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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med v.23 n.2 Porto mar. 2009

 

Combate e Gestão da Epidemia de VIH/SIDA

Proposta para Optimizar a Política de Prevenção e de Diagnóstico Precoce

 

Khalid Fekhari

Instituto Piaget - Campus Académico de Viseu

 

Fundamentação

• Situação epidemiológica preocupante e fraca fiabilidade dos dados

A nível europeu, Portugal apresenta a segunda maior taxa, a seguir à Estónia (1), de novos casos de infecção por VIH em 2006 (205 casos por milhão de habitante). Além disso, uma pessoa infectada em cada três ignora-o, não sabe que está infectada pelo VIH.

Para lutar contra a epidemia de VIH/SIDA, impõe-se um conhecimento o mais preciso possível da realidade epidemiológica assim como da realidade sociocultural em que ela se inscreve. Ora, essa realidade é ainda mal conhecida. Há falta de dados epidemiológicos fiáveis e consistentes e há falta de trabalhos de investigação no campo do VIH/SIDA, tanto a nível da epidemiologia como das ciências sociais, particularmente qualitativos.

 

• Consequências nefastas e custos elevados de uma prevenção insuficiente

O cenário de diagnóstico e tratamento precoces representa um benefício em termos de saúde pública. No entanto, o teste só se realizará em maior escala se as pessoas estiverem sensibilizadas para a importância do diagnóstico, se o acesso ao teste for facilitado, se as pessoas tiverem informação sobre a doença e se não houver discriminação das pessoas infectadas. Em Portugal, isso não acontece. A população portuguesa apresenta ainda importantes falhas a nível da informação e continua a estar insuficientemente sensibilizada para o problema da epidemia de VIH/SIDA (2).

 

• Consequências e custos do diagnóstico tardio

As pessoas só podem tratar-se se souberem que estão infectadas. Há portanto um benefício individual no incentivo do diagnóstico precoce. E há também um benefício colectivo, pois deixar as pessoas na ignorância do seu estatuto serológico diminui as possibilidades de elas modificarem o seu comportamento no sentido de adoptarem medidas de protecção. As pessoas mudam os seus comportamentos (no sentido de não infectarem outras pessoas) quando sabem que estão infectadas.

O diagnóstico tardio da infecção por VIH tem um impacto negativo quer para as pessoas quer para o Sistema Nacional de Saúde. O diagnóstico e o acesso aos cuidados de saúde precoces garantem um maior custo – eficácia em termos de recursos financeiros e humanos, e benefícios em termos de redução da morbilidade e da mortalidade das pessoas infectadas. O diagnóstico precoce representa um benefício individual e colectivo. Um benefício individual porque se o diagnóstico for feito antes do sistema imunitário estar muito debilitado e se o paciente beneficiar de cuidados de saúde adequados, há um menor risco de morbilidade e de mortalidade. Um benefício colectivo porque os comportamentos de risco são muito menores quando as pessoas sabem que estão infectadas e porque os cuidados de saúde às pessoas diagnosticadas precocemente são menos dispendiosos para o Sistema Nacional de Saúde do que nos casos em que as pessoas são diagnosticadas tardiamente, já têm o sistema imunitário muito debilitado e morbilidades associadas, tendo um maior risco de mortalidade e menores hipóteses de eficácia dos tratamentos.

Vários estudos, entre os quais o do Prof. Julio Montaner (3), mostram que o custo financeiro de um cenário de diagnóstico e tratamento precoces é menor do que o de um cenário de não utilização de tratamentos anti-retrovirais, ou seja, não recorrer aos tratamentos fica mais caro a médio e longo prazo.

 

PROPOSTAS

• Questionar a actual política de prevenção e diagnóstico

Há que levantar a questão dos diagnósticos opt-in / opt-out (4), face à constatação da necessidade da oferta de testes de diagnóstico que procure chegar às pessoas mais vulneráveis, das dificuldades de acesso ao diagnóstico e aos cuidados de saúde das populações mais vulneráveis, nomeadamente os imigrantes em situação de ilegalidade. É necessário desdramatizar a prática do teste.

O diagnóstico faz parte da prevenção, é um instrumento importante na prevenção do VIH/SIDA. Também a educação sexual é um instrumento de prevenção negligênciado em portugal.

Por fim, a investigação deve ser desenvolvida pois não se pode agir eficazmente se não se conhecer bem a realidade.

 

• Detectar as limitações e disfunções do sistema actual

Urge perceber as condições dos comportamentos de risco, as percepções que as pessoas têm do risco; porque chegam tarde ao diagnóstico; avaliar a estigmatização; perceber as consequências da discriminação dos seropositivos para os comportamentos de risco e, por conseguinte, para a situação da epidemia.

O medo da estigmatização constitui um obstáculo ao diagnóstico. A discriminação favoriza os comportamentos de risco e a má adesão terapêutica (5). É necessário acabar com as atitudes e práticas que perpetuam a estigmatização das pessoas infectadas pelo VIH, acabar com as reticências dos profissionais de saúde à proposição do teste, acabar com os entraves burocráticos aos cuidados de saúde e promover a educação terapêutica.

A falta de informação e a marginalização de certas pessoas constituem uma ameaça à saúde pública. Com efeito, as pessoas que não têm uma auto-percepção do risco e as pessoas marginalizadas são diagnosticadas tardiamente. Existem ainda, em Portugal, problemas de não interiorização do risco autoreferente, de informações distorcidas ou mesmo erradas, de falsas crenças e medos irracionais, de perpetuação das atitudes e actos de discriminação das pessoas infectadas, recentemente reavivados pelo caso do cozinheiro seropositivo cujo despedimento foi apoiado pelos tribunais, passando por cima dos pareceres médicos, agravados pela tradição sensacionalista dos media (6). Os meios de comunicação social deveriam focar o assunto com informações cientificamente verdadeiras e não ambíguas. O meio laboral é também outro ambiente em que deveria circular mais informação sobre o VIH (7).

 

• Implementar uma política incitadora e facilitadora do teste de diagnóstico do VIH

É necessário desenvolver a informação, sensibilização e educação da população em relação à sexualidade em geral e às infecções sexualmente transmissíveis em particular. A par com a sensibilização para a importância do teste é necessário assegurar um acesso aos cuidados de saúde para todos (inclusive migrantes indocumentados); a protecção dos direitos humanos; a luta contra as dicriminações; a educação para a saúde e a educação sexual para a população mais jovem.

É necessário acabar com a estigmatização e a discriminação das pessoas seropositivas assim como com a penalização da transmissão viral. A estigmatização e a discriminação dos seropositivos desencorajam a realização do teste, além de constituírem um desrespeito pelos direitos humanos. O mesmo se pode dizer das penalizações da transmissão.

O problema da estigmatização dos seropositivos continua a ser um problema grave. Permanecem discursos de culpabilização das pessoas infectadas, discursos moralistas, uma judiciarização da vida íntima e um tratamento judicial da transmissão, muitas vezes longe dos conhecimentos científicos, como é exemplo o caso do cozinheiro seropositivo (8).

As barreiras ao teste podem ser individuais (como o medo da estigmatização ou o desconhecimento do dispositivo de diagnóstico) ou estruturais, ligadas ao sistema de saúde (por exemplo, os horários dos centros de diagnóstico ou a sua localização).

É necessário um conhecimento preciso da realidade da prevalência; estudos que ajudem a compreender as barreiras ao teste; avaliar os problemas de estigmatização e os impactos da criminalização da transmissão viral.

A nível europeu, o diagnóstico precoce do VIH/SIDA é uma preocupação e vários países estão a definir linhas de acção para o diagnóstico e os cuidados de saúde precoces. De lembrar que o Parlamento Europeu adoptou recentemente uma resolução nesse sentido. Há que replicar as boas práticas dos outros países europeus.

 

REFERÊNCIAS

1 -«Os números da infecção VIH/SIDA em Portugal», InformaçãoSIDA, XI (61), Março/Abril 2007, p. 35; Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, 2007. Infecção VIH/SIDA, A Situação em Portugal, doc 138, Lisboa, Junho de 2007.         [ Links ]

2 - WHO Highlights on health in Portugal 2004, World Health Organization Regional Office for Europe, 2006, em linha: http://www.euro.who.int/aids/ctryinfo/overview/20060118_33

3 - Ver em linha: www.aids2006.org/fr/admin/images/upload/938.pdf ; http://network.nationalpost.com/np/blogs/fullcomment/archive/2008/05/14/mark-a-wainberg-and-julio-montaner-succcess-in-the-fight-against-aids-has-bred-complacency.aspx ; www.catie.ca/ppt/AGM2008/Treatment-as-prevention_Tyndall_1_f.ppt ; www.hivnet.ubc.ca/f/aproposdenous/pdfs/nouvelles16_3.pdf [acedidos a 25-03-2009]

4 - Opt-in: teste com consentimento expresso do paciente / opt-out: teste sem o consentimento expresso do paciente.

5 - Bruno Spire, Patrick Peretti-Watel, Sida : Une maladie chronique passée au crible, EHESP, 2007.

6 - Hugo Silva, “Quando a informação não conduz à prevenção” InformaçãoSIDA, XI (64), Setembro/Outubro 2007, p. 18.

7 - Sofia Filipe, “73% admitiram nunca ter feito o diagnóstico”, InformaçãoSIDA, XI (62), Maio/Junho 2007, p. 31.

8 - Ver em linha: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1311099 e http://dn.sapo.pt/2007/11/20/sociedade/medicos_garantiram_nao_havia_risco.html [acedidos em 09-06-2008].

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