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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.26 no.1 Porto fev. 2012

 

CONFERÊNCIA ANÁTOMO-CLÍNICA

Conferência Anátomo-Clínica: 9 de Novembro de 2011

 

Dr. Costa Maia (Cirurgia): O que se pretende nestas Conferências Anatomoclínicas, não é chegar a um diagnóstico (ao qual desejavelmente nós vamos chegar…), mas sobretudo, acompanhar os processos que conduzem a uma decisão ou a um resultado. Isto é, acompanhar as nossas dificuldades, as nossas dúvidas e processos de tomada de decisão quando estamos a ver um doente com uma determinada patologia. O que pretendemos é tornar-nos profissionais no que fazemos, e temos aqui uma oportunidade privilegiada para aprender a fazer bem, mas também para aprender a não fazer mal: os casos que vão ver são casos reais, relatados exactamente como aconteceram, com todas as virtudes e todos os defeitos clínicos, processuais, o que para todos nós é uma aprendizagem que eu desejo profícua, interactiva, e em que todos contribuam para chegar a um diagnóstico final e a um bom resultado nesta reunião. Queria agradecer ao Prof. João Pimentel da Universidade de Coimbra, ao Dr. Fernando Castro cirurgião do IPO-Porto e às apresentadoras, a Dra. Ana Luísa Cunha, do Serviço de Anatomia Patológica, e a Dra. Beatriz Almeida, do Serviço de Cirurgia Geral.

 

“An amateur practices until he can get it right. A professional practices until he can’t get it wrong.”

 

Dra. Beatriz Almeida (Cirurgia): Este é o caso de uma doente do sexo feminino, nascida em 1951, com 60 anos de idade, caucasiana, natural de Évora e residente no Porto. Esta doente foi referenciada em Janeiro de 2011 à Consulta de Cirurgia Geral do Hospital de São João, por retorragias. Tem como principais antecedentes gastrite crónica, um síndrome depressivo e é medicada com lorazepam, sertralina, omeprazol. Em relação à história ginecológica, teve menarca aos 12 anos, fez anticoncepcionais orais durante durante 1 ano, teve 1 gravidez aos 31 anos, 1 parto e a menopausa aos 48 anos, como veremos devido a ter sido operada, não tendo feito terapêutica hormonal de substituição. Fuma 1 maço de tabaco por dia desde há 30 anos, e refere apenas um consumo social ligeiro de álcool. Em 1998 a doente, assintomática, é enviada a uma consulta de rotina de Ginecologia onde é feito um diagnóstico de lesão do colo do uterino, tendo sido realizadas biopsias.

Dra. Ana Luísa Cunha (Anatomia Patológica): Na biópsia do colo uterino que recebemos podíamos observar uma neoplasia epitelial maligna que infiltrava o estroma, existindo também um infiltrado inflamatório abundante. Foi feito o diagnóstico de carcinoma epidermóide invasor.

Dra. Beatriz Almeida: Pouco tempo depois a senhora é submetida a uma operação de Wertheim-Meigs (histerectomia radical, com ressecção do útero, dos paramétrios e linfadenectomia pélvica). A operação de Wertheim-Meigs não implica necessariamente fazer anexectomia bilateral, realizada, no entanto, nesta doente.

Dra. Ana Luísa Cunha: Nas peças de histerectomia e anexectomia bilateral realizadas observávamos uma neoplasia epitelial maligna in situ, com áreas de infiltrado inflamatório, que dificultavam perceber, se haveria invasão do estroma. O diagnóstico foi de carcinoma epidermóide in situ, e área suspeita de invasão pT1a (área de invasão é inferior a 3mm em profundidade e inferior a 7mm em termos de extensão superficial, N0 porque os cerca de 11 gânglios isolados nesta peça não mostravam metástases, e R0 porque a margem cirúrgica era negativa). Portanto, a doente não fez tratamento adjuvante, e não há evidência de recidiva desta lesão em citologias de seguimento até à actualidade.

 

 

Dra. Beatriz Almeida: Durante o período de seguimento na consulta de Ginecologia, em 2003, é diagnosticado um nódulo na transição dos quadrantes inferiores da mama esquerda, com cerca de 2cm de maior diâmetro, móvel e elástico, portanto clinicamente com características benignas. A doente faz uma mamografia nesse mesmo ano, e não se individualizam formações nodulares ou outro tipo de alterações com valor diagnóstico. Realiza também uma ecografia, que revela nódulo sólido bem delimitado, com 18mm de maior diâmetro, sugestivo de fibroadenoma.

Dr. Costa Maia: Temos, portanto, uma doente de 52 anos com diagnóstico, no follow up de neoplasia do colo uterino, de um nódulo clinicamente benigno e aparentemente benigno também nos exames subsidiários pedidos. Dr. Fernando Castro, isto é suficiente? Ou há nódulos que podem parecer benignos e não o serem? Qual era a sua atitude perante este nódulo?

Dr. Fernando Castro (Cirurgia IPO-Porto): Trata-se de uma senhora com 52 anos de idade, que apresenta um nódulo sólido com estas dimensões e que, apesar das suas características predominantemente benignas do ponto de vista clínico e imagiológico, eu considero imprescindível caracterizar e confirmar essa impressão clinica com microbiópsia. A apreciação clínica e imagiológica têm alguma margem de erro. Numa mulher com 52 anos de idade, a probabilidade de um nódulo sólido ser um cancro da mama é uma hipótese que tem que ser considerada e confirmada.

Dra. Beatriz Almeida: A doente não fez microbiópsia, fez uma biopsia aspirativa, que revelou apenas nódulo benigno.

Dra. Ana Luísa Cunha: No exame citológico,oqueobservávamos era a existência de estroma mamário, com tecido adiposo e epitélio sem atipia e com presença de células mioepiteliais. Fizemos o diagnóstico de nódulo benigno.

Prof. Sobrinho-Simões (Anatomia Patológica): Ana Luísa convém explicar que nesta altura fizemos biópsia aspirativa mas, se fosse hoje, faríamos microbiópsia. Quer explicar às pessoas que diferença há?

Dra. Ana Luísa Cunha: A biopsia aspirativa é hoje feita raramente e consiste na colheita de células do nódulo com uma agulha fina e portanto não temos o tecido organizado, não temos uma histologia, vemos na citologia células dispersas ou agregados de células. A microbiópsia, que se faz atualmente, é feita com uma agulha mais grossa, é retirado um cilindro de tecido, e aí já observamos as células em relação umas com as outras e com o estroma.

Dr. Costa Maia: Embora não seja uma microbiópsia, eu pergunto ao Dr. Fernando Castro qual seria a atitude face a esta doente, com base nesta biopsia aspirativa?

Dr. Fernando Castro: Provavelmente aconselharia a realização de uma microbiópsia, mas será aceitável neste contexto encarar este resultado da citologia, embora haja uma maior margem de erro na citologia aspirativa. Aceitando esta amostra como representativa da lesão, tratando-se de um nódulo de 2cm teria que se discutir com a doente a possibilidade de excisão. O facto de ser um nódulo sólido, não coloca indicação cirúrgica formal, a vigilância poderia ser aceitável.

Dra. Beatriz Almeida: Se, de facto, numa primeira fase a doente encarou com alguma tranquilidade o diagnóstico, a verdade é que 2 anos depois resolveu aceitar a proposta de uma biopsia excisional deste fibroadenoma.

Dra. Ana Luísa Cunha: Recebemos o retalho nodular de tecido mamário, com 5g e 2,8cm de maior dimensão. No exame histológico observávamos tecido mamário infiltrado por uma neoplasia epitelial. Vemos aqui em maior ampliação as células epiteliais. E estas dispõem-se ou de forma isolada ou em fila indiana. É um padrão característico de um tipo de neoplasia, o carcinoma lobular. Foi feita pesquisa de caderina-E, que é negativa nos carcinomas lobulares da mama, e que foi negativa neste caso.

 

 

Num dos lados vemos tinta-da-china, utlizada para marcar a margem cirúrgica (o local por onde o cirurgião corta), e observamos a presença de células neoplásicas destacadas na margem cirúrgica. O diagnóstico que fizemos foi de carcinoma lobular invasor, grau 2, com 15mm e margens com neoplasia. Este tumor situa-se então no estadio Ta1c (tumor com mais de 10mm mas menos de 20mm), Nx (não foi feita exérese de gânglios), R1 (tinha tumor na margem cirúrgica). A pesquisa imunohistoquímica dos recetores de estrogénio foi positiva em 100% das células, a dos receptores de progesterona positiva em 20% das células e c-erb B2 negativo.

Dra. Beatriz Almeida: Dada a presença de lesão nas margens cirúrgicas, pouco tempo depois procedemos ao alargamento das mesmas, com pesquisa de gânglio sentinela e com base no resultado, que foi positivo, procedemos ao esvaziamento axilar à esquerda.

Dr. Costa Maia: Dr. Fernando Castro, esta era a opção cirúrgica que lhe parecia mais lógica perante um diagnóstico de carcinoma lobular?

Dr. Fernando Castro: Era uma possibilidade, mais uma vez a discutir com a doente. Cirurgicamente tinha que se fazer alguma coisa. Quer em termos locais, porque temos margens positivas, quer em termos axilares. Sobre o gânglio sentinela, partindo do princípio de que a axila é clínica e ecograficamente negativa, obviamente seria de se fazer pesquisa. Em termos de mama teriam que se equacionar as várias opções de alargamentos de margens com o objectivo de cirurgia conservadora vs mastectomia total, a discutir com a doente, avaliando o receio, as preferências da doente e, obviamente depois da doente ter sido esclarecida sobre as vantagens e desvantagens de cada uma destas soluções.

Dr. Costa Maia: Voltando um pouco atrás, em termos imagiológicos o carcinoma lobular invasor é um diagnóstico diferencial, por exemplo, ecografica e mamograficamente com o fibroadenoma?

Dr. Fernando Castro: Sim. Esse comentário é pertinente, porque de facto, a evolução temporal deste caso é muito atípica. Não é habitual que um carcinoma lobular que é vigiado durante 2 anos, praticamente não tenha variações em termos clínicos, em termos de dimensões. Acredito que não tenha tido variações clínicas nas características que inicialmente eram descritas, mas isto é surpreendente no lobular; se tivéssemos uma senhora com 70 anos e um mucinoso, seria mais aceitável esta evolução, mas o facto é que ela aconteceu, o nódulo manteve-se ali. E por isso é que eu há bocado comentei que se isto acontecesse numa mulher com 25 anos a vigilância seria perfeitamente aceitável, mas perante uma mulher com 52 anos nós temos que ter a certeza que não estamos perante um carcinoma. A citologia aqui teve alguma margem de erro, a evolução clínica também reforçou a interpretação inicial, é importante dizer, nós temos 2 anos de estabilidade nesta lesão, não deixa de surpreender, mas é assim.

Prof. Sobrinho-Simões: Mas o carcinoma lobular pode enxertar-se em fibroadenoma?

Dr. Fernando Castro: Sim.

Prof. Sobrinho-Simões: Mas não é costume.

Dr. Fernando Castro: Pode aparecer à volta do fibroadenoma no tecido mamário. No IPO só temos um caso de um fibroadenoma que tinha “dentro” um carcinoma invasor; na altura fez-se uma revisão da literatura e os casos descritos eram poucos. Agora claro que podemos teorizar que existe ali um fibroadenoma e que à volta se tenha desenvolvido um carcinoma lobular, é uma possibilidade.

Prof. Sobrinho-Simões: Podem passar para a audiência. Temos ali uma especialista, a Drª Isabel Amendoeira.

Dra. Isabel Amendoeira (Anatomia Patológica): Eu concordo inteiramente com aquilo que disse. O grande problema da biopsia aspirativa é garantir que o que estamos a ver na biópsia é representativo da lesão. E há um dado nesta doente que me impressiona, é que a mamografia foi negativa. Não sei se repararam, na apresentação clínica a ecografia era normal e a mamografia não nos mostrava nenhum nódulo. Eu só não concordo totalmente com o Dr. Fernando Castro, quando diz que a citologia falhou. Isto é falhou a colheita porque efectivamente vimos alterações. Foi por todos estas dúvidas que viemos a evoluir e actual-mente fazemos microbiópsia a todos os nódulos.

Dr. Fernando Castro: Relativamente à apresentação mamográfica, agora não me surpreende sabendo que há um lobular. Isso é um comportamento muito típico dos carcinomas lobulares, é terem tradução clinica, alguma correlação ecográfica e muitas vezes não terem tradução mamográfica.

Dra. Isabel Amendoeira: Agora nós também temos visto nódulos lobulares invadidos; de facto o fibroadenoma não é poupado à invasão da neoplasia.

Prof. Sobrinho-Simões: Então podia ser as duas coisas?

Dra. Isabel Amendoeira: Perfeitamente,podiaserasduascoisas.

Prof. José Manuel Lopes (Anatomia Patológica): Isabel, posso só fazer uma pergunta? Nesta biopsia aspirativa nós temos elementos suficientes para pensar em fibroadenoma ou, não tendo, deveríamos chamar a atenção para a inexistência de evidência de fibroadenoma, que era o diagnóstico clínico apontado pelos exames?

Dra. Isabel Amendoeira: Eu acho que essa pergunta é de facto muito pertinente. Nós não temos elementos que nos digam que aquela lesão é um fibroadenoma. Nós fazemos um diagnóstico de compatibilidade com diagnóstico imagiológico e clínico de fibroadenoma. Portanto, não temos nada naquela biopsia aspirativa que diga “sim senhor, nós achamos que, de facto, esta lesão é fibroadenoma”, só temos é que é negativa.

Prof. José Manuel Lopes: Portanto, nestas circunstâncias, o meu ponto é, pode configurar um falso negativo e deveria ter sido assinalado ou não?

Dra. Isabel Amendoeira: Eu não acho que seja um falso negativo. Quer dizer, se de facto esta doente foi discutida em reunião de grupo, penso eu, teria sido provavelmente avaliado este aspecto “não temos, ou temos material suficiente”.

Dr. Costa Maia: Deixem-me sublinhar que, muitas vezes, o que é mais importante é a interacção entre os profissionais e não aquilo que se diz nos relatórios. De facto, aquele nódulo era benigno, e nós falámos nisso anteriormente, “benigno” queria pura e simplesmente dizer que não havia substrato para fazer o diagnóstico ou para confirmar o diagnóstico de fibroadenoma, mas também não havia evidência nenhuma de malignidade, e isso foi traduzido dessa maneira, mas foi seguramente conversado entre os profissionais. E uma das lições, é que vale a pena esta interactividade, porque é aí que se concluem muitas destas coisas que ficam nas entrelinhas.

Dr. Fernando Castro: Só um comentário adicional nesse aspecto, já não tanto neste caso mas, eu acho que este caso demonstra bem, apesar de tudo, que compete à clínica questionar ou validar a representatividade do resultado da citologia. Agora não podemos dizer que ‘a citologia falhou’. Claramente, compete-nos a nós, com a imagem, com a clínica, com todos os dados, questionar ou validar a representatividade da biopsia.

Dra. Isabel Amendoeira: Desculpe, já agora a microbiópsia também. Muitas vezes o diagnóstico é de benignidade imagiológica, faz-se a microbiópsia e nós não temos representatividade de lesão, e portanto também tem que se analisar.

Dra. Ana Luísa Cunha: Portanto, procedemos então ao exame extemporâneo do gânglio sentinela. Eram 2 gânglios linfáticos. Aqui vemos a estrutura do gânglio linfático com os seus centros germinativos e ele está infiltrado por células. Na imagem em maior ampliação, são células de fenótipo epitelial, são semelhantes aquelas que vimos na peça da tumorectomia. E, portanto, fizemos o diagnóstico de metástase nos gânglios-sentinela.

 

 

A peça de alargamento foi observada histologicamente e não havia evidência de neoplasia invasora residual, encontramos, sim, neoplasia epitelial lobular. No produto de esvaziamento axilar efetuado, isolámos 11 gânglios linfático, todos metastizados. O diagnóstico final, tendo em conta a informação do exame anterior de tumorectomia, e deste exame, foi de carcinoma lobular invasor, com uma área de neoplasia epitelial lobular. O estadio, é o estadio T1c, como já tínhamos visto, e agora T1ca porque tem metástases em 10 ou mais gânglios linfáticos axilares, R0 porque as margens cirúrgicas estavam livres. E então esta doente está no estadio IIIc.

Dra. Beatriz Almeida: Posto então o estadio desta doente, e de acordo com as guidelines não só do nosso centro mas também internacionais, a doente tinha indicação para fazer tratamento adjuvante com quimioterapia e também radioterapia, porque fez cirurgia conservadora da mama.

Dr. Costa Maia: O Dr. Fernando Castro tinha outra opção? Está de acordo?

Dr. Fernando Castro: Com este estadiamento, obviamente, a doente faz o tratamento que devia fazer, quimioterapia, hormonoterapia, porque tinha os recetores hormonais positivos, era pós-menopáusica, ela tinha feito histerectomia. E quanto à radioterapia, não só porque fez cirurgia conservadora, mas também porque tem uma metastização axilar maciça, portanto tem indicação formal, mesmo que tivesse feito mastectomia total, teria indicação para a radioterapia adjuvante.

Dr. Costa Maia: Como é que se faz o follow-up desta doente? Estamos perante um risco acrescido para a mama restante e para a mama contralateral?

Dr. Fernando Castro: Sim, temos um risco de recidiva local na mama tratada que andará à volta dos 6 a 7%, e temos, obviamente, um risco aumentado aqui. O grande problema epidemiológico em estabelecer o risco de carcinoma na mama contralateral é estabelecê-lo no plano individual. Temos uma evidência epidemiológica de que assim é, agora a questão é, qual o risco desta doente, tanto é que ela vai fazer hormonoterapia, que vai de alguma forma interferir positivamente nesse risco, no sentido de o diminuir, portanto a hormonoterapia tem um efeito adjuvante e tem também um efeito de quimioprevenção. Isso é um dado resultante de vários estudos do MSAPP, que demonstra, exatamente esse efeito da hormonoterapia. Portanto, a vigilância seria, obviamente, a vigilância da mama que fez cirurgia conservadora. É aceitável que se discuta com uma doente destas ou com uma doente que tem antecedentes de carcinoma da mama a eventualidade da mastectomia contralateral profilática. Mas isso é uma discussão que tem que ser, obviamente, acompanhada, não há uma indicação formal para isso, é uma “coisa comum”, pode ser abordada, mas obviamente deve sê-lo no âmbito do processo de aconselhamento. Em termos de vigilância, é uma mulher com um elevado risco de recidiva loco-regional e elevado risco de metastização à distância. Portanto, nós faríamos o que está recomendado pelas organizações, uma vigilância essencialmente clinica com uma periocidade inicial de 3 a 4 meses. Mas essencialmente, uma vigilância clínica, reforçar esse aspeto, o follow-up considerado minimalista está cada vez mais fundamentado, é minimalista mas isso não é depreciativo, é o suficiente, ou seja, a maior parte das recidivas são sintomáticas. Os exames de rotina como cintilogramas, raio-x pulmonares, TACs, PETs, perdem importância, fazendo mais sentido uma vigilância clínica intensiva e estudar os sintomas.

Dra. Beatriz Almeida: A doente manteve-se sempre assintomática e do ponto de vista do exame objetivo também não teve alterações. Durante o período follow up, fez regularmente exames de imagem. Em Novembro de 2007 foi-lhe diagnosticado por ecografia, em localização retroareolar à esquerda, um nódulo sólido e hipoecogénico com 16mm de maior diâmetro e contornos regulares não condicionando deformação posterior do feixe ultrassónico e foi classificado como BI-RADS 4 A. A classificação BI-RADS que vêem aqui, permite-nos, no fundo, estandardizar aquilo que observamos nos exames de imagem. E a classificação 4 diz respeito a um nível com alguma suspeição de malignidade, que nós dividimos em 3 graus. No 4 A temos apesar de tudo, baixa suspeição de malignidade, mas, mesmo assim, a doente fez microbiópsia, como indicado nestes casos, e foi identificada uma lesão benigna fibroadenomatosa sem sinais de malignidade.

Dr. Costa Maia: Estamos a falar da mesma mama que já foi operada, e não sei se da mesma lesão que já tinha sido diagnosticada em ecografia.

Dr. Fernando Castro: Qual era a localização inicial do nódulo considerado benigno?

Dra. Beatriz Almeida: É no quadrante inferior.

Dr. Costa Maia: Sim, mas com a deformidade da cirurgia… Ainda não sabemos mesmo.

Dra. Beatriz Almeida: Em Janeiro de 2011, a doente repete exames. Na mamografia, temos aqui a imagem, vemos apenas calcificações isoladas dispersas de natureza benigna sem nódulos focais, sem alterações arquiteturais ou locais de microcalcificações suspeitas. A ecografia revela este mesmo nódulo de que falei há pouco, portanto uma formação nodular com 15mm, mantendo as mesmas dimensões. Havia ainda um pequeno quisto com cerca de 3mm no quadrante superior esquerdo da mama esquerda. Nesta altura o exame foi classificado BI-RADS 2. Como outros antecedentes desta senhora: em Janeiro de 2008 ela foi submetida a colecistectomia laparoscópica por litíase vesicular sintomática, e em Junho de 2010 foi submetida a cirurgia de remoção de um neuroma de Morton do 3º espaço intermetatársico do pé direito.

Dr. Costa Maia: Esta doente já tem dois tumores diferentes... E este neuroma de Morton pode estar relacionado com alguma coisa, ou é apenas um fait-divers?

Prof. José Manuel Lopes: O neuroma de Morton é considerada uma lesão habitualmente traumática que ocorre, por exemplo, em mulheres que usam sapatos apertados. É uma lesão reativa que consiste em fibrose concêntrica nos segmentos nervosos que são muito ricos nesta zona interdigital.

Dr. Costa Maia: E nunca ninguém demonstrou associação com risco neoplásico.

Prof. José Manuel Lopes: Não, isto é uma lesão reativa, nem neoplásica é.

Dra. Beatriz Almeida: Em relação aos antecedentes familia-res, esta senhora tem, um panorama “carregado” de neoplasias na sua família. Nós podemos ver aqui, que numa 1ª geração, o avô materno terá falecido aos 55 anos de idade por uma neoplasia, que a doente não sabe ao certo classificar. Depois vemos, já na 2ª geração, que a mãe faleceu aos 72 anos de idade por um carcinoma gástrico. Também há uma tia paterna, que terá falecido aos 65 anos também com um carcinoma gástrico, e temos um familiar, tio materno ainda vivo, com 80 anos de idade, que já foi operado a um carcinoma gástrico (não foi cá, não temos informação destas neoplasias) e também a um carcinoma colo-rectal que não está bem especificado de que tipo.

Dr. Fernando Castro: Estávamos aqui a comentar e ocorreume que há, à partida, associação de carcinoma gástrico com um dos ramos familiares, mas isso pode ser só acaso, apesar de tudo o carcinoma gástrico é frequentemente esporádico agora com aquele ascendente… não sabemos se existem descendentes.

Dra. Beatriz Almeida: Não existem descendentes.

Dr. Fernando Castro: Não existem. E desse lado o ascendente desta mulher é um homem, portanto, isto apesar de tudo, a probabilidade não é nula, não é baixa. Devíamos pensar, aqui, na hipótese de estarmos perante uma família com uma mutação BRCA. Porque esta mulher não deixa descendentes, 28 anos, só por si é critério para pesquisa de mutação, claro que não podemos pesquisar porque a senhora já faleceu, mas é legítimo equacionar essa hipótese e discutir a possibilidade de se pesquisar uma mutação BRCA nesta família.

Dra. Beatriz Almeida: Em Janeiro de 2011, ela é, então, enviada à nossa consulta, à consulta de Cirurgia Geral, por queixas de rectorragias, astenia, anorexia, perda de peso, cerca de 6kg em 2 meses, que é o tempo de evolução deste quadro, referindo também alteração dos hábitos intestinais, com alternância entre obstipação e diarreia.

Dr. Costa Maia: Prof. João Pimentel: uma mulher com esta história, e estes sintomas e sinais. Os seus comentários.

Prof. João Pimentel (Cirurgia HUC): Muito boa tarde a todos os presentes, alguns meus amigos, é com muito gosto que os vejo aqui. E agradecer a gentileza e a honra de estar aqui. Eu vim um bocadinho mais tarde porque, curiosamente tive que reobservar um doente que operámos ontem com um carcinoma múltiplo primário do cólon e da bexiga. Achei piada porque hoje estamos a falar aqui de casos também muito semelhantes. Relativamente a esta doente aparece uma história de rectorragias, astenia, anorexia, perda de peso, 6 anos depois de ter sido operada. Portanto, temos que estudar esta doente, com muita hipótese de termos uma lesão neoplásica, primeiro porque temos antecedentes pessoais de carcinoma mamário, e nós sabemos que existe um risco superior de cancro colo-rectal em doentes com carcinoma da mama. Claro que é um risco mínimo, mas é um risco que não é negligenciável, e portanto não obriga a fazer follow-up de rotina do tracto colo-rectal, mas perante esta doente nós vamos ter que fazer obrigatoriamente um exame de toque rectal e depois claramente uma colonoscopia. E porquê colonoscopia?

Podíamos fazer apenas uma sigmoidoscopia, mas atendendo a todo este passado oncológico da doente, eu recomendaria fazer uma colonoscopia total. Baseados nos resultados desse exame iríamos navegando, conforme, digamos, os achados.

Dra. Beatriz Almeida: Quanto ao exame objetivo: era uma doente com bom estado geral, 55kg nesta altura, para um peso habitual 61kg, um IMC de 20, mucosas coradas e hidratadas, na região cervical não se palpavam adenomegalias. Na mama havia uma certa assimetria do volume dados os antecedentes clínicos da senhora; uma cicatriz periareolar à esquerda, sem sinais de retração cutânea ou alterações da coloração da pele; não tinha alterações do complexo areolo-mamilar bilateralmente. Palpava-se um nódulo retroareolar à esquerda, pericentimétrico, móvel, bem delimitado, indolor; não tinha outros nódulos palpáveis; nas axilas e regiões supraclaviculares não se evidenciavam adenomegalias palpáveis. Em relação ao abdómen, era plano, simétrico, sem abaulamentos dos flancos, sem tumefações aparentes, cicatriz infraumbilical mediana da histerectomia prévia; sem evidência de ascite e uma palpação perfeitamente inocente. No toque rectal, não havia massas palpáveis e havia boa tonicidade esfincteriana. Em Fevereiro de 2011, um mês depois, ela recorre à consulta, tendo realizado uma colonoscopia total, portanto com progressão até ao cego, tendo-se observado no cólon sigmoide médio, um pólipo lobulado séssil com 10mm. No recto, dos 8 aos 12cm da margem anal, observou-se lesão tumoral infiltrando 2/3 do lúmen que vemos aqui nesta imagem. Não tínhamos outras lesões em todo o cólon.

Dra. Ana Luísa Cunha: Foi feita biopsia desta lesão do recto. Nos fragmentos de biopsia o que observávamos era mucosa colorrectal com alterações hiperplásicas e infiltrada por uma neoplasia. Vemos aqui a imagem de ampliação, com uma neoplasia epitelial de padrão glandular e portanto o diagnóstico que fizemos foi de Adenocarcinoma.

 

 

Dr. Costa Maia: Portanto, já fizemos o diagnóstico e agora podemos passar para o estadiamento. E como é que o Prof.

J. Pimentel faz o estadiamento desta doente?

Prof. João Pimentel: Esta doente, tem já aqui uma característica engraçada, e que acontece nos doentes que tem carcinoma da mama, que é um maior risco de incidência, não só de uma lesão colo-rectal, como também de pólipos, esta doente já tinha um ou dois pólipos. Perante o diagnóstico feito agora é necessário um estadiamento local e sistémico. O que nós utilizamos para o estadiamento local é uma ressonância magnética de alta resolução, é a rotina que está documentada, embora haja centros que podem estadiar por ecografia endo-rectal. Aquilo que nós fazemos, é a ressonância magnética abdomino-pélvica para um estadiamento, também a nível hepático, complementado, ou não, por uma TAC torácica e eventualmente por um raio-x torácico.

Dr. Costa Maia: E nós?

Dr. Pedro Correia da Silva (Cirurgia): Nós fazemos sensivelmente o mesmo. Há uma polémica entre associar-se ecografia endoscópica à TAC abdominal, o que poderia dar, de alguma maneira, uma ideia da penetração local da neoplasia, podendo aproximar–se da precisão da ressonância. O que acontece internacionalmente hoje em dia, é o uso da ressonância para estadiamento local. Quando se fala na necessidade de estudar o tórax, é porque tudo isto vai ter como consequência, por exemplo, planear o estabelecimento de um tratamento neoadjuvante: nós não vamos desencadear um tratamento neoadjuvante no recto, se…

Dr. Costa Maia: O que é neoadjuvante?

Dr. Pedro Correia da Silva: Neoadjuvante é um tratamento, por exemplo quimioterapia, radioterapia, que precede a ressecção do tumor. Se nós tivéssemos nesta fase, notícia de que havia metástases pulmonares, não fazia sentido numa doença sistémica fazer tratamento loco regional, portanto é absolutamente essencial saber se há metástases pulmonares. O RX pulmonar também pode servir para isso.

Prof. Guilherme Macedo (Gastroenterologia): Discordo um pouco de alguns comentários que ouvi. Por um lado estabelecer a ressonância como critério standard para estadiamento de uma neoplasia do recto, ainda é controverso. A ecografia endoscópica, e a forma como a ecografia tem permitido fazer uma série de abordagens em termos de avaliação da estrutura e daquilo que se passa no recto e à volta do recto, sobretudo no recto distal tem, de facto, vindo a ganhar algum protagonismo. Mas, mais importante que isso, nós já passámos a fase de diagnóstico estamos um passo à frente, no estadiamento. Queria voltar atrás, e fazer ainda um comentário àquilo que se disse há pouco em relação à utilidade da colonoscopia: esta, claramente, é uma doente de risco, compreendo que se tenha ido atrás do prejuízo, isto é....

Dr. Costa Maia: Esta doente não devia ter já feito uma colonoscopia?

Prof. Guilherme Macedo: Eu já ia lá chegar. Fomos atrás do prejuízo por causa das rectorragias e por causa da astenia... Sinceramente penso que era possível termos feito alguma coisa um pouco diferente antes desta fase. Em Portugal, há várias evidências nesse aspecto, qualquer indivíduo saudável tem indicação para fazer, depois dos 50 anos, o rastreio do cancro do cólon e recto. E o rastreio de cancro do cólon e recto, faz-se de forma a que se possa observar todo o cólon e recto. Estou a falar de todos os indivíduos saudáveis, nós portanto. Isto significa uma mudança de paradigma muitíssimo importante. Colonoscopia não vai atrás de um diagnóstico de carcinoma. A colonoscopia numa fase, digamos “comum”, vai detectar lesões percursoras de adenocarcinoma, que muito provavelmente, esta senhora teria, já com alguns anos de evolução. Dito de outra maneira, esta senhora tinha um risco acrescido de ter cancro do cólon e recto, tinha uma razão acrescida para fazer uma colonoscopia, não tinha uma razão para fazer colonoscopia. Razão para fazer colonoscopia temos todos os que temos 50 anos, é essa a diferença.

Dr. Pedro Correia da Silva: Eram duas razões…

Prof. Guilherme Macedo: Não, uma razão acrescida por ter antecedentes pessoais e familiares muito relevantes.

Prof. João Pimentel: Vamos voltar ao problema do estadiamento, que foi aquilo que agora foi mais contestado, por ressonância magnética. Para estadiarmos, para avaliarmos a imagem da margem circular circunferencial da lesão, não tenho dúvidas nenhumas do uso da ressonância, inclusivamente para ver a distancia dos gânglios à margem lateral. Eu penso que hoje em dia a ressonância magnética é o exame de eleição para

o estadiamento local de uma neoplasia do recto. Estamos a falar em recto cirúrgico, portanto, é o recto situado até 12cm da margem anal, portanto o recto extra peritoneal, porque o recto intraperitoneal, é (oncologica e cirurgicamente) a continuação do colon sigmoide e trata-se como o colon sigmoide. A ecografia tem um papel muito importante, se eu quero diferenciar um T1 de um T2, para avaliar se posso fazer uma excisão local, ou não. Isso a ressonância já não me diz, se é um T1 ou um T2, isso aí já é muito diferente. Relativamente à indicação da colonoscopia, se pusermos só a tónica no facto desta senhora ter um cancro da mama, se se optou por fazer ou não uma colonoscopia de vigilância ou de rastreio de uma lesão, nós sabemos que o risco aumenta, mas não existe, digamos, uma evidência clara de que o facto de fazermos rastreio por sistema nestas doentes nos venha diagnosticar, numa fase muito inicial estas lesões, até porque estas segundas lesões, eu não sei qual era o estadiamento, muito sinceramente, são quase sempre lesões muito avançadas. Não sei se, neste caso, são ou não. Em relação ao rastreio, como disse e muito bem, com mais de 50 anos, isso aí não tenho dúvidas nenhumas. E outra coisa, a incidência familiar conta.

Dra. Beatriz Almeida: Fizemos um estudo analítico, não ha-via alterações, hemoglobina normal, coagulação normal e função hepática e renal também normais. Os marcadores tumorais apresentavam CEA de 5.4 e Ca19.9 sem alterações relevantes, por tratar-se de uma mulher fumadora. A ressonância abdomino-pélvica feita em 28 de Fevereiro de 2011, revelava: a nível hepático, a presença de alguns quistos, sem outras alterações, sem imagens suspeitas; no recto, a nível do terço médio, uma neoplasia numa extensão de cerca de 35mm, circunferencial e com alguma irregularidade da parede anterior. Não apresentava invasão da gordura perirrectal, nem gânglios pélvicos, não apresentava adenomegalias abdominais ou mesorrectais e portanto esta lesão foi classificada com um T2N0. A doente fez ainda um raio-x do tórax, que não evidenciava nódulos, condensações ou derrame pleural, e de acordo com as guidelines do nosso grupo oncológico esta senhora, apresentando um estadio T2, foi orientada para cirurgia, sem indicação de tratamento neoadjuvante.

Dr. Costa Maia: Prof. J. Pimentel, está de acordo?

Prof. João Pimentel: Sim, claramente de acordo, porque se trata de uma doente com uma lesão tumoral localizada na muscular sem invasão da gordura, portanto uma lesão T2, e com inexistência de gânglios. Portanto, não há indicação para tratamento neoadjuvante. O tratamento neoadjuvante pode ser de dois tipos, ou radioterapia de curta duração ou radio-quimioterapia de longa duração. Radioterapia de curta duração, 5 sessões (1 sessão semanal durante 5 semanas) e opera-se na semana seguinte. Devo dizer que em Portugal, que eu saiba, não existem muitos sítios ou centros a fazer. A radio-quimioterapia está indicada para as lesões mais extensas. Fazer a radio-quimioterapia é fazer um downsizing e um downstaging desta lesão, portanto atendendo a que esta lesão é uma lesão T2N0, claramente não tinha indicação para qualquer terapêutica neoadjuvante, a minha indicação neste caso seria apenas uma ressecção cirúrgica.

Dra. Beatriz Almeida: No dia 16 de Março de 2011 a doente foi operada e peri-operatoriamente identificámos: uma neoplasia do recto a cerca de 12cm da margem anal sem invasão das estruturas adjacentes e também uma lesão hepática no segmento 5 com cerca de 1cm de maior diâmetro. Múltiplas adenomegalias. Portanto, uma lesão hepática no segmento 5, com cerca de 1cm de maior diâmetro, múltiplas adenomegalias no mesentério, nódulos de carcinomatose peritoneal e uma lesão no grande epiplon adjacente à grande curvatura gástrica.

Dr. Costa Maia: Nós temos uma ressonância, que todos estamos de acordo, tem uma fiabilidade muito grande, realizada menos de 1 mês antes desta cirurgia, e que não mostra nada disto. Esta lesão do grande epiplon era uma lesão mais que infracentimétrica, não era?

Dra. Beatriz Almeida: Esta lesão do grande epiplon tinha cerca de 5/6cm de maior diâmetro.

Dr. Costa Maia: Mesmo com isto tudo, ainda temos surpresas. Portanto, mesmo com esta “panóplia” de exames de imagem, e de tentarmos não ter surpresas intra-operatórias, nós ainda as temos, como se prova.

Dr. Fernando Castro: Mas isto não é caso único, nós sabemos que isto acontece, sabemos que as imagens de ressonância efectuada não davam indicação nenhuma, sabemos quais as neoplasias em que este padrão de disseminação é mais frequente; por isso, o que optamos por fazer é laparoscopia de estadiamento. Nada o fazia supor nesta doente, mas por exemplo há quem a defenda por sistema no cancro gástrico, porque nós sabemos que os exames falham, sobretudo em lesões infracentimetricas.

Dra. Beatriz Almeida: Portanto, procedemos a uma ressecção anterior do recto com anastomose colorrectal TT mecânica, uma biópsia excisional da lesão hepática, uma biopsia excisional do nódulo peritoneal e à exérese da lesão do grande epiplon. Em relação à resseção anterior, depois de nós fazermos a laqueação dos vasos do mesorecto seccionamos, normalmente com máquinas de sutura automática, o recto e o cólon proximal e vamos utilizar um agrafador circular para fazer a anastomose.

Dra. Ana Luísa Cunha: Na Anatomia Patológica recebemos uma peça cirúrgica constituída por 4 produtos. Vamos ver então o segmento intestinal. Temos aqui o segmento intestinal que tinha 17,5cm de comprimento correspondia a uma peça de resseção anterior do recto, observávamos uma área de retração de serosa. Na abertura da peça, temos agora a mucosa do lúmen intestinal aberto e observávamos uma neoplasia, esta neoplasia era uma neoplasia ulcerovegetante, tinha 3cm de maior dimensão.

 

 

Prof. Sobrinho-Simões: Explique por favor, como a peça cirúrgica foi cortada.

Dra. Ana Luísa Cunha: Fizemos a abertura, com uma tesoura, por cima da neoplasia e portanto ela aparece agora cortada a meio uma metade ali, outra aqui, portanto, é uma neoplasia só. A neoplasia distava 5cm do topo rectal, e distava 1 cm da margem radial. No exame histológico, observávamos, na neoplasia, uma área como esta, uma neoplasia de padrão glandular muito semelhante àquilo que tínhamos visto na biopsia, portanto com um componente glandular (Figura 6).

 

 

Observávamos ainda, noutras áreas, uma neoplasia constituída por células isoladas, portanto tínhamos um componente glandular e um componente de células isoladas (Figura 7).

 

 

Para estadiar esta neoplasia, trouxe esta imagem em que vemos o lúmen intestinal, aqui estaria a mucosa, a camada muscular própria é esta aqui mais cor-de-rosa, e aqui temos a sub-serosa e a serosa. O que notamos aqui, é que a camada muscular está interrompida, porque a neoplasia infiltra e destrói a camada muscular e atinge o tecido adiposo (Figura 8).

 

 

Relativamente ao componente de células isoladas, este também infiltrava a camada muscular, e ocupava extensamente a sub-serosa e inclusive quase a serosa.

 

 

Desta peça cirúrgica foram isolados 36 gânglios linfáticos, 23 destes tinham metástases, e estas metástases eram todas do componente de células isoladas, não havia metastização do componente glandular. Observávamos, ainda, na mucosa adjacente à neoplasia, estas áreas amareladas. Analisámos histologicamente estas áreas, que correspondiam, como vêm, a focos da neoplasia de células isoladas. Relativamente ao implante peritoneal, tratava-se de uma nódulo de 4mm, vemos aqui tecido fibroso e o nódulo. Este nódulo tinha também neoplasia de componente de células isoladas. A lesão do grande epiplon, correspondia a 6 gânglios linfáticos, todos eles metastizados com componente de células isoladas. A lesão hepática correspondia a um nódulo de 7mm com neoplasia de células isoladas. Fomos então tentar perceber que neoplasias estávamos a ver. Fizemos estudo imuno-histoquímico, que é feito com anticorpos contra vários antigénios que as células expressam, fizemos uma citoqueratina, neste caso a citoqueratina 8/18 que marca as células epiteliais e portanto marca as células do epitélio rectal normal e marcou também as células neoplásicas tanto no componente glandular como no componente de células isoladas. Portanto, a neoplasia que estamos a ver, em ambos os componentes, é uma neoplasia epitelial.

 

 

Fizemos então marcação também para citoqueratina 20 e CDX2 que mostrou uma reactividade das células do componente glandular. O componente de células isoladas não corou com estes marcadores. Estes dois marcadores são de certa forma característicos dos carcinomas do intestino, e, portanto, o diagnóstico que fizemos aqui foi de Adenocarcinoma do recto. Fizemos, ainda, outros dois marcadores: uma citoqueratina 7 e os recetores de estrogénio que foram ambos positivos no componente de células isoladas e foram negativos no componente glandular.

 

 

Dr. Costa Maia: Temos dois cancros?

Dra. Ana Luísa Cunha: Temos duas populações diferentes.

Dr. Fernando Castro: E os recetores?

Dra. Ana Luísa Cunha: Recetores de estrogénios positivos, no componente de células isoladas. Portanto...

Dr. Costa Maia: Como é que aparecem no recto, células positivas para os recetores de estrogénio?

Dra. Ana Luísa Cunha: As células do recto não marcam para recetores de estrogénio e desta forma pusemo-nos a pensar e achámos que estávamos perante uma metástase do carcinoma lobular da mama que tinha sido previamente diagnosticado.

Dr. Costa Maia: Dr Fernando Castro, uma cirurgia mamária mais radical teria feito alguma diferença?

Dr. Fernando Castro: O que nós sabemos sobre o tratamento local é que há diferenças entre a cirurgia conservadora e a mastectomia em termos de recidiva local. Estima-se, nas grandes séries, uma probabilidade de recidiva de 6 a 7% após cirurgia conservadora e 1 a 2% após mastectomia, isto é, também não é igual a zero. Não há evidência, na ausência de recidiva local (e esta senhora não tem recidiva local), de que o tipo de tratamento local tenha impacto em termos de recidiva à distância. Eu explico: ter uma recidiva local não é inconsequente, o tratamento local do cancro da mama não deve ser negligenciado: há um estudo, uma metanálise publicada na Lancet que o ilustra claramente, e isso é um efeito que só se conseguiu avaliar ao fim de 15 anos: demonstra que por cada 4 recidivas locais que se evitem poupa-se uma morte. Portanto a recidiva local de cancro da mama não é negligenciável, e por isso, não podemos achar que independentemente da cirurgia que se faça a quimioterapia vai obter bom resultado. Mas neste contexto, não me parece que a mastectomia pudesse eventualmente influenciar noutro sentido esta progressão.

Prof. Sobrinho-Simões: Mas vamos lá ver, esta doente tinha logo metástases em todos os gânglios da axila, tinha metástases nos gânglios sentinela, vocês não resolveriam o problema com a mastectomia radical... Têm que ter consciência que numa neoplasia nestas condições as células malignas estão circulação, portanto não é com medidas mais ou menos eficientes localmente que resolvemos o problema.

Dr. Costa Maia: E neste caso, mesmo com uma cirurgia conservadora, não há evidência de recidiva local, portanto o bisturi cumpriu a sua missão. Esta é uma doença sistémica e o bisturi é muito mau para as doenças sistémicas.

Prof. João Pimentel: Para mim é uma surpresa, uma metastização, a nível rectal, de um carcinoma da mama, não é muito frequente. Qual a via porque apareceu esta metastização é que é também, enfim.... Eu estou a colocar esta questão, porque a habitualmente a metastização faz-se por via linfática, eu não estou a ver como é que, num carcinoma da mama, vai aparecer uma metastização a nível rectal,.. Agora eu gostava era de fazer um comentário à peça de anatomia patológica, se fosse possível. Esta lesão foi estadiada como? E um comentário quanto ao tipo de técnica usada para o corte da peça para análise microscópica. Nós habitualmente não abrimos a peça, usamos a técnica de pintar a peça com tinta-da-china e depois fazer cortes seriados. Parece-me que aí nós conseguimos ter uma clara noção da distância, ou não, de um gânglio metastático do tumor relativamente à margem circunferencial da ressecção. Se abrimos a peça, como é que depois vamos ter a certeza da distância à margem circunferencial da ressecção?

Dra. Ana Luísa Cunha: Queria só dizer em relação à invasão, que na peça de tumorectomia mamária não havia evidência de invasão linfática nem venosa. Em relação à abertura da peça de ressecção rectal, o que fazemos atualmente é só abrirmos a peça até à neoplasia e depois fazer cortes seriados. Nesta altura ainda não fazíamos assim. Mas de qualquer forma mesmo com a peça aberta desta forma, nós conseguimos fatiar também e transversalmente, portanto a observação dos gânglios e da distância conseguese fazer da mesma forma...

Prof. João Pimentel: Aquilo que mais nos deve preocupar com

o prognóstico, para saber se ficou uma doença residual ou não, hoje em dia já não é a margem distal, é a margem circunferencial da ressecção.

Dra. Ana Luísa Cunha: Nesta peça a distância também foi medida e era de 1cm. Vamos então estadiar a neoplasia: temos um adenocarcinoma moderadamente diferenciado do recto que, de acordo com o TNM, invadia a muscular própria para os tecidos peri-colorectais, portanto, um T3. Não havia metastização ganglionar do componente glandular adenocarcinoma, portanto, um N0, sem metástases nos gânglios regionais. E é um R0 porque tínhamos todas as margens cirúrgicas sem neoplasia. Relativamente às metástases rectais do carcinoma lobular da mama, resumindo tínhamos 23 gânglios metastizados em 36 isolados. A lesão do grande epiplon também correspondia a gânglios linfáticos com metástases. Havia um implante peritoneal e havia uma metástase hepática. Portanto, esta neoplasia que estava previamente estadiada como T1CN3 passa agora a ser M1 porque tem metástases em órgãos à distância. E então, esta doente está atualmente no estadio IV do carcinoma da mama, diagnosticado há 6 anos.

Dr. Costa Maia: Voltando atrás, ao recto...

Dra. Beatriz Almeida: T3...

Dr. Costa Maia: T3 N0, não é?

Dra. Beatriz Almeida: Em relação à neoplasia do recto, foi decidido em consulta do grupo oncológico apenas fazer vigilância desta doente.

Dr. Costa Maia: Prof. Pimentel aceita este plano?

Prof. João Pimentel: Tendo em conta que temos 23 gânglios negativos, não vejo justificação para a quimioterapia adjuvante.

Dr. Pedro Correia da Silva: Queria só dizer que isto pode ser discutível: sendo um T3, havendo sinais de mau prognóstico em termos de invasão vascular, permeação linfática ou periductal, poder-se-ia optar por outra estratégia. Porque é que o grupo oncológico colorrectal acabou por optar apenas por vigilância? Porque a doente não poderia seguir o tratamento adjuvante simultaneamente para o cancro do recto e para o cancro da mama.

Dra. Beatriz Almeida: A doente realizou uma ecografia mamária em Junho de 2011. Nesta, era evidente um nódulo hipoecóico com 6mm de maior dimensão, na transição dos quadrantes inferiores da mama esquerda e que parecia nesta altura corresponder a um quisto de conteúdo denso. Havia ainda outro nódulo, de que já tínhamos falado, um nódulo sólido com 15 milímetros, retroareolar esquerdo, já previamente caracterizado por biópsia, e portanto o exame foi classificado como BI-RADS 4 A.

Dr. Fernando Castro: Só queria fazer um comentário. Aquilo que mais me surpreende é a co-existência de um adenocarcinoma do recto e da metastização abdominal do carcinoma lobular. Não tanto a metastização do lobular, porque essa, sabemos que é um padrão que pode acontecer muito mais frequentemente do que com o ductal. No carcinoma ductal, este padrão de disseminação é muito raro. Num lobular, provavelmente depende da insistência com que pensarmos nisso, é muitas vezes um achado como foi neste caso. Por coincidência nós temos um caso, ainda mais inabitual do que este, que é uma doente que tem antecedentes de carcinoma da mama, também com um intervalo de tempo muito longo entre o diagnóstico de carcinoma da mama e da neoplasia do cólon à qual foi operada, tendo sido isolados vários gânglios, num dos quais aparece uma metástase, que numa avaliação inicial é uma metástase de lobular da mama num só gânglio.

Prof. Sobrinho-Simões: Isso é verdade. O carcinoma lobular da mama, assim como o carcinoma de células isoladas do estômago, têm padrões metastáticos que não são os clássicos. Isto é, nem sempre metastizam para os gânglios regionais. Por exemplo, o carcinoma de células isoladas do estômago metastiza frequentemente para os ovários. É uma lógica de invasão muito estranha, estas células são diferentes. Vale a pena explorar que há aqui uma associação topográfica entre um cancro colo-rectal e a metastização do cancro da mama para esse cancro do intestino. Isto não é por acaso e é muito interessante. Na tireoide quando temos metástases de um carcinoma de outro órgão para a glândula, as células do carcinoma não vão para a tireoide normal, vão para os nódulos que o doente já tinha na tiroide, fossem benignos ou malignos.É muito mais frequente ter uma metástase de um carcinoma, imaginem, da mama, num adenoma da tiroide ou num carcinoma folicular da tiroide, do que na tiroide normal. Aparentemente o tecido neoplásico cria condições de homing das células neoplásicas . Seria muito interessante avaliar quantos casos semelhantes existem na literatura.

Dr. Fernando Castro: Mas a nossa experiência institucional é ligeiramente diferente. Nós temos alguns casos, não posso agora precisar quantos, de metastização de carcinoma lobular a nível gástrico, a nível hilar, a nível vesicular, portanto sob a forma de carcinomatose. No esófago também há um caso, mas como doença isolada, esta existência, também está referida. Isto não tem nada a ver, mas como estão aqui alunos… Eu acho que não faz muito sentido reutilizar nesta fase a classificação do TNM para o cancro da mama. Há um conceito que é importante, que é o de que o estadio inicial da doença não muda. Pode fazer sentido fazer re-estadiamento depois de uma terapêutica neoadjuvante no tratamento dos carcinomas localmente avançados… Aqui não temos um estadio T1c, aqui temos uma doente com antecedentes de carcinoma lobular, que tem uma disseminação linfática. Não fará muito sentido estadiar nessa situação.

Dra. Beatriz Almeida: A doente fez biópsia aspirativa deste nódulo. De facto parecia um quisto sebáceo, optou-se por fazer a biopsia aspirativa que foi compatível com neoplasia maligna, e depois procedemos a uma microbiópsia que, de facto, revelou a presença de um carcinoma lobular invasor. Estadiámos a doença, fizemos um PET, e observou-se uma marcação difusa do marcador; a doente foi submetida a tumorectomia desta lesão mamária, e foi identificada a presença de múltiplos implantes cutâneos suspeitos. A biopsia excisional de uma dessas lesões cutâneas na região cervical, foi compatível com uma recidiva do carcinoma lobular da mama já previamente já diagnosticado. A doente iniciou quimioterapia com capecitabina, bisfofonatos.

Prof. José Manuel Lopes: Relativamente ao comentário que (o Dr F. Castro) fez, em relação ao não re-estadiamento ou não estadiamento do tumor da mama, eu fiquei com a ideia que houve tratamento após o diagnóstico do carcinoma da mama invasor lobular. Deve-se fazer um ypTNM, isto é, após tratamento, esta é a nossa regra. Eu percebi que nos quis dar a mensagem que não fazia sentido fazer o estadiamento neste contexto.

Dr. Fernando Castro: Não, não é não fazer o estadiamento. Este exercício de ter identificado esta recidiva, em fazer o cintilograma ósseo, isso faz todo o sentido, obviamente, para avaliar em que fase em que a doente está. Mas o que nós não estamos é, neste momento, perante um carcinoma da mama T1cN3. Estamos perante uma senhora que teve um carcinoma da mama há 8 anos, e que agora tem uma recidiva. É nesse sentido o que eu estou a dizer. É, porventura, uma questão semântica que não tem importância. Seria mais importante referir aqui: não foi equacionada a hipótese de, apesar do c-erb ser negativo no tumor primário, de o dosear nestas lesões?

Dra. Ana Luísa Cunha: Sim, foi feita a pesquisa de c-erbB2 nestas peças, e foi novamente negativo; foi enviado para FISH e foi também negativo.

Dr. Fernando Castro: Faz sentido, porque podia positivar nas lesões metastáticas como acontece, e abria uma linha terapêutica.

Prof. Guilherme Macedo: Para além deste destino, que representa bem uma condição biológica muito particular resultante de uma árvore genealógica com antecedentes oncológicos pesados que parecem ter culminado todos nesta cadeia de acontecimentos, acaba o aparelho digestivo por ter uma expressão especial que resulta do que o Professor

S. Simões disse, do tal homing, favorecido pela condição biológica prévia; não há dúvida, toda a fronteira digestiva tem essa infeliz capacidade. Acho que vale a pena deixar uma imagem, positiva não digo, mas pelo menos, algo mais que se possa fazer no futuro em relação a estas pessoas, porque me apercebi (na árvore genealógica) de alguns familiares com idades francamente possíveis de se poder procurar ativamente alguma coisa no tubo digestivo, algum sinal, de alguma modificação oncológica que é francamente provável numa família neste contexto.

Dr. Fernando Castro: Qual é a mutação que suporta isto? Não é nenhuma...

Prof. Sobrinho-Simões: Exatamente, nós não temos evidência de nenhuma alteração genética germinativa. Se tivéssemos... mas é por isso que o Guilherme está a sugerir que se procurem “pro-activamente” lesões no tubo digestivo dos familiares directos..

Dr. Fernando Castro: O risco é inegável.

Prof. Guilherme Macedo: O risco é inegável, nós não o sabemos quantificar, é possível que ninguém tenha mais nada no tubo digestivo mas está aqui um sinal de alarme que obriga claramente a fazer uma avaliação digestiva. A ultima coisa que queria chamar a atenção, neste caso que é, para nós, um caso extraordinário, é que o carcinoma do colo do útero que ela tem podia ter sido “induzido” (não se chegou a saber se tinha HPV?).

Dra. Ana Luísa Cunha: Sim, eu revi as lâminas, e não havia evidência do HPV, mas os fragmentos são poucos, são muito pequeninos como acontece numa biópsia e tem muito carcinoma, portanto, não sei se no colo uterino restante, haveria ou não, na biópsia não tinha.

Prof. Sobrinho-Simões: Reparem que há aqui um adenocarcinoma inestinal que ficou localizado, portanto não podemos dizer que é a susceptibilidade genética que esta Srª tem que fez com que todos os cancros que ela teve fossem extraordinariamente invasores... Não, o que é extraordinariamente invasor é o carcinoma lobular, que é de uma outra “família”.

Dr. Costa Maia: Queria pedir comentários à assistência.

Pergunta da aluna 1 Pergunta aluna 2

Queria saber se não podemos estar perante uma situação, daquelas “cenas raras” por exemplo, uma Síndrome de Li-Fraumeni com mutação TP53?

Prof. Sobrinho-Simões: Podemos, porque a síndrome de Li-Fraumeni pode ter todos os tipos de tumores mas é mais frequente, na Li-Fraumeni, termos carcinomas em doentes mais novos. Se houver um carcinoma numa criança devese pensar em Li-Fraumeni; esta Sra. apesar de tudo tem 50 anos. E, por outro lado, os doentes com Li-Fraumeni, têm sarcomas e têm gliomas; esta doente não, só teve carcinomas: carcinoma do colo do útero, um carcinoma lobular da mama e um adenocarcinoma do recto. Não parece Li-Fraumeni.

Dr. Fernando Castro: A questão, obviamente tem que se pôr. Eventualmente, poderia ter algum sentido estabelecer melhor a probabilidade de uma mutação não do P53 mas sim de um dos BRCA, embora essa mutação de não justificasse todo o quadro.

Prof. Guilherme Macedo: Uma pergunta angustiada que a nossa futura colega fez e que faz sentido. E no fundo o que ela quis dizer foi se não ter sido possível ter usado algum método de diagnóstico prévio com recursos mais amplos etc. Era ou não possível inverter esta história? -essa é que é a pergunta que, suponho eu, estava subjacente. É bom que se perceba que nós não somos Deuses, parece uma coisa fácil de constatar.

Dr. Costa Maia: Peço desculpa, mas a diferença entre um cirurgião e Deus, não sei se conhecem, é que Deus sabe que não é cirurgião.

Prof. Guilherme Macedo: A questão que se põe é que há aqui condições biológicas com que é muito difícil lidar. E uma das coisas que me parece muito importante, é que, mais importante que os exames são os algoritmos clínicos de decisão, mesmo que os algoritmos clínicos, digam que por vezes é preciso utilizar mais exames. Por exemplo a partir dos 50 anos qualquer comum português, saudável ou não, deve fazer uma colonoscopia. Para além desses algoritmos clínicos, há uma coisa que é fundamental na nossa “mundância”, que é isto -saber de quem se vem, o pai, a mãe, os irmãos etc, etc. Numa 1ª análise, esta árvore até podia não ser excessivamente pesada, mas reparem quantos carcinomas é que foram detetados. Se calhar o risco era um risco quase individual e um risco carregado em termos de família. Esta doente veio provar, que faz sentido, do ponto de vista biológico, numa família como esta, aumentar o nosso compromisso de ver o que se passa nos outros elementos. Nós vamos fazer reflexo disso na clínica, por exemplo, nas endoscopias que queremos fazer.

Prof. Sobrinho-Simões: Não se deve fumar...

Prof. João Pimentel: Relativamente às palavras do Prof. G. Macedo, hoje em dia ninguém discute essa necessidade. Isto é, uma mulher com cancro da mama diagnosticado aos 30/35 anos de idade, pré-menopausica, tem indicação para ser vigiada no seu follow-up com endoscopia ou não? Existe alguma evidência clara que esclareça se se deve ou não fazer exame endoscópico? Penso que não chegámos ainda a nenhuma conclusão segura quanto a isso.

Prof. Guilherme Macedo: Se me permite, a evidência que existe é a seguinte: o risco padrão da população ocidental. Risco padrão significa que não há ninguém na família que “nos ponha os cabelos em pé” em termos de doença oncológica. Risco padrão a partir dos 50. Esta srª claramente não tem o risco padrão, tinha um risco oncológico familiar. No caso particular do carcinoma da mama, há alguma evidência que suporta que estes doentes devam observar

o seu intestino com regularidade sobretudo quando têm inicio de doença óssea. Portanto, o risco passa a deixar de ser padrão.

Prof. João Pimentel: Todos nós lemos a literatura, e não existe nenhuma evidência clara, ou melhor, não é recomendado um rastreio a todos esses doentes com cancro da mama com menos de 50 anos. Esqueçamos a incidência familiar e tudo o resto.

Dr. Pedro Correia da Silva: Eu queria aqui sublinhar esta chamada de atenção do Prof. Guilherme Macedo. O que vai causar a morte deste doente não será provavelmente o cancro colo-rectal, mas o cancro do recto poderia ter sido evitado, se se tivesse feito uma colonoscopia em que fosse detetado o adenoma antes da sua progressão para cancro.

Dr. Costa Maia: Com a anuência do Prof. S. Simões, vou terminar, voltando a agradecer em 1º lugar aos convidados, ao Prof. J. Pimentel, ao Dr. Fernando Castro do IPO, que tiveram a amabilidade de estar aqui connosco, e do meu ponto de vista foi extremamente agradável tê-los cá. Queria, ainda, agradecer a todos e dizer-lhes que, como vi-ram, há coisas que fazemos bem, há coisas que fazemos me-nos bem, e não há, sobretudo, uma maneira única de fazer. Há várias maneiras de atingir o mesmo objetivo, mas quero, no entanto, salientar algo que eu acho (e nesse aspeto queria felicitar e agradecer ao Prof. S. Simões podermos partilhar isto com ele), que fazemos muito bem: é esta forma de partilha de experiência e conhecimento. E é extremamente agradável para nós ter aqui esta plateia cheia, sobretudo de alunos e de jovens, porque é para isso que, penso, nós devemos cá estar também. Não só para tratar os doentes, mas para transmitir a nossa experiência, as nossas dúvidas, as nossas quase certezas, sobretudo aos jovens. Por isso este não deve ser um ponto-final, mas esta discussão fica com reticências: podem, quando quiserem, no que diz respeito ao Serviço de Cirurgia Geral, e, tenho a certeza, e em relação a todos os Serviços desta casa, continuá-la connosco nas circunstâncias que vos forem mais favoráveis, porque nós estaremos sempre disponíveis, como não podia deixar de ser.

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