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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.41 no.1 Lisboa Mar. 2018

https://doi.org/10.19084/RCA17227 

ARTIGO

Lamas de ETAR: Aplicação em solos agro-florestais

WWTP sewage sludge: Application in agroforestry soils

Regina Menino*, Amélia Castelo-Branco e José Casimiro Martins

Unidade Estratégica de Investigação e Serviços de Sistemas Agrários e Florestais e Sanidade Vegetal, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, Quinta do Marquês, 2784 – 505 Oeiras, Portugal.

(*E-mail: regina.menino@iniav.pt)


RESUMO

A agricultura é um dos alvos óbvios na reciclagem das “Lamas de Depuração” das ETAR, pela sua potencialidade na correção física, química e biológica dos solos agro-florestais, podendo constituir uma opção muito vantajosa se for garantida - por análise efetuada por entidade idónea - que a sua aplicação é legal, tendo em conta a legislação vigente. Esta análise, para além de constituir um indicador de um eventual efeito nocivo para o ambiente e para a cultura (impeditivo da sua utilização), permite avaliar as dotações mais adequadas e eventuais carências remanescentes, em cada caso, sendo imprescindível face à variabilidade da composição das lamas.


ABSTRACT

Agriculture is one of the obvious targets for recycling "sewage sludge" from WWTP, because of its potential in the physical, chemical and biological correction of agroforestry soils, being an advantageous option if it is ensured - by an analysis performed by a legal entity - that its application is allowed. This analysis, in addition to being an indicator of a possible harmful effect on the environment and on the targeted crop (preventing its use), makes it possible to assess the most adequate amount to be applied in each case, and the remaining deficiencies to be supplied by the chemical fertilization.


INTRODUÇÃO

O aumento demográfico e do consumo per capita, bem como das atividades industriais e comerciais, têm obrigado os governos a pensar numa forma de eliminação do volume crescente dos lixos e “Lamas de Depuração” (LD), que resultam do tratamento de águas residuais (domésticas ou da atividade agropecuária) em instalações designadas por Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) onde se originam como subproduto.

Tal como é referido no relatório da European Commission (2002), a eliminação destes resíduos pode ser feita, principalmente, por incineração, por descarga em aterro sanitário e por reciclagem. De acordo com HMEPPPW (Kelessidis e Stasinakis, 2012), em média, em 2007, nos países da união europeia, os destinos elegidos para a eliminação de ‘lamas de ETAR’ são: agricultura (41%), incineração (19%), pastagens (17%), compostagem (12%) e outros destinos (11%).

A deposição em aterros é, sem dúvida, a alternativa menos desejável, não só pelas consequências ambientais nefastas que daí advêm, mas principalmente por não se integrarem numa lógica de sustentabilidade, dada a potencialidade das LD em alguns sectores da atividade económica.

A coincineração, permite uma integração no circuito económico, muito embora a necessidade de recurso a tratamentos prévios venha a onerar a sua utilização, o aproveitamento energético é, como refere Lopes (2016), “bastante utilizado” em alguns países.

Cabe, assim, à reciclagem um papel mais relevante na solução do problema das LD, tendo-se prefigurado, à partida, dois sectores privilegiados para o efeito - a ‘Agricultura’, pelo potencial das LD na fertilização do solo agro-florestal, e a ‘Construção Civil’, pelo aproveitamento, como matéria-prima, na produção de tijolos, cimentos, argamassas, etc.

No presente trabalho é abordado o tema das vantagens e desvantagens do uso de ‘lamas residuais’ na agricultura, na perspectiva da sua composição e do seu potencial na fertilização e correção do solo agro-florestal.

LAMAS DE DEPURAÇÃO

Nas ETAR, as ‘águas residuais’, também designadas por ‘águas de esgoto’ (caracterizadas por elevados níveis de sólidos suspensos, carência bioquímica de oxigénio e presença de microrganismos de origem fecal - eventualmente patogénicos) são sujeitas a uma série de tratamentos, dos quais resultam efluentes “limpos”, que são restituídos ao ambiente (nos cursos de água), e resíduos sólidos - LD - que resultam da remoção de produtos sólidos que se encontravam suspensos em concentração variada, da Matéria Orgânica (MO) do efluente original e da multiplicação de microrganismos (material biológico não estabilizado).

De acordo com a alínea a) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 276/2009 de 2 de Outubro, LD são “i) As lamas provenientes de estações de tratamento de águas residuais domésticas, urbanas e de outras estações de tratamento de águas residuais de composição similar às águas residuais domésticas e urbanas; ii) As lamas de fossas sépticas e de outras instalações similares, para o tratamento de águas residuais; iii) As lamas provenientes de estações de tratamento de águas residuais de actividades agro–pecuárias”. Ainda, de acordo com a alínea c) do mesmo artigo, ‘lamas tratadas’ são “as lamas após serem submetidas a tratamento por via biológica, química ou térmica, por armazenagem a longo prazo ou por qualquer outro método adequado que reduza significativamente o seu poder de fermentação e os inconvenientes sanitários da sua utilização”.

As LD - de composição variável ao longo do ano, de ano para ano e de região para região - apresentam, em regra, elevados teores de humidade, de MO, de macronutrientes e de micronutrientes. Em contrapartida, podem conter elevados teores de metais pesados, podendo ainda conter uma concentração importante de microrganismos patogénicos.

Antes de serem enviadas para utilização agro-florestal (ou sujeitas a um processo intercalar de valorização) estas lamas são submetidas a diversos tratamentos, nomeadamente:

Espessamento (redução do volume);

Estabilização (eliminação dos organismos patogénicos);

Desidratação (maior facilidade de transporte e evita a libertação de odores).

A sua valorização através do tratamento por compostagem é vista, como bem afirma Tavares (2014), “como uma estabilização das lamas, que aproveita todas as vantagens agronómicas com a segurança de um produto acreditado”. Cabe à investigação tecnológica, em parceria com a agronómica, o desenvolvimento de novas técnicas de valorização das LD, que ampliem o âmbito agronómico da sua utilização.

USO DE LAMAS DE DEPURAÇÃO NA AGRICULTURA

Em Portugal, a generalidade dos solos é pobre em MO e estes resíduos aportam uma quantidade considerável deste constituinte, conferindo ao solo maior capacidade de retenção da água, maior resistência à erosão e permitindo o uso de menores quantidades de fertilizantes químicos. Por outro lado, as lamas também atuam no solo como condicionador, elevando o seu pH, o que é na maioria das vezes favorável, já que 87,4% dos solos em Portugal são consideravelmente ácidos. Segundo Carvalho (2012), cerca de 83% dos solos portugueses apresentam um pH<5,5 e teores de MO<1%. Para além disso, estes resíduos têm ainda interesse do ponto de vista da fertilização mineral, pois contêm elementos essenciais à nutrição das plantas.

Dada a variabilidade da sua composição, para que se proceda a uma utilização adequada de lamas de ETAR, deverá ter-se em conta os seguintes aspetos:

Origem do resíduo;

Caracterização química e microbiológica do resíduo;

Possibilidade de utilização na agricultura;

Seleção do local para aplicação, avaliando a sua viabilidade económica.

As questões ambientais, relacionadas com o uso indevido de LD na agricultura, incluem o risco de lixiviação de nutrientes, impacte negativo na biodiversidade do solo e nas emissões de gases de efeito estufa. O metano e o óxido nitroso, ambos potentes gases de efeito estufa, são produzidos aquando da aplicação das lamas em terras agrícolas, pelo que a gestão do tratamento e aplicação das lamas deve ser realizada de modo a minimizar a produção e emissão dos mesmos.

Tal como é referido no relatório da European Comission (2008), a Diretiva 86/278/CEE foi adotada há mais de 30 anos, com vista a incentivar a aplicação de LD na agricultura e para regulamentar o seu uso, com o intuito de prevenir os efeitos nocivos nos solos, vegetação, animais e seres humanos. Entretanto, o Decreto-Lei N.º 118/2006, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 86/278/CE, do Conselho, de 12 de Junho de 1986.

Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 276/2009, atualiza o Decreto-Lei n.º 118/2006, adequando e tornando mais simples o procedimento de licenciamento da utilização agrícola das LD nele previsto e harmonizando-o com os outros regimes jurídicos entretanto aprovados, designadamente o regime geral dos resíduos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º178/2006, e o regime de proteção das albufeiras de águas públicas de serviço público e das lagoas de águas públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 107/2009.

O Decreto-Lei n.º 276/2009 dispõe sobre requisitos de qualidade para as lamas e para os solos, verificáveis através da conformidade das análises requeridas com os valores limite estabelecidos, define um conjunto de restrições à utilização das lamas no solo, prevê procedimentos específicos de aplicação das lamas, bem como deveres de registo e informação por parte dos operadores de gestão de lamas.

VANTAGENS E DESVANTAGENS

Uma vez salvaguardadas todas as restrições legais para a sua utilização, e para além do inquestionável benefício económico de uma reintrodução segura no circuito produtivo, as vantagens da utilização de LD como factor de produtividade do solo agro-florestal tem sido demonstrada, em diversas iniciativas experimentais, em função de algumas das suas características, nomeadamente:

Pelo seu elevado teor em MO, determinando uma melhoria da estrutura dos solos, do seu arejamento e capacidade de retenção para a água e para os nutrientes das plantas;

Pelo elevado teor em cálcio, proporcionando uma correção do pH em solos ácidos e pelo seu poder tampão desta característica dos solos;

Pelo elevado teor em macro e micronutrientes, conducentes a uma redução assinalável do custo da adubação mineral;

A vantagem decisiva das LD, no entanto, reside no seu baixo custo real, resultante do “custo negativo” da “matéria-prima” que as origina, e do crescente “encargo social” para a sua - sempre periclitante - “eliminação”.

Em contrapartida, são-lhe atribuídas desvantagens - e não são despiciendas - mas que, no entanto, se prendem, exclusivamente, com a eventual utilização inadequada deste produto (em particular pela utilização de LD não “aprovadas” para utilização agro-florestal). Nomeadamente:

Contaminação dos solos com metais pesados;

Aumento da salinidade dos solos;

Contaminação dos solos com substâncias potencialmente tóxicas (orgânicas ou inorgânicas);

Contaminação das águas subterrâneas e cursos de água com substâncias tóxicas;

Infeção do homem e dos animais por parasitas, tais como vermes filamentosos.

Outras desvantagens que lhe são frequentemente atribuídas, são as mesmas que podem ser referidas para qualquer outra substância orgânica a utilizar na correção dos solos, como, por exemplo, os estrumes. Nomeadamente:

Proporção inadequada de nutrientes para a nutrição vegetal;

Eficiência do resíduo no fornecimento desses nutrientes;

Desconhecimento da composição e características do material orgânico;

Odores desagradáveis na proximidade da sua área de utilização ou deposição.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carvalho, M. (2012) - O uso sustentado do solo em Portugal. Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas. Universidade de Évora.         [ Links ]

European Commission (2002) - Disposal and Recycling Routes for Sewage Sludge. Part 4 - Economic report. [cit. 2017]. <http://ec.europa.eu/environment/archives/waste/sludge/pdf/sludge_disposal4.pdf>         [ Links ]

European Commission (2008) - Environmental, economic and social impacts of the use of sewage sludge on land. Final report. Part I: Overview Report. [cit. 2017}. <http://ec.europa.eu/environment/archives/waste/sludge/pdf/part_i_report.pdf>         [ Links ]

Kelessidis, A. & Stasinakis, A.S. (2012) - Comparative study of the methods used for treatment and final disposal of sewage sludge in European countries. Waste Management, vol. 32, n. 6, p. 1186–1195. https://doi.org/10.1016/j.wasman.2012.01.012        [ Links ]

Lopes, J.V.S. (2016) - Análise e melhoria dos processos de gestão de lamas de depuração de efluentes líquidos. Dissertação de Mestrado em Engenharia do Ambiente na Especialidade de Tecnologias e Gestão do Ambiente. Universidade de Coimbra.         [ Links ]

Tavares, R.M.S. (2014) - Gestão de lamas de depuração provenientes de ETAR: compostagem, valorização agrícola e aterro. Dissertação de mestrado integrado em Engenharia Biológica (área de especialização em Tecnologia do Ambiente). Universidade do Minho.         [ Links ]

 

Recebido/received: 2017.09.04

Aceite/accepted: 2017.09.07

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