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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.40 no.4 Lisboa Sept. 2017

https://doi.org/10.19084/RCA17057 

ARTIGO

Aquisição de Tractores na Beira Interior – Atitudes, Comportamentos e Motivações

Attitudes, Behaviours and Motivations for Mechanization in Small Scale Portuguese Agriculture

Maria Inês Mansinho1, Carla Nogueira Lúcio1 e Pedro Damião de Sousa Henriques2,*

1Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal

2CEFAGE, Universidade de Évora, Portugal

(*E-mail: pdamiao@uevora.pt)


RESUMO

Sabendo que a aquisição de máquinas agrícolas domina largamente o investimento realizado ao nível das explorações agrícolas em muitos programas de apoio ao desenvolvimento do sector, preocupámo-nos em avaliar os motivos e os fundamentos desta escolha por parte dos agricultores.

O estudo foi levado a cabo na Beira Interior a solicitação da Direcção Regional de Agricultura no âmbito da medida AGRIS e no que se refere ao período 2000-2004.

A metodologia utilizada recobriu a análise de informação documental, a realização de entrevistas a vendedores de máquinas e técnicos agrícolas e a realização de um inquérito por questionário a agricultores beneficiários da medida, na região.

A análise efectuada permitiu identificar grupos de agricultores relativamente homogéneos quanto aos comportamentos, atitudes e motivações na utilização e compra de tractor. Estava assim caracterizada a procura. Foi possível também identificar os factores que modelaram a oferta, quer de máquinas e equipamentos, quer dos fundos necessários para os adquirir.

As conclusões permitem aferir a oportunidade das escolhas tecnológicas dos agricultores, visando aumentos de produtividade e de bem-estar que os fundos disponibilizados ajudaram a concretizar.

Palavras-chave: Mecanização, Portugal, oferta procura, tractores.


ABSTRACT

Knowing that the purchase of agricultural machinery largely dominates the investment made at farm level in many programs to support the development of the agricultural sector, we sought to evaluate the reasons and rationale for that choice by farmers.

The study was conducted in Beira Interior region at request of the Regional Agricultural Services under the EC measure AGRIS and regarding the period 2000-2004.

The methodology used the analysis of documentary sources, interviews with machinery vendors and agricultural technicians, and a survey by questionnaire of farmers benefiting from the AGRIS measure in the region.

The analysis identified relatively homogeneous groups of farmers regarding the behaviour, attitudes and motivations in the use and purchase of tractors. As a consequence the demand was characterized. It was also possible to identify the factors that shaped the supply, either the machinery and equipment or the funds to purchase them. The findings measured the opportunity of farmer’s technology choices, aiming at increasing productivity and welfare that the funds available helped to achieve.

Keywords: Mechanization, Portugal, supply, demand, tractors.


INTRODUÇÃO

A motomecanização agrícola é um importante eixo de modernidade e desenvolvimento. A escolha das máquinas e dos equipamentos a utilizar depende, de vários factores, nomeadamente da dimensão da exploração agrícola, da relação de complementaridade ou substituabilidade com a mão-de-obra e o seu preço, do aumento esperado da produção, e da disponibilidade no mercado de máquinas e equipamentos de aluguer (Ellis, 1992).

No que toca ao progresso tecnológico, a mecanização tem duas consequências, de algum modo contraditórias: por um lado permite substituir mão-de-obra e aumentar a produtividade do trabalho, o que, de resto, corresponde a uma evolução historicamente documentada; por outro lado, permite a intensificação da produção agrícola, com o aumento de utilização de mão-de-obra e recurso a trabalho especializado. A justificação económica da mecanização, encontra-se pois, tanto na diminuição dos custos, como no aumento dos níveis de produção obtidos (Johnson, 1982; Upton, 1996).

Fora da óptica estritamente económica, outros factores podem condicionar o processo de motomecanização em meio rural. Sublinhamos, de entre eles, a possibilidade de realizar os trabalhos de forma menos penosa, o transporte local de pessoas e bens, e até outros benefícios imateriais resultantes da mecanização, com realce para o prestígio social que normalmente lhe está associado e a continuidade de práticas ancestrais de entreajuda, factor de consolidação das relações sociais e da coesão das comunidades (Ellis, 1992).

Este estudo nasceu da necessidade de esclarecer, face a resultados conhecidos da aplicação da medida AGRIS na Beira Interior, e de tendências observadas em outros programas de apoio ao desenvolvimento, os motivos pelos quais os financiamentos se concentraram massivamente na mecanização e motorização agrícolas. A Medida AGRIS traduzia, um apoio programático aos pequenos agricultores, com uma orientação virada para a eficiência e diversificação das explorações[1], num contexto em que a revitalização do território, a manutenção do meio ambiente e a dinamização de actividades em meio rural, cada vez mais se impunham (Mansinho e Lúcio, 2005a).

Passando da letra das disposições legais e regulamentares para a análise das intervenções que, na prática, a Medida permitiu concretizar, o que se verificou – e não se esperava – foi que a maior parte das subvenções atribuídas (em número e montante), se concentraram de um modo muito expressivo, na aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas (mais de 80% do número e do montante dos investimentos aprovados) (Mansinho e Lúcio 2005b).

Como explicar então esta, por assim dizer, desregulação da procura ou, se quisermos, este enviesamento das estratégias de orientação da oferta, inscritas na actuação da medida AGRIS? A questão está, deste logo, em saber porque é que os agricultores, os pequenos agricultores[2], optaram maioritariamente por investir em máquinas e equipamentos, em detrimento de outros investimentos, eventualmente mais estruturantes. Será a motomecanização um investimento prioritário ao nível das explorações agrícolas em Portugal? Era a questão de fundo que à partida se nos colocava.

Nos tempos de hoje – e em especial na Beira Interior, onde este estudo decorreu – se é verdade que a intenção de diminuir a população activa agrícola é ainda defensável, talvez a preocupação dominante seja a de fixar à exploração da terra - com objectivos produtivos ou ambientais - populações que vivam, exclusiva ou marginalmente, da agricultura com níveis de rendimento e bem-estar equiparados aos de outros sectores de actividade. Para chegar a esta meta, a aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas (ou de melhores máquinas e de melhores equipamentos agrícolas) é provavelmente um percurso que é absolutamente indispensável percorrer.

O que ainda não está completamente esclarecido é se uma certa convergência da procura e da oferta e a sua expressão excessiva na motomecanização se justificam em termos técnicos, económicos e sociais. Será que os agricultores precisam “realmente” das máquinas que adquirem com o apoio – legítimo? – de fundos públicos? O que está em causa verdadeiramente não é apenas a questão de saber se os agricultores têm realmente necessidade das máquinas que adquirem, mas também se essa necessidade deve ser apoiada. O presente estudo pretende fazer alguma luz sobre estas questões.

De facto, esclarecer, ao nível da procura (de equipamentos e de meios para os adquirir) as motivações explicitadas, as atitudes e os comportamentos dos agricultores que apresentaram candidaturas em motomecanização, é um dos nossos objectivos; ao mesmo tempo também nos preocupamos, do lado da oferta (de equipamentos e de fundos) em captar a opinião de agentes vendedores de máquinas e de técnicos dos serviços regionais do Ministério da Agricultura, que mais de perto lidaram com a aplicação desta medida.

METODOLOGIA

O estudo concretizou-se em três concelhos da Beira Interior - Fundão, Pinhel e Figueira de Castelo Rodrigo. Os três concelhos referidos foram agrupados em dois núcleos distintos – Pinhel/Figueira de Castelo Rodrigo e Fundão – representando unidades territoriais bem definidas e com diferentes características edafo-climáticas e sociais.

A análise efectuada, para além da análise documental, desdobrou-se em duas orientações distintas: do lado da oferta foram realizadas entrevistas com base num guia não rígido a alguns agentes privilegiados que intervêm no processo de aquisição de máquinas, técnicos do Ministério da Agricultura e agentes vendedores de máquinas; do lado procura foram inquiridos 78 agricultores[3], representando 7% do universo de agricultores candidatos à acção 1 da medida AGRIS para o período 2000-2004 nos três concelhos mencionados. A Direcção Regional da Agricultura da Beira Interior (DRABI) mediou o contacto com os agricultores seleccionados auscultando o seu interesse em colaborar no estudo. A estrutura do inquérito consistiu, sumariamente, em três grupos de perguntas: características do produtor, características da exploração agrícola e motivações, atitudes e comportamentos subjacentes à candidatura. Este último grupo focou questões relativas ao conhecimento da Medida, à elaboração do projecto de candidatura, ao tipo de investimento solicitado, às fontes de financiamento, às motivações e influências que sofreram.

Com recurso à análise descritiva e a métodos de estatística multivariada, especificamente a análise de clusters, foi possível agrupar produtores agrícolas/explorações com características semelhantes para apreciar as suas atitudes e comportamentos face à compra de tractor (Morrison, 1990; Reis, 2001; Maroco, 2003).

RESULTADOS

O enquadramento da oferta

Neste ponto recolhemos informação sobre a motomecanização da agricultura na óptica dos agentes que permitem concretizar a oferta de máquinas e equipamentos e de fundos para os adquirir. Contactámos assim técnicos dos serviços regionais e agentes vendedores de máquinas.

Nas várias zonas agrárias abrangidas neste estudo que papel desempenharam os técnicos no âmbito da medida AGRIS. Cabia-lhes a divulgação da medida, a tramitação processual e da aprovação/recusa dos projectos apresentados. Confinados a maior parte do tempo, a tarefas burocráticas e administrativas, e sem grandes meios para a assistência técnica e o trabalho de campo não parecem ter tido um papel muito activo na divulgação da medida. Disponíveis para o atendimento dos agricultores em gabinete, actuaram porém, de uma maneira mais passiva e indirecta, deixando a outrem, projectistas e vendedores de máquinas[4], a liberdade de divulgarem a medida.

No sentido de dotar o sistema de aprovação de projectos de alguma objectividade, a DRABI criou um esquema de análise que permitia, a partir dos dados da exploração e dos do equipamento, calcular um limiar de rendibilidade que desse apoio à tomada de decisão[5]. Não obstante, possibilitou-se que os agricultores com candidaturas aprovadas solicitassem, sem acréscimo de subvenção, um aumento da potência contratualizada (estes foram ao todo, 19 casos no Fundão e 41 em Pinhel). As justificações apresentadas por estes agricultores eram vagas e pouco fundamentadas e remetiam essencialmente para argumentos tais como: maior durabilidade dos equipamentos e maior eficiência do trabalho. Na verdade, este reforço de potência gerava custos adicionais, na sua maior parte suportados pelo próprio agricultor, e a sua aceitação pela Administração parte de um entendimento mais amplo do subsídio considerado como contribuição financeira à tesouraria da empresa, sublinhando o princípio geral da fungibilidade dos recursos monetários.

Esta decisão foi porém criticada por pôr em causa, de alguma maneira, o esforço de racionalidade e objectividade que tinham tentado aplicar à análise de projectos AGRIS conduzindo de algum modo a uma inversão da cadeia informativa e de decisão das candidaturas (permitia aos vendedores de máquinas aconselhar o tractor adequado à dimensão declarada da exploração, no pressuposto de que depois era sempre possível sugerir um tractor mais potente, o que dentro de limites conhecidos, seria aceite).

Os técnicos regionais também questionaram a extrema concentração de apoios na motomecanização e a pertinência de subsidiar tractores de substituição, o que frequentemente aconteceu. O argumento mais frequente apresentado contra o apoio ao equipamento mecânico das explorações agrícolas é o facto de que este só teria algum sentido como “arranque” do processo. Por outras palavras, na opinião dos técnicos regionais, se se pode legitimar o financiamento de um primeiro tractor, já não terá sentido técnico o apoio preferencial à substituição de equipamento obsoleto ou desgastado. Em termos teóricos, esta afirmação pode ser defensável; no entanto, na prática, nem sempre os agricultores, mesmo os mais ponderados, e tendo em conta o tempo que medeia entre a primeira aquisição e o re-equipamento, conseguem auto-financiar na totalidade a substituição de equipamentos obsoletos. Efectivamente, noutros países, como por exemplo em Espanha foi criado em anos recentes o “Plan Renove” que com maior flexibilidade e simplicidade permitia a “renovação dos tractores com mais de quinze anos e máquinas auto-motrizes com mais de dez anos” (MAPYA, 2004).

Os técnicos regionais contactados nas zonas agrárias, apesar de críticos, como referimos, consideram que ainda há muito a fazer pela mecanização das tarefas agrícolas nos concelhos do interior. Defendem, por isso, a continuação – talvez em novos moldes - dos apoios comunitários e nacionais. É claro que é necessário averiguar – dizem eles - no caso da pequena agricultura se “a máquina cabe na terra”.

Entrevistados localmente responsáveis e técnicos ligados à venda de equipamento mecânico recolhemos opiniões ligeiramente diferentes. Contactámos três empresas actuantes na região: a líder de mercado na venda de tractores, a sua mais próxima concorrente e uma empresa que vende sobretudo equipamentos especializados (de rega). A estrutura comercial e de marketing difere um pouco de empresa para empresa, mas assenta numa intervenção bastante descentralizada que se apoia quer em “vendedores de oficina”, espalhados pelas aldeias (que são verdadeiros prospectores de mercado), quer em responsáveis de área que actuam em sub-regiões definidas. Quando o negócio se centra em equipamentos especializados, é a partir das necessidades técnicas por eles induzidas que a motomecanização fundamentalmente se organiza.

As entrevistas tinham apenas a pretensão de indiciar comportamentos dos produtores agrícolas face à mecanização, tocando também pontos fundamentais da evolução do mercado de máquinas e equipamentos na região e a sua interligação com a medida AGRIS.

Os entrevistados foram unânimes na afirmação de que se esperava então, ano de 2005, uma quebra notável de vendas de tractores e outros equipamentos com a interrupção da subsidiação da medida AGRIS ocorrida neste mesmo ano: “À volta de 15% em 2005, mas prevendo-se um agravamento da situação em 2006, quebra de 45%”. Continuando a citar opiniões recolhidas: “as pessoas aqui ainda precisam de tractores, e têm poucos meios para os comprar; estamos longe da saturação de mercado”.

Na interpretação dos vendedores de máquinas, a compra de tractor subsidiado teve um efeito indiscutível na renovação do parque de máquinas, no aumento do conforto no trabalho e no arranque da motomecanização em muitas explorações que ainda não estavam mecanizadas. Segundo um dos entrevistados “mais de 90% das aquisições são de substituição, mas ainda há muita gente que compra tractor pela primeira vez”.

Os vendedores de máquinas afirmam não fazer facilidades especiais aos beneficiários AGRIS, “Os agricultores põem sempre dinheiro deles”. Admitem, porém, que em certos casos, valorizaram as retomas, ou fizeram algum desconto aos preços de tabela, mas “o IVA tem sempre de ser sempre pago pelo agricultor”. O esforço financeiro feito pelos agricultores é sublinhado, também, nos casos em que estes adquirem equipamentos com uma potência superior à potência contratualizada no âmbito dos projectos aprovados. Mas os vendedores defendem que um tractor mais potente é sempre mais cómodo, dá mais segurança, permite o reforço de relações de vizinhança (“os agricultores fazem pequenos serviços a outrem”) e são, por último, um factor importante de imposição social que resulta do maior estatuto que a posse de activos físicos (especialmente máquinas) induz.

Quando questionados sobre quem continuará a comprar tractores na falta da Medida AGRIS dois grupos surgem com generalizado destaque: os agricultores a tempo parcial (pessoas que retomam o gosto pela terra embora a origem dos seus rendimentos seja diversa e por vezes predominantemente não agrícola) e os emigrantes entretanto regressados[6]. “A pequena agricultura local que continua a sentir a necessidade de substituir mão-de-obra por capital, terá inevitavelmente como saída a aquisição de tractores em 2ª mão e sem matrícula”. Este último processo, que remete para o mercado paralelo e “desleal” terá visto assim abrir oportunidades que talvez não suspeitasse. “Será isto melhor para a agricultura?” Os vendedores de máquinas entrevistados questionavam naturalmente esta situação.

Um outro aspecto abordado por estes agentes, é o da importância crescente em meio rural das empresas individuais e colectivas de “projectos”. Segundo os maiores operadores comerciais do sector, são os pequenos intermediários na venda de máquinas e os projectistas em equipa, ou individualmente, que mais irão sofrer com a eliminação dos subsídios AGRIS, não lhes parecendo claro que a pequena agricultura venha a beneficiar com o seu desaparecimento.

A Procura

Na caracterização da procura que pretendia avaliar a apetência dos agricultores pelos equipamentos mas também dos apoios financeiros que permitiam adquiri-los, neste caso a medida AGRIS, inquirimos directamente os produtores agrícolas. Estes são na sua grande maioria homens (68%), com idades compreendidas entre os 45 e os 65 anos (54%), proporções de algum modo semelhantes às registadas no total de agricultores candidatos à Acção 1 da Medida AGRIS, na Beira Interior, no período 2000-2004. O ensino primário é o nível de habilitação escolar dominante, registando-se apenas uma pequena percentagem (2%) de agricultores com curso médio ou superior. A actividade agrícola é exercida a tempo inteiro pela maioria dos agricultores inquiridos (65%), registando-se duas situações distintas: aqueles que são agricultores a título principal e os que são reformados mas que agora se dedicam a tempo inteiro à actividade agrícola.

As explorações pertencentes aos produtores inquiridos têm, em média, uma superfície total e uma SAU de 10 e 9,3 ha, respectivamente. O parcelamento da exploração é a regra: com 13 blocos, em média.

Os produtores agrícolas inquiridos tiveram conhecimento da Medida AGRIS principalmente através de familiares e amigos. No que diz respeito à elaboração do projecto, cerca de 40% das candidaturas são elaboradas pelos vendedores de máquinas, e 32% por particulares, maioritariamente, projectistas. Dos 78 produtores inquiridos, apenas 12% afirmaram não ter apresentado nenhuma candidatura em motomecanização afirmando já se encontrarem equipados. No que toca aos restantes, 16% viram o seu projecto recusado e destes 36% afirmaram que, na ausência de fundos comunitários, viriam a adquirir logo que possível novo tractor invocando a necessidade que dele tinham.

Os produtores agrícolas cuja candidatura em motomecanização foi aprovada possuíam já, na sua grande maioria, tracção mecânica (cerca de 70%). Esta situação é mais acentuada no núcleo Pinhel/Figueira de Castelo Rodrigo onde esta percentagem atinge 80%. Tratava-se aqui, efectivamente, da renovação do parque de máquinas. De facto, se analisarmos o destino dos equipamentos anteriormente existentes na exploração a maior parte foi “retomada” aquando da compra do tractor novo (55%), no entanto, uma percentagem ainda significativa de agricultores manteve o tractor antigo na exploração (34%).

Dos agricultores que adquiriram tractor com apoio comunitário a maioria (59%) afirma que compraria tractor mesmo na inexistência da Medida. Porém, 50% destes declaram que comprariam tractores em 2ª mão. A indisponibilidade financeira foi invocada pelos 41% que afirmaram que na inexistência da Medida não poderiam comprar nenhum tractor. “O antigo vai dando” foi muitas vezes ouvido pelos inquiridores.

À pergunta qual o principal tipo de tarefas desempenhadas pelo tractor – tarefas agrícolas dentro da exploração, transporte de produtos agrícolas de e para a exploração, tarefas florestais ou transporte de pessoas – obtiveram-se respostas distintas consoante os núcleos regionais considerados. No Fundão os tractores são utilizados maioritariamente para tarefas agrícolas dentro da exploração, enquanto em Pinhel/Figueira de Castelo Rodrigo são na sua grande maioria para transporte de produtos de e para a exploração. Este facto prende-se também com a diferente estrutura fundiária nas duas regiões e com as diferentes actividades agrícolas praticadas (sublinhe-se a importância da vinha e da fruticultura em Pinhel). Nenhum agricultor referiu as tarefas florestais, mas cerca de 11% afirmaram que o transporte de pessoas é a principal função do tractor. Esta tarefa é também citada como tarefa secundária por vários inquiridos (22%).

Para a compra do tractor, 76% dos agricultores recorreram a fundos próprios, 15% recorreram a empréstimos bancários, 5% recorreram a empréstimos informais junto de familiares e amigos e apenas dois agricultores afirmam ter obtido um empréstimo mediado pelas empresas vendedoras de máquinas. Este aspecto é muito importante pois significa que de facto, independentemente do subsídio e das eventuais facilidades concedidas pelos vendedores, os agricultores empenharam o seu próprio dinheiro no empreendimento, o que mais uma vez sublinha que a aquisição de tractor responde a necessidades objectivas da exploração ou da família agricultora.

Após aprovação do projecto era possível aos agricultores requererem aumento da potência contratualizada, como anteriormente referido. Requereram este aumento cerca de 46% dos produtores inquiridos que viram a sua candidatura em tractores aprovada. A razão invocada foi unicamente a necessidade de um tractor mais potente para realização das tarefas agrícolas...

Quando questionados sobre quem, ou o que, influenciou a compra de equipamento ao abrigo da medida AGRIS, cerca de metade das respostas foram a possibilidade de usufruir do subsídio. A influência dos vendedores de máquinas foi assinalada em 14% das respostas, enquanto a influência, quer de técnicos do Ministério da Agricultura, quer dos vizinhos pode ser considerada residual. Por último, analisando as motivações que foram mencionadas pelos agricultores para a compra de equipamentos de tracção mecânica (tractor e motocultivador), cerca de 32% das respostas indicam ser a substituição do tractor antigo o principal motivo para a aquisição efectuada, seguida da possibilidade de usufruir de subsídio (21%).

Para esclarecer melhor as características da procura de máquinas agrícola através da Medida AGRIS, é útil identificar conjuntos homogéneos de agricultores, quer em termos de características intrínsecas ao próprio produtor (género, idade, nível de habilitações, etc.) quer também da sua exploração agrícola (SAU). Com base nas variáveis identificadas no Quadro 1 e utilizando o método de análise de clusters, K-means, obtiveram-se três tipos distintos de produtores agrícolas identificados como clusters 1 a 3 no Quadro 2.

 

 

 

O cluster 1 agrega 42% da amostra e é composto maioritariamente por produtores de baixas habilitações (ensino primário) e idade elevada (maior de 60 anos). Este grupo faz agricultura a tempo inteiro e é constituído, em grande parte, por reformados do sector primário. Têm a menor classe de SAU dos três clusters (6 a 10 ha). Em jeito de simplificação e para facilitar futuras interpretações com nomes sugestivos designá-los-emos por: agricultores pequenos.

O cluster 2 inclui 25% da amostra. É também constituído, na sua maioria, por produtores de baixas habilitações (ensino primário) e de elevada idade. Sendo agricultores a tempo inteiro, os candidatos trabalhavam ou trabalham no sector primário e mais de metade são reformados. As respectivas explorações têm SAU superior à dos candidatos dos outros clusters, encontrando-se entre o 11 e os 20 ha. Situam-se, na sua grande maioria, no núcleo Pinhel/Figueira de Castelo Rodrigo. No fundo, são as características referentes à SAU e de certo modo também à residência[7] que distinguem este cluster do anterior. São essencialmente agricultores idosos com explorações de maior dimensão que podemos apelidar de agricultores médios.

O cluster 3 agrupa um terço da amostra, é formado em grande parte por produtores mais novos com habilitações escolares mais elevadas (ensino secundário) e que, na sua esmagadora maioria, só a tempo parcial se dedicam à agricultura, trabalhando, em regra, no sector terciário. A SAU explorada por estes candidatos é sensivelmente metade da SAU cultivada pelos produtores do cluster 2, mas semelhante à dos do cluster 1 (6 a 10 ha). São, portanto, agricultores mais novos que se caracterizam sobretudo por terem outra actividade, logo podemos denominá-los por pluriactivos.

Estabelecida a tipologia de produtores agrícolas que recorreram à Medida AGRIS interessava agora saber quais os seus comportamentos e atitudes face à aquisição de tracção mecânica, nomeadamente relativamente à forma como conheceram a Medida, realizaram o projecto e ainda quanto às motivações e às influências que determinaram a sua candidatura (ver Quadro 3).

Comecemos pela questão relativa ao conhecimento da Medida: tratava-se de saber que entidade veicula a informação relativa à existência da Medida AGRIS. Observa-se que os “agricultores pequenos” e os “pluriactivos” são sobretudo informados através dos amigos e, em menor escala, através das Zonas Agrárias. Os “agricultores médios” afirmam-se informados sobretudo através dos agentes vendedores de máquinas, sendo neste grupo que se encontra mais concentrada a compra de equipamentos de substituição.

No que toca à realização do projecto são efectivamente os agentes vendedores de máquinas as entidades que os elaboram para os “agricultores pequenos” e para os “agricultores médios”, com especial importância nestes últimos (71% das respostas). Os “pluriactivos”, recorrem mais a projectistas particulares para a concretização da sua candidatura.

Considerando agora as motivações expressas para a aquisição de tractor através da Medida AGRIS pode dizer-se que os subsídios exercem uma atracção forte sobre todos os agricultores, sendo nomeados sobretudo pelos “pluriactivos”. A necessidade de mecanização da exploração (categoria vaga) também é sentida por todos, mas são os “agricultores pequenos” e os “agricultores médios” que lhe dão maior expressão (neste último caso para substituição de equipamentos). Os “pluriactivos” são aqueles que melhor conseguem caracterizar as várias motivações que alimentam a tomada de decisão. Provavelmente melhor informados, acentuam questões técnicas tais como a substituição de tracção alugada por própria, denotando também assim uma maior consciência dos objectivos da Medida AGRIS.

 

 

Quanto à questão de saber que influências foram mais marcantes para os produtores na decisão de avançar com o projecto de candidatura, verificou-se que era pouco clara a distinção entre motivação e influência na tomada de decisão, sendo poucos os agricultores que nomeiam as influências sofridas. Embora haja indicação de que familiares e vizinhos tenham tido alguma responsabilidade na tendência para o equipamento das explorações – fazendo inclusivamente funcionar um certo jogo de emulação social, sobretudo visível quando os agricultores requereram aumento da potência contratada - esta influência é apenas citada e parcamente pelos “agricultores pequenos” e “pluriactivos”. Estes últimos são também os únicos que referem alguma vaga influência dos técnicos do Ministério da Agricultura.

Se quisermos agora numa óptica um pouco diferente equacionar o papel dos vendedores de máquinas em diferentes contextos regionais parece claro que o papel desses agentes é mais relevante no núcleo Pinhel/Figueira Castelo Rodrigo. Quer ao nível da divulgação da medida quer ao nível da elaboração/acompanhamento do projecto, a dinamização da motomecanização deve-lhes muito.

 

NOTAS FINAIS

Contra factos não há argumentos: a procura de máquinas e equipamentos por parte dos agricultores é uma realidade. A partir dos resultados obtidos e da interpretação que deles foi feita é possível documentar alguns aspectos que caracterizam a motomecanização da agricultura na Beira Interior facilitada pela Medida AGRIS.

A pergunta: “É a motomecanização um investimento prioritário ao nível da exploração agrícola?”- carece de um melhor esclarecimento.  É verdade que mais de 80% do número total de candidaturas AGRIS (no período 2000 – 2004) e também mais de 80% do montante global do investimento que lhes corresponde (cerca de 39 milhões de euros) diz respeito à motomecanização.

Por outro lado, a importância do investimento em máquinas marca também o panorama da aplicação de outras medidas de política (por exemplo, medida 1 POAGRO – Acção 1.1 e 1.2). Se a estrutura do investimento feita pelos agricultores de menores dimensões é semelhante à dos “outros agricultores”, podemos estar perante a escolha de um padrão de desenvolvimento comum a ambos os tipos de agricultura. As medidas de política aceleram as escolhas mas não as determinam. Isto pode significar que, a importância da motomecanização da pequena agricultura não corresponde a um enviesamento particular na medida AGRIS, mas a uma tendência observada na agricultura portuguesa, porventura aqui mais evidente.

De tudo quanto dissemos, parece poder concluir-se que tanto o movimento da procura de meios mecânicos, por parte dos agricultores, como as estratégias de oferta de fundos para co-financiamento dos investimentos necessários neste domínio, tiveram plena justificação. Em particular num programa especial de apoio à pequena agricultura, onde a par de se “promover a melhoria dos rendimentos agrícolas e das condições de vida, de trabalho e produção”, se pretendia a “manutenção e reforço do tecido social das zonas rurais”, e a viabilização e desenvolvimento de “modelos de agricultura baseados na pluri-actividade e no pluri-rendimento”[8].

Em trabalho recente, que retrata a evolução da agricultura espanhola, pode ler-se: “Em Espanha, as culturas mais problemáticas, são aquelas que não resolveram satisfatoriamente a sua mecanização” (MAPYA 2004). Neste País, as máquinas continuam a ser consideradas “meios de produção essenciais em qualquer agricultura moderna e a mecanização das explorações agrícolas constitui uma prioridade para conseguir uma agricultura moderna, rentável e competitiva” (MAPYA 2004).

Em jeito de conclusão, decorrente do nosso trabalho, pode afirmar-se o seguinte:

- Os técnicos regionais do Ministério da Agricultura, a quem cabia seleccionar as candidaturas, e que o fizeram com base numa discriminação que procuraram fundamentar com critérios técnico-económicos (recusando portanto candidaturas inviáveis), não parecem considerar que se tenha atingido, de momento, o nível de mecanização exigido pelas condições de produção da Beira Interior. Em certas condições, apoiam portanto a continuidade de uma medida do tipo AGRIS, quer para novas aquisições, quer para renovação do parque de máquinas.

- O empenhamento dos vendedores de máquinas no processo de divulgação da medida AGRIS, não parece, porém, ter-se concretizado, nem contra os pequenos agricultores, nem contra os objectivos da medida AGRIS, que até ajudaram a concretizar; mas gerou, com certeza, enviesamento da procura a favor da motomecanização.

- Estes vendedores consideram que a suspensão de subsídios, modificará o mercado, que passará a ser sobretudo animado pelos agricultores a tempo parcial e pelos emigrantes, prevendo também que cresça o mercado de equipamentos em segunda mão e até o mercado de tractores sem matrícula que, quanto a eles, consubstancia uma concorrência desleal.

- Quanto aos agricultores, pelo menos no depoimento daqueles que contactamos, a necessidade de se equipar é real, têm dificuldades para o conseguir e alguma expectativa quanto a apoios futuros.

- Diferenciados embora em grupos que evidenciam algumas atitudes e comportamentos particulares face à aquisição de equipamento mecânico a todos interessa o apoio à motomecanização. Com estruturas produtivas diferentes, diferentes circuitos de informação, tesourarias com amplitudes não comparáveis e sobretudo diferente tipo de inserção na economia das regiões rurais exigiriam um apoio versátil ao nível, quer dos veículos de informação, quer do apoio técnico, quer eventualmente prevendo níveis de subsidiação diferenciados.

- Medidas futuras merecem ter em conta os diferentes receptores: os agricultores do tipo “Pluriactivo” são os mais facilmente integráveis nos circuitos de informação, enquanto os agricultores do tipo “agricultores médios” parecem depender mais de agentes comerciais, nomeadamente vendedores de máquinas. Aos “agricultores pequenos” caberá sempre uma fracção residual (e ocasional) dos apoios previstos sendo necessário encarar mecanismos apropriados de extensão que melhor os atinjam.


Referências bibliográficas

Ellis, F. (1992) - Agricultural Policies in Developing Countries. Cambridge University Press.         [ Links ]

Johnson, G.L. (1982) - An Opportunity Cost View of Fixed assets Theory and the Overproduction Trap: Comment, American Journal of Agricultural Economics, vol. 64, n. 4, p. 773-775.         [ Links ]

Mansinho, M.I.A. & Lúcio, C.M.M.N. (2005a) - AGRIS 2000-2004: Caracterização das Candidaturas da Acção 1 na Beira Interior. ISA UTL.         [ Links ]

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Upton, M. (1996) - The Economics of Tropical Farming Systems. Cambridge University Press.         [ Links ]


Recebido/received: 2017.03.07

Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.05.03

Aceite/accepted: 2017.05.06


[1] A acção 1 prevista na Portaria n.º 1109-E/2000 – Diversificação da pequena agricultura – incluía duas sub-acções: sub-acção 1.1 Apoio à pequena agricultura e sub-acção 1.2 Diversificação da pequena agricultura.

[2] Lembremos de novo que a Medida AGRIS se limita a apoiar explorações cuja dimensão económica não exceda as 6/8 UDE

[3] A amostra foi recolhida aleatória e sistematicamente de entre as candidaturas à acção 1 da medida Agris previamente ordenadas por ordem crescente da SAU. 

[4] Não obstante, como cautelosamente nos referiram alguns dos agricultores entrevistados, os técnicos também elaboraram particularmente projectos de candidatura, o que só será censurável, do ponto de vista ético, nos casos em que sejam os próprios a elaborar o parecer que sobre os projectos vai chegar à Unidade de Gestão.

[5] Este era, em certa medida, benevolente pois considerava os custos horário do aluguer idênticos para todas as potências do equipamento e também por se proceder a um desconto de 20% nos custos totais associados ao tractor próprio.

[6] Coincidindo de algum modo com o cluster “Pluriactivos” analisado à frente.

[7] embora com um nível de significância de 0,145.

[8] Artigo 2º da Portaria n.º 1109-E/2000 do DR n.º 274, SÉRIE I-B, 1º SUPLEMENTO, 27 de Novembro, MADRP

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