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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.39 no.1 Lisboa Mar. 2016

https://doi.org/10.19084/RCA15077 

ARTIGO

Efeitos das ajudas monetárias na viabilidade económica de explorações leiteiras micaelenses

Effects of monetary support in the economic viability of dairy farms of S. Miguel

Emiliana Silva1, Bruno Almeida2 e Alexandra Marta Costa3,*

 

1 Centro de Estudos de Economia Aplicada do Atlântico (CEEAplA), Departamento de Ciências Agrárias, Universidade dos Açores, Campus de Angra, Rua Capitão João de Ávila, Pico da Urze, 9700-042, Angra do Heroísmo, Portugal;

2 AASM - Associação Agrícola de S. Miguel, Recinto da Feira, Campo de Santana, Rabo de Peixe, 9600-096 Ribeira Grande, Portugal;

3 Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), Departamento de Economia, Sociologia e Gestão, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Quinta dos Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal. * E-mail: amarta@utad.pt

 

RESUMO

A produção leiteira dos Açores contribui com cerca de 30% da produção nacional. Com o fim das quotas leiteiras e dos apoios comunitários à produção, os agricultores enfrentam riscos e incertezas que influenciam as suas decisões relativas à quantidade de leite a produzir e respetivo preço a praticar.

Com enfoque nos resultados económicos dos produtores de leite micaelenses, após a eliminação, parcial ou total, dos subsídios comunitários e regionais, e incorporadas as remunerações à mão-de-obra familiar, pretende-se, neste trabalho, categorizar a viabilidade económica das suas explorações leiteiras. Os resultados obtidos indicam que apenas um número reduzido de unidades de produção não apresentam viabilidade económica e competitiva e todas elas são viáveis em termos financeiros.

Palavras - Chave: Açores, competitividade, leite, subsídios, viabilidade económica.

 

ABSTRACT

Milk production in the Azores contributes with 30% of national production. With the end of milk quotas and Community support to the production, farmers face risks and uncertainties that influence their decisions on the quantity of milk to produce and respective price to practice.

Focusing on the economic performance of milk producers of São Miguel, this work aims to categorize the economic viability of their dairy farms after the elimination of all or part of the Community and regional subsidies, and incorporated the remuneration to family labor. The results indicate that only a small number of farms does not have economic and competitive viability and all of them are viable in financial terms.

Keywords: Azores, competitiveness, economic viability, milk, subsidies.

 

Introdução

A Região Autónoma dos Açores é constituída por nove ilhas, com uma área total de 2.322 km2 e 247.440 residentes, em 2012 (SREA, 2013). É constituída por 11.806 explorações agrícolas, com uma área de 118.589 hectares de Superfície Agrícola Útil (SAU) (SREA, 2013), valores ligeiramente inferiores aos obtidos no Recenseamento Agrícola de 2009, iguais a 13.541 e 120.412 hectares, respetivamente, correspondentes a 4,43% e 3,28%, do total nacional (INE, 2011 e Sebastião et al., 2012).

A produção pecuária é a mais importante dos Açores, nomeadamente a produção leiteira, que apresenta um grande impacto na economia regional e na produção leiteira nacional (INE, 2014 e SREA, 2013). Em 2009, a exploração animal tinha afeta 97% da SAU, à qual correspondiam 49% das propriedades agrícolas, sendo a produção de leite de bovino a atividade com mais destaque e presente em 37% das explorações agrícolas, englobando 57% da SAU micaelense (INE, 2011 e Sebastião et al., 2012). Em 2013, foi registada uma produção anual de 536 milhões litros de leite, contribuindo com 29,86% para a produção nacional (INE, 2014 e SREA, 2013). A produção de carne alcançou as 4.724 toneladas, em 2013 (SREA, 2013).

A importância da bovinicultura no arquipélago é acompanhada pelo apoio relevante das políticas agrícolas conduzidas pela União Europeia (UE), que têm permitido aos agricultores açorianos auferirem um rendimento anual sustentável. Além de região autónoma, os Açores constituem uma região ultraperiférica da UE o que permite um ajustamento das medidas europeias pelo Governo Regional dos Açores concretizado no Programa de Desenvolvimento Rural dos Açores (PRORURAL, 2011) e no Programa de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e à Insularidade das Regiões Ultraperiféricas (POSEI, 2011). O POSEI, aplicado às produções animais e vegetais, corresponde ao primeiro pilar da Política Agrícola Comum (PAC), enquanto o PRORURAL, dedicado nomeadamente aos apoios ao investimento e infraestruturas, à transformação e comercialização, reforma antecipada e medidas agroambientais, se enquadra no segundo pilar (PRORURAL, 2011; Silva e Mendes, 2012).

Outros apoios que a região tem vindo a beneficiar são devidos à imposição de quotas leiteiras, introduzidas em 1984, pela UE, com a pretensão de controlar (diminuir) a produção de leite, evitando os seus excedentes de produção e os custos com o consequente armazenamento. A abolição deste mecanismo, concretizado em 31 de março de 2015, tem sugerido consequências desastrosas no setor português, prevendo-se que os produtores de leite com custos mais baixos (oriundos de países mais competitivos) dominem e aglutinem os menos eficientes, para que a produção de leite comunitária apresente preços mais competitivos e uma posição fortalecida, em relação aos mercados mundiais. Esta situação corresponde ao quarto cenário do horizonte 2015 - liberalização - para o setor leiteiro, apresentado no documento do Gabinete de Planeamento e Politicas (GPP, 2007).

Atendendo ao quadro estatístico brevemente apresentado e à importância da atividade agrícola no arquipélago e no panorama leiteiro nacional, pretende-se, neste trabalho, verificar se as explorações agrícolas açorianas se manterão competitivas e/ou economicamente viáveis, perante a eliminação, parcial ou total, dos apoios comunitários, nomeadamente, os relativos à produção de leite. São Miguel é utilizada como objeto de estudo devido ao facto de ser a ilha que mais contribui para a produção de leite nos Açores (cerca de 63% do leite açoriano, em 2012) e verificar-se disponibilidade de informação sobre as suas unidades de produção de leite através da Associação Agrícola de São Miguel (AASM).

Para o efeito, parte-se da metodologia desenvolvida pela AGROGES (2011) que assenta num conjunto de indicadores que permitem identificar o número de explorações que deverão sobreviver ou competir com as suas congéneres europeias.

Para além da introdução, o trabalho apresenta uma breve secção sobre os principais indicadores utilizados para a análise da viabilidade económica da agricultura, baseado na literatura da especialidade disponível. Seguidamente são identificados os indicadores utilizados na metodologia referida e descrito o seu processo de ajustamento ao POSEI. Na parte final, e à luz das conceções teóricas iniciais, serão apresentados e discutidos os resultados obtidos e expostas as considerações mais pertinentes.

Estudos de viabilidade económica na agricultura

A viabilidade económica das explorações agrícolas, traduzida na obtenção de resultados económicos positivos, é uma preocupação constante dos seus proprietários, com reflexos na economia e emprego regional e nacional. O interesse pelo assunto tem originado a estimação de indicadores de competitividade e viabilidade económica e financeira, nomeadamente para o setor leiteiro. O conceito de margem bruta (MB) e margem líquida (ML) bem como o valor acrescentado bruto (VAB) e rendimento líquido empresarial (RLE) na agricultura são dos mais referenciados na literatura (consultar Costa e Costa, 1981; Marta-Costa, 2008, 2010a; Pereira, 2009; Thomassen et al., 2009). Porém, tais abordagens são também aplicadas noutros contextos, para avaliar os resultados económicos setoriais de cada uma das atividades animais e vegetais (Silva, 2001 e Silva et al., 2013).

A identificação dos fatores que podem potenciar aquela viabilidade tem sido o alvo de várias pesquisas, cujos resultados poderão orientar as decisões do produtor. Por exemplo, a influência positiva da sazonalidade para aumentar a produção de leite, nas pequenas explorações com sistema de produção extensivo e não especializado, foi demonstrado por Somda et al. (2005), através de um estudo com 90 explorações leiteiras da Gâmbia, com objetivo de estabilizar o rendimento ao longo do ano.

Outros atributos têm sido considerados necessários para a manutenção do sistema no espaço e no tempo, tais como a produtividade e os fatores de rendibilidade da atividade agrária (Marta-Costa, 2010b e Masera et al., 2000), mas cuja avaliação poderá assumir diferentes abordagens de acordo com os autores. Para avaliar a capacidade do sistema em gerar bens e serviços requeridos num determinado período de tempo, Marta-Costa (2010a) considerou a eficiência produtiva, a produtividade do trabalho, o valor atual líquido e a relação benefícios-custos com a atividade animal. Já Thomassen et al. (2009) focaram-se na produtividade animal, na quantidade de concentrados por quilograma de leite produzido, na densidade animal e no bem-estar proporcionado ao efetivo animal.

De modo geral, os parâmetros produtivos e reprodutivos condicionam a estrutura dos custos e das receitas (Almeida, 2012 e Rodrigues et al., 2012) e estes, por sua vez, influenciam a viabilidade das explorações agrícolas, sendo utilizados para a análise da competitividade do setor (Donnellan et al., 2011 e Pinheiro, 2013).

Rodrigues et al. (2012) sugerem, concretamente para o setor leiteiro, um tempo de lactação situado nos 150 dias, para contrariar a diminuição da produção média diária de leite, provocada também pela existência de mamites. No caso dos parâmetros reprodutivos, o intervalo ideal entre partos deve ser de um por ano e por vaca, com uma idade de 24 meses ao primeiro parto (Rodrigues et al., 2012). O trabalho de Almeida (2012) destaca a produção de leite aos 305 dias e a classificação morfológica da fêmea como parâmetros fundamentais para a rentabilidade das explorações leiteiras.

Aos fundos comunitários atribuídos às unidades de produção tem vindo a ser destacado um papel importante em rumo à competitividade e viabilidade económica das explorações com bovinos de leite. Aliás, Marta-Costa (2008) e Pinheiro (2013) constataram a existência de situações em que os atributos económicos apenas se tornam visíveis (positivos), quando incluídos aqueles apoios monetários.

Para o caso específico sob influência do regime das quotas leiteiras, vários estudos têm sido realizados para avaliar e prever o efeito da sua liberalização na competitividade e viabilidade económica das explorações em Portugal. É o caso dos trabalhos realizados pela AGROGES (2011) e por Sottomayor et al. (2012), para o Continente Português, e do Fundo de Maneio (2013), para os Açores.

O primeiro, tendo por base uma amostra de 191637 explorações, evidenciou uma quebra de rendimento generalizada (13,9%). Para as unidades de produção especializadas em bovinos de leite foi prevista uma variação esperada no rendimento de -36 e -28%, respetivamente, dos valores acrescentado líquido por exploração (VALcf/Exp), até 2019, para os Cenários A e C. O primeiro cenário (A) corresponde às propostas da Comissão Europeia sem recurso aos pagamentos ligados à produção e sem recurso a transferências de verbas do 2º para o 1º Pilar da PAC, enquanto que no segundo (C) estão presentes aqueles recursos, com exceção dos pagamentos às zonas com desvantagens naturais.

Posteriormente, o estudo de Sottomayor et al. (2012), realizado em 271 explorações leiteiras do Continente Português, constatou a existência de quebras muito acentuadas nos pagamentos recebidos (79%). Tal situação deveu-se ao facto de, na situação inicial do estudo, as ajudas serem proporcionais à produção e, numa fase posterior, serem atribuídas por área da exploração. As diminuições verificadas na usufruição destes subsídios foram observadas com um carácter mais acentuado quanto mais intensiva (cerca de 85%) a exploração, enquanto que nos sistemas de produção mais extensivos as quebras de pagamento rondaram os 32%. Neste estudo, observou-se uma diminuição média (45%) generalizada do RLE e uma redução menos acentuada na MB com a atividade leite. Tal decréscimo teve maior impacto nas regiões com menor MB à partida (Litoral Norte e Centro e Interior Norte e Centro) e nos sistemas de produção de menor escala. Foi ainda previsto um impacto muito negativo na remuneração do trabalho familiar, para todas as regiões e sistemas de produção pecuária.

O estudo realizado pela Fundo de Maneio (2013) permitiu a avaliação do impacto da liberalização das quotas leiteiras no rendimento dos produtores açorianos. Partiu da metodologia desenvolvida pela AGROGES (2011), com ligeiras adaptações à realidade dos Açores, e teve por base 56 entidades contactadas. O trabalho concluiu que, para um cenário onde se verifique uma redução de 10% das receitas das explorações, o VAB correspondente poderá sofrer uma redução de 7,5 milhões de Euros, caso o valor das ajudas se mantenha. Através das receitas e subsídios relativos a 2011, o VAB estimado apresentou uma variação de 448 mil Euros por cada variação de 1 milhão de Euros nas receitas do setor agropecuário. O mesmo indicador assumiu também uma variação de 938 mil Euros por cada variação de 1 milhão de Euros nos subsídios do setor agropecuário. Este estudo vem, assim, confirmar as quebras de rentabilidade das explorações leiteiras açorianas, encontradas anteriormente por Almeida (2012) e Almeida et al. (2013), na ordem dos 10%.

 

Metodologia

Para estimar a viabilidade e competitividade económica das explorações leiteiras, recorre-se, neste trabalho, aos indicadores das categorias de viabilidade construídas pela AGROGES (2011), com ligeiras adaptações à tipologia de subsídios (POSEI e PRORURAL) específica para os Açores. É o caso da Medida de Suplemento à Extensificação (MSE), com filosofia similar às Medidas Agroambientais (MAA), pois os seus objetivos consistem em incentivar práticas ambientais e compensar as perdas de rendimentos resultantes (POSEI, 2011). A metodologia selecionada deveu-se ao facto de, por um lado, os seus indicadores terem sido usados e validados com sucesso, em estudos realizados por outras realidades agrícolas e permitir a sua comparação. Por outro lado, torna-se possível estimar a viabilidade económica das explorações leiteiras, com e sem subsídios, o que vem de encontro ao principal objetivo do estudo, representando as ajudas monetárias cerca de um quarto do rendimento dos produtores de leite dos Açores (Silva, 2012).

Como objeto de estudo selecionaram-se 91 explorações leiteiras registadas na AASM, cuja amostra coincidiu com a de Almeida (2012), baseados nos critérios prática de contabilidade simplificada e realização de contraste leiteiro.

Foram consideradas cinco categorias ou classes de explorações de acordo com a sua viabilidade económica (AGROGES, 2011):

1) Viáveis e Competitivas Economicamente (VCC);

2) Viáveis Economicamente (VE);

3) Viáveis Economicamente a Médio Prazo (VEMP);

4) Viáveis Financeiramente (VF); e

5) Inviáveis.

Na primeira categoria incluem-se as explorações que não necessitam de Pagamentos Diretos (PDT) para se manterem em atividade. As MAA e a MSE são abrangidas no rendimento, pois visam compensar as perdas de rendimento ou o aumento de custos resultantes das alterações obrigatoriamente introduzidas nas respetivas práticas. Foram também considerados os Custos de Oportunidade do Trabalho (COT) atribuídos à mão-de-obra familiar, valorizados como os salários médios e encargos sociais pagos aos assalariados na região. A fórmula de cálculo correspondente à presente categoria encontra-se exposta na Equação 1.

 

 

sendo:

VPpprodj Valor da produção agrícola em cada exploração agrícola j, a preços no produtor (em Euros);

MAAj - MAA recebidas em cada exploração agrícola j (em Euros);

MSEj - MSE recebidas em cada exploração agrícola j (em Euros);

CIj - Despesas com consumos intermédios em cada exploração agrícola j (em Euros);

SPj - Salários pagos à mão-de-obra diretiva e executiva em cada exploração agrícola j (em Euros);

RPj - Rendas pagas pelos terrenos em cada exploração agrícola j (em Euros);

JPj - Juros pagos pelos empréstimo feitos para financiamento de capital em cada exploração agrícola j (em Euros);

CCFj - Consumo dos bens de capital fixo (depreciações) em cada exploração agrícola j (em Euros);

COTj - COT diretivo e executivo familiar (ou não remunerado) em cada exploração agrícola j (em Euros).

Nas explorações agrícolas com viabilidade económica incorporam-se os PDT, para além das MAA, através do uso da Equação 2. Aqueles são ligados à produção (PLP) e incluem o Regime de Pagamento Único (RPU) e as indemnizações compensatórias (IC), com as adaptações necessárias à realidade dos apoios comunitárias dos Açores. Por exemplo, não foi considerado o RPU, dada a sua inexistência no Arquipélago.

 

 

A terceira categoria de explorações (VEMP) são aquelas que não geram fundos necessários para amortizar os bens de capital fixo agrícola utilizados (Equação 3).

 

 

Já as explorações agrícolas viáveis financeiramente são aquelas que não requerem fundos necessários para amortizar os capitais fixos nem para remunerar de forma adequado o trabalho familiar. O seu valor é determinado através da Equação 4.

 

 

Finalmente, as explorações agrícolas inviáveis, isto é sem viabilidade financeira, apresentam resultados negativos mesmo sem a incorporação dos custos com a desvalorização dos bens patrimoniais e com a mão-de-obra familiar (Equação 5).

 

 

Para o cálculo dos indicadores referidos, foram ainda consideradas as seguintes notas metodológicas:

1) os consumos intermédios incluem a totalidade dos custos (com exceção dos fixos);

2) os PDP são todos os apoios que influenciam diretamente o rendimento dos produtores, incluindo os pagamentos ligados à produção (por cabeça ou por hectare ou por tonelada) e os desligados da produção (independentes das decisões de produção futuras); e

3) as MAA ou similares constituíram a única exceção para a sua incorporação nos subsídios (PDTj), cujo valor corresponde, pelo menos em teoria, à redução dos rendimentos ou ao aumento de custos resultantes com o seu cumprimento.

 

Resultados

De acordo com os dados contabilísticos relativos a 2010, obtidos da AASM (n.p.), e expostos no Quadro 1, as 91 explorações agrícolas sob estudo apresentam uma SAU média de 40 hectares, bastante díspar da dimensão média observada para o arquipélago, que cresceu de 8,9 (INE, 2011) para 10 hectares (SREA, 2013), mas correspondente a uma diversidade ampla de unidades de produção (desde os 6,89 a 183,6 ha).

 

 

A dimensão média dos rebanhos leiteiros estudados é de 89, mas parte dos 22 animais, valor mais próximo ao identificado para a média dos Açores (28,2; Sebastião et al., 2012). A este valor corresponde um número médio de animais, medidos em Cabeças Normais (CN), de 2,5 por hectare de SAU, bastante superior à carga animal observada no arquipélago (1,71; Sebastião et al., 2012), em 2009.

A estrutura dos custos totais destas explorações açorianas (Quadro 2) revela o peso elevado da alimentação, sendo a sua redução um dos principais objetivos dos produtores de leite. Ao analisar-se a estrutura dos custos, verifica-se que a maior parte dos gastos são com a alimentação (38,1%), sendo 25,32% correspondente à alimentação a seco (em rações) e 12,79% ao alimento em verde, onde se inclui os encargos com os adubos aplicados na pastagem e outras culturas forrageiras.

 

 

Rodrigues et al. (2012) recorrem aos trabalhos de Alqaisi et al. (2011), Ribas (1997) e de Buss e Duarte (2011), para indicar custos com a alimentação entre 50 e 68% dos valores totais. No Continente Português, Pinheiro (2013) verifica que, no caso de explorações de bovinos de leite, os gastos com ração são muito elevados (variando de 60,44 a 67,44%), quase o dobro do valor encontrado para as explorações leiteiras dos Açores. No entanto, a amostra em estudo apresenta uma enorme variação entre as explorações, verificando-se situações, no caso de custos com rações, desde os 192 €/ha até 1336 €/ha, de acordo com o sistema de produção utilizado. Em 2002, os gastos com alimentação nas explorações leiteiras rondaram os 59,8%, alcançando 47,3%, em sistema de produção mista (leite e carne) e 51,6%, em sistema de produção carne (Silva et al., 2013).

Rodrigues et al. (2012) sugerem para a diminuição da proporção do custo da alimentação no custo total do leite, a utilização de um sistema baseado no pastoreio ou em forragens produzidas na exploração em vez de se recorrer a elevados níveis de concentrado.

Outros gastos que também pesam nos encargos da exploração são os combustíveis (10,79%), a conservação e reparação de bens patrimoniais (10,29%), a desvalorização destes bens (9,55%) e a contratação de mão-de-obra temporária (7,49%). Também nestas rubricas se verificam diferenças entre explorações, havendo casos em que apenas é utilizada mão-de-obra familiar e ausência de equipamentos ou construções agrícolas em situação de desvalorização.

Em termos gerais, os custos médios anuais por hectare destas explorações leiteiras situam-se nos 2620,8 Euros, correspondentes a cerca de 70% do valor obtido com a venda de leite (3794 €/ha).

Dado tratarem-se de unidades de produção especializadas no leite, o valor médio recebido pela venda de carne é muito inferior (212,9 €/ha). As ajudas monetárias auferidas pelas explorações fixaram-se nos 1090,1 €/ha, no entanto, existem explorações que não vendem carne nem recebem subsídios e, para outras, cerca de 22% do seu rendimento provém daqueles apoios. Este valor é muito similar ao constatado anteriormente por Silva (2012), para as explorações açorianas (20%).

No que refere à composição dos subsídios, verifica-se que a maior parte é destinada à produção do leite (46,2%); ao apoio da extensificação (apenas 3 explorações aderiram à MSE) (0,9%); à vaca leiteira (27,5%); às zonas desfavorecidas (8,2%); e a restante parte é relativa a outras ajudas de menor valor.

O Quadro 3 apresenta um resumo dos valores obtidos para os indicadores que revelam (ou não) a viabilidade económica das explorações sob análise.

 

 

A observação do Quadro 3 permite destacar a VCE média positiva, das explorações leiteiras da AASM, com valores de 1180 €/ha. O valor máximo alcançado para o indicador sob análise é de 6062 €/ha, mas o valor mínimo é negativo e de 582 €/ha. É de recordar que a VCE apenas considera os subsídios que compensem as diminuições de rendimento obtidas com a adoção de práticas ambientais favoráveis, como sejam as MAA e o MSE. Este valor aumenta, por isso, para 2265 €/ha quando se incorporam a totalidade dos subsídios auferidos pela exploração, estando aqui subjacente a VE.

A VEMP aumenta ligeiramente, sendo em média de 2516 €/ha, e a VF, que integra a totalidade das ajudas monetárias sob a forma de subsídios e não contempla a remuneração da mão-de-obra familiar nem os gastos devidos à depreciação dos equipamentos, atinge o valor de 2727 €/ha nas explorações açorianas sob estudo.

Finalmente, apresentam-se, no Quadro 4 , os resultados em termos de números absolutos e relativos das explorações por categoria considerada pela AGROGES (2011). A sua observação mostra que não existem explorações inviáveis e a sua maior parte (89%) é competitiva e viável economicamente.

 

 

Estes resultados aproximam-se dos valores encontrados nos trabalhos referenciados anteriormente. É o caso de Almeida (2012), que indicou uma perda de rentabilidade na ordem dos 10,36%, para um cenário de fim das quotas leiteiras, em 2014, mas sem considerar a remuneração da mão-de-obra familiar.

Destaque-se ainda que, não obstante as distintas áreas geográficas sob estudo no documento da AGROGES (2011) (Continente Português) e no atual trabalho (Açores), as perdas de rendimento nas explorações açorianas são menos severas do que as estimativas para as unidades de produção animal Continentais. Segundo o primeiro e considerando a hipótese da eliminação dos pagamentos diretos aos produtores em vigor no ano de 2009, só teriam tido viabilidade económica 26,5 mil explorações agrícolas de Portugal Continental, às quais correspondia uma SAU de 409 mil hectares. Tais valores equivalem a 13,9% do número total das explorações agrícolas elegíveis no contexto do IFAP e 12,7% da respetiva SAU elegível total do Continente classificado como VCE. Já o documento da Fundo de Maneio (2013) encontrou, para 2011, 49,04% das explorações leiteiras com VCE; 42,04% com VE; e 5,7% com VF. Unidades de produção inviáveis, do ponto de vista económico e financeiro, não foram encontradas.

Ao comparar as explorações com VE e VCE (ver Quadro 5 ) verifica-se que nos indicadores de estrutura, as explorações com VCE têm maior carga animal (2,59) do que as explorações com VE, embora estas apresentem maior dimensão em termos de área (75,19 ha) e dos rebanhos de bovinos (116).

 

 

No que refere à estrutura das receitas, verifica-se que as explorações com VCE têm valores mais elevados para a produção de leite/ha e subsídios/ha, respetivamente 3982,35 €/ha e 1106.53 €/ha, embora se diferencie mais das primeiras ao nível da produção leiteira do que nos subsídios.

Na estrutura dos custos as explorações com VCE tem valores ligeiramente superiores na alimentação, nos fertilizantes, combustíveis e conservação e reparação de equipamentos, mas valores inferiores na desvalorização de bens imóveis e mão-de-obra não familiar. Pode-se inferir que as explorações com VCE são mais intensivas no seu sistema de produção, produzindo mais leite e usando mais fatores de produção.

 

Conclusões

O fim anunciado das quotas leiteiras tem um impacto no funcionamento, competitividade e viabilidade financeira das explorações leiteiras dos Açores, prevendo-se uma quebra das entradas de moeda com consequências na sua sustentabilidade económica. Este sistema desempenha um papel importante nos Açores devido às ajudas específicas atribuídas à produção de leite (comummente conhecido como subsidio ao leite), que representam cerca de metade dos apoios monetários auferidos pelas explorações. Com a eliminação do regime de quotas leiteira, não fará sentido a existência daquele subsídio, pois irá fomentar a produção de um produto cujo preço será superior ao do mercado mundial. Todavia, o uso de pagamentos diretos por área ou os apoios ao rendimento poderão ser uma opção a adotar tal como se verifica no Continente Português.

Neste trabalho, considerando exclusivamente a eliminação dos subsídios (mantendo-se todas as outras condições constantes) e confrontando com a competitividade, verifica-se que a generalidade das explorações leiteiras micaelenses sob análise irá subsistir no mercado, caso as suas condições se mantenham, mesmo sem usufruírem do montante atual de subsídios. No entanto, o rendimento anual das mesmas poderá diminuir drasticamente, devido principalmente à redução do preço do litro de leite. É de considerar a possibilidade dos mercados e dos preços dos produtos (leite e derivados) se alterarem, tendo em conta que o preço do litro de leite nos Açores, em 2011, rondou os 0,30 Euros (com 3,78% de gordura e 3,2% de proteína) (SIMA, 2012) e ser superior ao preço verificado no mercado mundial.

A criação de alternativas e/ou instrumentos de apoio que possam, de algum modo, compensar as perdas de rendimento ou promover a diversificação da produção regional, é o desafio que se impõe. Os produtores açorianos têm que reagir, por um lado, agrupando-se em associações ou organizações de produtores, consolidando a sua posição no mercado e, por outro, valorizando o leite e os produtos açorianos: reforçando a comercialização dos produtos DOP (queijos) de S. Jorge e Pico e IGP (carne de bovino). Os produtores deverão submeter outros produtos açorianos a IGP (como é o caso da manteiga) e terão de apostar na transformação do leite em produtos com mais-valia como sejam os iogurtes, as sobremesas lácteas e outros tipos de queijo. Também poder-se-á criar uma zona de produção natural, com produtos lácteos seguindo o modo de produção biológico, reforçado com o facto do leite produzido à base de pastagem estar relacionado com os CLAs (ácido linoleico conjugado; gorduras boas do leite). Ou seja, valorizar pela qualidade e pela inovação, poderão ser os dois fatores passíveis de compensar a perda do preço do leite. A acompanhar estas iniciativas, devem estar os investimentos em equipamentos e maquinaria adequados à dimensão da exploração.

 

Referências bibliográficas

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Recebido/received: 2015.07.08

Aceite/accepted: 2015.08.31

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