SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 issue2Implementação do Teste Rápido para Detecção Precoce da Infecção VIH/sida no Algarve: Confidencialidade e AconselhamentoProcesso de Caracterização dos Centros de Aconselhamento e Detecção Precoce da Infecção VIH/SIDA author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.23 no.2 Porto Mar. 2009

 

Infecção VIH/sida – Compromisso das Farmácias

 

João Silveira

Associação Nacional das Farmácias

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Federação Internacional dos Farmacêuticos (FIP) publicaram, em 1997, uma declaração conjunta sobre o papel do farmacêutico na luta contra a pandemia VIH/sida, dada a sua responsabilidade na área da saúde pública e na acessibilidade e vocação dos farmacêuticos na área da saúde:

– Os farmacêuticos em todo o mundo são os agentes de saúde mais acessíveis e disponíveis para o público em geral;

– São profissionais de saúde em quem a população deposita elevados níveis de confiança;

– Têm competências e conhecimento na área da promoção da saúde e prevenção da doença, diagnóstico e terapêutica;

– Têm formação na área da saúde pública e uma grande experiência no diálogo com a população e na educação e informação dos doentes, o que os coloca bem posicionados para participarem em campanhas de promoção da saúde e prevenção da doença;

– São os profissionais de saúde responsáveis pela garantia da qualidade do circuito do medicamento;

– Como profissionais de saúde estão permanentemente em contacto com os decisores na área epidemiológica, diagnóstica e terapêutica, participam no tratamento e acompanhamento dos doentes e contribuem para a recolha, análise e comunicação de dados em saúde;

– Actuam de acordo com um código deontológico (Ordem dos Farmacêuticos).

Em Portugal, o estudo “O que os Portugueses pensam dos Serviços de Saúde”, realizado pela Ordem dos Farmacêuticos, em Junho de 2002, revelou a importância que as farmácias assumem no quotidiano da nossa população. Quase metade (45,6%) dos portugueses visitaram os hospitais na condição de doentes, nos últimos 12 meses, mas essa frequência aumenta no caso dos centros de saúde (para 65,6%) e das farmácias (para 85,0%) que, sendo os equipamentos de saúde mais frequentados pelos portugueses na condição de doentes, obtêm, ao mesmo tempo, as avaliações de qualidade mais importantes.

Estes dados conferem à farmácia uma responsabilidade acrescida no combate à infecção pelo VIH. A equipa da farmácia está em contacto próximo com a comunidade, quer com doentes quer com cidadãos saudáveis, que conhecem e confiam na equipa da farmácia.

 

Intervenção proposta

A estratégia defendida por todas as organizações com responsabilidades nesta área como a mais adequada no combate à epidemia integra o tratamento dos doentes infectados mas também a prevenção e o diagnóstico, como áreas fundamentais de intervenção. Esta abordagem é também a defendida para outras patologias e está na génese da redefinição dos serviços prestados: a farmácia como centro de prevenção e terapêutica.

Assim, o plano proposto prevê a intervenção da farmácia de oficina na infecção VIH/sida de forma integrada e abrangendo diferentes níveis de intervenção:

– Promoção da saúde e prevenção da doença;

– Diagnóstico e detecção precoce;

– Terapêutica.

Esta intervenção integrada e abrangente tem como pilar base de sustentação a formação dos farmacêuticos e de outros elementos da equipa da farmácia.

 

1. Promoção da Saúde e Prevenção da doença

O objectivo da intervenção das farmácias nesta área é melhorar o conhecimento, prevenir e aconselhar. Pretendese melhorar a acessibilidade à informação e aos meios de prevenção.

Nesta área, a intervenção das farmácias foi pioneira. O Programa de redução de riscos “Diz não a uma seringa em segunda mão” teve início em Outubro de 1993 e resultou de uma parceria entre a Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida e a Associação Nacional das Farmácias (ANF). Desde o início do programa até 2009, foram recolhidas mais de 42 milhões de seringas, tendo sido evitadas mais de 7 mil novas infecções pelo VIH por 10 mil UDI nos primeiros 8 anos do programa, o que representa uma poupança superior a 400 milhões de euros.

 

2. Diagnóstico

De acordo com a Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida, o diagnóstico precoce da infecção VIH/sida é fundamental para uma estratégia consistente e eficaz de prevenção da transmissão da infecção e de desenvolvimento da doença:

– O conhecimento da seropositividade VIH contribui para a redução de comportamentos de risco face ao próprio e a outros;

– A detecção precoce permite iniciar o tratamento numa fase mais adequada da infecção, aumentando a qualidade e a esperança de vida do indivíduo;

– O conhecimento real da infecção permite mobilizar recursos e respostas adequadas, reduzir a negação, estigma e discriminação que a rodeiam.

O objectivo da intervenção das farmácias nesta área é contribuir para o conhecimento da evolução epidemiológica da doença e actuar, através de:

– Aconselhamento, promoção e informação sobre os Centros de Aconselhamento e Detecção Precoce;

– Realização do teste rápido de detecção precoce na farmácia, salvaguardando os princípios de anonimato e confidencialidade.

Como exemplo do que pode ser realizado pelas farmácias nesta área, está a decorrer um projecto-piloto em Espanha para promover o diagnóstico precoce da infecção pelo VIH, envolvendo 20 farmácias do País Basco e 20 farmácias da Catalunha. Neste País, apesar de a prova ser gratuita e confidencial, estima-se que cerca de 20% das pessoas infectadas pelo VIH desconhece a sua situação de seropositividade, que cerca de 20% dos novos diagnósticos de infecção pelo VIH se realiza simultaneamente com o diagnóstico de sida e que a taxa de transmissão é 3,5 vezes superior entre os que desconhecem o seu estado serológico, quando comparados com os que estão diagnosticados.

Este projecto, que aposta na normalização do uso do teste VIH na população em geral, resulta de um protocolo assinado entre o Ministério da Saúde (Plano Nacional sobre Sida) e as Comunidades Autónomas. Iniciou-se em Março de 2009 e será avaliado em Dezembro de 2009, decidindo-se então sobre o alargamento do projecto às restantes regiões de Espanha.

Os objectivos do projecto são:

– Realizar o teste rápido para o VIH em pessoas com comportamentos de risco para o VIH;

– Prestar aconselhamento pré e pós teste;

– Assegurar um encaminhamento efectivo para centros específicos de confirmação dos casos positivos;

– Assegurar um encaminhamento efectivo para ONGs ou outras entidades na área da infecção pelo VIH dos indivíduos que necessitam de apoio social e/ou psicológico.

Os critérios para a selecção das farmácias variam de acordo com a região e incluem:

– Critérios geográficos;

– Desenvolvimento de iniciativas de compromisso social de alguma forma relacionadas com esta temática;

– Participação em programas terapêuticos de administração de metadona;

– Existência de gabinete para serem comunicados de forma confidencial os resultados aos utentes.

A população alvo são indivíduos maiores de 16 anos que se dirijam de forma anónima a uma farmácia participante no ensaio piloto solicitando a realização do teste rápido para o VIH. No caso do resultado ser positivo o farmacêutico comunica com o centro de referência, para que nesse mesmo dia ou no dia seguinte o doente seja atendido e se possa confirmar o resultado.

A intervenção da farmácia inclui:

1. Teste e acompanhamento realizado por um farmacêutico com formação específica e acreditado pelo Colégio Oficial de Farmacêuticos;

2. Atendimento imediato (horário indicado no distintivo afixado nas farmácias);

3. Aconselhamento e teste simples efectuado em local que garanta a privacidade, confidencialidade e atenção personalizada;

4. Informação prestada:

– Confidencialidade e anonimato dos dados (questionário com fins epidemiológicos); Técnica do teste rápido;

– Validade do teste negativo e necessidade de um teste de confirmação em caso de resultado positivo;

– Importância do período de janela;

– Comportamentos de risco para a infecção VIH;

5. Dados do doente codificados;

6. Assinatura de consentimento informado para a realização da prova (arquivo em local “trancado”);

7. Preenchimento de um questionário com objectivos epidemiológicos;

8. Realização do teste;

9. Entrega do resultado por escrito (a farmácia fica com registo do resultado e não efectuará nenhuma cópia dos formulários);

10. Aconselhamento pós-teste:

– Resultado negativo em período janela;

– Resultado negativo após período de janela;

– Resultado positivo (farmácia pode contactar com o centro de referência para marcar a confirmação do teste, sendo o indivíduo identificado pelo código).

No País Basco, apenas entre 1 e 13 de Março, as 20 farmácias envolvidas realizaram 371 testes, dos quais um foi positivo e confirmado posteriormente.

 

3. Terapêutica

O objectivo da intervenção das farmácias nesta área é promover a acessibilidade e a adesão à terapêutica, melhorar a qualidade de vida dos doentes e combater a discriminação.

Neste âmbito é proposta a prestação de cuidados farmacêuticos, na farmácia ou domicílio. No caso de doentes com necessidades específicas, é proposta a criação e o desenvolvimento de Centros de Terapêutica Combinada nas farmácias, em que são prestados cuidados farmacêuticos de forma integrada no âmbito do tratamento da infecção pelo VIH/sida, da toxicodependência e da tuberculose.

Foram já dados alguns passos neste sentido. Desde 1998, as farmácias participam nos Programas de Substituição Terapêutica com Metadona, através da assinatura de um protocolo de colaboração entre o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT), a ANF e a Ordem dos farmacêuticos (OF).

As farmácias, pela sua distribuição geográfica e pelas características técnicas dos seus profissionais, são parceiras dos Centros de Respostas Integradas (CRI’s) e das Equipas de Tratamento (ET), antigos Centros de Atendimento ao Toxicodependente (CAT’s), na administração da Metadona, Naltrexona e Buprenorfina. A participação das farmácias permitiu alargar a rede de distribuição de Metadona e acompanhamento dos doentes, funcionando sempre em articulação com as ET’s.

Desde o início do programa até 31 de Dezembro de 2008 integraram este programa 482 farmácias, 711 farmacêuticos e 2.176 doentes.

Mais recentemente, a intervenção das farmácias passou a integrar igualmente a área do tratamento da Tuberculose, através da assinatura de um protocolo de colaboração entre o Centro de Diagnóstico Pneumológico de Vila Nova de Gaia e a ANF. No âmbito deste protocolo, as farmácias participantes no projecto-piloto supervisionam diariamente a Toma de Observação Directa de tuberculoestáticos.

Por último, e regressando à área do diagnóstico, as farmácias manifestam a sua disponibilidade e interesse em realizar um projecto-piloto, com avaliação final, semelhante ao que está a decorrer em Espanha. Para tal, é proposto o envolvimento das farmácias de acordo com critérios:

– Geográficos;

– Epidemiológicos;

• Participação em projectos relacionados (Programa de Troca de Seringas e Programas Terapêuticos de Ad ministração de Metadona, Naltrexona, Buprenorfina);

– Existência de gabinete personalizado e autonomizado;

– Equipa com, pelo menos, 2 farmacêuticos;

– Formação inicial obrigatória;

– Garantia de articulação com outros níveis de cuidados.

Esta proposta é mais um dos exemplos de que os farmacêuticos e as farmácias portuguesas continuam empenhados na luta contra a infecção VIH/sida.

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License