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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med v.23 n.2 Porto mar. 2009

 

Acesso, Práticas e Barreiras ao Teste VIH

 

Cláudia Carvalho

Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 

Introdução: Os benefícios decorrentes da identificação precoce da infecção pelo VIH são inequívocos, quer do ponto de vista individual, ao permitir o encaminhamento adequado das pessoas que vivem com a infecção e o início atempado de tratamento, quer do ponto de vista comunitário, ao constituir peça central na estratégia de prevenção de novas infecções. Na Europa estimou-se que 15 a 38% dos diagnósticos de infecção VIH eram tardios, estando esta proporção aparentemente a aumentar ou, na melhor das hipóteses, a manter-se. A UE definiu como prioridade alargar o acesso ao teste e reduzir a proporção de indivíduos infectados não diagnosticados. Para isso é necessário compreender o contexto actual de realização do teste, definindo o acesso, as práticas e as barreiras. Com esse propósito, e no âmbito de um estudo envolvendo cinco países europeus, foi aplicado um questionário a doentes com infecção VIH seguidos em três centros hospitalares nacionais.

Os objectivos foram: identificar os locais de realização do teste, compreender quais as condições/contexto em que é realizado, caracterizar as barreiras ao acesso, compreender a magnitude e identificar características associadas ao diagnóstico tardio.

Material e métodos: De Julho a Outubro de 2008 e de Janeiro a Fevereiro de 2009 foi aplicado um questionário voluntário e anónimo a doentes que frequentavam as consultas especializadas dos Hospitais de São João, Joaquim Urbano e Santa Maria. Critérios de inclusão: idade superior a 17 anos e diagnóstico de infecção VIH há menos de 3 anos. Critério de exclusão: primeira consulta. A associação entre as características dos participantes e o diagnóstico tardio (resultado principal) foi estimada através do cálculo de odds ratios (OR) e respectivos intervalos de confiança a 95% (IC 95%).

Resultados: Preencheram o questionário 301 doentes: 53% do Hospital São João, 9% do Hospital Joaquim Urbano e 38% do Hospital Santa Maria. Dos participantes, 68,7% eram homens; a idade mediana (percentil 25 – percentil 75) foi 39 (31-50) anos; 18,2% não nasceram em Portugal. As vias de transmissão da infecção mais frequentes foram a sexual, em 68,3% (heterossexual em 50,7%, HSH em 17,6%) e o consumo de drogas endovenosas em 7,1%. No entanto 22% declararam desconhecer qual o modo de transmissão da infecção.

O Centro de Saúde / consulta de Medicina Geral e Familiar foi o local de realização do teste para 37,7%. Dos restantes, 17,7% foram diagnosticados no contexto de internamento hospitalar, 11,7% no Serviço de Urgência hospitalar, 10,3 % em consulta de infecciologia/venereologia, 3,0% num centro de aconselhamento e diagnóstico (CAD), 2,7% num centro de atendimento a toxicodependentes e os restantes 17% em consultas de outras especialidades, laboratórios privados, serviços de sangue ou estabelecimentos prisionais. Não houve diferenças significativas entre sexos. Afirmaram ter feito o teste por iniciativa própria 29,1% dos homens e 16,7% das mulheres. Responderam ter um teste negativo anterior 34,0% dos homens e 28,3% das mulheres. Os motivos apontados para a não realização de teste prévio ao que identificou a infecção foram, respectivamente, em homens e mulheres: baixa percepção de risco 76,5% vs. 86,2%; dificuldades “logísticas” 9,2% vs. 10,3%, medo pessoal/social 0,8% vs.1,7%, ausência de sintomas 8,4% vs. 1,7%.

A gratuitidade do teste foi confirmada por 70,4% dos participantes e todos afirmaram ter tido facilidade no acesso ao local de teste. Negaram ter recebido aconselhamento pré teste 77,2%. Referiram ter-lhes sido pedido consentimento explícito para a realização do teste 44% dos participantes e 53,1% responderam desconhecer a possibilidade de recusa do teste.

À data do diagnóstico, 65.3% dos doentes apresentavam uma contagem de linfócitos T CD4 inferior a 350/mm3 (o que foi considerado diagnóstico tardio).

Os factores que se associaram significativamente a um diagnóstico tardio foram (ORs ajustados para idade, sexo e categoria de transmissão): o sexo masculino (OR: 2,01 (IC95%:1,11-3,63)), a idade (OR (por ano):1,03 (1,00-1,05)), realizar o teste por iniciativa médica (OR:1,92 (1,05-3,50)), realizar o teste no hospital (OR:4,27 (1,99-9,17)), realizá-lo por doença (OR:4,10 (2,12-7,92)). A realização do teste por rotina ou tendo como motivos a preocupação ou parceiro seropositivo foram factores associados a um diagnóstico precoce. Quando questionados quanto a estratégias que permitissem diagnóstico mais precoce, 57,5% dos doentes sugeriram que os médicos deveriam testar todos os doentes, 55,5% que os testes deviam ser rotina e 36,5% que devia haver mais campanhas de incentivo ao teste.

Discussão: Os locais onde mais frequentemente o teste foi proposto foram o centro de Saúde e o Hospital. Uma pequena proporção realizou o teste por iniciativa própria. Relativamente ao contexto/condições do teste, a maioria dos doentes teve acesso fácil e gratuito ao teste, mas só uma minoria refere ter tido aconselhamento prévio e apenas 44% confirmaram a existência de um pedido explícito de consentimento, dados que apontam para falhas de informa-ção/comunicação no momento do teste. A proporção de doentes que nunca tinha feito qualquer teste previamente ao que identificou a infecção foi de 68%. A baixa percepção de risco foi apontada pelos doentes como a principal barreira ao teste e cerca de 22% declararam desconhecer qual o modo de transmissão da infecção, revelando lacunas importantes no conhecimento da infecção pelo VIH. Na amostra estudada, o diagnóstico de infecção pelo VIH foi tardio em 65,3% dos casos, com previsíveis repercussões graves a nível individual e das estratégias de saúde pública. Ser homem ou ter idade mais avançada foram factores que se associaram de forma significativa a um diagnóstico mais tardio. A realização do teste por rotina ou tendo como motivos a preocupação ou parceiro seropositivo foram factores associados a um diagnóstico precoce.

As opiniões expressas pelos participantes como forma de promover o diagnóstico precoce revelam uma cultura de responsabilização médica e social que deverão ser tidas em conta na definição de novas estratégias.

 

Agradecimentos

Aos médicos dos Serviços de Doenças Infecciosas dos hospitais participantes: Dr. Rui Marques, Drª Carmela Pinero, (HSJ), Prof. Doutor Francisco Antunes, Drª Manuela Doruana, Drª Joana Fernandes, Drª Mariana Seidi, Dr. Tiago Marques (HSM), Doutor Rui Sarmento e Castro (HJU), ao Dr. Diogo Costa e Drª Raquel Lucas do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, à DrªJessica Deblonde (Universidade de Ghant, Bélgica) e Prof. Henrique Barros (Coordenação Nacional para a Infecção VIH/Sida, Ministério da Saúde, Portugal).

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