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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.25 no.3 Porto jun. 2011

 

COMENTÁRIO

Melhoria da Qualidade em Unidades de Saúde: Que Investigação?

Manuel Cardoso de Oliveira1

 

1Escola de Estudos Pós-Graduados e de Investigação Universidade Fernando Pessoa Praça 9 de Abril, 349 4249-004 Porto. Email: manuelco@ufp.edu.pt, maco0410@gmail.pt

 

Na área da Saúde a Investigação é fundamental para que se possa avançar eficaz e eficientemente nos cuidados a prestar aos doentes, dotando as instituições com meios estruturais e humanos que permitam acautelar a Qualidade Clínica e a Segurança dos Doentes. Porém, a interligação de todos estes componentes mostra lacunas que é urgente ultrapassar, tendo a consciência deste facto ganho particular relevância nesta última década.

A investigação na área das bases científicas da medicina tem particular relevância para o rigor das conclusões e a disseminação de novos conhecimentos, tantos deles com repercussões positivas na qualidade das práticas profissionais. Os clínicos mais esclarecidos muito têm aproveitado com a sua ligação a este tipo de investigação, mas as exigências das suas rotinas não lhes deixam muito tempo disponível, pelo que só em escasso número de casos é que assistimos, entre nós, a colaborações exemplares. Acresce que aqueles investigadores têm revelado algumas vezes uma clara incapacidade para compreender as exigências e as susceptibilidades da clínica. Continuamos a pensar que o contacto directo com os doentes, apesar de alguns avanços tecnológicos empurrarem no sentido contrário, continua a ser uma fonte inesgotável de aprendizagem, mormente no tempo em que se defende o crescente envolvimento dos doentes nos cuidados de Saúde que lhes são prestados. Estes cenários de diferentes tipos de investigação (básica, de translação e clínica) foram enriquecidos nestes últimos anos com a emergência da qualidade clínica e sua melhoria contínua bem como da Segurança dos Doentes, o que tem obrigado a uma profunda alteração das mentalidades e uma especial atenção de que alguns se têm alheado. Esta incapacidade é ainda mais lamentável e perigosa quando algumas destas personalidades estão em centros de decisão ou posições de liderança que podem fazer perigar iniciativas meritórias numa área delas tão carecida. Efectivamente, nos países mais desenvolvidos e mais atentos à importância do que está em jogo começam-se a notar dedicações plenas a estas matérias, o que lhes confere competências importantes. Ainda há bem pouco tempo vi citado o Professor Orlando Ribeiro – “Tudo o que se refere a ensino e organização da ciência requer estruturas plásticas a todo o momento capazes de adaptar-se aos resultados da experiência”, conceito que apesar de estabelecido há muitos anos revela uma actualidade flagrante.

Sendo áreas emergentes, temos assistido à proliferação de um elevado número de ideias, métodos e ferramentas. Das auditorias médicas às auditorias clínicas e à governação clínica, da Total Quality Management até à Continuous Quality Improvement, do controlo estatístico até ao método six sigma e lean thinking, todas estas ferramentas significam que para se estar actualizado se exige uma constante atenção às revistas da especialidade, bem como às conferências, livros e programas de formação. Há uma tendência universal para modas e caprichos de que não se excluem as organizações de saúde e os seus líderes1. Uma questão fundamental é averiguar se muitas destas inovações são realmente novas e efectivas. No entender daquele autor nem sempre há melhorias sustentadas e contínuas mas desperdício de esforços e recursos se não se obtiverem os resultados desejados.Todas as metodologias referidas necessitam de um ambiente organizacional adequado, sínteses claras e uma grande disponibilidade de tempo para os que têm de liderar estes processos.

As tentativas para estimular um maior número de publicações na área da melhoria da Qualidade e da Segurança dos Doentes não tiveram inicialmente grande sucesso, pois os interesses das pessoas que nela trabalham estão especialmente virados para a qualidade dos cuidados que prestam e não para os escassos incentivos e o exigente trabalho de preparar material para publicar em revistas de enorme exigência redactorial, dado que estas estão especialmente voltadas para iniciativas de investigação original mais básica e não para assuntos ligados à Qualidade em Saúde2.

Foi evidente para muitos autores, e é também essa a nossa opinião, que é necessário libertarmonos das algemas dessas exigências tradicionais de modo a que possamos estimular um grande número de profissionais que continua a trabalhar nesta área, com resultados visíveis que não são publicados e necessitam de ser disseminados.

É importante reconhecer que enquanto floresce a prática da melhoria da qualidade, as suas bases científicas são embaraçadas pela complexidade e diversidade da informação necessária para avaliar e compreender a sua implementação e efeitos. Apesar do uso cada vez mais frequente de metodologias investigacionais nesta área, os cientistas clássicos questionam se os standards usados serão os mais aconselháveis, enquanto os que se dedicam à investigação na área da melhoria da qualidade apontam a frequente inadequação de estudos prospectivos e randomizados para esse tipo de trabalho. Esta investigação e os cuidados de saúde baseados na evidência são encarados como distintos, por vezes até diametralmente opostos, a despeito de objectivos semelhantes – melhorarem os outcomes3. Não obstante, e como já anteriormente referimos, é possível uma sinergia crescente entre os dois sectores, apelando-se para uma maior compreensão e melhor espírito de colaboração. A versão SQUIRE (Standards for Quality Improvement Reporting Excellence) é um complemento mais elaborado das guidelines e destina-se a dar mais consistência científica aos projectos de investigação e aos trabalhos publicados4.Todos os esforços necessários serão muito bem vindos de modo a que se sensibilizem os académicos para a importância do que está em causa, não podendo admitir-se que a publicação e a disseminação de resultados obtidos nesta área emergente e tão importante da saúde esteja sujeita a constrangimentos que nada têm a ver com a verdade e o interesse do que se vai fazendo.

Espera-se, pois, que as próprias revistas médicas mais exigentes adequem os seus critérios de aceitação de trabalhos, pois a maior finalidade dos nossos desempenhos tem a ver com o modo como os doentes são tratados e o seu grau de satisfação. Não é relaxando os standards da MBE para a investigação e publicações sobre Melhoria da Qualidade (QI) que se encontra o ponto certo, dado que isso nos pode conduzir a becos sem saída. Muitos referem que revistas de grande impacto não compreendem completamente os desafios que os investigadores na área QI encaram na condução de programas com fundos escassos ou nulos. Os constrangimentos orçamentais, e as dificuldades em aderir às exigências científicas no mundo real dos cuidados de saúde, tornam impraticável esperar que os estudos sobre QI satisfaçam o rigor científico expectável em estudos mais tradicionais. Alguns autores acham mesmo que essas exigências despropositadas podem desencorajar os que vão labutando no terreno5. As referidas exigências e as rejeições de trabalhos bem executados à luz da ciência pragmática podem ter consequências trágicas, sendo no entanto necessário reconhecer que em muitos trabalhos faltam dados e clareza que podem conduzir a enviesamentos e informações distorcidas. Pode ainda admitir-se que a rejeição de alguns trabalhos pode ter boa fundamentação científica de acordo com critérios rigorosos e tradicionais, o que não significa que a sua disseminação seja intrinsecamente má dado que tem potencialidades para nos conduzir a novas hipóteses. Por isso há também que criar veículos adequados para disseminar experiências e achados disponíveis, como sejam, conferências, newsletters e websites.

 

Referências

Walshe K., Pseudoinnovation: the development and spread of healthcare quality improvement methodologies Int J Qual Health Care. 2009; 21(3):153-9.         [ Links ]

Thomson R. G., Consensus publication guidelines: the next step in the science of quality improvement? Qual Saf Health Care. 2005; 14(5): 317–8.         [ Links ]

Baker G. R., Strengthening the contribution of quality improvement research to evidence based health care Qual Saf Health Care. 2006; 15(3): 150-1.         [ Links ]

Davidoff F, Batalden F.Toward stronger evidence on quality improvement. Draft publication guidelines: the beginning of a consensus project. Qual Saf Health Care 2005;14:319–25.         [ Links ]

Pronovost P. and Wachter R., Proposed standards for quality improvement research and publication: one step forward and two steps back Qual Saf Health Care. 2006; 15(3): 152–3.         [ Links ]

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