SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38 issue4Soil salinization in Portugal: Causes, extension and solutionsForestry covers and fertility recover in Ferrallitic Soils from Angola author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.38 no.4 Lisboa Dec. 2015

https://doi.org/10.19084/RCA15141 

ARTIGO

Aplicação de um modelo de erosão hídrica do solo à escala da unidade de intervenção florestal com a utilização de um Sistema de Informação Geográfica

Applying a soil water erosion model at forest intervention unit scale using a Geographic Information System

Luís Miguel Ferreira1 e Alfredo Gonçalves Ferreira2*

 

1Direção de Planeamento e Desenvolvimento, Altri Florestal, S.A.Rua Natália Correia, 2A. 2250-070 Constância, Portugal. E-mail: lferreira@altri.pt

2Departamento de Engenharia Rural, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora. Colégio Luis António Verney, Rua Romão Ramalho, 59. 7000-671 Évora, Portugal (*autor para correspondência. E-mail: alfredo@uevora.pt)

 

RESUMO

Este estudo teve como objetivo o desenvolvimento de uma metodologia para produção de cartografia de avaliação da erosão hídrica do solo para uso operacional no contexto da gestão florestal, através da utilização de um Sistema de Informação Geográfica (SIG).Foi desenvolvido um modelo baseado nos princípios da Equação Universal de Perda de Solo (USLE) de Wischmeier e Smith(1965; 1978),aplicado a uma área florestal, próxima da vila de Azambuja, no distrito de Lisboa, Portugal. Para uma validação qualitativa dos resultados de modelação, foi realizado um levantamento cartográfico da erosão observada nessa área. Os testes efetuados demonstraram uma aderência razoável dos resultados do modelo à realidade observada.

Palavras-chave: análise matricial, erosão potencial, gestão florestal

 

ABSTRACT

The aim of the present study was to develop a map production methodology to assess soil water erosion for operational use in the forestry management context, through the use of a Geographic Information System (GIS). A model based on the Universal Soil Loss Equation (USLE) principles of Wischmeier e Smith (1965; 1978) was developed and applied to a forestry area, close to Azambuja town, in the Lisbon district, Portugal. For qualitative validation of the modeling results, a cartographic survey of observed erosion in the same area was produced. The model output and the cartographic survey fairly agreed.

Keywords: Erosion potential, forestry management, matrix analysis

 

Introdução

A produtividade e a sustentabilidadedos sistemas florestais dependem diretamente da manutenção ou da melhoria das funçõesessenciais do solo, de modo que a qualidade do solo é um indicador frequentemente utilizado na avaliação da gestão florestal (Burger e Kelting, 1999; Schoenholtz et al., 2000).Os cobertosflorestaissão normalmente formaseficazes de proteção do solo. Contudo, as práticas mais intensivas de florestação e de exploração florestal, nomeadamente as operações que recorrem à mobilização do terreno e/ouà remoção do coberto com recurso a maquinaria pesada, podem causar perturbações que afetam diretamente a qualidade do solo,potenciando os efeitos negativos da perda e da compactação do mesmo. Além disso, a grande intensidade destas perturbações pode conduzir a perdas substanciais de carbono orgânico (Madeira, 2015).Por estas razões, é essencial que o gestor florestal possua uma clara noção de como a sua atividade pode comprometer a qualidade do solo. Um bom conhecimento dos riscos de erosão associados às características físicas da estação florestal pode contribuir para um planeamento mais adequado das intervenções a realizar, permitindo a análise de diferentes cenários de intervenção, tendo em consideração formas distintas de alteração do coberto vegetal e a aplicação de práticas de conservação do solo.

A proteção da qualidade do solo e de outros recursos naturais tem de estar presente nas estratégias e medidas de gestão e ordenamento florestal nas suas diferentes escalas, de tal modo que uma gestão com vista à sustentabilidade dos sistemas florestais intensivos deve ser compatível com a capacidade ecológica das estações, com a salvaguarda dos valores ambientais e, obviamente, comos benefícios económicos e sociais (Madeira, 2015). No entanto, a consideração do risco de erosão no âmbito da gestão do território é frequentemente realizada a escalas reduzidas, como na caracterização de regiões ou grandes bacias hidrográficas, originando cartografia demasiado abrangente, que não fornece o detalhe que o gestor florestal necessita para um adequado planeamento e seguimento das operações de gestão florestal. Outro aspeto relevante para o gestor florestal está relacionado com a necessidade de considerar a erosão do solo na amplitude máxima do seu risco, devido ao facto da execução de algumas operações florestais proporcionarem condições para um aumento significativo deste risco, principalmente os trabalhos de preparação do terreno com mobilização do solo e de abertura de caminhos. Estas condições integram um risco inerente de erosão que pode ser designado por risco de erosão potencial dos solos, que é independente da existência de coberto vegetal e de práticas de conservação do solo, como tem sido considerado por alguns autores (CORINE, 1992; Grimm et al., 2002; Julião et al., 2009; Ferreira et al., 2010).

Neste contexto, foi desenvolvido o presente estudo com o objetivo principal da proposta de uma metodologia para produção de cartografia de avaliação da erosão hídrica do solo adequada à utilização operacional florestal, através de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), sendo diretamente baseado em estudos já realizados pelos autores (Ferreira, 2014). Devido à sua relevância como problema ambiental a nível global, a erosão hídrica tem sido objeto de estudo de vários autores, o que se refletiu na publicação de diversos modelos que podem ser utilizados como base na avaliação do risco de erosão do solo (Wischmeier e Smith, 1978; Elwell, 1978; Morgan et al., 1984; Laflen et al., 1991; Morgan et al., 1998; Neitsch et al., 2000; Neves et al., 2011).O modelo desenvolvido e analisado tem como base a Equação Universal de Perda de Solo de Wischmeier e Smith (1965 e 1978),abreviadamente designada por USLE (Universal Soil Loss Equation),que continua a ser amplamente aceite como método de referência no estudo da erosão hídrica do solo (Grimm et al., 2002; Morgan, 2005). Neste estudo, a USLE foi essencialmente utilizada como uma base de princípios, tendo sido consideravelmente modificada com a finalidade da sua aproximação ao conceito de erosão hídrica potencial e às condições do clima e dos solos de Portugal Continental.

 

Material e métodos

Para aplicação e teste do modelo desenvolvido numa realidade conhecida, foi considerada uma área florestal com 254,1 ha, localizada na freguesia e no concelho de Azambuja, do distrito de Lisboa. Esta área é composta por um conjunto de vertentes próximas do vale do Rio Ota. O seu enquadramento e a sua localização em Portugal podem ser observados na Figura 1.

O clima sentido na área de estudo tem características claramente mediterrânicas, podendo ser designado por clima temperado com verão quente e seco (Csa), segundo a última classificação de Köppen-Geiger. As normais climatológicas dos valores registados entre 1971 e 2000 na Estação Meteorológica de Santarém revelam uma média de precipitação total anual de 696,5 mm e uma média anual de 23,5 dias com precipitação diária igual ou superior a 10 mm (IPMA, 2013).

A paisagem da área de estudo é constituída por complexos de formações geológicas do Miocénico e do Plistocénico, correspondendo a arenitos,arenitos argilosos, arenitos calcários mais ou menos margosos, com intercalações de areias, cascalheiras e argilas (Zbyszewski e Assunção, 1965). Os solos desenvolvidos sobre essas formações, com base na Carta de Solos de Portugal (Cardoso, 1965; SROA, 1970 e 1973), considerando a World Reference Base for Soil Resources (WRB, 2006), correspondem maioritariamente a complexos de Regossolos e Cambissolos, a que se associam Luvissolos, Arenossolos ou mesmo Podzóis.

A área de estudo é composta por duas microbacias hidrográficas praticamente completas e por uma microbacia incompleta, embora integrando a totalidade do escoamento de um dos lados da linha de água principal. O relevo caracteriza-se pela alternância de colinas e vales pouco encaixados, com uma variação considerável de declives. O Quadro 1 resume a representatividade de cada classe de declive na área de estudo, fazendo uso das descrições normalmente aplicadas em cartografia de risco de erosão (CORINE, 1992).

A ocupação da área de estudo tem consistido em povoamentos de eucalipto (Eucalyptus globulus subsp. globulus Labill.), instalados desde 1986 e geridos com o objetivo de produção de madeira de rolaria. O modelo silvícola seguido considera cortes em idade próxima dos 12 anos e o aproveitamento de, pelo menos, uma segunda rotação em talhadia.Em 2010, esta área foi alvo da execução do seu primeiro projeto de reflorestação com a mesma espécie. As operações de preparação do terreno foram relativamente uniformes em praticamente toda a área, tendo consistido sequencialmente no destroçamento de cepos com enxó, numa gradagem com grade de discos pesadaaté uma profundidade de 30 cm e numa ripagemcontínua com ripper de três dentes a uma profundidade de cerca de 60 cm. Os resíduos florestais resultantes da exploração florestal foram incorporados no solo e todas as operações foram realizadas perpendicularmente ao declive. Os trabalhos foram executados durante o outono, sendo sucedidos de alguns eventos de precipitação particularmente intensos ocorridos durante o inverno, originando a formação expressiva de erosão laminar, de erosão em sulcos e alguns casos de erosão em ravinas.

A escolha de um modelo de erosão do solo depende sobretudo dos objetivos do estudo e das características da área considerada, de forma que não existe um modelo particular que seja adequado para todas as situações (Merritt et al., 2003). Resultados de perdas de solo obtidos em talhões experimentais têm demonstrado que a aplicação da USLE em Portugal, na sua forma original, sobrestima significativamente a erosão (Tomás e Coutinho, 1993). Com base nestes factos, no presente trabalho utilizaram-se apenas os princípios propostos porWischmeier e Smith (1965 e 1978), manifestados pela combinação dos fatores patentes na estrutura base da USLE, não considerando as equações originais para a determinação dos mesmos fatores. A USLE considera a perda de solo como produto direto de cinco fatores determinantes dos processos de erosão hídrica, como apresentado na Equação 1.

 

 

Onde:

A – Perda média de solo por unidade de área e de tempo, em t ha-1 ano-1

R – Fator de erosividade da precipitação, MJ mm ha-1 h-1 ano-1

K – Fator de erodibilidade do solo, em t h MJ-1 mm-1

LS – Fator fisiográfico, considerando o comprimento e o declive da vertente

C – Fator de coberto vegetal, de 0 a 1

P – Fator de prática de conservação do solo, de 0 a 1

Os trabalhos de modelação foram concretizados com o suporte fundamental de um SIG. Neste sentido, foi utilizado software da plataforma ArcGIS (ESRI) na versão 10.2, embora a metodologia utilizada possa ser adaptada a outros softwares SIG.As principais técnicas utilizadas são baseadas no modelo de SIG matricial ou raster, considerandoo espaço compartimentado em células idênticas em forma e tamanho, mas com uma valoração individual. Toda a análise matricial foi realizada através da extensão ArcGIS Spatial Analyst e a automatização do modelo foi possibilitada pela aplicação ModelBuilder, incluída no ArcGIS for Desktop.

A modelação da erosão com o SIG seguiu a mesma lógica de cálculo da Equação 1, ou seja, foi determinada de forma independente a cartografia de cada fator para depois ser calculada a cartografia final de predição da erosão, diretamente resultante do produto de todos os fatores. No caso particular, foi utilizada uma resolução de 5 m em toda a análise, tendo em consideração a precisão da informação de base e o detalhe pretendido para a escala de trabalho.

Contrariamente aos restantes fatores,considera-se que o fator R pode ser calculado de uma forma generalizada para escalas de maior detalhe, sem colocar em causa a precisãodos resultados. Por esta razão, foi considerado apenas um valor para este fator, que representa a erosividade da precipitação para toda a extensão da área de estudo. O fator R foi determinado com base no índice de Fournier modificado, expresso pela Equação 2, tendo como suporte estudos que demonstram uma boa correlação entre estes dois parâmetros em Portugal Continental (Coutinho e Antunes, 1994).

 

 

Onde:

Fm – Índice de Fournier em mm

Pi – Precipitações mensais em mm

P – Precipitação anual em mm

Para a determinação do índice de Fournier modificado foram utilizados os valores de precipitação das normais climatológicas da Estação Meteorológica de Santarém(IPMA, 2013), que se situa a 26 km da área de estudo.

A determinação do fator K foi realizada com a utilização da Equação 3 de Silva (1999), que integra um conjunto de equações alternativas ao método de cálculo de Wischmeier e Smith (1978), propostas após uma comprovação da desadequação da equação original da USLEao Sul de Portugal.

 

 

A Equação 3 foi utilizada com a informação existente sobre afração fina(< 2 mm) das unidades de solos consideradas na memória descritiva da Carta dos Solos de Portugal,à escala de 1/25.000 (Cardoso, 1965; SROA, 1970; SROA, 1973). A partir das proporções das classes granulométricas do primeiro horizonte mineral dos solos foi calculado o diâmetro médio geométrico (DMG) e,partindo dos valores encontrados, foi determinado o fator K para cada família de solo presente. Como asunidades cartográficas da área de estudo representam complexos de uma a três famílias de solos, foi calculado um fator K ponderado para cada complexo de solos,com base na percentagem de representação de cada família.

A modelação do fator LS foiprincipalmente baseada no trabalho de Moore e Burch(1986), mais precisamente no uso da Equação 4. Segundo os seus autores,esta equação pode ser utilizada emequivalência ao fator LS da USLE, sendo teoricamente mais adequada à avaliação de vertentes com geometrias complexas e dos efeitos da erosão em sulcos, realidades que a equação original do fator LS avalia de forma empírica e incompleta.

 

 

Onde:

LS – Fator fisiográfico

a – Parâmetro de forma da vertente

l – Comprimento da vertente em m

s – Ângulo do declive da vertente em radianos

Toda a metodologia para o cálculo do fator LS passou pela utilização de um modelo digital de elevação (MDE)hidrologicamente correto, ou seja, construído com a imposição de condições na interpolação dos valores de elevação que garantem a conetividade da drenagem e um desenho suave das cumeadas e linhas de escorrência (Hutchinson, 1989; citado em ESRI, 2013). Para uma adequação à escala de trabalho, o MDE utilizado foi construído com base na altimetria digital da Série Cartográfica Nacional, à escala 1/10.000 (DGT).O produto do parâmetro de forma com o comprimento da vertente, consideradona Equação 4, representa uma acumulação de escoamento. Para o seu cálculo, foi seguida a abordagem domodelo de escoamentoem oitodireções(Jenson e Domingue, 1988), usualmente designado por D8. Este modelo passa pela determinação de uma direção de escoamento para cada célula, de forma a possibilitar o cálculo posterior dopesoacumuladode todas as célulasque contribuem para o escoamento recebido em cada célula.A outra variável da Equação 4, o ângulo do declive em radianos, foi obtida pela conversão dos declives diretamente calculadosa partir do MDE.

Com o objetivo de aproximação dos resultados ao conceito descrito de erosão hídrica potencial, a Equação 1 foi utilizada com a equivalência dos fatores C e P aos valores dos seus limites máximos, o que equivale à anulação destes dois fatores nesta equação.

Para utilização numa avaliação dos resultados de modelação obtidos, foi realizado um levantamento pericial da erosão ocorrida na área de estudo. Este levantamento consistiu na delimitação cartográfica de unidades homogéneas dos efeitos dos processos erosivos, com base num ortofotomapa e em apontamentos de campo. A avaliação dos efeitos observados foi realizada com a consideração de três níveis de severidade de erosão e um de deposição, segundo os critérios apresentados no Quadro 2.

Apesar de observada alguma erosão em ravinas na área de estudo, esta forma de erosão não foi contemplada neste levantamento. Esta decisão é justificada pela reconhecida dificuldade na predição deste tipo de erosão através da modelação (Schwab et al., 1993), uma limitação que é particularmente assumida na aplicação da USLE (Wischmeier e Smith, 1978; Renard et al., 1997). Deste modo, a erosão em ravinas encontra-se incluída nas categorias consideradas, principalmente nas duas categorias de erosão de maior severidade. Com o objetivo de realizar uma avaliação adequada aos modelos testados, foram apenas consideradas as áreas do levantamento pericial de erosão que são comparáveis aos resultados obtidos. Neste sentido, para além da exclusão de áreas que não tiveram uma preparação de terreno em conformidade com a generalidade, também não foram consideradas nesta avaliação as áreas da categoria da deposição observada e dos leitos das linhas de água, uma vez que o modelo utilizado não determina adeposição de sedimentos.

A principal técnica utilizada para aferição da aderência do modelo àrealidade conhecidatem como base uma classificação supervisionada. Partindo do princípio de que as três categorias de erosão do levantamento pericialcorrespondem a graus distintos de erosão, estas podem ser constituídas como amostra de treino na classificação dos resultados de modelação obtidos. Através do método estatístico da máxima verossimilhança,cada classe pode ser caracterizada pela sua média e sua matriz de covariância, pressupondo quea distribuição da amostra é normal. Partindo destas duas características para cada valor de célula, foi calculada uma probabilidade estatística para cada classe e determinada a associação de células às classes com base nos seus atributos (ESRI, 2013).Um dos principais interesses desta análise multivariada reside na possibilidade de obtenção de cartografia que expressa os níveis deconfiançada classificação realizada.

 

Resultados e discussão

Os resultados iniciais obtidos da aplicação do modelo de erosão à área de estudo, em valores contínuos e sem a realização de qualquer operação de limpeza ou generalização, são representados na Figura 2.

 

 

A fragmentação natural da cartografia obtida está diretamente relacionada com a metodologia utilizada. Apesar de adotar alguns princípios físicos, o cálculo alternativo do fator LS proposto por Moore e Burch(1986), mantem algum vínculo às características dos talhões experimentais de referência da USLE, o que coloca alguma cargaempírica nos cálculosefetuados emcada célula. Além disso, o cálculo deste fator em SIG passou pela determinação da acumulação do escoamento com base no modelo D8 (Jenson e Domingue, 1988), que considera apenas uma única direção de escoamento para cada célula. Estas abordagens estarão na origem da ligeira fragmentaçãoobservada nos resultados.Também se pode facilmente verificar,através de observação direta, que os resultados gerais são fortemente influenciados pelo fator LS, sendo claramente percebida uma associação dos valores de erosão mais elevados à distribuição espacial dos declives mais acentuados da área de estudo.

Utilizando as categorias do levantamento pericial de erosão como zonas demarcativas, foram calculadas as estatísticas zonais dos resultadosde cada um dos modelos. Os resultados apresentados no Quadro 3 permitem conhecer a variação dos resultados dentro das categorias periciais de erosão, assim como a evolução da média dos resultados com o aumento da severidade de erosão expresso nestas três categorias.

A aplicação do modelo apresentou uma variação significativamente maior nos resultados obtidos dentro dos limites da categoria 1, que corresponde aos efeitos de erosão mais moderados, e uma menor variação na categoria 3, que representa as áreas com o grau de erosão mais acentuado. De forma lógica, os valores da média aumentam conjuntamente com o aumento da severidade da erosão explícito nas categorias do levantamento.

Conforme referido, o levantamento pericial de erosão foi também utilizado numa classificação supervisionada dos resultados contínuos do modelo. Deste modo, a cartografia resultante deste levantamento foi constituída como amostra de treino para a classificação dos resultados obtidos, considerando que as três categorias periciais representam graus distintos de ocorrência erosão na área de estudo. Os resultados obtidos desta classificação são representados na Figura 3.

 

 

Comparando a cartografia resultante desta classificação com o levantamento pericial de erosão representado da Figura 4, é observada uma boa correspondência do conjunto das duas classes que representam maior erosão com a combinação das duas últimas categorias periciais, embora sem uma correta aderência na distinção dos dois graus de erosão levantados.

 

 

A aplicação destatécnica de classificação supervisionada permiteainda a obtenção de resultados acessórios para uma avaliação da qualidade dos resultados,materializadosatravés decartografia que expressa o nível deconfiança da classificaçãosupervisionada de cada célula. Com base nestes resultados, considerando que as células com piores níveis de confiança têm maiores divergências com a amostra de treino, foi possível avaliar a aderência dos resultados à realidade conhecida. São considerados 14níveis de confiança, em que o nível 1 corresponde a classificações com certezas próximas dos 100% e o nível 14 representa classificações muito provavelmente incorretas. Os resultados obtidos neste contextopara ambos os modelos são expressos na cartografia representada na Figura 5.

 

 

Devido à sua grande variação, a classe de erosão mais moderada surge associada a zonas homogéneas de níveis de confiança intermédios. As zonas de maior confiança nos resultados sãoverificadas nas classes com graus mais elevados de erosão. No entanto, embora em representação minoritária, também as zonas com menor nível de confiançasurgem associadasà erosão mais acentuada. Para uma análise mais detalhada destes resultados, foi realizada a distribuição das células desta cartografia de confiança por cada nível associado, para o total da área comparável e para as três categorias do levantamento pericial de erosão em separado. Nesta análise, verificou-se uma clara concentração da área classificada nos níveis de confiança centrais, sendo o nível de confiança 7 como dominantepara qualquer das categorias periciais de erosão.Estes resultados podem ser verificadosna série de histogramas apresentada na Figura 6.

Tendo apenas em consideração as áreas classificadas com níveis de confiança iguais ou superiores a 6, correspondendo acertezas iguais ou superiores a 75%, os resultadoslocalizados na categoria 1 representam 34% da área total desta categoria. Esta percentagem sobe para 54% e 44% nas categorias 2 e 3, respetivamente. Considerandotambém a adição do nível 7, emaceitação de uma classe de confiança mais alargada,omodeloapresentauma percentagemda área totalclassificada de74% na metade superior da escala de confiança.

As categorias do levantamento pericial de erosão, consideradas como referência na análise de resultados realizada, refletem os efeitos da erosão tal como observados no terreno e correspondem também a formas de erosão que envolvem ações corretivas economicamente distintas. Por estas razões eneste contexto, é desejável que os resultados da modelação se aproximem a estas categorias de erosão. Contudo, será correto referir que o levantamento pericial utilizado representa melhor uma diferenciação das possíveis utilizações de meios e recursos, do que a quantificação de perda de solo, propriamente dita. Para este último efeito, sendo baseado numa interpretação visual e qualitativa dos efeitos dos processos erosivos, este levantamento não possui naturalmente a precisão necessária para ser utilizado numa avaliação quantitativa dos resultados do modelo. Por outro lado, apesar do cuidado na exclusão de áreas identificadas como não comparáveis, não pode existir a garantia de total uniformidade nas intervenções realizadas na área de estudo. Por estas razões, apesar de constituírem uma boa referência prática para validação dos modelos, os valores dos níveis de confiança obtidos para a cartografia resultante deverão ser observados com a devida precaução.

 

Conclusões

Os resultados da aplicação destemodeloadaptado a partir da USLE, quando comparados com um levantamento qualitativo de erosão ocorrida, revelaram alguma coerência estatísticacom os níveis de erosão potencialconsiderados e uma aderênciarazoávelà realidade verificada na área de estudo.Foi verificado um ligeiro aumento nos níveis de confiança da cartografia de resultados do modeloquando a erosãoclassificada pericialmente alcança níveis mais acentuados, o que se considera preferível àsituaçãoinversa. Estes resultados também atestam os objetivosdos trabalhos teóricos utilizados paraadaptação dos fatores da USLEa situações diferentes da realidadeconsiderada no desenvolvimento da equação original(Moore e Burch, 1986; Silva, 1999).A aproximaçãodos resultados domodelo utilizadoa uma realidade prática conhecida oferece algum conforto na utilização da cartografia obtida como informação de apoio à gestão.

É importante referir que oproduto do modelo utilizado representa uma previsão média anual de perda potencial de solo, o que correspondea uma abordagemnão particularizada da ocorrência de erosão. Por estas razões, apesar de poder ser utilizado na avaliação do risco de erosão num período determinado, este modelo possui limitações na previsão da erosãooriginada por eventos individuais de precipitação. Assim, apesar da aplicação do conceito de erosão potencial aproximar teoricamente os resultados às taxas máximas anuais de erosão anual, qualquer evento erosivo particular deverá ser sempre considerado como integrado nos resultados gerais. Esta observação é especialmenterelevantenas regiões mediterrâneas, cujo clima é caracterizadopela ocorrência de chuvadas intensas, mas com elevada irregularidade anual e interanual, em que uma perda significativa de solo depende de um número reduzido de eventos de precipitação (González-Hidalgo et al., 2007).

A utilidade dos resultados cartográficos como informação de apoio à gestão florestal é elevada à partida, uma vez que não é propriamente obrigatória uma elevada precisão na quantificação das perdas de solo. Esta cartografia pode ser extremamente útil no planeamento da florestação, da exploração florestal ou de qualquer outra intervenção que implique a mobilização do terreno e/ou a remoção do coberto vegetal. Em função do nível de risco da unidade de intervenção, cada operação pode ser ajustada, substituída por outra, ou mesmo suprimida, num esforço de diminuir o risco de ocorrência de erosão. Numa outra fase, esta informação pode ser igualmente útil na monitorização da ocorrência de erosão após as intervenções referidas, possibilitando uma maior eficácia no acompanhamento das áreas de maior risco de erosão.

 

Agradecimentos

Agradece-se à administração da Altri Florestal, S.A. que proporcionou a realização do presente estudo, disponibilizando parte dos meios utilizados.

 

Referências bibliográficas

Burger, J.A. e Kelting, D.L. (1999) – Using soil quality indicators to assess forest stand management. Forest Ecology and Management, vol. 122, n. 1, p. 155-166. http://dx.doi.org/10.1016/S0378-1127(99)00039-0        [ Links ]

Cardoso, J.C. (1965) – Os solos de Portugal, sua classificação, caracterização e génese. Lisboa, Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, 311 p.         [ Links ]

CORINE (1992) – Soil erosion risk and important land resources in the southern regions of the European Community. Luxemburgo, European Environment Agency, 124 p.         [ Links ]

Coutinho, M.A. e Antunes, C.R. (1994) – Caracterização da erosividade da precipitação no sul de Portugal. Recursos Hídricos, vol. 15, n. 3, p. 25-31.         [ Links ]

Elwell, H.A. (1978) – Modelling soil losses in Southern Africa. Journal of Agricultural Engineering Research, vol. 23, n. 2, p. 117-127. http://dx.doi.org/10.1016/0021-8634(78)90043-4        [ Links ]

ESRI (2013) – ArcGIS 10.2 Help. [citado 2013-12-01] Diponível em: http://resources.arcgis.com/en/help/ .         [ Links ]

Ferreira, A.G.; Neves, N.S. e Gonçalves, A.C. (2010) – Critérios de delimitação na REN das áreas de elevado risco de erosão hídrica do solo. Évora, Universidade de Évora, 22 p.         [ Links ]

Ferreira, L.M. (2014) – Avaliação da erosão hídrica potencial dos solos à escala da unidade de intervenção florestal com a utilização de um Sistema de Informação Geográfica. Dissertação de Mestrado. Évora, Universidade de Évora, 65 p.         [ Links ]

González-Hidalgo, J.C.; Peña-Monné, J.L. e Luis, M. (2007) – A review of daily soil erosion in Western Mediterranean areas. Catena, vol. 71, p. 193-199. http://dx.doi.org/10.1016/j.catena.2007.03.005        [ Links ]

Grimm, M.; Jones, R. e Montanarella, L. (2002) – Soil erosion risk in Europe. Napoles, European Commision – Institute for Environment and Sustainability, 44 p.         [ Links ]

Hutchinson, M.F. (1989) – A new procedure for gridding elevation and stream line data with automatic removal of spurious pits. Journal of Hydrology, vol. 106, n. 3-4, p. 211-232. http://dx.doi.org/10.1016/0022-1694(89)90073-5        [ Links ]

IPMA (2013) – Instituto Português do Mar e da Atmosfera. [citado 2013-12-01] Disponível em: http://www.ipma.pt .         [ Links ]

Jenson, S.K. e Domingue, J.O. (1988) – Extracting topographic structure from digital elevation data for Geographic Information System analysis. Photogrammetric Engineering & Remote Sensing, vol. 54, n. 11, p. 1593-1600.         [ Links ]

Julião, R.P.; Nery, F.; Ribeiro, J.L.; Castelo Branco, M. e Zêzere, J.L. (2009) – Guia metodológico para produção de cartografia municipal de risco e para criação de sistemas de informação geográfica (SIG) de base municipal. Lisboa, Autoridade Nacional de Protecção Civil, 91 p.         [ Links ]

Laflen, J.M.; Lane, L.J. e Foster, G.R. (1991) – WEPP: a new generation of erosion prediction technology. Journal of Soil and Water Conservation, vol. 46, n. 1, p. 34-38.         [ Links ]

Madeira, M. (2015) – Trinta anos de estudo sobre a qualidade do solo de sistemas florestais em condições mediterrâneas – Tendências e futuro. Spanish Journal of Soil Science, vol. 5, n. 2, p. 98-110. http://dx.doi.org/10.3232/SJSS.2015.V5.N2.01        [ Links ]

Merritt, W.S.; Letcher, R.A. e Jakeman, A.J. (2003) – A review of erosion and sediment transport models. Environmental Modelling & Software, vol. 18, p. 761-799.         [ Links ]

Moore, I.D. e Burch, G.J. (1986) – Physical basis of the length-slope factor in the Universal Soil Loss Equation. Soil and Water Management and Conservation, vol. 50, n. 5, p. 1294-1298. http://dx.doi.org/10.2136/sssaj1986.03615995005000050042x        [ Links ]

Morgan, R.P.C. (2005) – Soil erosion & soil conservation. 3ª ed. Reino Unido, Blackwell Publishing, 304 p.         [ Links ]

Morgan, R.P.C.; Morgan, D.D.V. e Finney, H.J. (1984) – A predictive model for the assessment of soil erosion risk. Journal of Agricultural Engineering Research, vol. 30, p. 245-253. http://dx.doi.org/10.1016/S0021-8634(84)80025-6        [ Links ]

Morgan, R.P.C.; Quinton, J.N.; Smith, R.E.; Govers, G.; Poesen, J.W.A.; Auerswald, K.; Chischi, G.; Torri, D. e Styczen, M.E. (1998) – The European Soil Erosion Model (EUROSEM): a dynamic approach for predicting sediment transport from fields and small catchments. Earth Surface Processes and Landforms, vol. 23, n. 6, p. 527-544. http://dx.doi.org/10.1002/(SICI)1096-9837(199806)23:6<527::AID-ESP868>3.0.CO;2-5        [ Links ]

Neitsch, S.L.; Arnold, J.G.; Kiniry, J.R.; Williams, J.R. e King, K.W. (2000) – Soil Water Assessment Tool theoretical documentation. Temple, Texas Water Resources Institute, 458 p.         [ Links ]

Neves, N.S.; Ferreira, A.G.; Abreu, A.C.; Gonçalves, A.C.; Ramos, I.A.; Freire, M.; Guiomar, N. e Madeira, L. (2011) – Toolbox EHE – Erosão Hídrica Estrutural. Évora, Universidade de Évora, 19 p.         [ Links ]

Renard, K.G.; Foster, G.R.; Weesies, G.A.; McCool, D.K. e Yoder, D.C. (1997) – Predicting soil erosion by water: a guide to conservation planning with the Revised Universal Soil Loss Equation (RUSLE). Washington, United States Department of Agriculture, 384 p.         [ Links ]

Schoenholtz, S.H.; Van Miegroet, H. e Burger, J.A. (2000) – A review of chemical and physical properties as indicators of forest soil quality: challenges and opportunities. Forest Ecology and Management, vol. 138, n. 1-3, p. 335-356. http://dx.doi.org/10.1016/S0378-1127(00)00423-0        [ Links ]

Schwab, G.O.; Fangmeier, D.D.; Elliot, W.J. e Frevert, K.R. (1993) – Soil and water conservation engineering. 4ª ed. New York, John Wiley & Sons, 507 p.         [ Links ]

Silva, J.R. (1999) – Susceptibilidade do solo à erosão pela chuva (proposta de modelação). Tese de Doutoramento. Évora, Universidade de Évora, 176 p.         [ Links ]

SROA (1970) – Carta dos solos de Portugal – Classificação e caracterização dos solos de Portugal, I volume. Lisboa, Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, 162 p.         [ Links ]

SROA (1973) – Carta dos solos de Portugal – Classificação e caracterização dos solos de Portugal, II volume. Lisboa, Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, 252 p.         [ Links ]

Tomás, P.P. e Coutinho, M.A. (1993) – Erosão hídrica dos solos em pequenas bacias hidrográficas: aplicação da Equação Universal de Degradação de Solos. Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa – Instituto Superior Técnico (CEHIDRO), 25 p.         [ Links ]

Wischmeier, W.H. e Smith, D.D. (1965) – Predicting rainfall-erosion losses from cropland east of the Rocky Mountains. Washington, United States Department of Agriculture, 47 p.         [ Links ]

Wischmeier, W.H. e Smith, D.D. (1978) – Predicting rainfall erosion losses: a guide to conservation planning. Washington, United States Department of Agriculture, 58 p.         [ Links ]

WRB IUSS Working Group (2006) - World reference base for soil resources. 2nd edition. World Soil Resources Reports No. 103. Rome, FAO, 128 p.         [ Links ]

Zbyszewski, G. e Assunção, C.T. (1965) - Carta geológica de Portugal na escala 1/50 000. Notícia explicativa da folha 30-D, Alenquer. Lisboa, Serviços Geológicos de Portugal, 104 p.         [ Links ]

 

Recebido/Received: 2015.09.02

Aceite/Accepted: 2015.10.02

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License