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Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.23 no.2 Porto Mar. 2009

 

Vigilância Epidemiológica e Teste VIH em Populações em Maior Risco e de Difícil Acesso

 

Sónia Dias

Instituto de Higiene e Medicina Tropical; Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa

 

No âmbito desta comunicação apresentou-se o estudo “Teste VIH em Populações Imigrantes residentes em Portugal” desenvolvido em 2007. Em seguida foram sumariadas as dificuldades associadas ao desenvolvimento de estudos epidemiológicos e as potenciais estratégias de prevenção e controlo do VIH nas populações de difícil acesso, como as populações imigrantes. Por fim, apresentou-se o projecto “Infecção VIH/Sida nos grupos de Homens que têm Sexo com Homens e Trabalhadores Sexuais: Prevalência, Determinantes e Intervenções de Prevenção e Acesso aos Serviços de Saúde”, com início em 2009.

O estudo “Teste VIH em Populações Imigrantes em Portugal” (Dias, S., Severo, M., Gama, A. & Barros, H.) teve como objectivos determinar a proporção de realização do teste VIH numa população imigrante e identificar os factores associados à realização do teste. Neste estudo foi aplicado um questionário a 1513 imigrantes (53,4% homens) no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI), em Lisboa. A média de idades dos participantes foi de 33 anos. Cerca de 50% dos participantes era natural de países da América Latina (destes, 99,3% do Brasil), 34,8% era natural de países Africanos, 11,9% da Europa de Leste e 2,9% de países asiáticos. Do total da amostra, 54% dos participantes reportou estatuto legal.

Cerca de 10% dos participantes reportou não saber onde iria se tivesse questões relacionadas com o VIH/Sida, 80% reportou que recorreria ao SNS (Hospital e/ou Centro de Saúde) e 5% recorreria a serviços privados de saúde. A maior parte referiu que recorreria aos médicos se precisasse de informação sobre VIH/Sida. Alguns imigrantes indicaram como outras fontes de informação a internet e os amigos/família. Apenas 9,2% dos participantes referiu ter procurado informação sobre VIH/Sida no SNS. Aproximadamente 51% reportou já ter feito o teste VIH. Destes, a maioria fez o último teste em Portugal e grande parte fez o teste nos últimos 4 anos. Relativamente aos factores associados ao teste VIH, a partir da análise de regressão logística verificou-se que ser homem e estar em situação não legal associou-se a uma menor probabilidade de ter feito o teste. Por outro lado, ter entre 26 e 40 anos, ter nível educacional elevado, ser natural de países da América Latina ou África e conhecer alguém infectado pelo VIH as-sociou-se a uma maior probabilidade de ter feito o teste.

Os resultados sugerem uma falha na informação sobre os serviços de saúde por parte dos imigrantes, o que pode ter implicações no acesso atempado e adequado a estes serviços. Os resultados realçam ainda a possível lacuna no conhecimento sobre VIH/Sida na população imigrante. No que respeita ao teste VIH, os resultados do estudo revelam diferenças na população inquirida. Uma menor probabilidade de ter feito o teste foi associada a ser homem e estar em situação não legal. A diferença de género observada pode ser explicada pelo facto de as mulheres tenderem a utilizar mais os serviços de saúde que os homens no contexto da saúde sexual e reprodutiva.

Este estudo apresenta uma limitação relacionada com o facto de se tratar de uma amostra por conveniência e portanto não representativa da população imigrante em Portugal. Esta limitação reflecte em parte as dificuldades que frequentemente estão associadas aos estudos epidemiológicos.

Embora os actuais sistemas de vigilância epidemiológica permitam conhecer a prevalência do VIH/Sida, há contudo uma lacuna na informação sobre grupos específicos da população em maior risco e com um papel importante na transmissão do VIH/Sida.

Adificuldade em obter amostras representativas de grupos hard-to-reach deve-se ao difícilacesso a estas populações (geralmente têm comportamentos ilícitos e estigmatizantes evitando participar nos estudos) e ao desconhecimento da dimensão do universo. Recorrendo a amostras não probabilísticas deparamo-nos com alguns enviesamentos como a falta de representatividade e a validade externa da amostra, uma vez que a prevalência e comportamentos destas amostras podem ser substancialmente diferentes do grupo em estudo. Neste contexto, pode haver importantes falhas no conhecimento da transmissão pelo VIH/Sida, comprometendo as estratégias de prevenção desenvolvidas. Adicionalmente, com os actuais sistemas de vigilância epidemiológica há dificuldade em identificar precocemente novos comportamentos de risco ou indicadores sobre a disseminação do vírus, o que dificulta a compreensão da dinâmica da infecção.

Tem vindo a ser reconhecida a necessidade de desenvolver estudos que validem técnicas de amostragem mais apropriadas aos grupos em maior risco e de difícil acesso, como por exemplo o Respondent-driven sampling, que permitam alcançar amostras abrangentes e heterogéneas dos grupos que se pretende estudar e conhecer melhor o universo destas populações. Por outro lado, torna-se necessário que os actuais sistemas de vigilância epidemiológica incluam indicadores de primeira e segunda geração de forma a acumular dados biológicos e comportamentais sobre a infecção e a captar a heterogeneidade e explicar as modificações dos padrões epidemiológicos. Desta forma, pretende-se produzir informação pertinente para a acção, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias de intervenção adequadas e eficazes.

Os resultados do estudo apresentado e a literatura realçam a necessidade de adoptar estratégias inovadoras de prevenção e controlo do VIH. O envolvimento e participação das comunidades imigrantes no planeamento e desenvolvimento de intervenções nesta área são essenciais para a sua eficácia.

Neste contexto, pretendendo dar resposta a alguns dos aspectos apontados foi apresentado o projecto “Infecção VIH/Sida nos grupos de Homens que têm Sexo com Homens e Trabalhadores Sexuais: Prevalência, Determinantes e Intervenções de Prevenção e Acesso à Saúde” que iremos iniciar em 2009. Este projecto integra duas componentes: uma primeira componente visa estimar a prevalência da infecção nas duas populações do estudo, identificar os factores sociais e comportamentais associados à infecção nestas populações e caracterizar os conhecimentos, atitudes e práticas quanto ao VIH/Sida. Esta componente servirá de linha de base para uma segunda componente, de intervenções de prevenção e acesso aos serviços de saúde junto das populações. De forma a dar respostas adequadas a problemas identificados nas populações através da sua participação e envolvimento da comunidade estão previstas várias actividades a desenvolver em parceria com as comunidades dos grupos em estudo e ONG.

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