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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.37 no.2 Lisboa June 2014

 

REVISÃO

Sistemas agroflorestais em Portugal continental. Parte II: montados, condições de uso do solo e evolução

Agro forestry systems in the Portuguese mainland. Part II: montados, conditions of land use and evolution

Carlos Carmona Belo1, Inocêncio Coelho2, Joaquim Rolo2 e Pedro Reis2

 

1 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Fonte Boa, Vale de Santarém, 2005-048 Santarém, Portugal. E-mail: carlos.carmonabelo@iniav.pt, author for correspondence.

2 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal.

 

RESUMO

O montado predomina no grande espaço do Sul, no domínio do sobreiral e do azinhal (em menor extensão do pinhal manso). É o sistema agro-florestal mais extenso e importante de Portugal.

Numa perspetiva histórica são apresentadas as condições para a formação e utilização do solo dos montados (do fundiário, aos mercados e às medidas de política pública). São também evidenciadas as vertentes mais relevantes da situação técnica e económica dos montados, os recursos pascícolas e as atividades pecuárias com maior valor económico. É feita uma reflexão sobre as fragilidades económicas e ambientais do ecossistema, evidenciando-se a sua valia e o impacte da política agrícola comum.

Palavras-chave: montado,pastorícia, pecuária extensiva, PAC, porco de montanheira

 

ABSTRACT

The montado system predominates in the South region, in the area of cork oak and holm (to a lesser extent of the umbrella pine). It is the most extensive and important agro-forestry system in Portugal.

The conditions for the formation of the montado (of land, markets and public policy measures), are presented through a historical perspective. The most relevant aspects of the technical and economic situation of the montado system: forage resources and livestock activities with higher economic value, are highlighted. A reflection of the weaknesses of the economic and environmental ecosystem was done, demonstrating its value and the impact of the common agricultural policy.

Keywords: montado,pastoralism, extensive livestock, CAP, montanheira Alentejano pig

 

Introdução

O montado, do domínio do sobreiral e do azinhal, é o sistema agro-florestal mais extenso de Portugal e tem maior incidência na grande mancha do Sul de Portugal.

Em determinado momento histórico coincidiram, no tempo e no espaço, um conjunto de condições que permitiram a criação e o desenvolvimento do montado: (i) a instituição da propriedade privada plena; (ii) o predomínio da propriedade de grande a muito grande dimensão; (iii) a disponibilidade de mão-de-obra assalariada abundante e barata; (iv) o surgimento e incremento sustentado da procura no mercado nacional e/ou internacional de bens específicos do montado e (v) o surgimento de condições propícias ao despoletar das arroteias.

O período histórico em que aquelas condições se conjugam é o fim do Antigo Regime e o começo do Regime Liberal, ou seja, no final do século XVIII e início do século XIX. E o espaço do Continente português de incidência de tais dimensões, engloba todo o Alentejo, parte do Ribatejo, o Sul da Beira Baixa e a serra do Algarve.

Terá sido no distrito de Portalegre, em finais do século XVIII, estendendo-se depois por todo o Alto Alentejo, que se iniciou o movimento de arroteias e ressalva dos chaparros, a partir das moitas, que conduziu à criação dos montados (Carvalho, 1870, Moura, 1855, Sequeira, 1790). Em meados do século XIX o movimento aflora no Baixo Alentejo (Carvalho, 1870). Nos finais do século XIX e início do século XX as arroteias avançam nas zonas que englobam o Alentejo Litoral - um concelho desta zona, Santiago do Cacém, terá sido tomado na década de 1890 por “uma verdadeira febre da cultura do sobreiro” (Mendes, 1894, Radich e Alves, 2000) - e as charnecas dos vales do Tejo e do Sado.

Anote-se, então, a evolução da área de montados (sobreiro e azinheira): em 1875 não chegava a 400 000 ha; no início do século XX superava os 780 000 ha; na atualidade, cifra-se em cerca de 1 125 000 ha – dos quais, 65% são de sobreiro (AFN, 2005/06, Coelho, 1996). No século XIX o montado de azinho suplantava o de sobro, sendo a pecuária e, em especial o porco de montanheira, a atividade mais rentável e de maior procura. No entanto, com a crescente procura e melhoria dos preços da cortiça, o sobreiro teve um forte incremento, que permitiu que nos anos 20 do século XX já suplantasse a azinheira.A área de montados cresceu rapidamente até meados do século XX; depois, quando já não havia mais charneca para arrotear e moitas para ressalvar chaparros, estabilizou; esse patamar de área foi mantido pelo ligeiro aumento da extensão de sobro, que permitiu compensar o decréscimo do azinhal; declínio da azinheira, a partir da década de 1960, que adveio da perda de interesse pelo porco de montanheira e pelo acréscimo da cerealicultura motomecanizada.

 

 

Mudanças e tendências recentes no sistema montado: resultados de alguns estudos

1. O reflexo de medidas de políticas públicas no uso das terras

Até meados do século XX, nos montados de sobro e azinho a atividade agrícola era baseada em rotações em que o trigo era seguido pela cevada ou pela aveia e por pousios de duração variável, de acordo com a fertilidade dos solos. Os ruminantes aproveitavam os pousios e os restolhos dos cereais e o porco alentejano, a espécie pecuária mais importante, era engordado com bolota e lande. Em espaços mais favoráveis à mecanização aumentou a área de terra limpa, facilitando o uso das ceifeiras debulhadoras que, tanto pelo uso da monda química, como pelo melhor aproveitamento dos cereais durante a colheita, diminuíram a biodiversidade e o valor alimentar das pastagens e dos agostadouros, diminuindo as disponibilidades alimentares das espécies pecuárias. Estas condições, associadas à erosão do solo, ocasionaram uma redução do potencial produtivo dos recursos pratenses e da sua qualidade.

Com a integração de Portugal na União Europeia (1986) e a adoção das medidas decorrentes da política agrícola comum (PAC) vão modificar-se os sistemas de produção no espaço do Sul – montado, impondo-se com tal modificação a orientação determinante dos agentes económicos pela captação de ajudas públicas. Assim, vai acentuar-se o abandono das terras mais pobres e periféricas face aos aglomerados populacionais de maiores dimensões; os cultivos nos montados retraem-se e, em sentido contrário, expandem-se as extensões de regime cinegético especial (Ferreira, 2001). Fixe-se que com o abandono do cultivo, uma parte das terras veio a engrossar a designação estatística de pastagens permanentes e é assim que, entre 1989 e 2009, esta ocupação passa de 346 000 ha para cerca de 1 200 000 ha, em que 83% são consideradas “pastagens pobres” (INE, RGA89 e RGA99).

2. Da relevância do uso do sob coberto dos sobreirais e azinhais ao valor dos recursos pascícolas

Uma avaliação das condições atuais do montado (Belo, 2004, com base em informação do INE, RGA99), reportada a 1 080 explorações com dimensão física (em SAU) superior a 100 ha e com montado revelou:

(i) Da superfície de cultivos em sob coberto, a proporção substancial era de pastagens permanentes, da qual um pouco mais de 80% formada por espécies herbáceas espontâneas, cujo valor alimentar é diminuto;

(ii) Quanto ao aproveitamento dos recursos forrageiros, os ruminantes, presentes em 82% das explorações, eram os seus grandes utilizadores; o domínio pertencia aos bovinos [55% do efetivo pecuário expresso em cabeças normais (CN)], secundados pelos ovinos (39%) – que, contudo, aumentavam o seu peso relativo nas explorações de menores dimensões (acima de 100 ha) das zonas com mais baixos índices de precipitação;

(iii) A carga animal (CN total/superfície forrageira – a extensão total de culturas forrageiras anuais, pousios e pastagens permanentes) mantinha-se, para o conjunto das explorações, em redor de 0,4 ha-1, embora fossem superiores nas zonas com mais expressão na sementeira de cereais para grão situadas principalmente em áreas de azinhal.

A capacidade produtiva das pastagens naturais emerge assim como questão nuclear nos atuais sistemas produtivos dos montados importando, por conseguinte, revelar o conhecimento disponível na matéria.

As pastagens permanentes atualmente existentes na região Sul-montado têm uma produção muito baixa de matéria seca (MS). Lourenço et al. (1994) indicam valores de 800 kg de MS ha-1 ano-1 e Crespo (1997) refere que a produção de MS raramente é superior a 1.500 kg MS ha-1 ano-1. Num estudo mais recente Simões (2004) refere produções médias, no período outono-inverno, de 695 kg de MS.ha-1 e, na primavera, de 2 014 kg de MS.ha-1, representando as leguminosas apenas 12% da proporção da MS. Naquele estudo as análises químicas das pastagens revelaram os seguintes resultados (valores médios): proteína bruta – cerca de 15% da MS (no final do inverno) e de 10% (no fim da primavera); digestibilidade in vitro da MS, naquelas duas épocas – 65% e 53%, respetivamente.

Os ganhos em recursos alimentares para os ruminantes em pastoreio no Sul-montado aumentariam substancialmente se a implantação de pastagens biodiversas ricas em leguminosas (PBRL) se generalizasse. Os resultados de um projeto, que comparou a produtividade das PBRL com as pastagens naturais neste sistema agroflorestal (Simões et al., 2006), demonstraram que o aumento de produção de MS (em alguns casos duplicou) e da proporção de espécies com maior valor nutricional permitiu triplicar a carga ganadeira em pastoreio.

Do que se expôs sobre os recursos pascícolas podem, agora, sumariar-se as seguintes orientações de boas práticas:

(i) Prosseguir a aquisição de conhecimento em matéria de condicionantes da pastorícia: das necessidades alimentares dos animais, à natureza produtiva das espécies pratenses de auto-sementeira anual, do maneio dos animais em pastoreio (aumento da longevidade da pastagem) à operação de sementeira (direta e não mobilização do solo);

(ii) Se a baixa produtividade das pastagens naturais advém, para além da menor diversidade vegetal (baixos índices de presença de leguminosas), de limitações dos solos (acidez, baixo teor de matéria orgânica, baixa capacidade de troca catiónica e de retenção da água), então um dos eixos da estratégia de gestão sustentável do montado deverá respeitar ao incremento da fertilidade dos solos;

(iii) As zonas de montado pouco denso, de solos marginais e abandonados da utilização agrícola, hoje transformadas em matagais arborizados, deverão ficar à margem do sistema produtivo, na expectativa do reencontro de novo equilíbrio ecológico, através da sucessão secundária, possível pela conhecida resiliência do sistema;

(iv) As zonas de bosque e de matagais arborizados que podem suportar algumas atividades produtoras de bens e serviços comercializáveis alicerçadas em recursos naturais importantes (fauna e flora selvagens, paisagem, caça, turismo) deverão reconduzir-se apenas a alguma pastorícia de percurso, onde os caprinos – como instrumento de controlo do risco de incêndios – poderão adquirir uma dimensão ativa.

3. A pecuária extensiva. Ruminantes

O RGA de 2009 confirma o acréscimo dos bovinos neste sistema agroflorestal (aumentaram 140% entre os RGA de 1999 e 2009), atingindo atualmente mais do que 400 mil cabeças normais. No mesmo período os efectivos de ovinos e caprinos decresceram: os ovinos atingiam em 2009 as 120 mil CN, quando em 1989 e 1999 superavam as 150 mil CN e os caprinos estão em decréscimo contínuo, representando atualmente as 12 mil CN.

Mostram-se nesta secção alguns resultados de estudos que evidenciam, quer a diversidade de combinações de atividades (da componente arbórea – sobreiro, azinheira e ou pinheiro manso – aos gados em presença), quer a fragilidade competitiva (económica) dos sistemas de produção extensiva de ruminantes no espaço Sul – montado em lógica exclusiva de mercado e, consequentemente, como acima se explicitou, a importância das ajudas financeiras públicas à sua manutenção.

Em trabalho reportado ao início dos anos de 1990 (Coelho, 1994), sustentado na análise económica de três tipos de montado de sobro pastoreados por pequenos ruminantes e bovinos, mostrava-se que: (i) a rendibilidade económica do montado de sobro era aceitável quando sustentada pelos importantes ganhos de capital, que variavam entre 36 e 60% do total; (ii) a terra era a componente largamente maioritária na estrutura do capital e que, uma quebra do crescimento do respetivo preço, induzia de imediato a uma quebra acentuada da rendibilidade económica do montado e, em tais condições, a liquidez que os proprietários podem obter é sustentada pela ausência do investimento; (iii) as “ajudas” à exploração constituíam cada vez mais o principal suporte de manutenção das atividades produtivas agro-pecuárias e que, em anos menos favoráveis do ponto de vista climatérico, eram superiores às margens líquidas das produções efetivas.

Na década de 2000, Coelho et al. (2002) realizou um estudo comparativo de quatro explorações agrícolas dedicadas à criação extensiva de ruminantes e classificadas, de acordo com o nível de intensidade do uso da terra. O estudo refere que, o montado de sobro, a sua densidade e a qualidade da cortiça eram decisivos no valor do produto bruto (PB) por unidade de superfície agrícola utilizada (SAU) e que a atividade pecuária era essencial no caso do montado de azinho. Os autores atribuíram ao modelo de exploração do tipo “agro-silvo-pastoril com cereal” que compreendia, grosso modo, montado de sobro, uma raça bovina autóctone e ovinos era o que permitia a obtenção de melhores resultados, em razão da sua maior flexibilidade (era o modelo que melhor utilizava o referencial de preços de mercado). O estudo concluía que, em todas as situações, as ajudas públicas significavam mais de 50% do excedente líquido de exploração (soma da margem líquida com as “ajudas” recebidas), o que levava os autores a sublinhar que os apoios decorrentes da política agrícola eram determinantes para a manutenção da rendibilidade da pecuária extensiva.

A matéria da importância, no rendimento dos agentes económicos, das ajudas por via das medidas da política agrícola comum (PAC) foi objeto de um trabalho, realizado na segunda metade da década de 2000 (PASTOMED, 2007), que consistiu na elaboração de “contas de cultura/gado” e no acompanhamento, durante dois anos, de algumas explorações representativas da atual produção animal extensiva (vacas aleitantes, ovelhas de produção de carne e de leite) e que faziam uso dos processos técnicos produtivos tidos como os mais apropriados. Retenham-se os resultados: (i) explorações “tipo” vacas aleitantes – uma exploração com 450 ha e 90 vacas; outra com 230 ha, 25 vacas e 300 ovelhas, o peso relativo dos apoios auferidos, na soma com o valor das receitas, situou-se em 49% na primeira exploração (dos quais, no confronto com os apoios diretos à produção do 1.º pilar da PAC, 45% eram provenientes das medidas que integram o 2º pilar: agro-ambientais …) e em 47% na segunda (onde estão presentes os ovinos, o contributo do 2º pilar da PAC ascendia a 73%). (ii) Exploração de cerealicultura e ovinicultura (produção de borregos) – 706 ha e 1 100 ovelhas, em que o agente, devido a penalização por não cumprimento das regras instituídas, ficou privado do benefício das ajudas do 2º pilar da PAC, e, assim, o contributo dos apoios financeiros ficou-se por menos de 35% na soma com o valor das receitas. (iii) Exploração “tipo” produção ovina de leite – 192 ha e 400 ovelhas da raça Lacaune, em que a proporção do valor das ajudas sobre o valor das receitas cifrou-se em 20% (com a participação dos apoios do 2º pilar a situar-se acima de 70%).

Por fim, mostram-se os resultados de um trabalho objetivamente orientado para a análise da aplicação da PAC aos sistemas de agricultura de sequeiro do espaço do Sul - montado (Madeira, 2008). Foram consideradas quatro atividades representativas – “cereais de sequeiro”, “ovinos de carne”, “ovinos de leite” e “bovinos de carne” -, observadas nos anos de 1992, 1999 e 2004 e analisadas pelo “método dos orçamentos” (cálculo de margens brutas e determinação do peso relativo da contribuição das ajudas comunitárias). Uma primeira grande conclusão: em 2004 – num contexto de desmantelamento progressivo da proteção ao mercado comunitário - todas as atividades referidas apresentaram, a preços de mercado, margens brutas negativas; releva-se que em 1999 nas atividades “ovinos de leite” e “bovinos de carne” o valor das vendas ainda suplantava os encargos variáveis despendidos. A trajetória evolutiva da PAC reflete-se, naturalmente, naquela conclusão; mas vem tendo também expressão no incremento de umas atividades e na retração de outras e na respetiva afetação espacial. Recorda-se que:

(i) A componente fundamental de suporte dos rendimentos reside no 1º pilar da PAC e que os aumentos dos apoios (por unidade de superfície ou por cabeça de gado) se acentuaram a partir de 1999 para os “cereais de sequeiro” e para os “bovinos de carne”, o que não aconteceu para os ovinos (o valor dos apoios aos “ovinos de leite” não se alterou no período de 1999 a 2004) – que também não tiveram, como contrapartida, compensação pelo lado do 2º pilar da PAC;

(ii) A reforma da PAC de 2003, ao instituir o regime de pagamento único (RPU) veio a consumar a transição do apoio à produção para o suporte ao rendimento dos agentes económicos (ajudas em função do “histórico” recebido, sem ligação ao que se produz, sujeitas apenas ao cumprimento das regras da condicionalidade – normas ambientais, segurança alimentar, bem-estar animal). Portugal optou pela integração no RPU do total dos pagamentos relativos às culturas arvenses (cereais, oleaginosas …); de 50% do prémio por ovelha e cabra; e deixou de fora do RPU o prémio por vaca aleitante.

No exposto encontra-se, em grande medida, a justificação do aumento do armentio bovino, designadamente do de vacas aleitantes, que na primeira parte do artigo se evidenciou, em detrimento do de pequenos ruminantes. E a explicação fica clara quando se compulsam os dados das margens brutas (euros.ha-1) das atividades “ovinos carne” e “bovinos carne” – 1992: 6,65 e 40,42; 1999: -2,52 e 16,07; 2004: -15,53 (ovinos) e -18,90 (bovinos). Mas, a estes resultados há que adicionar as ajudas (essencialmente provenientes do 1º pilar da PAC) e, assim, em 2004, atingiam-se os valores de 102,71 euros ha-1 nos “ovinos de carne” e de 159,86 euros ha-1 nos “bovinos de carne”. A esta diferença de receitas, acrescem as maiores penalizações para os ovinos no que respeita a exigências em trabalho e aos riscos de perdas por ataque de predadores.

Pode-se, agora, extrair uma grande conclusão sobre o impacte das políticas públicas na gestão do espaço Sul – montado: a racionalidade dos agentes, face aos apoios que podem captar, poderá orientá-los para as atividades e respetivas ocupações do território menos consentâneas ao equilíbrio dos ecossistemas montado; é assim plausível o cenário, traçado para as zonas marginais do ponto de vista das culturas temporárias e mais sensíveis do ponto de vista ambiental, de contração e abandono da ovinicultura e a sua substituição por cultivos cerealíferos, ou outros, e pela bovinicultura (Madeira, 2008).

4. O porco de “montanheira”

Após o forte declínio da criação do porco de “montanheira” pelos anos de 1960, a atividade reanimou na parte final do século passado e revelou um grande dinamismo no início do seculo XXI, como o comprovam alguns dados: (i) as exportações para Espanha representaram, face aos porcos cujo destino foi o mercado interno, 26% na campanha de 2004/05 e 80% na de 2007/08; (ii) em 2008 a Entidade Gestora do Livro Genealógico Português da Raça Alentejana (UNIAPRA) apurava a existência de 22 800 reprodutoras registadas, propriedade de 362 criadores que se distribuíam por cerca de 200 000 ha de montado, reportando ainda a existência de 24 marcas “protegidas” relacionadas com o porco de Raça Alentejana.

Porém, como resultado da crise internacional que se instalou, a situação alterou-se completamente e o decréscimo de interesse pela atividade é patente no gráfico da Figura 1.

 

 

Na campanha de 2007/2008, os associados das duas organizações de criadores de Porco Alentejano colocaram no mercado 23 000 porcos de Raça Alentejana. Um número pequeno atendendo ao potencial produtivo revelado pelos 63 946 leitões registados em 2006, mas que representava um acréscimo de 87% em relação a à campanha de 2004/05, sendo também superior ao número de animais conduzidos em montanheira em 2011/2012, estimado em 14 000 porcos. O decréscimo do número de fêmeas, de registo de nascimentos e de porcos engordados mostram a influência da atual crise financeira nesta atividade, invertendo um processo produtivo que se vinha afirmando, que resultou essencialmente do aumento do custo dos alimentos e sobretudo da ausência de alternativas à exportação de animais de montanheira não transformados.

Apesar das recentes influências nefastas do mercado, esta atividade tem um enorme potencial de expansão na área de montado no espaço do Sul – montado, assim se encontrem agentes (produtores e agroindustriais transformadores) que se mobilizem para o efeito. Um exercício simples dá conta do rendimento expectável da atividade. Eis as premissas: cargas animais moderadas de 5 ha no montado de sobreiros e de 3 ha no montado de azinheiras (Coelho, 2009), uma extensão do montado no Continente português de 948 000 ha (55,4% de sobreiro e 44,6% de azinheira), 246 mil porcos engordados, que com um valor de 75 € como preço médio/porco engordado, daria como resultado, cerca de 18,5 milhões de euros, o equivalente a 19,5 € de renda por hectare de montado. Porém o preço médio de venda do porco destinado à transformação alcançou os 455,28 euros (Coelho, 2009), então o valor potencial de produção bruta para os criadores atingiria o montante impressionante de 120 milhões de euros, o que é dizer, um valor médio de produção de cerca de 137 €/ha de montado.

Evidentemente, não será fácil e rápido o incremento da atividade “montanheira” na senda daqueles cenários. Na realidade, entre outras condicionantes, não se ignora que um forte crescimento da oferta originaria uma quebra nos preços à produção. Todavia, impõe-se sublinhar que, o incremento da atividade, para além de não colidir com outras enquadradas na pecuária extensiva, é a que proporciona a maior rendabilidade do aproveitamento dos frutos das quercíneas, ocupando a superfície das explorações num curto intervalo de tempo e, também que a sua expansão incentivará o adensamento arbóreo, atualmente muito baixo, proporcionando, em consequência, um forte contributo para a conservação e sustentabilidade do ecossistema.

 

Notas conclusivas e perspetivas

O quadro das medidas da PAC veio alterar de modo relevante os sistemas de produção do espaço do Sul-montado. Não ao nível da atividade corticeira, orientada de sobremaneira pelos mecanismos de mercado (preços da matéria-prima e custos do trabalho da sua extração), mas sim nas combinações dos cultivos arvenses, recursos pascícolas e das atividades pecuárias. A racionalidade económica privada dos agentes que dominam os recursos fundiários eleva-se a determinante na modelação da paisagem dos territórios do Sul-montado; e, assim, a gestão prevalecente vem-se orientando pela minimização de custos de produção e pela maximização da captação dos apoios financeiros públicos.

A expressão do que se refere no ponto anterior é bem evidenciada: (i) pela diminuição de superfície de terras cultivadas e o alargamento da extensão das designadas “pastagens pobres”; (ii) na observação do aumento contínuo, entre os anos de 1989, 1999 e 2009, da bovinicultura, em detrimento dos pequenos ruminantes, mercê dos maiores incentivos por via das ajudas financeiras; (iii) pela enorme relevância, recolhida nos estudos referidos, da componente ajudas no rendimento das explorações agrícolas ou à escala das atividades animais (ruminantes).

Só com os apoios que têm existido ao rendimento (diretamente ou decorrentes das designadas “medidas agro-ambientais”) as atividades ligadas à pecuária extensiva têm subsistido e até crescido, como no caso das vacas aleitantes. De acentuar que a componente fundamental da PAC de suporte ao rendimento dos agentes económicos, firmada no chamado 1º pilar, beneficiou as “culturas arvenses”, designadamente os “cereais de sequeiro”, e os “bovinos carne”, em detrimento dos pequenos ruminantes, que não obtiveram a devida compensação pelo lado das ajudas reunidas no designado 2º pilar da PAC. Emerge assim o efeito, que se sublinha, das possíveis distorções causadas pelas políticas entre a lógica privada e o uso de recursos em conformidade com as boas práticas de sustentabilidade do ecossistema, ou seja, a conflitualidade resultante da imbricação das esferas económica e ambiental: a expansão da bovinicultura e até da cerealicultura para espaços com condicionalismos edáficos graves, em prejuízo, por exemplo, do aproveitamento de recursos pascícolas por ruminantes de pequeno porte. Releve-se, a propósito, a Resolução do Parlamento Europeu, em 2008, sobre o futuro, e a inerente defesa, do sector dos ovinos e caprinos na Europa.

Três últimas anotações sobre o montado, que se destacam do artigo, relativas: às componentes arbórea, pascícola e ao porco de montanheira.

O ecossistema montado requer a adoção de práticas agro-florestais que salvaguardem o seu principal capital, o solo e as árvores. Quanto a estas importa ter presente os problemas relacionados com o envelhecimento, a menor densidade e com os sintomas de declínio que conduzem ao seu progressivo enfraquecimento que se acentuam na “morte súbita”; releva-se, assim, a importância da adoção de medidas que, de par com a minimização dos riscos de disseminação da doença, permitam a regeneração natural das quercíneas. Em matéria do solo e dos recursos pascícolas salienta-se que as cargas animais permitidas pela capacidade produtiva e qualidade alimentar da superfície forrageira são baixas, mas, como também se evidenciou, é possível aumentá-las significativamente; para tanto, será fundamental trazer para primeiro plano – em detrimento das designadas “pastagens pobres” – as pastagens semeadas que, incorporando leguminosas, aumentem a fertilidade dos solos e, por conseguinte, contribuem para a sustentabilidade do montado; o melhoramento das pastagens e forragens, assim como a prática da sementeira direta sobressaem, assim, como vetores relevantes no futuro do sistema.

A componente arbórea dos montados é a âncora do êxito económico da pastorícia e, em especial, da montanheira, interessando sublinhar no que respeita à produção do Porco de Raça Alentejana, o enorme potencial de crescimento que se vislumbra se se consolidar e expandir a cadeia criação-transformação (em produtos de qualidade única) – consumo.

 

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Recebido/Received: 2013.08.05

Aceitação/Accepted: 2014.03.07

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