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Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.24 no.4 Porto Aug. 2010

 

COMENTÁRIO

A Propósito de Iconoclasias

Manuel Cardoso de Oliveira*

 

*Escola de Estudos Pós-Graduados e de Investigação, Universidade Fernando Pessoa

 

Correspondência

 

Os cientistas da 2ª metade do Séc. XX , iconoclastas e com uma grande devoção pelo método científico, consideraram este uma ferramenta essencial para avaliar os desempenhos dos profissionais da Saúde. Na óptica daqueles cientistas só as estruturas científicas formais e os métodos estatísticos robustos protegem a mente humana dos seus próprios enviesamentos e ajustam influências ocultas não controladas, dizendo-se que o método hipotético - dedutivo e as estatísticas podem ser aplicados com escassos ajustamentos ao mundo da Clínica (Berwick, 2005).

Como é habitual nas inovações, os seus argumentos não foram inicialmente bem acolhidos, mas presentemente os conceitos por eles defendidos estão totalmente enraizados e no centro da avaliação dos Cuidados de Saúde. Os agentes de mudanças têm sempre que pagar o preço do seu arrojo e da sua determinação. A persistência de práticas clínicas sem qualquer fundamentação científica esmoreceu à luz de ensaios clínicos bem desenvolvidos. Foi demostrado que nem sempre as crenças e a evidência correspondiam, ganhando especial importância os ensaios randomizados, duplamente ocultos, prospectivos e controlados, minorando a influência de enviesamentos e outros métodos geradores de confusão. Neste campo destacaram-se os contributos da Epidemiologia e da Bioestatistica, ciências com desempenhos de avaliação bem conhecidos. Os benefícios da Medicina Baseada na Evidência (MBE) foram imensos e a aposta na qualidade clínica pressupõe a incorporação da evidência científica na pratica médica.

Nestes processos de mudança, mesmo quando desejados e com resultados apreensíveis, há uma forte tendência para passar as marcas. Realmente transformamos o compromisso com o estilo particular da MBE numa hegemonia intelectual pode ficar caro se não a avaliarmos no que ela tem de excessivo ou não aplicável. É necessário reconfigurar ou dimensionar mais adequadamente as condições impostas pela MBE à publicação de artigos sobre Qualidade e Segurança Clínicas, proporcionando uma compreensão nova e mais abrangente da evidência necessária para a modernização dos Cuidados de Saúde. Este facto acarreta uma alteração dos standards para as referidas publicações, sabendo-se que não são necessários nem tão pouco de custos aceitáveis os já referidos ensaios randomizados para salientar muitos componentes da Qualidade Clínica. Num paralelismo talvez excessivamente simples há quem diga que para se aprender a andar de bicicleta ou dominar uma língua estrangeira não são indispensáveis os tais ensaios.

Embora afastadas do modelo dos ensaios referidos, algumas destas propostas oferecem boas garantias contra más interpretações, enviesamentos e confundimento. No mundo da clínica, especialmente nos seus processos de modernização, interrogamo-nos se este entendimento tem valor se devidamente usado. E a resposta é afirmativa, como reconhece Berwick. Todavia, o sucesso do movimento em direcção a métodos científicos formais que pontificam no compromisso moderno da MBE criou uma barreira que excluiu muito do conhecimento e prática que pode colher-se da experiência com naturais repercussões.

Os iconoclastas do passado correm agora o risco de poderem ser encarados como iconoclastas no presente.

Os métodos de observação e reflexão que servem de base para grande parte da aprendizagem humana e, francamente, na base dos quais muitas indústrias e outras organizações modernas estão a construir o futuro, são sistemáticos, teoricamente consistentes, muitas vezes quantificáveis e poderosos. Trata-se, no dizer de Tom Nolan, de uma ciência pragmáticaem cujos componentes se destaca o recurso a gráficos, o uso de conhecimentos nos locais de trabalho fazendo medições, a integração de processos detalhados do conhecimento no trabalho de interpretação, o uso de pequenas amostras e ciclos experimentais curtos. Esta ciência pragmática está viva e bem viva. Prospera na modernização contínua nos Cuidados de Saúde estimulando o interesse de milhares de líderes e desenvolvendo-se também nos textos de teoristas brilhantes, o que não evita estar encurralada por metodologistas, guardiões das revistas e de algumas agências de acreditação, dos curricula e das mentes de muita gente.

Os Cuidados de Saúde têm muito a ganhar se as portas da ciência pragmática se abrirem a métodos disciplinados de aprendizagem a partir da reflexão da prática. Estes métodos de partilhar a aprendizagem mediante registos transparentes têm sido enaltecidos por Davidoff e Batalden (2005), duas grandes figuras mundiais destas áreas emergentes nos cuidados de saúde e na sequência deles a versão SQUIRE (Standards for Quality Improvement Excellence) é um complemento muito bem elaborado que contou com a colaboração de consagrados especialistas (2008).

 

Correspondencia:

Prof. Dr. Manuel Cardoso de Oliveira

Escola de Estudos Pós-graduados e de Investigação, Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de Abril, 349 4249-004 Porto. E-mail: maco0410@gmail.com

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