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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.39 no.2 Lisboa jun. 2016

https://doi.org/10.19084/RCA15022 

ARTIGO

Impacto da produtividade leiteira e qualidade morfológica das vacas leiteiras na rentabilidade económica das explorações

The impact of milk productivity and morphologic quality in dairy farms economic viability

Bruno Almeida1, Emiliana Silva2, Francisco Silva3 e Alexandra Marta Costa4,*

 

1 AASM - Associação Agrícola de S. Miguel, Recinto da Feira, Campo de Santana, Ribeira Grande, S. Miguel, Engenheiro Zootécnico;

2 Centro de Estudos de Economia Aplicada do Atlântico (CEEAplA), Departamento de Ciências Agrárias, Universidade dos Açores, Campus de Angra, Rua Capitão João de Ávila, Pico da Urze, 9700-042, Angra do Heroísmo, Portugal, Professora Auxiliar com Agregação;

3 Centro de Estudos de Economia Aplicada do Atlântico (CEEAplA), Departamento de Ciências Agrárias, Universidade dos Açores, Campus de Ponta Delgada, Apartado 1422, 9500-801, Ponta Delgada, Portugal;

4 Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), Departamento de Economia, Sociologia e Gestão, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Quinta dos Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal.*E-mail: amarta@utad.pt

 

RESUMO

A situação económica das explorações leiteiras dos Açores está a atravessar dificuldades devido à liberalização da produção de leite na Europa. A pecuária açoriana necessita de se preparar para esta mudança sendo prioritário o melhor conhecimento dos fatores que influenciam a produtividade e/ou rentabilidade agrícola. Este trabalho apresenta um modelo de regressão linear múltipla que relaciona o rendimento das explorações com as características técnico-económicas, produtivas e morfológicas de 91 explorações de São Miguel, com dados de 2010.

Verificou-se que existe uma forte correlação e um efeito significativo entre a produção de leite aos 305 dias e a pontuação final resultante das classificações parciais de carateres descritivos primários das primíparas (r=0,748). O mesmo se passa na produção de gordura (r=0,673) e proteína (r=0,731), em igual período. O modelo de regressão linear múltipla, com R2=0,736, estabelece que a venda de leite, os custos (alimentação, salários, rendas) e as cabeças normais, todos por unidade de superfície, têm efeito significativo no rendimento do empresário e família por hectare das explorações leiteiras. Conclui-se ser necessário melhorar a qualidade morfológica das vacas leiteiras, para aumentar a produção de leite, proteína e gordura, permitindo um aumento da venda de leite por hectare.

Palavras-chave: Açores, leite, morfologia, regressão, rentabilidade.

 

ABSTRACT

The economic situation of Azores dairy farms is experiencing difficulties due to the liberalization of milk production in Europe. The Azorean cattle raising has to adjust to this changes and the enhancement of knowledge regarding productivity and profitability factors seems to be the priority. This paper presents a multiple linear regression model which relates farm incomes to the technical-economic, productive and morphological, in 2010, of 91 farms of the island of San Miguel.

Based on the developed procedure, a strong correlation was observed and a significant effect milk production between 305 days and the final score resulting from the partial primary descriptive classifications of characters of primiparas (r=0.748). The same is true in the production of fat (r=0.673) and protein (r=0.731) in the same period. The multiple linear regression model with a R2 = 0,736 shows that milk sales, feeding, salary and rent expenses, and animal density, all by area unity, have a significant effect in dairy farms profitability. The conclusions pointed that for an increase of milk sales per hectare it is necessary to improve the morphological quality of dairy cows, to enhance milk production, protein and fat.

Keywords: Azores, milk, morphology, regression, profitability.

 

Introdução

A Região Autónoma dos Açores tem extraordinárias e únicas paisagens nas suas nove ilhas. A imagem de 100% natural é uma oportunidade de escoamento dos produtos das fileiras do leite, da pesca, da carne e dos produtos tradicionais. Contudo, é a fileira do leite que tem um maior impacto na economia nesta região. Em 2013, foi registada uma produção anual de 536 milhões litros de leite, contribuindo com 29,86% para a produção nacional (INE, 2014).

Com o programa de desenvolvimento rural 2014-2020 e o fim das quotas leiteiras, onde as diretivas europeias dão ênfase ao ambiente e ao bem-estar animal, os produtores açorianos enfrentam um novo desafio, para manter a viabilidade económica das suas empresas. As quotas leiteiras foram introduzidas em 1984, pela UE, com a pretensão de diminuir a produção de leite, evitando os seus excedentes de produção e os custos com o consequente armazenamento. A abolição deste mecanismo foi concretizado em 31 de março de 2015, prevendo-se que os produtores de leite com custos mais baixos (oriundos de países mais competitivos) dominem e aglutinem os menos eficientes, para que a produção de leite comunitária apresente preços mais competitivos e uma posição fortalecida, em relação aos mercados mundiais. Esta situação corresponde ao quarto cenário do horizonte 2015 - liberalização - para o setor leiteiro, apresentado no documento do GPP (2007).

Dado que o rendimento das explorações de bovinos de leite depende de fatores genéticos mas também de maneio produtivo, este trabalho tem como objetivos: 1) conhecer a realidade técnico-económica das explorações leiteiras e das características produtivas e morfológicas dos efetivos leiteiros das explorações de São Miguel; e 2) identificar os principais fatores que influenciam o rendimento obtido através de um modelo de regressão linear múltipla, e compreender eventuais alterações nas opções de tomada de decisão.

Neste trabalho é apresentada uma caracterização breve da agricultura dos Açores, pormenorizando a sua análise para as explorações leiteiras sob estudo. Seguidamente identificam-se e analisam-se as principais variáveis com impacto no Rendimento do Empresário e Família (REF), recorrendo a estatísticas descritivas. Por último, desenvolve-se um modelo de regressão linear múltipla, considerando o valor do rendimento e as variáveis previamente selecionadas.

Caraterização Económica Agropecuária nos Açores

O Produto Interno Bruto (PIB) açoriano foi de 3,7 mil milhões de euros (representando 2,8% do PIB nacional), registando um PIB per capita de 15,2 mil de euros, no ano de 2009. Nesta data, 8,6% do valor acrescentado bruto açoriano foi proveniente do setor “Agricultura, produção animal, caça e silvicultura”, contrariamente aos 2,2% que estas atividades representaram a nível nacional (INE, 2011). A pecuária açoriana, em especial a fileira do leite e lacticínios, são uma referência nacional. Na balança comercial dos Açores, a classe “Animais vivos e produtos do reino animal” contribuiu com 63,4% do total das exportações de mercadorias do arquipélago (INE, 2011). A Produção Leiteira (PL) de vaca e do queijo “Marca Açores” representam, respetivamente, 28,4% e 35,0% da produção nacional (INE, 2009).

O produto bruto das explorações agropecuárias de bovinos dos Açores é constituído, na sua maioria, pela produção de leite e de carne, tal como verificaram outros estudos feitos na região, em diferentes sistemas de produção (Mendes et al., 2013; Silva et al., 2013a, 2013b; Silva e Marote, 2013; Silva e Venâncio, 2013). A venda de leite e de carne representam 61% do total de receitas, sendo que a primeira contribui com 84,1% e a venda de carne (15,9%) é considerada como atividade complementar (Silva et al., 2013a e Silva, 2001).

Os subsídios representam 18% do total da estrutura do produto agrícola, baixando para 16,9% em São Miguel. Nesta ilha, e segundo Silva (2001), o valor das receitas do leite e da carne totalizam 65,9% das receitas (91,3% para o leite e 8,7% para a carne).

Ao nível dos custos, Silva et al. (2013a) constataram que o sistema de produção de leite é muito exigente na alimentação. Nos Açores esta rubrica representa 27% dos gastos totais. A aquisição de equipamentos, promovida pelos apoios governamentais e da União Europeia, originam amortizações que contribuem com 13,6% dos custos. Seguem-se os gastos com a conservação, reparação e carburantes e lubrificantes (12%, no seu conjunto) e, com menor contributo, estão as rendas de terrenos agrícolas (10,6%) e a compra de fertilizantes (9,8%). Os custos salariais aparecem como reduzidos devido à maioria das explorações estudadas serem do tipo familiar.

Os valores apontados para a ilha de São Miguel – alimentação (37,3%); amortizações (8,9%); fertilizantes (8,6%); rendas de terras (8,0%); e custos com salários (7,1%) seguem a tendência regional (Silva, 2001; Silva et al., 2013b; Silva e Venâncio, 2013; Silva e Marote, 2013).

Relativamente à estrutura produtiva, existiam nos Açores, em 2009, 13.541 explorações agrícolas, menos 5.739 do que em 1999, representando um decréscimo de 29,79%. Numa década, três em cada dez explorações encerraram a sua atividade. Em São Miguel existiam, neste período, um total de 5.710 explorações agrícolas, cerca de 42,2% do total açoriano (SREA, 2011). O desaparecimento, principalmente, das pequenas explorações provocou um aumento significativo da Superfície Agrícola Utilizada (SAU) média de 6,3 para 8,9 hectares (ha), em 2009 (SREA, 2011).

Caraterização do Sistema de Exploração Agropecuário em São Miguel

A ilha de São Miguel tem 742 Km2 de área total, sendo que mais de 80% das suas terras agrícolas são pastagens permanentes destinadas à atividade agropecuária. O regime de exploração é baseado maioritariamente no pastoreio permanente pelos bovinos, havendo apenas três explorações com estabulação permanente dos animais. Desde muito jovens, os(as) vitelos(as) são deixados a pastar presos por uma corrente que controla a quantidade diária de alimento ingerido individualmente. Posteriormente, as novilhas ficam em pastoreio livre, delimitado por um fio elétrico, de forma a controlar a quantidade de erva ingerida pela manada. Normalmente, as novilhas pastoreiam em zonas de média e alta altitude, por vezes com acessos difíceis e onde as condições atmosféricas são mais agrestes. As vacas adultas são exploradas em regime de pastoreio, durante todo o ano, tendo os produtores uma máquina de ordenha móvel que deslocam para o local onde os animais se encontram. É durante a ordenha que é administrado o concentrado às vacas leiteiras.

Nos últimos anos, observou-se o aumento do número de parques de alimentação onde é colocado a silagem de erva e/ou de milho, para complementar a alimentação dos animais. Esta situação deve-se também aos apoios ao emparcelamento da última década, que permite agrupar o maior número de pastagens que possibilitem a instalação daquele, diminuindo as mudanças de pastagens (alguns quilómetros) pelos animais. Junto destes parques em cimento estão as máquinas móveis ou, nalguns casos, a sala de ordenha fixa. A instalação definitiva da ordenha faculta a possibilidade de compra do tanque de refrigeração e a valorização do leite pela indústria.

O Contraste Leiteiro (CL) é um instrumento técnico de controlo da quantidade e qualidade da produção leiteira importante para a organização e desenvolvimento de um plano estratégico para o futuro da empresa leiteira. Consiste no registo mensal da quantidade de leite produzida por animal permitindo a estimativa da sua produção total, gordura, proteína e células somáticas em cada lactação. As normas do CL estão regulamentadas na Portaria nº 1066/91, de 22 de Outubro, que segue as recomendações do Internacional Committee for Animal Recording (ICAR).

Em São Miguel, o serviço de CL surgiu em 1948, tendo sido realizado pelos técnicos dos Serviços Oficiais e, desde 2004, pela Cooperativa União Agrícola, CRL (CUA). O serviço é prestado por 10 contrastadores que apoiaram, em 2010, cerca de 264 explorações leiteiras. Nesta ilha, e na última década, registou-se um aumento de 87% do número de explorações pecuárias que realizam CL, que corresponde a um acréscimo de 4.371 vacas apuradas na primeira década do século XXI. Neste período houve um incremento de 9,8% na média de PL305 das fêmeas leiteiras (SDASM, 2011a e 2011b).

A conformação ou o tipo de uma vaca tem-se revelado como uma importante variável que afeta potencialmente a produção e a sua longevidade produtiva, assim como a facilidade de trabalho. Ou seja, quando uma vaca tem um bom tipo funcional significa que terá maior possibilidade de produzir grandes volumes de leite em várias lactações (APCRF, 2011). O método de avaliação externa dos animais é a Classificação Morfológica (CM) que se baseia na avaliação individual do animal comparando-o com a vaca “Tipo Ideal”. É uma ferramenta usada para melhorar a conformação das vacas de um efetivo bovino, através da identificação das qualidades e dos defeitos de cada animal, assim como da seleção dos melhores touros para emparelhar, o que permite aumentar a produção.

Em São Miguel, desde 1998, iniciou-se a classificação dos animais das explorações leiteiras inscritas no CL. Segundo dados da APCRF (2011), cerca de 2100 primíparas têm sido classificadas anualmente, entre 2005 e 2010, naquela ilha, mas apenas 1305 animais, no último ano. Os animais obtiveram uma pontuação final média de 80,4.

 

Material e Métodos

Neste trabalho, tendo por base os dados técnico-económicos da Associação Agrícola de São Miguel, selecionaram-se 91 explorações agropecuárias através dos seguintes critérios: 1) vacas que concluíram a primeira lactação em 2010 e com CM atribuída nessa mesma lactação; 2) vacas com registo do número de dias de lactação igual ou superior a 210 dias e inferior a 750 dias, que fecharam o CL em 2010; e 3) explorações que entregaram contabilidade organizada no ano de 2010.

A amostra de explorações corresponde a cerca de 37% das que tiveram resultados apurados em CL em 2010 (SDASM 2011a; 2011b), sendo que 53,8% das mesmas têm mais de 75 Cabeças Normais (CN); 39,6% apresentam entre 30 a 75 CN; e 6 delas (6,6%) apresentam menos de 30 animais. A maior representatividade do primeiro grupo deve-se ao elevado número de explorações com mais de 90 CN, que apresentam a obrigação de elaborarem contabilidade organizada, quando a faturação é superior a 150.000 €, podendo optar pela contabilidade simplificada quando aqueles valores são inferiores.

A maioria das explorações (51) tem uma quota leiteira atribuída entre 251.000 e 500.000 kg; enquanto 18 apresentam valores compreendidos entre 501.000 e 750.000 kg; e 13 têm uma quota inferior a 250.000 kg.

O procedimento metodológico iniciou-se com a recolha de informação (vendas e subsídios; encargos reais; SAU e CN) das várias unidades de produção selecionadas e a determinação dos coeficientes de correlação de Pearson entre as variáveis, considerando valores de p<0,001 a p<0,05 significativos. Tal procedimento justifica-se pelo facto das características fenotípicas e genéticas afetarem a produção leiteira (Nicholas, 1987), permitindo a variação genética o progresso genético (Smith, 1974). As correlações fenotípicas entre as variáveis foram também incluídas no trabalho de Vasconcelos et al. (2004), através de um modelo autorregressivo em bovinos leiteiros.

Posteriormente foi desenvolvida uma análise de variância dos dados e a elaboração de um modelo de regressão linear múltipla, através do método “Stepwise”, para permitir a identificação, de entre as variáveis independentes, resultantes das características técnico-económicas, produtivas e morfológicas presentes nas explorações e seus animais, as que têm maior impacto no REF (calculado por diferença entre as receitas e os encargos reais, Avillez et al., 1988) por hectare.

A escolha das variáveis explicativas usadas no modelo de regressão linear múltipla - variáveis de dimensão, contabilísticas, produção e morfológicas - foi consequente à consulta dos trabalhos realizados por Silva et al. (2013a, 2013b), Mendes et al. (2013), Silva e Marote (2013) e Silva e Venâncio (2013) e confirmadas pela análise de variância.

Optou-se por agrupar seis variáveis - custos de eletricidade (CElec), da água (CAgua), com prémios de seguros (CSeguros), com produtos de limpeza (CLimp), com as quotas (CQuotas), todos por hectare, e custos com Inseminação Artificial por CN (CIA) - numa única variável de Custos Diversos por hectare (CDv), pois apresentam um valor inferior a 2% do total dos custos associados às despesas de uma exploração.

O método stepwise foi utilizado para selecionar as variáveis com maior capacidade explicativa permitindo chegar a um modelo mais reduzido mas com um melhor ajustamento. Este método sugere que se considere uma variável como explicativa atendendo ao acréscimo no coeficiente de determinação resultante da sua inclusão no modelo de regressão linear múltipla tendo também em atenção o nível de significância do estimador do parâmetro que lhe está associado.

Os resultados obtidos para as diversas variáveis foram analisados pelo programa informático SPSS Statistics 15.0 (SAS Institute, 2006).

 

Resultados e Discussão

No Quadro 2 encontram-se as estatísticas descritivas das variáveis analisadas através do PROC MEANS do SPSS (SAS Institute, 2006). A média do REF por hectare das explorações analisadas no ano de 2010 foi de 1.002,93 €, um valor mais alto ao reportado por Silva (2001, p. 89) de 578,81€, após considerar a sua uniformização no tempo. Em média, estas explorações têm 2,49 CN/ha e 40,41 ha de área útil, sendo superior à média das explorações da ilha de São Miguel que se situa nos 1,70 CN/ha e 8,9 ha de SAU (SREA, 2011). A média de PL305 das explorações foi de 8.061 kg, mais 263 kg de leite em relação à média das explorações micaelenses em CL no mesmo ano (SDASM 2011a, 2011b). O coeficiente de variação para as variáveis produtivas e morfológicas têm uma baixa dispersão deduzindo alguma homogeneidade dos valores destas variáveis nestas explorações.

Na Figura 1 observa-se que os custos com a alimentação por unidade de superfície (CAlim) representam 25,32% dos custos gerais de uma exploração agropecuária, valor mais baixo ao apresentado por Silva (2001) para a ilha de São Miguel, que indicava 37,3% deste custo e de 27% para os Açores, sendo o maior custo de uma exploração.

Os custos dos fertilizantes por hectare (CFert) representam a segunda maior percentagem nos custos totais (12,70%), um valor 4,1% superior ao apresentado por Silva (2001). Os custos dos combustíveis por hectare (CComb) representam 10,79% do total da despesa das explorações leiteiras, mais 6,59% que Silva (2001), justificado pelo aumento do preço do combustível. A conservação e reparação de equipamento, as amortizações e os salários representam, respetivamente, 10,29%; 9,55%; e 7,49% do total, sendo diferentes do de Silva (2001) cujos valores foram 5,2%; 8,9% e 7,1%.

Nos outputs das explorações agropecuárias micaelenses, a venda de leite é a variável que mais favorece o REF por hectare, representando 73,20% do total (Figura 1). As vendas diversas por hectare (VDv) representam apenas 4,37% dos proveitos. Note-se que a alimentação representa em média 19,6% da venda de leite por hectare, havendo um máximo de 53,59% e um mínimo de 6,99% da venda de leite por unidade de superfície.

Os subsídios por hectare atribuídos às explorações dos Açores atingem uma média de 1.090,06 € (22,43% do total dos outputs) e variam entre 0,82% a 37,39% (Quadro 1). A diferença entre o REF e os subsídios por hectare é em média de -87,13€, o que significa que algumas explorações não são viáveis sem aquelas ajudas. É o caso de 60,44% das 91 explorações sob estudo.

A composição dos subsídios atribuídos no âmbito do POSEI (Programa de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e à Insularidade) foi de 46,2% dos subsídios relativos aos Produtos Lácteos. Seguiu em importância as ajudas ao prémio da vaca leiteira (27,5% do total), as Indemnizações Compensatórias (8%), o apoio às Culturas Arvenses (6,8%), o subsídio ao Abate (6,5%), e a Extensificação (0,9%). Outros subsídios representam 4,1%.

Com o fim das quotas leiteiras, os produtores micaelenses perdem em média 46,2% dos subsídios por hectare, que corresponde, em média, a menos 10,36% do total de receitas.

As explorações sob estudo apresentam uma taxa média do REF por hectare sobre o total dos proveitos, na ordem dos 19,80%, o que significa que 80,20% são despesas. Estes valores descem para níveis negativos (-4,20%) quando se retiram as ajudas às explorações, atingindo níveis mínimos (-70,60%). Num panorama de inexistência de atribuição subsídios, apenas 36 explorações agropecuárias conseguiriam sobreviver financeiramente, sendo que 19 das mesmas têm rendimentos por hectare abaixo dos 10% e a sua maioria é muito dependente dos subsídios que usufruem.

Observa-se ainda no Quadro 1 que, em média, cada CN aufere 401,06 € de REF por hectare, atingindo um máximo de 1.712,54 €/CN.

Os resultados obtidos (Quadro 1) permitem verificar que das 84 correlações possíveis, 47 são significativas (55,95%) e destas 19,14% são altas (coeficiente de correlação varia de 0,7 a 1), 40,43% são moderadas (coeficiente de correlação varia de 0,35 a 0,7) e 40,43% são baixas (coeficiente de correlação varia de 0 a 0,35), de acordo com a tipologia de correlação proposta por Wattiaux (2003).

O REF por hectare não tem correlação significativa com as variáveis associadas à produção e à morfologia (p>0,05). Por sua vez, as variáveis SAU, CN, número de vacas leiteiras (CNv) e custos com salários por hectare (CSalár) têm correlação negativa e moderada com a do REF por hectare.

A correlação fenotípica entre a PL305 e a PG305 é alta e significativa, semelhante à de Cue et al. (1987) (correlação de 0,83), enquanto Meyer (1987) citou uma correlação de 0,90. No que se refere à correlação fenotípica de 0,989 existente entre a PL305 e a PP305, também são semelhantes às obtidas por Meyer (1987) e Cue et al. (1987), mas com valores ligeiramente mais baixos, 0,95 e 0,91, respetivamente. As correlações obtidas entre a pontuação final e as outras variáveis morfológicas: estrutura das vacas na 1ª lactação (ST), Sistema Mamário das vacas na 1ª lactação (SM), Caráter Leiteiro das vacas na 1ª lactação (CarL), Pernas e Pés das vacas na 1ª lactação (PP) e Capacidade das vacas na 1ª lactação (CAP) variaram entre 0,533 e 0,863, corroborando Visscher et al. (1992) que indicava valores entre 0,50 e 0,97.

Em discordância com Visscher et al. (1992), McManus et al. (1998) e Mitchel (1961) está a correlação obtida entre as variáveis PL305 – Produção de Leite aos 305 dias (PL305) e pontuação final (0,748), que indicaram valores de correlação de 0,14, -0,11 e 0,14, respetivamente. Esta correlação, além de ser significativa é também alta evidenciando uma boa correlação entre aquelas variáveis.

As variáveis independentes relativas aos custos dos fertilizantes, custos diversos, venda de leite por hectare e subsídios por hectare obtiveram correlação significativa, conjuntamente com cada uma das três variáveis dependentes - REF por hectare, PL305 e a pontuação final -, variando essas correlações entre 0,233 e 0,495.

As variáveis com maior correlação com o REF por hectare, PL305 e a pontuação final foram, respetivamente, a venda de leite/ por hectare (r=0,495), a Pernas e Pés das vacas na 1ª lactação (PP) 305 (r=0,989) e o Sistema Mamário das vacas na 1ª lactação (SM) (r=0,863).

Algumas das correlações são baixas mas revelam possíveis ganhos na produção quando a seleção para algumas caraterísticas de tipo são efetuadas, podendo ser considerados para a elaboração de índices genéticos, direcionados a atender mercados específicos, seja para altas produções de leite ou para venda de animais com melhor tipo (Esteves et al., 2004).

O modelo de regressão linear múltipla obedece à seguinte equação:

REF = 1728,143 + 0,441VL – 1,654CSalár – 1,601CAlim – 1,927CRend – 317,357CN/ha

Sendo, VL - vendas líquidas por hectare; CSalár - custos com salários por hectare; CAlim - custos com alimentação por hectare; CRend - custos com rendas por hectare; e CN/ha - cabeças normais por hectare.

Com valores de R2=0,736, verificamos que 73,6% da variabilidade do REF por hectare é explicada pelas variáveis independentes presentes no modelo.

As variáveis venda de leite, custos dos salários e custos de alimentação por hectare tiveram um efeito altamente significativo (p<0,001), e um efeito significativo para as variáveis CRend (p<0,01) e CN por hectare (p<0,05), sendo, por esse motivo, as únicas cinco variáveis a incluir no modelo de regressão.

O aumento do REF por hectare de uma exploração agropecuária pode ser causado por um aumento dos valores de venda de leite por hectare que só é possível com vacas leiteiras com maiores produções de leite e consequentemente, com melhores pontuações finais (r=0,748, p<0,001). Porém, é igualmente necessário reduzir os custos com os salários e com a alimentação dos animais. Nesta, é obrigatório o equilíbrio entre a alimentação e resposta na produção de leite, ou seja, descobrir o valor máximo nos custos de alimentação de forma a maximizar a PL305, para não correr o risco de sobrealimentação. Todavia, o aumento nos custos de alimentação dependerá muito do valor genético das vacas leiteiras de cada exploração.

Os valores de CN/ha também têm uma importância neste modelo, porque se refletem no aumento da venda de leite por hectare (r=0,788, p<0,001), mas cuja receita não compensa os encargos com a alimentação dos bovinos, pois o alimento em verde não é suficiente para alimentar o gado produtor de leite, penalizando o REF.

 

Conclusão

Através do procedimento desenvolvido neste trabalho, e considerando a amostra de explorações micaelenses utilizada, conclui-se que o REF médio por unidade de superfície explorada é muito influenciada pelos subsídios que representam quase um quarto do total das receitas, destacando-se o Prémio aos Produtos Lácteos (subsídios da quota) como o mais representativo.

Esta situação permite validar para um panorama de não atribuição de subsídios, a posição económica dramática das explorações micaelenses, com apenas dois quintos das mesmas a sobreviver economicamente.

A alta correlação obtida (R2=0,736) com o modelo de análise de regressão linear múltipla permitiu evidenciar a possibilidade dos produtores agrícolas conhecerem um valor aproximado do seu REF por hectare, a partir do conhecimento das variáveis venda de leite por hectare (p<0,001), custos por hectare, dos salários (p<0,001), dos alimentos (p<0,001), das rendas (p<0,01) e do encabeçamento (p<0,05). Ou seja, para o incremento da rentabilidade das explorações é importante: 1) melhorar a qualidade morfológica das vacas leiteiras (animais com melhores pontuações finais têm maiores PL305); e 2) controlar os custos de alimentação com os animais, evitando a sobrealimentação.

O procedimento metodológico desenvolvido revelou-se, assim, uma ferramenta útil para os decisores políticos e associativos nas suas tomadas de decisão e, sobretudo, para os produtores de leite poderem utilizar, orientar e/ou alterar as suas decisões empresariais, no sentido de aumento das suas rentabilidades económicas.

Todavia outras condições técnicas e logísticas deverão ser disponibilizadas ao criador, no sentido de possibilitar a melhoria da gestão técnico empresarial da sua exploração, que poderão passar pelo desenvolvimento de cursos de formação profissional com frequência obrigatória pelos produtores leiteiros, cujos conteúdos sejam nas área da contabilidade agrícola, CM e CL; e pela criação de gabinetes para apoio técnico-económico gratuito, onde os produtores possam esclarecer dúvidas e receber orientações que melhorem a rentabilidade da sua exploração.

 

Referências bibliográficas

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Recebido/received: 2015.03.04

Aceite/accepted: 2015.12.11

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