na Área da Saúde, http://www.apegsaude.org/quemsomos/protocolos/ufp/manueloliveira/tabid/484/language/pt-pT/default.aspx,2011        [ Links ]

3. Jean Hartley and John Benington, Leadership For Healthcare, 2010, the Policy Press        [ Links ]

4. L Leape, D Berwick, C Clancy, P Gluck, J Guest, D Lawrence, J Morath, D O’ Leary, P O’ Neill, D Pinakiewicz, T Isaac, For the Lucian Leape Institute at the National Patient Safety Foundation. Transforming Healthcare: A Safety Imperative. Qual Saf Health Care 2009;18:424-428 Doi: 10.1136/Qshc.2009.036954        [ Links ]

5. Report of the lucianleape institute round table reforming medical education: Un metneeds.Teaching physicians to provide safe patient care. Copyright 2010 by the National Patient Safety Foundation.         [ Links ]

6. Institute of Medicine (US). Health Professions Education: A Bridge To Quality. The National Academic Press http://www.nap.edu. Http://Books.Nap.Edu/Openbook.Php?Record_Id=10681        [ Links ]

7. Health Professionals For New Century: Transforming Education For Health Systems in An Interdependent World. The Lancet, Volume 376, Issue 9756, Pages 1923 -1958, 4 December 2010        [ Links ]

8. Richard M J Bohmer. Designing Care. Aligning the Nature and Managment of Health Care. Harvard Business Press, 2009        [ Links ]

 

Correspondencia:

Manuel Cardoso de Oliveira

Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto. Email: manuelco@ufp.edu.pt, maco0410@gmail.pt

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License