SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 issue5Cytomegalovirus: Vertical Transmission and Disease author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.24 no.5 Porto Oct. 2010

 

INVESTIGAÇÃO ORIGINAL

Educação Sexual no Contexto Escolar em Portugal:Dando Voz aos Alunos

Sexual Education in the Context of Portuguese Schools

Margarida Gaspar de Matos *, Daniel Sampaio**

 

* Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa e Centro de Malária e Doenças Tropicais/Instituto de Higiene e Medicina Tropical,Universidade Nova de Lisboa;

** Faculdade de Medicina,Universidade de Lisboa.

 

Correspondence

 

RESUMO

Introdução: De modo recorrente, a sociedade civil é inundada de informações díspares sobre os alegados malefícios da educação sexual nas escolas, com afirmações cientificamente infundadas tais como “a educação sexual promove o início precoce das relações sexuais”, “os pais são sempre os únicos e melhores interlocutores dos filhos em questões ligadas à sexualidade”, “os jovens não querem educação sexual nas escolas”.

Métodos: O objectivo do presente artigo é dar voz aos jovens, (raramente ouvidos a não ser de modo de certo modo hiper-estruturado através das juventudes partidárias), e analisar as respostas que sobre este tema deram 4877 alunos incluídos no estudo Health Behaviour School-aged Children em 2006.A amostra foi constituída de forma aleatória e tem representatividade nacional para os jovens que frequentam o 6º, 8º e 10º anos de escolaridade, noensino oficial. A unidade de análise foi a “turma” e os questionários foram preenchidos na sala de aula, sendo de preenchimento anónimo e voluntário.

Resultados: De acordo com as suas próprias afirmações, um número considerável de adolescentes tem a informação sobre sexualidade que necessita em sua casa através dos seus pais, mas para número menor mas não negligenciável esta educação não é satisfatória e não permite uma protecção da sua saúde.

Discussão: A educação sexual parental é imprescindível. Cabe à escola proporcionar uma educação sexual promotora de saúde aos jovens não suficientemente abrangidos pró uma educação parental.

Palavras-chave: educação sexual; adolescentes; pais; professores

 

SUMMARY

Introduction: Recurrently, civil society is confronted with disparate information about the alleged evils of sex education in schools with scientifically unfounded statements such as “sex education promotes early initiation of sexual intercourse”, “parents are often the only and best interlocutors of the children in issues of sexuality”, “ young people do not want sex education in schools”.

Methods: The aim of this paper is to give voice to young people (rarely heard unless in the context of the somehow hyper-structured youth sections of political parties), and analyze the responses on this subject have 4877 students enrolled in the study Health Behavior School-aged Children in 2006.The sample was randomly selected and has national representation for young people who attend the 6th, 8th and 10th grades, the official teaching. The unit of analysis (“cluster”) was the “class” and the questionnaires were completed in the classroom, and filling anonymous and voluntary.

Results: A considerable number of teenagers have the information that they need about sexuality at home by their parents, but for fewer but not insignificant, this education is not satisfactory and does not allow for protection of their health.

Discussion: According to youths’ statements regarding sex education, the parental education is very important. The school must provide an education promoting sexual health to young people not covered sufficiently through parental education.

Key-words: sex education; adolescents; parents; teachers

 

Introdução

HBSC/OMS (Health Behaviour in School-aged Children) é um estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde, que pretende investigar os estilos de vida dos adolescentes e os seus comportamentos nos vários cenários das suas vidas.

Neste momento o estudo conta com equipas de 44 países entre os quais Portugal, integrado desde 1996 e membro associado desde 1998. Os seus principais objectivos visam uma nova e aprofundada compreensão dos comportamentos de saúde dos adolescentes, estilos de vida e contextos sociais.

O questionário internacional, para o estudo HBSC foi desenvolvido através de uma investigação cooperativa entre os investigadores dos países.

Como é habitual neste tipo de estudo internacional, os países membros do HBSC têm de respeitar um protocolo de pesquisa e procedimentos (1-3).

Em termos gerais, seguindo com este protocolo a amostra portuguesa é constituída de forma aleatória e tem representatividade nacional para os jovens que frequentam o 6º, 8º e 10º anos de escolaridade, no ensino oficial. A unidade de análise é a “turma” e os questionários foram preenchidos na sala de aula, sendo de preenchimento anónimo e voluntário.

Portugal realizou um primeiro estudo nacional em 1998 (4) e o segundo estudo nacional em 2002 (5), e o terceiro estudo nacional em 2006 (6) disponíveis em Http://www.aventurasocial.com e http://www.fmh.utl.pt/aventurasocial).

 

Métodos

O HBSC - Health Behaviour in School-aged Children é pois uma investigação periódica (levada a cabo de quatro em quatro anos), sobre comportamentos de saúde em meio escolar.

As edições em que Portugal esteve envolvido ocorreram nos anos de 1997/1998, de 2001/2002 e de 2005/2006 (e mais recentemente a aguardar publicação 2010).

O estudo HBSC de 2006 abrangeu alunos do 2º e 3ºciclos (6º ano - 31,7%; 8º ano - 35,7%; 10º ano - 32,6%), apontando para idades médias de referência de 11,5, 13,5 e 15,5 anos respectivamente. Esta amostra foi estratificada por região educativa (Norte - 43,7; Lisboa e Vale do Tejo -28,8%; Centro - 15,4%; Alentejo - 6,9%; Algarve - 5,2%) sendo proporcional ao número de alunos destes níveis de escolaridade em cada região. Em 2006 foram incluídos 4877alunos de ambos os sexos (49,6% rapazes), a descrição demográfica e metodológica completa estando publicada no relatório final (6).

A recolha de dados foi realizada através de um questionário, distribuído através dos Correios. Os questionários oram aplicados à turma na sala de aula, de modo anónimo e em regime de voluntariado. Foi obtido o consentimento da DGIDC, das Direcções Regionais, da Direcção da Escola, das Comissões de Pais e, em algumas escolas, o consentimento activo e individual dos pais. O estudo foi submetido e obteve parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados e da Comissão de Ética do Hospital de S. João e foi sujeito à avaliação de especialistas, do painel de consultores do projecto Aventura Social (em http://www.aventurasocial.com)

No presente estudo o foco será a atitude dos jovens relacionada com a educação sexual e não com outros factores relacionados com a sexualidade já publicados em outro lugar (6-8).

 

Resultados

Questões em foco

Que temas da tua saúde gostarias de debater na escola?

A esta questão, 4877 alunos respondem em primeiro lugar “ sexualidade” (46,1%), em seguida, (indicam-se todos os temas que reuniram mais do que 25% dos “ votos”) tem-se desporto (29,6%); droga (28,6%); violência (26,4%); álcool (26,8%) e amizade (25,2%).

Parece óbvio destes resultados que os jovens querem falar de sexualidade, têm dúvidas a esse respeito e valorizam este tema como relevante nas suas vidas em quase o dobro dos outros cinco temas mais “votados”.

Para que serve a educação sexual?

Em relação à utilidade da educação sexual, 55,9% (a opção mais votada) refere-se a alunos que declaram “para obter mais informação” seguindo-se “para tirar dúvidas”(36,8%), “para saber relacionar-me com outra pessoa”(20,5%); “para não ter sida” (19,4%) e “para não engravidar”(17,3%).

Salienta-se nas duas opções mais votadas a percepção da falta de informação, e nas seguintes salienta-se a percepção da relevância do tema nas relações interpessoais ena protecção da sua saúde.

Com que à vontade te sentes para falar com os teus pais?

Em relação à comunicação com o pai, 55,3% acham fácil ou muito fácil e 37,3% acham difícil ou muito difícil, sendo ainda que 7,4% não têm ou não vêem o pai.

Em relação à comunicação com a mãe, 76,1% acham fácil ou muito fácil e 20,7% acham difícil ou muito difícil, sendo ainda que 3,2% não têm ou não vêem a mãe. Parece obvio deste resultado que a maioria dos alunos tem uma boa comunicação e à vontade para falar com os pais sendo que este facto permitirá sem dúvida aos pais exercer a sua importante missão educativa. Salienta-se também que esse não é o caso para todos os adolescentes.

Como te sentes a falar de educação sexual com…

Com os pais: à vontade/muito à vontade (38,5%); pouco ou nada à vontade (61,5%). Com os colegas: à vontade/muito à vontade (69,8%); pouco ou nada à vontade (30,1%).

Com os professores: à vontade/muito à vontade (25,7%);pouco ou nada à vontade (73,3%).

O que fazes quando queres saber mais sobre VIH e outras ISTs?

Falam com um amigo (62,7%); falam com os pais (48,5%); vão ao Centro de Saúde (39%); falam com o professor (22,4%); falam com um padre ou grupo religioso (10,6%) .

Parece óbvio destes resultados que muitos jovens preferem os colegas do que os pais na informação sobre sexualidade; parece ainda óbvio que os professores poderão ser uma ajuda informada da maior relevância. De notar que esta questão quando se refere aos professores, se refere “aos professores em geral” sendo expectável que a percentagem de alunos com à vontade para falar com professores fosse diferente se a questão definisse “Há um professor na tua escola com quem te sintas à vontade”.

Achas que corres o risco de ser infectado pelo VIH?

Sim, muito risco (5,9%); sim, algum risco (10,2%); não corro risco (57,2%); não sei se corro riscos (26,7%).

 

Discussão

A educação para a sexualidade não se limita, embora inclua a prevenção das ISTs e VIH.

A sexualidade é uma parte importante da vida das pessoas que tem expressão diferente em função das diferentes idades de desenvolvimento e acontecimentos de vida. O Grupo de trabalho de Educação Sexual/Educação para a saúde (9,10), há muito publicou um relatório sobre a situação nacional, ouvidos professores, pais, alunos e vários actores e instituições da sociedade portuguesa, e definiu um conjunto de recomendações baseadas nesta ampla audição do país ena pesquisa da literatura científica sobre a questão. Estas recomendações tiveram aprovação governamental.

Pais e educadores (pareceria), lucrariam em criar condições para que os jovens pudessem viver uma sexualidade saudável, gratificante e fonte de desenvolvimento pessoal e social.

Mas, acaso haja ainda neste país, enraizados preconceitos da ordem da ignorância, da ideologia ou da religião, pelo menos aqui fica um apelo saudável a que pais e educadores não privem os jovens de uma educação que eles mesmo clamam para se tornar cidadãos saudáveis e, se atentarmos nas respostas dos jovens à última das questões, a conseguir sobreviver a infecções, usufruindo dos conhecimentos científicos do século XXI.

A participação do cidadão na promoção da sua saúde é já um princípio consensual, defendido por especialistas, por questões de ordem ética, de eficácia, de promoção da cidadania e do desenvolvimento e capacitação pessoais e social; qualquer medida educativa e de saúde que diga respeito a jovens lucrará em ter a participação destes. Sobre sexualidade, uma vez que muitos falam em seu nome, o presente trabalho tem como objectivo inquiri-los e apresentar as suas opiniões. E as suas opiniões são claramente estas: um número considerável de adolescentes tem a informação sobre sexualidade que necessita em sua casa através dos seus pais, mas para número menor mas não negligenciável esta educação não é satisfatória e não permite uma protecção da sua saúde abrindo a necessidade de a escola proporcionar uma educação sexual promotora de saúde aos jovens não suficientemente abrangidos por uma educação parental.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a toda a equipa do projecto Aventura Social (http://www.aventurasocial.com) a colaboração na recolha e inserção de dados, e à Coordenação acional da Infecção VIH/Alto Comissariado para a Saúde o financiamento do estudo HBSC desde 1998.

 

Referências

1 - Currie C, Hurrelmann K, Settertobulte W, Smith R, Todd J. (eds) (2000) Health and health behaviour among young people (Health Policy for Children and Adolescents, No.1). WHO Regional Office for Europe, Copenhagen.         [ Links ]

2 - Currie C, Samdal O, Boyce W, Smith R. (eds) (2001) Health Behaviour in Schoolaged Children: a WHO Cross-National Study (HBSC), Research Protocol for the 2001/2002 Survey. Child and Adolescent Health Research Unit (CAHRU), University of Edinburgh.         [ Links ]

3 - Currie C,Roberts C, Morgan A, et al.(eds). (2004) Young People’s Health in Context: international report from the HBSC 2001/02 survey, (Health Policy for Children and Adolescents, Nº.4). WHO Regional Office for Europe, Copenhagen.         [ Links ]

4 - Matos M, Simões C, Carvalhosa S, Reis C, Canha L. (2000) A Saúde dos Adolescentes Portugueses. Lisboa: FMH / PEPT-Saúde.         [ Links ]

5 - Matos M e equipa do Projecto Aventura Social & Saúde. (2003) A saúde dos adolescentes portugueses (Quatro anos depois). Edições FMH: Lisboa.         [ Links ]

6 - Matos M, Simões C, Tomé G, Gaspar T, Camacho I, Diniz J & Equipa do Aventura Social. (2006). A Saúde dos Adolescentes Portugueses – Hoje e em 8 anos – Relatório Preliminar do Estudo HBSC 2006.         [ Links ]

7 - Matos MG, Sampaio D. (Ed) (2009) Jovens com saúde - diálogos com uma geração. Lisboa: Leya.         [ Links ]

8 - Matos MG. (2010) Sexualidade, afectos e cultura. Lisboa: Coisas de Ler.         [ Links ]

9 - GTES (2005) Relatório Preliminar. Lisboa.         [ Links ]

10 - GTES (2007) Relatório Progresso. Lisboa.         [ Links ]

 

Correspondence to:

Dr.ª Margarida Gaspar de Matos

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa. Estrada da Costa,1499-002 Lisboa. E-mail: mmatos@fmh.utl.pt

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License