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Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.23 no.2 Porto Mar. 2009

 

Optimizar Cuidados de Saúde e Tratamento do VIH

 

Rui Marques

Serviço de Doenças Infecciosas, Hospital S. João, Porto

 

Actualmente, os objectivos do tratamento anti-retrovírico (TAR) são: diminuir a morbilidade e mortalidade associadas ao VIH; melhorar a qualidade de vida; suprimir de modo sustentado a replicação vírica; restaurar/ preservar o estado imunológico e prevenir a transmissão mãe-filho. Para além destes, existe um conjunto de outros objectivos desejáveis e que se entrevê serem possíveis atingir: diminuir a morbilidade e mortalidade de doenças não-associadas ao VIH; minimizar o risco de transmissibilidade do VIH ao longo da vida; permitir uma esperança de vida semelhante à da população geral.

As recomendações actuais de TAR indicam que, no doente assintomático, o TAR deve ser iniciado com contagens de linfócitos CD4< 350/mm3. As recomendações europeias (e também as portuguesas), indicam ainda considerar o ínicio de TAR em doentes com CD4>350/mm3, se com RNA VIH-1>100 000 cópias/mL, declíneo rápido de CD4, idade < 55 anos, e co-infecção por VHC e/ou VHB.

Dados derivados do estudo randomizado SMART vieram confirmar os resultados de diversos estudos de coorte, nomeadamente o CASCADE, evidenciando a existência de um contínuo aumento do risco de morte e de progressão da doença associado a contagens mais baixas de CD4. No estudo SMART foi ainda demonstrado que a infecção VIH não tratada está ligada a maior morbilidade e mortalidade por causas não classicamente associadas a SIDA, nomeadamente problemas cardiovasculares ou neoplasias não definidoras de SIDA. Recentemente, dois grandes estudos de colaboração de várias coortes (NA-ACCORD study e ART Cohort Collaboration) vieram trazer novos dados. Embora os resultados do estudo NA-ACCORD tenham revelado um excesso de mortalidade nos doentes que iniciam TAR com CD4< 500/mm3, os resultados do ART Cohort Collaboration não confirmam um significativo benefício, em termos de sobrevida, para a generalidade dos doentes iniciando TAR com CD4>350/mm3. Neste contexto, os resultados do estudo randomizado START, iniciado este ano, poderão vir a contribuir para substanciar a vantagem, para o doente individual, da instituição do TAR com CD4>500/mm3.

Contudo, cerca de 40% dos novos doentes observados em primeira consulta apresentam CD4<200/mm3 e já perderam a oportunidade de beneficiar com a instituição precoce de TAR. Uma das principais causas da apresentação tardia destes doentes é o diagnóstico da infecção VIH efectuado já em fases avançadas da doença. O diagnóstico precoce das pessoas infectadas constitui por isso, actualmente, uma prioridade nas estratégias de controlo da doença e das suas consequências.

O seguimento inconsistente do doente com repetidos abandonos das consultas é outro importante factor de morbilidade e mortalidade. Dos doentes infectados por VIH que necessitaram de internamento no SDI do HSJ entre 2006 e 2007, 70% tinham abandonado as consultas há > 6 meses. É urgente o estudo e caracterização desta população, para melhor definir uma estratégia de minimização consequente.

A efectiva aplicação das recomendações terapêuticas na clínica diária implica não só uma informação sistemática ao doente, que legitime a sua responsabilização pelo uso racional dos cuidados de saúde que lhe são oferecidos, mas também a responsabilização dos serviços de saúde, que devem proporcionar o acesso fácil ao diagnóstico, garantir o acesso e sustentabilidade do seguimento e da medicação e desenvolver e implementar indicadores de funcionamento auditados.

São considerados factores importantes para o sucesso do TAR aspectos relacionados com o esquema terapêutico (potência, tolerabilidade, posologia simples e toxicidade a longo prazo), com o doente (idade, situação psico-social, estadio da doença) e com o vírus (carga vírica, mutações de resistência). Para além destes, também factores como o acesso aos cuidados de saúde e a experiência do centro onde o doente é observado têm especial relevância para uma evolução favorável.

A disponibilidade de uso em Portugal dos fármacos anti-retrovíricos mais recentes é sem dúvida de sublinhar como um aspecto positivo. Dado que são muitas vezes indispensáveis para o tratamento de doentes com múltiplos insucessos terapêuticos prévios e déficite imunitário grave, o seu acesso em tempo útil para o doente impõe processos de aprovação desburocratizados e expeditos.

Em resumo, a vantagem do início precoce do TAR é apoiada por múltiplos estudos de coorte. Actualmente uma proporção substancial de doentes apresenta-se já com doença avançada. O sucesso de uma estratégia de diagnóstico e cuidados precoce exige o envolvimento da comunidade, recursos assistenciais adequados e de qualidade, e sustentabilidade de acesso aos fármacos.

Existe já evidência de que doentes infectados por VIH, em supressão virológica e contagens normais de CD4, poderão ter uma esperança de vida equivalente à da população em geral. Este será certamente o aspecto definidor da optimização dos cuidados de saúde a esta população.

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