SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 número1Hemoperitoneu Maciço Causado por Mioma Uterino índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.24 no.1 Porto fev. 2010

 

INVESTIGAÇÃO ORIGINAL

Comparação Entre História de Alergia e Infecção em Crianças e Adolescentes

Comparison Between Alergy History and Infection Prevalence in Children and Teenagers

Luiz Ronaldo Alberti*, Daniel Adonai Machado Caldeira*, Andy Petroianu*

 

* Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil

 

Correspondência

 

RESUMO

Objetivo: Nas últimas duas décadas, aumentou a prevalência das doenças alérgicas, principalmente em países desenvolvidos. Esse fato foi relacionado à melhoria das condições ambientais e à redução das doenças infecciosas. A nossa população, entretanto, ainda se encontra exposta a condições de risco insalubres. O objetivo deste trabalho foi avaliar a relação entre alergia e de infecção bacteriana em crianças e adolescentes.

Métodos: Foram pesquisados 485 crianças e adolescentes, sendo 360 não-alérgicos e 125 alérgicos, atendidos, em nível primário, no serviço público de saúde de Belo Horizonte. Passado de doenças infecciosas e alérgicas, com diagnóstico confirmado por médico foi investigado. Os resultados foram comparados por meio do teste qui ao quadrado. Calculou-se também a razão das chances e os intervalos de confiança.

Resultados: A presença de processos infecciosos foi maior no grupo de alérgicos (p < 0,001, a razão das chances = 3,36 e intervalo de confiança = 2,16 a 5,21). As infecções relacionavam-se principalmente com o local de acometimento alérgico.

Conclusão: As crianças e os adolescentes alérgicos apresentaram maior incidência de infecções, principalmente nos locais em que ocorrem as manifestações alérgicas.

Palavras-chave: alergia; doenças infecciosas; atopia; asma; infecção.

 

ABSTRACT

Objectives: In the last two decades, the prevalence of allergic diseases has been growing, especially in developed countries. This fact was related to the improvement of environmental conditions and reduction of infectious diseases. Nevertheless, our population is still under the risk of unhealthy conditions. The purpose of this investigation was to assess the relation between allergy and bacterial infection among children and teenagers.

Methods: 485 children and teenagers, 360 non-allergic and 125 allergic, were surveyed. All patients were followed in the public health primary care system of Belo Horizonte. The data concerning the past of allergy and infections confirmed by physicians were investigated. The chi-squared test and odds ratio were used for statistical comparisons.

Results: Infectious diseases were more prevalent in allergic subjects (p < 0.001; odds ratio = 3.36; confidence interval = 2.16 to 5.21). The infections occurred mainly in the sites of the allergic manifestations.

Conclusions: The allergic children and teenagers present higher infection rate, mainly in the sites of allergic manifestations.

Key-words: allergy; infectious diseases; atopy; asthma; infection.

 

Introdução

As doenças alérgicas, de forma geral, vêm sendo relacionadas a famílias menores e com melhor condição socioeconômica. É possível, entretanto, que essa situação não reflita a realidade, mas apenas indique as pessoas que procuram assistência médica devido a causas consideradas por muitos como de importância menor. Nesse sentido, tem-se notado o aumento da incidência de doenças alérgicas em países desenvolvidos nas últimas décadas. No Brasil, dados recentes apontam prevalência de asma em torno de 8%, com ligeira predominância em indivíduos do sexo masculino, porém com variação entre as diferentes regiões do país (1,2). Essa particularidade regional pode ser, em parte, devida a aspectos étnicos e de costumes.

A maior exposição a agentes infecciosos nos primeiros anos de vida eleva a resposta imunitária. A atopia é a reposta exacerbada a agentes estranhos ao organismo, associada a aumento dos níveis séricos das imunoglobulinas (3,4). Desse modo, a menor exposição de crianças a fatores ambientais mais agressivos pode reduzir a possibilidade de surgirem doenças alérgicas (5,6,7).

A nossa população mais pobre está exposta à insalubridade, que, associada à desnutrição, pode favorecer o surgimento de quadros infecciosos. Tal situação pode desencadear ou exacerbar crises asmáticas. Embora haja pesquisas correlacionando infecções nos primeiros anos de vida com a proteção contra doenças alérgicas, pouco se estudou sobre a presença de doenças alérgicas e o risco de ocorrerem infecções bacterianas. Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo verificar se existe relação entre história de alergia e infecção bacteriana em crianças e adolescentes.

 

Métodos

Esta pesquisa foi realizada de acordo com as recomendações da Declaração de Helsinque e da Resolução no 196/96 do Ministério da Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Todos os pacientes concordaram com a participação no estudo por meio de consentimento livre e esclarecido.

Foram pesquisados 485 crianças e adolescentes atendidos em serviço público de saúde, com idades variando entre cinco e quinze anos, distribuídos em dois grupos:

Grupo 1 (n=125) – pacientes alérgicos

Grupo 2 (n=360) – pacientes não-alérgicos

Os pacientes foram aleatoriamente abordados pelos autores nos ambulatórios de Pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG. A veracidade dos dados foi estimulada pela garantia de sigilo quanto à identificação e respostas. A investigação foi conduzida por meio de entrevistas com os pais ou responsáveis que tinham um bom conhecimento sobre o passado de doenças das crianças e dos adolescentes.

Todas os pacientes foram identificados de acordo com a idade e a cor da pele (melanodérmicas, feodérmicas, leucodérmicas). Avaliaram-se a história de alergia e de infecções prévias.

O diagnóstico de alergia teve por base a orientação de Greco e Filogônio (8). As doenças alérgicas consideradas para este trabalho foram: asma, rinite alérgica, eczema atópico (dermatite atópica).

Asma foi diagnóstica com base em condições clínicas e funcionais: um ou mais dos seguintes sintomas: dispnéia, tosse crônica, sibilância, aperto no peito ou desconforto torácico, particularmente à noite ou nas primeiras horas da manhã; sintomas episódicos; melhora espontânea ou pelo uso de medicações específicas para asma (broncodilatadores, antiinflamatórios esteróides); funcionais: obstrução das vias aéreas caracterizada por redução do VEF1 (volume expiratório final) (inferior a 80% do previsto) e da relação VEF1/CVF (capacidade vital funcional) (inferior a 75%); diagnóstico de asma é confirmado pela presença de obstrução ao fluxo aéreo que desaparece ou melhora significativamente após broncodilatador (aumento do VEF1 de 7% em relação ao valor previsto e 200 ml em valor absoluto, após inalação de beta-2 agonista de curta duração).

A rinite alérgica foi definida pela presença de espirros, rinorréia, prurido e congestão nasal e com os testes alérgicos e/ou dosagem sérica (no sangue) de IgE específica (alérgenos específicos).

O diagnóstico do eczema atópico (dermatite atópica) foi baseado na presença de erupções pruriginosas cutâneas hiperemiadas, secretantes ou não, e que formam crostas na face, no couro cabeludo, na área perineal, nas mãos, nos membros superiores, nos pés ou nos membros inferiores, após exclusão de outras causas infecciosas.

Com relação às infecções, foram incluídos somente os processos infecciosos de etiologia bacteriana, confirmados por exames complementares (hemograma, radiografia de tórax, exame de urina, bem como cultura bacteriológica de urina, de escarro e de secreções purulentas cutâneas ou conjuntivais). Investigaram-se as infecções das vias aéreas superiores, pneumonia, tuberculose pulmonar, infecções de pele, conjuntivite, escarlatina e infecções do sistema urinário.

Foram incluídos neste trabalho, somente os casos confirmados de alergia e infecção, com diagnóstico médico de certeza. Quando havia dúvida, o caso era descartado.

Para avaliar a homogeneidade da amostra e as diferenças entre os parâmetros, foram utilizados os testes qui ao quadrado e exato de Fisher. Calculou-se também a razão das chances dessa amostra e o intervalo de confiança (IC) das variáveis analisadas. As diferenças foram consideradas significativas para valores corres-pondentes a p < 0,05.

 

Resultados

Não houve diferença entre as idades das crianças e dos adolescentes nos dois grupos. Dos 125 pacientes alérgicos, 67 (53,6%) eram asmáticos, 36 (28,8%) tinham alergias cutâneas (dermatite alérgica e eczema), 22 (17,6%) eram portadores de rinite alérgica e 4 (3,2%) apresentavam outras formas de alergia. Nesse grupo, 87 participantes (69,6%) já haviam sido acometidos por algum tipo de infecção até o momento da entrevista (Tabela 1).

 

 

A presença de processos infecciosos foi maior no grupo de alérgicos (p < 0,001; a razão das chances = 3,36; IC para 95% = 2,16 a 5,21). Não houve diferença com relação ao sexo ou cor da pele. Entretanto, quando se analisam separadamente os tipos de infecção (Tabela 2), observa-se que a diferença ocorreu apenas para as infecções do sistema respiratório (infecções de vias aéreas superiores a razão das chances = 3,65; IC 95% = 2,36 a 5,58; pneumonia, razão das chances = 3,37; IC 95% = 1,39 a 8,08).

 

 

Discussão

Segundo a literatura, quanto maior o contágio oral, menor a prevalência de atopias (9). Indivíduos tuberculosos apresentam menor freqüência de reações alérgicas. (9, 10, 11, 12). Apesar de os níveis séricos de IgE serem maiores em hanseníase, não foi encontrada associação entre essa afecção e manifestações de alergia (13). Segundo alguns autores, em classes menos favorecidas há maior sensibilidade brônquica aos alergenos. No presente trabalho, as crianças e os adolescentes avaliados eram oriundos do sistema público de saúde e viviam em regiões socialmente semelhantes. Portanto, pode-se inferir que seu ambiente de vida era similar, de modo que as diferenças encontradas entre alérgicos e não-alérgicos têm em comum esse fator.

Com base nessa situação, julgamos pertinente pressupor que a maior prevalência de infecções em pessoas alérgicas está relacionada com as complicações que podem advir das doenças alérgicas, principalmente quando localizadas no sistema respiratório. A asma, quando mal-controlada, interfere na função brônquica, possibilitando o surgimento de bronquite bacteriana.. Habitualmente, o tratamento realizado é apenas sintomático e não previne infecções secundárias ou outros quadros sépticos (14).

Não foram consideradas as infecções viricas devido a dificuldade em se estabelecer um diagnóstico confiável com base na realização de exame físico e complementares de rotina apenas. Para esse diagnóstico específico é necessário exames de alto custo e com disponibilidade restrita. Todos os pacientes eram oriundos de sistema público de saúde e a realização desses exames só estaria disponível em casos justificados. Além disso, parte dos pacientes com essas infecções viricas não procuram atendimento médico por considerarem essas doenças sem tratamento específico, o que poderia eventualmente alterar a real incidência dessas afecções.

Uma observação importante verificada por Sörensen e Sakali foi a elevada prevalência de infestação parasitária em pacientes atópicos (15). Ainda nesse sentido, Medeiros et al. sugere a necessidade de investigações adicionais relacionadas ao papel da infecção em doenças alérgicas para verificar se a presença de infecção previne doenças alérgica ou se a associação entre essas duas entidades apenas coincide com a exposição e sensibilização orgânica (16).

Observou-se que crianças e adolescentes alérgicos tinham maior predisposição a infecções, principalmente associadas aos locais de manifestação das doenças alérgicas. Dessa maneira, os pacientes com asma e rinites tiveram mais infecções respiratórias e os pacientes com dermatites alérgicas apresentaram infecções de pele. Outros autores sugeriram essa relação para as afecções cutâneas, porém sem um estudo específico (15-21). Com base nos dados da literatura, é possível presumir que o controle das manifestações atópicas pode ser um método eficaz de reduzir a morbimortalidade infecciosa infantil, pois os quadros sépticos podem ser, pelo menos em parte, facilitados pela menor resistência imunitária dos pacientes alérgicos e de colonização bacteriana dos tecidos inflamados pela reação alérgica. Nesse sentido, este trabalho parece ter a originalidade de estudar especificamente a relação entre alergia e infecção em nosso meio.

Pelos resultados observados neste trabalho, as crianças e os adolescentes alérgicos desenvolveram infecções, principalmente nos locais das manifestações inflamatórias alérgicas. É provável que esse fenômeno ocorra em decorrência de modificações celulares e moleculares provocadas por processo alérgico. No entanto, novas pesquisas são necessárias para identificar a fisiopatologia dessa relação.

 

Conclusão

As crianças e os adolescentes alérgicos apresentaram maior incidência de infecções bacterianas, principalmente nos locais em que ocorrem as manifestações alérgicas.

 

Referências

1- Mallol J, Sole D, Asher I, Clayton T, Stein R, Soto-Quiroz M. Prevalence of asthma symptoms in Latin America. Pediatr Pulmonol 2000;30:439-44.         [ Links ]

2- Solé D, Yamada E, Vana AT, Werneck G, Solano de Freitas L, Sologuren MJ, et al. International Study Of Asthma And Allergies In Childhood. J Investig Allergol Clin Immunol 2001;11:123-8.         [ Links ]

3- Donovan CE, Finn PW. Immune mechanisms of childhood asthma. Thorax 1999;54:938-46.         [ Links ]

4- Lucey DR, Clerici M, Shearer GM. Type 1 and type 2 cytokine dysregulation in human infectious, neoplastic and inflammatory diseases. Clin Microbiol Rev 1996;9:532-62.         [ Links ]

5- Strachan DP, Harkins LS, Johnston IDA, Anderson HR. Childhood antecedents of allergic sensitization in young British adults. J Allergy Clin Immunol 1997;99:6-12.         [ Links ]

6- Strachan DP. Family size, infection and atopy. Thorax 2000; 55 (suppl. 1):s2-s10.         [ Links ]

7- Von Mutius E. The burden of childhood asthma. Arch Dis Child 2000;82 (suppl. II):ii2-ii5.         [ Links ]

8- Greco DB, Filogônio CJB. Abordagem clínica do paciente alérgico e do paciente com imunodeficiência. In: Pedroso ERP, Rocha MOC, Silva AO. Clínica Médica. 1a ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 1993. p. 92-125.         [ Links ]

9- Matricardi PM, Rosmini F, Riondino S, Fortini M, Ferrigno L, Rapicetta M, et al. Exposure to foodborne and orofecal microbes versus airborne viruses in relation to atopy and allergic asthma. Br Med J 2000;320:412-7.         [ Links ]

10-Shirakawa T, Enomoto T, Shimazu S, Hopkin JM. The inverse association between tuberculin responses and atopic disorder. Science 1997;275:77-9.         [ Links ]

11-Hopkin JM. Atopy, asthma, and the mycobacteria [editorial]. Thorax 2000;55:443-5.         [ Links ]

12-Von Mutius E, Pearce N, Beasley R, Cheng S, Von Ehrenstein O, Björkstén B, et al. International patterns of tuberculosis and the prevalence of symptoms of asthma, rhinitis, and eczema. Thorax 2000;55:49-53.         [ Links ]

13-Herz U, Gerhold K, Grüber C, Braun A, Wahn U, Renz H, et al. BCG infection suppresses allergic sensitization and development of increased airway reactivity in an animal model. J Allergy Clin Immunol 1998;102:867-74.         [ Links ]

14-Smith DL, Bahna SL, Gillis TP, Clements BH. Atopy and IgE in patients with leprosy. J Allergy Clin Immunol 1990;85:795-800.         [ Links ]

15-Sorensen RV, Sakali P. A infecção parasitária protege contra a alergia? J Pediatr 2006;82:241-2.         [ Links ]

16-Medeiros D, Silva AR, Rizzo JÁ, Motta ME, Oliveira FHB, Sarinho ESC. Nível sérico de IgE total em alergia respiratória: estudo em pacientes com alto risco de infecção por helmintos. J Pediat 2006;82:255-9.         [ Links ]

17-Salto Junior JJ, Wandalsen G, Naspitz CK, Solé D. Asthma and respiratory disease mortality rates in the state of São Paulo, Brazil. Allergol Immunopathol 2002;30: 0-5.         [ Links ]

18-Zac RI, Machado VMM, Alberti LR, Petroianu A. Associação entre alergia prévia, infertilidade e abortamento. Rev Ass Med Bras 2005;51:177-80.         [ Links ]

19-Ribeiro As, Furyama T, Schenkman S, Jardim JRB. Atopy, passive smoking, respiratory infections and asthma among children from kindergarten and elementary school. São Paulo Med J 2002;120:109-12.         [ Links ]

20-Spalding SM, Wald V, Bernd LA. IgE sérica total em atópicos e não-atópicos na cidade de Porto Alegre. Rev Assoc Med Bras 2000;46:93-7.         [ Links ]

21-Ferreira CT, Seidman E. Alergia alimentar: atualização prática do ponto de vista gastroenterológico. J Pediatr 2007;83:7-20.         [ Links ]

 

Correspondencia:

Prof. Andy Petroianu

Departamento de Cirurgia, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Alfredo Balena, 190, 4º andar, Santa Efigênia, CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: petroian@medicina.ufmg.br

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons