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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.41 no.1 Lisboa mar. 2018

https://doi.org/10.19084/RCA17141 

ARTIGO

Entraves e potencialidades do café de montanha: alternativas de agregação de valor

Difficulties and potentialities of Mountain Coffee: value-adding alternatives

Matheus Mendes dos Santos Guaraldo1, Andrea Leda Ramos de Oliveira2,* e Jamile de Campos Coleti3

1Faculdade de Ciências Aplicadas, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

2Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

3Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

(*E-mail: andrea.oliveira@feagri.unicamp.br)


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo traçar uma análise acerca do cenário produtivo do café de montanha da Região Sul de Minas Gerais, de modo a evidenciar os principais entraves, assim como apontar alternativas de solução. Para tanto, um estudo de caso foi conduzido em torno da situação vivenciada pelos cafeicultores do município de Inconfidentes, Minas Gerais, Brasil. O estudo de caso foi desenvolvido a partir de entrevistas com as principais lideranças regionais do setor, estruturadas e conduzidas com o apoio de um roteiro. Como principais resultados, destaca-se o fato de que a localização geográfica de região montanhosa confere uma grande potencialidade como bebida de alta qualidade, mas por outro lado, entraves como baixa oferta de mão de obra e impossibilidade de mecanização da lavoura vem encarecendo sobremaneira os custos de produção do café, fazendo com que a solução mais viável esteja na promoção de mecanismos de comercialização mais adequados. Dessa maneira, os principais instrumentos capazes de alavancar a venda do café de Inconfidentes é a estratégia de diferenciação de produto. A utilização de selos de certificação de origem surge como uma grande ferramenta capaz de diferenciar o produto e agregar valor em torno de sua qualidade superior.

Palavras-chave: Inconfidentes, café de montanha, diferenciação, certificação de origem.


ABSTRACT

The aim of this paper is tracing an analysis around the production of mountain coffee from the South region of Minas Gerais, in order to identify the main barriers as well as identify suitable solutions. In order to do so, a case study was conducted around the situation experienced by coffee farmers in the municipality of Inconfidentes, Minas Gerais, Brazil. The case study was conducted with the main regional stakeholders with the support of a script. The main results highlight the fact that the geographic location of the mountainous region confers great potential as a high-quality drink, but on the other hand, obstacles such as a low labor supply and the impossibility of mechanization of the crop have made the greatly increasing the cost of coffee production. So the most viable solution is to promote more appropriate marketing mechanisms. Thus, the main instruments to leverage the sale of Inconfidentes coffee is the product differentiation strategy. The use of certification of origin emerges as a great tool capable of differentiating the product and adding value around its superior quality. 

Keywords: Inconfidentes, mountain coffee, differentiation, certification of origin.


INTRODUÇÃO

O café está presente na rotina diária de milhares de pessoas ao redor do mundo, figurando como bem de consumo obrigatório entre as mais variadas culturas, classes e locais. Simbolizando talvez o mais global dos hábitos, a bebida que move boa parte da população movimenta também uma economia complexa em seu entorno, com negócios que vão desde o popular produto em pó vendido em mercados, a variedades exóticas de preços elevados tidas como gourmets, até redes de cafeterias renomadas conferindo sofisticação à bebida por todo mundo.

Considerando a posição do Brasil como maior lavoura cafeeira do mundo, a produção e comercialização do café surgem como um importante tema para estudos nos campos da economia e da gestão. O setor movimenta milhões em moeda e ocupa um papel vital na formação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, além de contribuir constantemente para o equilíbrio da balança comercial nacional em função de suas elevadas exportações (SEAPA, 2014).

O parque cafeeiro brasileiro está estimado em 2,30 milhões de hectares. Em 2015, a produção mundial foi estimada em 149,5 milhões de sacas. O Brasil detém a liderança no ranking de produção com 44,09 milhões de saca (29% do total mundial). As exportações mundiais totalizaram 101,1 milhões de sacas e o Brasil foi o maior responsável por cerca de 27% do café comercializado no mundo (USDA, 2016).

Em um contexto interno de produção, destaca-se o Estado de Minas Gerais como principal polo cafeeiro do país, responsável por cerca de 51% da produção nacional de café (IBGE, 2016). O Estado também é o principal exportador e foi responsável por 62% das exportações em 2015 (20,7 milhões de sacas) fazendo com que o movimento das saídas do café brasileiro acompanhe a dinâmica mineira (MDIC, 2016).

No que tange a Região Sul do estado de Minas Gerais, esta carrega a cafeicultura junto de sua história ao longo do tempo. A lavoura cafeeira no entorno da serra da Mantiqueira começa a ser formada por volta de 1870, incentivada pelo sucesso dos cafezais paulistas do Vale do Paraíba e da Zona da Mata mineira, maiores produtores da região Sudeste na época.  Ainda pouco expressiva em seu início, a cultura do café dividia espaço com outras lavouras, como cana-de-açúcar e gêneros alimentícios, além da pecuária, destinados à comercialização interna do país. A partir da virada do século XX, a produção sul-mineira apresenta um crescimento exponencial durante três décadas, fazendo com que a região se torne líder produtora no estado e em sequência no Brasil, posição que ocupa até hoje (Cação, 2012).

Em torno deste enredo, o presente artigo realiza uma análise acerca das problemáticas que assolam os pequenos e médios cafeicultores do município de Inconfidentes, localizado na região sul do Estado de Minas Gerais (MG). A hipótese levantada trata de que o principal problema desses produtores está na ausência de mecanismos de comercialização adequados para o escoamento de sua produção, tendo em vista que a qualidade elevada do Café de Montanha produzido na região o que compensa seus altos custos produtivos (superior ao de lavouras concorrentes de outras localidades).

Por fim, este trabalho está estruturado em cinco partes, sendo a primeira esta introdução seguido da segunda que descreve a cafeicultura na região Sul de Minas de Gerais. Na terceira é descrito a metodologia e na quarta os resultados, que tratam das experiências relatadas pelos cafeicultores do munícipio de Inconfidentes. Já as conclusões são tratadas ao fim do artigo.

A cafeicultura no Sul de Minas Gerais

Em 2015, a lavoura cafeeira do sul de Minas Gerais foi responsável por cerca de 25% da produção nacional, com uma produção de 10,8 milhões de sacas beneficiadas. O relevo montanhoso característico da região, com altitude entre 900 e 1400 metros, possibilita a produção de um café de qualidade superior, denominado “Café de Montanha”, reconhecido pela bebida diferenciada que produz (APROCAM, 2014c). Em contrapartida, essa característica geográfica da região impede a implantação de muitas tecnologias ligadas à produção, o que resulta em menores níveis de produtividade de sacas por hectare, quando em comparação com áreas de relevo plano. O perfil do produtor local se caracteriza pelo pequeno porte, com cerca de 89% dos cafeicultores presentes neste gênero (APROCAM, 2014b). Esse fato, aliado ao contexto geral que engloba a região, é responsável por gerar disparidades entre microrregiões, o que resulta em problemas ligados ao custo elevado da mão de obra e comercialização deficiente.

A lavoura cafeeira se estendeu por toda Região Sudeste do Brasil, encontrando no Sul de Minas Gerais um alinhamento promissor entre plantação e características naturais. No início, o café plantado ao longo de encostas elevadas surgiu como uma medida rudimentar de segurança contra geadas (a planta não possui resistência natural contra essa intempérie climática, que por sua vez, não costuma ocorrer em elevados), mas com o passar do tempo, a bebida da região ganhou fama e transformou o relevo montanhoso de suas plantações em sinônimo de lavoura cafeeira, conferindo à localização status de agregador de valor ao produto final, dada sua reputação como produtora de alta qualidade, além da notoriedade como uma das regiões mais premiadas do Brasil (APROCAM, 2014b).

Mais recentemente, diante da fragmentação de propriedades e saturação parcial das áreas disponíveis para exploração, o sucesso da lavoura cafeeira na região tem simbolizado também uma possibilidade de otimização das propriedades agrícolas, uma vez que, a característica montanhosa do relevo no sul de Minas Gerais impossibilita a produção em larga escala de grande parte das culturas agropecuárias, condenando o valor mercadológico dessas áreas e fadando-as ao ócio frequentemente.

Além disso, a oferta de mão de obra temporária destinada aos serviços esporádicos de colheita da safra acompanhou o crescimento da lavoura regional, fazendo com que houvesse um excesso de oferta e consequente queda dos valores pagos pelo trabalho; nesse cenário, a mão de obra passou a simbolizar um importante fator na rentabilidade da cadeia produtiva do café, uma vez que, seu baixo custo reduzia também o custo produtivo total, aumentando a margem de lucro dos cafeicultores. Até meados da década de 1990, as principais culturas intensivas produzidas no Brasil, como cana-de-açúcar, laranja e café, continuaram contando com oferta regular e segura de mão de obra sazonal e ocasional, capaz de manter o baixo valor pago pela força de trabalho no campo (Buainain, 2014).

Muito embora o patamar de maior polo produtor do país seja um forte indicativo da potencialidade da cafeicultura no sul de Minas Gerais, o cenário próspero que fomentou o sucesso imediato do café na região vem se deparando com uma série de entraves relativos à comercialização e produção, de modo que os fatores de sucesso do passado já não respondam mais da mesma maneira no presente, resultando em alterações significativas do mercado e quedas na competitividade do produto, para preocupação geral dos cafeicultores locais. Em âmbito nacional, a mudança do paradigma rural e o surgimento de novas variáveis capazes de influenciar o mercado do campo são vistos como símbolo da ampla alteração presenciada no meio, onde a terra vem deixando de ser o principal elemento de valor, dando lugar à variados capitais econômicos tidos como investimentos necessários para sustentar o atual modelo produtivo (Buainain, 2014).

Em âmbito geral, a modernização pautada pela mecanização das atividades do campo vem elevando os níveis de produção em escala e alterando o perfil da mão de obra sazonal que caracteriza o meio rural (Garcia, 2014). Na cafeicultura, o advento de novas tecnologias relacionadas à colheita vem impulsionando a produtividade de áreas de planalto dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, configurando uma forte concorrência ao produto sul mineiro como um todo. Em consonância a problemática enfrentada, a caracterização geográfica da região sul, marcada pelo relevo montanhoso, altitude elevada e encostas íngremes, impede a mecanização de grande parte de suas atividades de colheita, “imobilizando” os produtores diante do avanço da concorrência.  A título de exemplo e elucidação, em 2014, lavouras mecanizadas do Triângulo Mineiro, Alto Paranaiba (MG) e Noroeste (MG) apresentaram produtividade de 33,3 sacas/ha para uma área plantada de 174.554 hectares em produção, contra apenas 21,5 sacas/ha da região sul e centro-oeste de Minas Gerais, para uma plantação produtiva de 503.881 hectares de área (ABIC, 2014); ou seja, é notável o aumento do rendimento produtivo possibilitado pela mecanização da lavoura, ainda mais ao considerar o fato de que a diferença entre essas produtividades vem aumentando: em 2013, a “produtividade mecanizada” do Triângulo Mineiro, Alto Paranaiba e Noroeste mineiro foi de 30,7 sacas/ha contra 25,6 da região sul e centro-oeste (ABIC, 2013). Atrelado a isso, estudos recentes estimam que o custo de uma saca de café oriunda de lavouras mecanizadas chega a ser 20% menor do que em plantações não mecanizadas (e/ou não mecanizáveis) que utilizam técnicas manuais e tradicionais em suas atividades (Barros, 2014).

Em paralelo a essa “estagnação forçada” que a cafeicultura sul mineira é obrigada a enfrentar, no caso particular das cidades que compõe a região de Inconfidentes, outro ponto vem causando preocupação: em um curto período recente, os pequenos municípios passaram por um processo de aquecimento da sua economia, que resultou em uma consequente ascensão de classes e mudança no perfil do trabalhador local. Muito embora continuem possuindo a maior parte de seus territórios em zonas rurais, o crescimento acelerado da produção fabril assim como a chegada de grandes indústrias, fez com que os setores urbanos desses municípios passassem a absorver grande parte da mão de obra que antes se dedicava aos serviços sazonais do campo, como a colheita do café. Esse processo resultou em uma rápida e drástica mudança no panorama produtivo, em função da inflação de valores pagos pelo serviço de colheita, além de novas exigências nas condições de trabalho, algo impraticável para a maioria dos cafeicultores pegos de surpresa nesse processo. A dimensão da mudança no perfil do trabalhador rural mineiro é mensurável ao notar que ela acompanha de perto o que vem ocorrendo em âmbito nacional ao longo das duas últimas décadas: a mão de obra agrícola caiu de 16,6 milhões em 2006 para 8,67 milhões em 2012, para uma mesma população rural estimada em 29,8 milhões (Garcia, 2014).

METODOLOGIA

A metodologia utilizada no presente artigo consiste na integração de duas técnicas distintas de pesquisa científica, de modo que haja complemento entre elas. Em um primeiro momento, foi utilizada a pesquisa bibliográfica sobre o tema, seguido do estudo de caso específico, a fim de comprovar tal hipótese e possibilitar uma sugestão em termos de solução para o problema central enfrentado pelos produtores de Inconfidentes. O município de Inconfidentes está situado no Sul do Estado de Minas Gerais e localiza-se a 869 metros de altitude.

Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas pessoais do município a fim de caracterizar a real situação vivenciada por eles na lavoura da região. As entrevistas foram conduzidas durante o primeiro semestre de 2015 e foram abordadas as principais lideranças locais do setor, 15 cafeicultores. Como elemento direcionador, foi desenvolvido um roteiro de entrevista responsável por nortear os depoimentos (Quadro 1).

 

 

Conforme Dunn (1994), esse tipo de abordagem metodológica conhecida como rapid assessment ou quick appraisal, no qual se utilizam dados de fontes secundárias em conjunto com amostras não probabilísticas e entrevistas semiestruturadas com agentes chaves da cadeia, pode ser aplicada em pesquisas em que é necessário obter informações mais detalhadas para compreender a dinâmica do setor avaliado. Para Wilkins et al. (2004), a abordagem facilita a identificação de alguns fatores que não estavam claros antes do início da avaliação. Contudo, os pesquisadores precisam conhecer o tema de estudo e utilizam as visitas de campo para ampliar seus conhecimentos e aprofundar o seu entendimento através da coleta de novas informações através de entrevistas e observações diretas.

Segundo Asker e Day (1982), os métodos qualitativos se caracterizam por serem menos estruturados; entretanto, para estes autores tais abordagens são mais intensivas que entrevistas baseadas em questionários. Dessa forma, estabelece-se uma maior interação com o entrevistado, uma vez que as informações levantadas têm caráter mais especifico, com profundidade e riqueza nas explanações.

O número de respondentes é pequeno e parcialmente representativo de qualquer população-alvo. Este procedimento analítico tem aplicação útil com especialistas no tema avaliado, e sua estrutura aberta permite que fatos inesperados surjam e ganhem interpretação imediata. Para Asker e Day (1982) os métodos qualitativos podem ser empregados para a categoria de estudos exploratórios, que buscam um entendimento sobre a natureza geral de um problema.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Traçando uma breve síntese acerca dos depoimentos colhidos ao longo da pesquisa e utilizando como parâmetro a classificação de produtores estabelecida pelo Banco Central do Brasil que estipula o pequeno produtor como aquele que apresenta renda anual de até 160 mil reais (BCB, 2012), é possível destacar que o cafeicultor de Inconfidentes se enquadra substancialmente no perfil de pequeno produtor rural, com poucas exceções acima desse teto (médio produtor). Além-critério monetário de classificação (utilizado pelo Banco Central), é comum no meio agrícola cafeeiro a divisão dos produtores de acordo com fatores que envolvem número de sacas produzidas, área plantada e até nível de mecanização da lavoura; sob estes prismas o perfil local também não se altera, dado o volume produzido por grande parte dos cafeicultores, além da fragmentação de propriedades e mecanização inexistente.

Aspectos organizacionais e de mercado

Dando continuidade aos resultados transmitidos pela entrevista direcionada é importante destacar a ausência de organizações de classe (cooperativas) entre esses produtores, visto que as principais lideranças são fruto de fatores externos como reconhecimento social e/ou habilidades comerciais, e não de um agrupamento produtor; dessa maneira, a falta de um agente coordenador da cadeia produtiva local assume especial responsabilidade diante da problemática enfrentada, tendo em vista a carência de uma gestão produtiva unificada, além da escassez de um elemento direcionador para os cafeicultores perante o mercado. Paralelamente, a ausência de infraestrutura física e mecânica para estocagem e beneficiamento do café vem condenando os produtores a comercializar seu produto aquém do ideal, vendendo para unidades intermediadoras que lucram com a diferença de preços e agregação de valor a partir do beneficiamento em suas dependências.

Em função disso, os relatos feitos pelo foram unânimes ao afirmar que o Café de Montanha do Sul de Minas Gerais já não apresenta mais a mesma rentabilidade de outrora, sendo que “quem depende só do café para viver está abandonando a atividade faz tempo”. De forma geral, os cafeicultores acreditam que a principal dificuldade seja a impossibilidade de competir com o café mais barato de outras regiões, já que embora seu café esteja entre os melhores do país, seu preço final o torna “caro” quando colocado em grau de igualdade com produtos de lavouras mecanizadas; além disso, outro entrave diz respeito a grande elevação do custo de mão de obra, já que os “camaradas” da colheita não aceitam mais trabalhar pelos mesmos valores e condições de antigamente. Por fim, uma pequena parcela dos colaboradores aponta a criação de um selo ou documento de certificação como meio de diferenciar seu produto, enquanto grande parte acredita que uma solução adequada deva vir do poder público, ressaltando que este deve ser o responsável por fornecer auxílio na valorização do Café de Montanha local; algo que para eles vai além das atuais políticas públicas de auxílio à produção, consideradas pouco acessíveis e dificultosas em seus respectivos trâmites burocráticos.

A problemática exposta pelos cafeicultores entrevistados neste projeto evidencia uma disparidade de objetivos entre lavouras mecanizadas e lavouras de altitude (não mecanizáveis): enquanto as lavouras mecanizadas buscam se destacar pela quantidade produzida, as lavouras de altitude precisam obter diferenciação pela qualidade do seu “Café de Montanha”. Considerando este cenário, é possível concluir que embora os custos produtivos elevados simbolizem um entrave, a baixa competitividade do Café de Montanha local é resultado da ausência de mecanismos de comercialização adequados, que sejam capazes de obter melhores preços pelo café, destacando sua qualidade junto ao mercado. Muito embora sejam disponibilizadas inúmeras ferramentas públicas de auxílio ao escoamento da produção em âmbito federal, o cenário em torno dos produtores locais demonstra que existem dificuldades ao acesso e à operabilidade destes instrumentos pelos mesmos, limitando-os ao atual sistema de negociação com intermediários.

Assim, é possível perceber que a mesma localização geográfica que beneficia o produto local, também vem sendo responsável por impossibilitar o processo de mecanização desenvolvido e implementado em outras regiões. Em caráter produtivo, além da diferença de produtividade em relação às regiões mecanizadas, o alto valor da mão de obra vem elevando demasiadamente o custo produtivo e afetando diretamente a competitividade da lavoura sul mineira. Em reflexo a isso, a região desenvolveu uma forte disparidade entre as microrregiões produtoras do Café de Montanha, de modo que algumas localidades avançaram em torno de alternativas e soluções, enquanto outras permanecem estagnadas e defasadas frente às mudanças no mercado. Em consonância, certificações ligadas à qualidade do café vêm apresentando sucesso ao promover a competitividade do seu produto, que chega a valer 60 reais a mais por saca em relação ao café não certificado (FAEMG, 2013). No caso específico deste artigo que tem como objeto central a lavoura localizada em Inconfidentes, o cenário atual apresenta uma ausência de mecanismos capazes de diferenciar o produto local para impulsionar sua comercialização, de modo que os cafeicultores locais se veem obrigados a vender seu café por um preço aquém do suficiente.

Muito embora a manutenção da lavoura cafeeira na região represente o aproveitamento de áreas impróprias para outras culturas, a inexistência de alternativas capazes de cobrar pelo valor agregado dessa qualidade vem condenando a rentabilidade comercial do Café de Montanha de toda microrregião. Atualmente, os produtores de Inconfidentes e demais municípios próximos não possuem alternativas para o escoamento de sua produção, sendo obrigados a negociar com empresas e agentes intermediadores que promovem a baixa dos preços; essa prática é sustentada pela necessidade econômica dos produtores, que precisam vender seu produto o mais rapidamente possível e acabam aceitando valores menores, possibilitando lucro a quem intermedeia. Fora essa possibilidade, resta aos cafeicultores da microrregião, negociar seu produto no Porto Seco Sul de Minas, localizado na cidade Varginha, a 175 km de distância de Inconfidentes; porém essa opção representa não apenas o aumento da complexidade e dos gastos logísticos, mas também dos custos produtivos, uma vez que, o café precisa ser beneficiado antes de adentrar ao Porto, envolvendo assim a locação de uma unidade beneficiadora móvel, já que os cafeicultores não possuem estruturas do gênero no local.

Diante deste cenário, o potencial mercadológico do Café de Montanha local é desperdiçado, ofuscando a alta qualidade do produto, diante da impossibilidade de valorizá-lo junto ao mercado.

Aspectos relacionados à diferenciação

Em consonância aos instrumentos destinados ao meio agrícola, das Estratégias de Marketing da Administração Geral surgem outros conceitos implantáveis ao setor, capazes de atuar como mecanismos de comercialização e responder por vantagens competitivas satisfatórias dentro das cadeias produtivas do campo. Sob esta ótica, e em especial para o mercado cafeeiro, o modelo de posicionamento estratégico desenvolvido por Michael Porter ganha especial importância, dada a satisfatória conexão entre sua teoria e a realidade observada junto ao mercado. Em suma, este modelo diz respeito a três posições estratégicas definidas como: liderança em custo, por diferenciação ou em foco; a primeira, liderança em custo, responde pela obtenção de melhores margens em relação à concorrência, ao oferecer produtos semelhantes só que produzidos a custos mais baixos; já a liderança por diferenciação consiste em oferecer produtos ou serviços únicos diante da percepção dos consumidores, com elevada qualidade que compense o preço mais alto cobrado por ele; por fim, a liderança em foco diz respeito à busca por nichos específicos de mercado ou clientes, tanto através de custos reduzidos como de produtos diferenciados (Porter, 1999). Na prática, a liderança em custo acaba funcionando como forma de diferenciação (Mintzberg, 2008), de modo que se altera apenas a origem do diferenciador, sendo este o custo ao invés da qualidade ou especificidade do produto em questão.

Contextualizando o modelo de Porter ao mercado agrícola, é possível identificar a posição de liderança (ou diferenciação) em custo nas cadeias produtivas de grandes commodities como soja e cana-de-açúcar, onde são obtidos ganhos com a produção em escala, além da redução de custos através da mecanização cada vez maior de suas produções; em contrapartida, a diferenciação por produto surge atrelada a culturas bem mais específicas e detalhadas, quase artesanais, como por exemplo, a carne bovina premium wagiu que chega a custar mil reais o quilo (ABCRW, 2014), ou então, toda gama de alimentos orgânicos que obtém grande valorização mercadológica a partir de selos de certificação junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2014).

A liderança (ou diferenciação) em custo ocorre nas lavouras mecanizadas das regiões de planalto que ganham mercado por apresentarem menores preços, possibilitados pela redução de seus gastos produtivos através da colheita mecanizada e utilização da espécie robusta em suas plantações (menor qualidade, porém menor custo); paralelamente, cafés “Premium” como o Juan Valdez colombiano são bons exemplos de liderança por diferenciação de produtos, já que conquistam parcela significativa do mercado em função de sua qualidade superior (que os diferencia), mesmo custando valores bem mais elevados junto ao consumidor; ao passo que linhas especiais como o Black Ivory tailandês ou Kopi Luwak indonésio respondem pela posição de liderança em foco, também através da diferenciação, ao apostarem em nichos de clientes dispostos a pagar altos valores por cafés que envolvem digestão animal em seus respectivos ciclos produtivos (Luwak, 2014; Valdez, 2014).

A utilização instrumento de diferenciação se justifica diante de uma análise mais ampla do atual panorama cafeeiro do Brasil, onde é perceptível o sucesso obtido através desta prática em outras regiões, como no caso dos cafés especiais da Alta Mogiana no nordeste de São Paulo e ecológicos com rótulo Greenpeace em Itu, além dos selos mineiros “Café do Cerrado Mineiro” e “Mantiqueira de Minas”, este último com atuação próxima a Inconfidentes, na mesma Serra da Mantiqueira sul mineira.

Considerando esses exemplos de sucesso obtido a partir da diferenciação do café, com atenção especial para o selo “Mantiqueira de Minas” conferido a uma região de características semelhantes, nota-se que a criação de selos de certificação representa a maneira mais eficaz de conferir diferenciação ao produto café. No caso em questão, a qualidade superior que diferencia o Café de Montanha está ligada à sua região geográfica, logo, um respectivo selo deverá também fazer menção à localidade, origem ou procedência deste produto. Atualmente no Brasil, o órgão responsável pela criação e fornecimento de selos referentes à origem e qualidade de determinado produto é o INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Pelo intermédio dele são concedidos registros de Indicação Geográfica (IG), certificados que atestam a diferenciação de produtos dado características e qualidades particulares dos mesmos, dentro de uma mesma região, agregando valor final a estes bens. A IG pode ser divida em dois gêneros, a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem, sendo que a diferença entre elas é bem sutil e diz respeito a características oriundas da exclusividade de determinado meio geográfico no segundo tipo (INPI, 2012).

Como já mencionado, o selo de Indicação de Procedência mais próximo da microrregião de Inconfidentes é justamente o “Mantiqueira de Minas”, referência em sucesso e avanço dentro da questão competitividade na região sul do estado mineiro. Essa IP engloba atualmente 22 municípios produtores e vem obtendo reconhecimento no mercado, recebendo até mesmo prêmios internacionais pelo seu produto (APROCAM, 2014a). Então, a partir deste exemplo de sucesso e considerando uma série de características semelhantes entre ambas as microrregiões, como altitude, relevo, espécie cultivada e perfil dos produtores, entre outros, é possível concluir que a criação de um selo de Indicação de Procedência próprio ou ainda a integração da microrregião de Inconfidentes ao selo “Mantiqueira de Minas” configura uma eficaz alternativa de solução para o contexto problemático analisado neste artigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação de um selo de Indicação Geográfica para a microrregião de Inconfidentes ou a integração desta ao já existente “Mantiqueira de Minas” configuram um caminho de sucesso para o Café de Montanha do município, porém é preciso considerar os empecilhos burocráticos e políticos que podem estar envolvidos em uma transação deste gênero. Inúmeras exigências técnicas e financeiras, além de condições mercadológicas e negociações político-administrativas.

Com isso, levando em conta também a pressão que intermediadores exercem sobre os produtores, juntamente ao pequeno porte destes produtores e o contexto de desvalorização do produto local, a primeira medida viável em caráter imediato diz respeito à criação de uma cooperativa de cafeicultores desta microrregião. Uma organização deste gênero já configura o primeiro passo para a integração ou obtenção de Indicações Geográficas, uma vez que, os selos de certificação não atuam diretamente com o produtor, mas sim com cooperativas relacionadas, como no exemplo do selo “Mantiqueira de Minas”.

Além disso, a formação de uma cooperativa responderá pela designação de um agente coordenador para a cadeia, resultando em uma gestão produtiva adequada, assim como mecanismos de tomada de decisão que direcionem os produtores em relação ao mercado. Já de imediato, será possível romper com o atual sistema de precificação imposto pelos intermediadores, alterando o cenário e possibilitando um planejamento eficiente de apoio ao cafeicultor cooperado.

Tanto o apoio quanto os ganhos relacionados à criação de uma cooperativa estão diretamente ligados à adoção e familiarização dos mecanismos de extensão rural por parte dos produtores integrantes. Visando o auxílio técnico ao pequeno produtor e produtor familiar, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural atua no fornecimento de programas que viabilizem o acesso a instrumentos de capacitação técnica, fator determinante para melhora do atual panorama cafeeiro da região, em função da necessidade de melhorias operacionais e de gestão em toda cadeia produtiva local (EMATER-MG, 2013). Além da extensão rural em si, programas de suporte ao período crítico da entressafra, como a viabilização do CDCA para os produtores, serão possibilitados através do cooperativismo entre os agentes integrantes.

Uma vez bem planejada, essa cooperativa poderá buscar apoio junto às instâncias públicas regionais, a fim de viabilizar a realização de benfeitorias estruturais como galpões de armazenamento e unidade beneficiadora para uso compartilhado. Em médio prazo, essas medidas responderão pelo aumento da competitividade do Café de Montanha do município, uma vez que, possibilitarão que o produto cooperado seja comercializado em quantidades maiores (através da unificação de lotes armazenados) e já beneficiado (deixando de ser vendido em grãos, como atualmente), resultando na redução de custos produtivos e obtenção de melhores preços juntos ao mercado.

 

Referências bibliográficas

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Recebido/received: 2017.06.09

Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.07.31

Aceite/accepted: 2017.09.22

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