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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.37 no.2 Lisboa June 2014

 

REVISÃO

Sistemas agroflorestais em Portugal continental. Parte I: economia e distribuição geográfica

Agro forestry systems in the Portuguese mainland. Part I: economy and agro forest regions

Pedro Reis1, Joaquim Rolo2, Inocêncio Coelho2 e Carlos Carmona Belo3

 

1 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal. E-mail: pedro.reis @iniav.pt, author for correspondence.

2 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal.

3 Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Fonte Boa, Vale de Santarém, 2005-048 Santarém, Portugal.

 

RESUMO

Os sistemas agroflorestais ocupam 25% dos espaços agrícola e florestal do Continente, integrando algumas espécies de arvoredo (azinheira, sobreiro, carvalhos, castanheiro, alfarrobeira e pinheiro-manso) com o pastoreio de animais no seu sob coberto e o aproveitamento dos frutos.

A partir de variáveis de estrutura produtiva e de valor económico, e recorrendo à estatística multivariada, fixaram-se cinco grandes zonas de sistemas agroflorestais: o Norte atlântico, o Norte transmontano, uma mancha de “transição”, o Sul-montado e o Algarve. Procedeu-se à caracterização: da ocupação territorial, da economia e das agriculturas destes espaços, na ótica da função de produção de bens transacionáveis; da dimensão económica dos efetivos pecuários, dos frutos secos alfarroba, pinhão e castanha e da cortiça.

Verifica-se uma grande diversidade dos espaços, advinda do fator climático e espelhado nas espécies florestais que dominam a paisagem. Essa diversidade é marcante ao nível demográfico, capacidade regional de criação de riqueza, principais produções agrícolas e silvícolas, especialização produtiva e estruturas agrícolas de produção.

Palavras-chave: cortiça, frutos secos, socioeconomia, regiões agroflorestais

 

ABSTRACT

Agro forestry systems occupy 25% of the agricultural and forestry mainland territory. They integrate, in a territory, some species of trees (holm oak, cork oak, chestnut, pine and carob), with grazing animals under cover, and the fruits production.

Five major areas of agro forestry systems were defined, from productive and economic variables, and applying the multivariate statistics: the Northatlantics, the North transmontano, a “transition” region, the South-montado and the Algarve. These regions were characterized by: territorial use, economic and agricultural, from the production function perspective (commodities); the economic dimension of the livestock, carob, pinion, chestnut and cork.

There is a great diversity of the five types of agro forestry areas, arising from climatic factor, and forest species that dominate the landscape. This diversity is strongly marked by the demographic, the regional capacity for wealth creation, the major agricultural and forestry production, the agricultural specialization and the structures of agricultural production.

Keywords: cork, nuts, socioeconomy, agro forest regions

 

Introdução

Os sistemas agroflorestais ocupam cerca de 25% dos espaços agrícola e florestal, de Portugal continental (total das superfícies de agricultura e floresta – AFN 2005/06). Estes sistemas afiliam-se na família dos “sistemas de montado”, tal como já eram definidos em meados do século XIX: “entende-se por montados os terrenos onde se encontram árvores de azinheiras, sobreiros, carvalhos ou castanheiros” (DGCAM, 1852-1854). Na atualidade, abrangem, grosso modo, as áreas daquelas espécies e as de pinhal manso e de alfarrobeiral tradicional; e, em simultâneo, conjugam o pastoreio de animais, no sob coberto, aproveitando os frutos e os recursos forrageiros. Por vezes, surgem em povoamentos puros de uma daquelas espécies (o sobreiro ou a azinheira, por exemplo), noutras circunstâncias agregam-se em povoamentos mistos (sobreiro e pinheiro manso, ainda como exemplo).

Para além da sua relevância no sentido de figura da natureza - a natureza como «fábrica», como conjunto incluindo recursos (água, solo, biodiversidade...), mas também de funcionamentos (ciclos...) e «funções» (regulação climática, …) (Perrier-Corne,t 2002; cf. Rolo, 2006) –, os sistemas em apreço emergem, em importância, pelo desempenho quer da função de produção de bens mercantis, quer de outras funções que decorrem, sob a vertente do consumo, das procuras atuais pela sociedade nos domínios da “proteção da natureza e conservação ambiental”, de suporte de lazer territorial (caça e diversos outros desportos) e de (re)construções da “herança rural (patrimónios material e imaterial)” (cf. Baptista, 2010 e Rolo, 2010).

O artigo focaliza-se, sobretudo, na função produtiva – no entendimento de obtenção de bens transacionáveis. Retêm-se os principais produtos, não se analisando as produções de outros bens, como são os casos da lenha e carvão, do mel, da recoleção de plantas aromáticas e medicinais e de cogumelos silvestres, ou da caça.

O contexto: condicionalismos geográficos

Apesar da sua diminuta superfície, o Continente português “apresenta contrastes climáticos sensíveis” – de matiz mais atlântico no Centro e Norte litoral, “um cariz mediterrâneo mais marcado no interior e no Sul” – que resultam da “conjugação de três fatores fundamentais: a latitude; a oposição entre a influência atlântica, a oeste, e a continental, a leste; o contraste entre o Norte, mais acidentado e elevado (…), e o Sul dominantemente peneplano” (PNPOT, 2007). Orlando Ribeiro expressava, por meados do século XX, aqueles contrastes nos seguintes termos: “Havendo de repartir Portugal, as divisões principais serão dadas pelo contraste entre as influências mediterrâneas e atlânticas e, nestas, pela sua atenuação com o afastamento do litoral. Norte atlântico, Norte transmontano e Sul são as divisões fundamentais da terra portuguesa” (Ribeiro, 1987). E esclarecia:

(a) O Norte atlântico, marcado pela “abundância de chuvas” – as montanhas que o delimitam pelo interior “contam-se entre os lugares mais ricos em precipitação” (=3 000 mm anuais) -, tem no pinheiro bravo a tradução na paisagem da “dominante marítima”; a ele se associam o carvalho alvarinho e o carvalho negral.

(b) O Norte transmontano, onde predominam “as altas plataformas onduladas, cortadas de vales e bacias muito profundas”, revela na paisagem o predomínio do arvoredo de folha caduca (carvalho negral e castanheiro); os “planaltos e montanhas de um e de outro lado do Douro são em tudo semelhantes. Separa-os o vigoroso entalhe aberto pelo rio [Douro] (…). A favor das chuvas escassas, do Inverno moderado e no Verão ardente, as influências mediterrâneas chegam muito ao norte”.

(c) O Sul, que compreende “a mais vasta e monótona unidade natural do nosso território – o Alentejo”, (i) começa, pelo interior, “nos plainos do sopé da Cordilheira Central [Serra da Estrela]”, onde os pinhais fazem a paisagem mas, logo, para sul e para leste, “o sobreiro se avantaja aos carvalhos e castanheiros [e] a azinheira aparece”; (ii) a “oeste, a influência do mar enriquece de cambiantes a transição entre o Norte e o Sul” – está-se a sul do rio Mondego, nas “unidades de paisagem” conhecidas por Estremadura e Ribatejo; (iii) no vale do Mondego “o carvalho alvarinho cede o lugar ao carvalho português, forma de transição para as espécies de folha perene”; a “originalidade da Estremadura está nos maciços calcários” – “o solar do carvalho português” -, por sua vez, (iv) o que “dá unidade ao Ribatejo, é, além do rio [Tejo], a depressão do relevo, sempre abaixo de 200 m, muito forte em relação às montanhas calcárias da Estremadura e ainda sensível no rebordo do maciço antigo da Beira [Cordilheira Central] ou do Alentejo”; no Ribatejo, a sul do rio “avantajam-se (…) o montado de sobro, os campos arborizados de feição já alentejana”. Feita esta breve alusão à mancha que, na delimitação dos sistemas agroflorestais que adiante se apresenta se designará por “transição”, referência, por fim, ainda no âmbito do Sul, ao Alentejo – o espaço do mais notável sistema montado de Portugal – e ao Algarve. Assim, e continuando a acompanhar aquele autor, (v) a “originalidade do Alentejo (…) reside tanto na imensidão da terra lisa ou apenas quebrada em frouxas ondulações, como no clima, a que a falta de centros de condensação da humidade do ar apaga todos os caracteres oceânicos. O mais provém daí”; (vi) o Algarve, que na zonagem dos sistemas que se apresenta revela nos seus traços afinidade ao espaço de “transição”, é o território onde, de par com “revestimentos de sobreiros e medronheiros” – e de amendoeiras e figueiras -, o alfarrobeiral tem o seu domínio marcante.

Uma zonagem dos espaços dos sistemas agroflorestais no Continente português

O ensaio de zonagem dos sistemas agroflorestais do Continente português assenta num conjunto de variáveis reportadas à unidade administrativa elementar concelho. Tais variáveis são indicativas das dimensões dos principais povoamentos florestais e das ocupações do solo cujo aproveitamento forrageiro é expectável, do valor económico dos principais produtos florestais e animais, e dos tipos de exploração agrícola com orientação prevalecente na produção pecuária extensiva. A informação estatística de base, devido à sua não homogeneidade (diferentes fontes e unidades de medida), foi transformada em indicadores reportados à superfície territorial dos concelhos. Assumiram-se 26 variáveis de base, listadas na legenda da Figura 1,a partir das quais se identificaram os fatores mais marcantes na discriminação espacial dos sistemas agroflorestais. Para tanto, recorreu-se à análise de componentes principais. As três componentes principais com maior valor próprio têm uma capacidade explicativa acumulada de 48% da variabilidade territorial. As restantes não são consideradas na análise porque a percentagem de variância reduz-se muito e varia pouco entre componentes.

A primeira componente (ver Figura 1), com uma capacidade explicativa de cerca de 30% retrata a grande agricultura (explorações agrícolas) de montados de sobro e azinho, pois as coordenadas de maior valor referem-se: às áreas de “culturas em sob coberto de matas e florestas”, de “prados e pastagens permanentes”, de “pastagens pobres” e de “pousios”, de “povoamentos de sobreiro e de azinheira” e também o valor acrescentado bruto (VAB) da cortiça por hectare, e a dimensão (física) das explorações agrícolas. A segunda componente representa a pequena agricultura (minifúndio) associada à área de carvalhal, à produção de bovinos (n.º de explorações especializadas em bovinos de carne e VAB de bovinos.ha-1) e às orientações técnico-económicas (OTE) “polipecuária” e “agricultura geral”. A terceira componente revela um sistema caracterizado pela produção de frutos secos e de pequenos ruminantes, a que se associa também o carvalhal e a produção de mel.

A delimitação das manchas (espaços constituídos pela congregação de concelhos) dos sistemas agroflorestais foi realizada pela aplicação às variáveis referidas da classificação hierárquica ascendente. As zonas mais vincadas estão associadas às três primeiras componentes principais e permitem identificar o Norte Atlântico, o Norte Transmontano e o Sul – montado (Figura 2). Depois, demarcam-se – ainda que com maior similitude ao Norte Transmontano - as manchas de “transição” (envolvendo a Estremadura e o Ribatejo) e o Algarve. No Sul - montados salienta-se uma subzona no litoral, o “Alentejo litoral”, e na zona de “transição” sobressai a sub-região do “Pinhal”

 

 

Na caracterização que se segue não se vai aludir à subzona do “Pinhal” e à que também surge com alguma individualidade no Sul – montado, a do “Alentejo litoral” (na qual sobressaem os povoamentos de pinhal manso, emergem explorações de menores dimensões de pequenos ruminantes e são menores as extensões relativas de ocupações forrageiras). Também se omite a caracterização das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Caracterização dos grandes espaços dos sistemas agroflorestais

Vai-se agora revelar um panorama das sócio-economias dos espaços dos sistemas delimitados: em primeiro lugar, sob a ótica global, depois, sob a vertente técnico-económica da agricultura e silvicultura.

Da dimensão territorial, à ocupação populacional, do contributo para a riqueza gerada e à respetiva estrutura produtiva sectorial, colocam-se em evidência a assimetria e a diversidade do território do Continente português. Retenha-se que o conjunto dos espaços, onde se inserem os sistemas agroflorestais (superfície total do Continente, excluindo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto), abrangem cerca de 95% da superfície do Continente, mas a população que neles reside não vai além de 56% - e até a porção de população rural pouco ultrapassa os 75% - e a sua participação na riqueza gerada (VAB) não chega ao limiar de 45% (Quadro 1).

É evidente, pois, a grande oposição entre os espaços dos sistemas agroflorestais e as concentrações metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Mas contrastes notáveis, também, entre os espaços demarcados (Quadro 1): (i) se o Norte atlântico, o espaço de “transição” e o Algarve revelam relativo equilíbrio na repartição do território e na participação do VAB, assim não acontece no Norte transmontano e no Sul - montado (38% da superfície territorial do Continente português, mas tão só 7% da riqueza gerada); (ii) grande desequilíbrio na fixação da população: 275 habitantes por km2 no Norte atlântico, quando no Sul – montado o rácio se fica pelos 30; (iii) à presença quase similar entre jovens e idosos no Norte atlântico contrapõem-se os elevados índices de envelhecimento populacional do Sul – montado e, mais ainda do Norte transmontano.

Diferenças, por sua vez, nas estruturas sectoriais das economias (observação no início do século XXI – cf. Rolo, 2003, 2010), onde cabe fixar, como referência, o padrão médio do Continente português: sector primário – 4% em VAB, 13% no emprego (3% e 12% no ramo agrícola-silvícola), sector secundário – 30% e 32%, sector terciário – 67% em VAB e 55% no emprego. Assim, (iv) se, em termos de VAB, a terciarização domina, o seu peso relativo, contudo, varia de pouco mais de 50% no Norte atlântico a 80% no Algarve e situa-se em redor de 60% nos outros espaços; (v) já quanto ao emprego, a importância do sector terciário não alcança os 40% no Norte, eleva-se nas circunscrições de “transição” (51%) e do Sul – montado (56%) e cifra-se em 72% no Algarve; (vi) a relevância, em VAB e no emprego, do sector secundário distancia claramente o Norte atlântico dos outros espaços: 44%, em VAB e no emprego, que compara com 34% (cerca de 30% do emprego) na economia do espaço de “transição”, 28% quer no Norte transmontano (20% no emprego), quer no Sul – montado (25% no emprego) e 13% (20% no emprego) no Algarve; (vii) o impacte da agricultura e da silvicultura (o fundamental do sector primário) sobressai, generalizadamente, com maior expressão social (emprego) do que em termos de contribuição para o VAB – o que revela a carência de oportunidades do emprego não agrícola, ou por ausência de procura, ou pelos condicionalismos da população que se emprega na agricultura (mais idosa, menos qualificada e com mais baixas habilitações, mais feminina…). E é assim que, (viii) enquanto no Algarve e no Sul – montado o peso relativo do ramo agrícola (incluindo também a silvicultura) não revela grande afastamento entre as grandezas VAB e emprego (no Algarve: uma participação em VAB de 5% e de 6% no emprego; no Sul – montado: 15% e 18%, respetivamente), nos outros espaços são notáveis as discrepâncias: 3% e 18% no Norte atlântico, 6% e 19% na zona de “transição”, 13% em VAB mas 42% no emprego no espaço do Norte transmontano.

As diferenças inter espaciais que se anotaram vêem-se bem refletidas nos índices sintéticos das rendabilidades do emprego não agrícola-silvícola (VAB não agrícola/emprego não agrícola) e do emprego agrícola (VAB da agricultura e da silvicultura/emprego na agricultura e silvicultura). Sobreleva-se a diferença, para ambos os índices, entre o Norte atlântico e o Sul – montado (Quadro 2)

Passa-se à vertente técnico-económica da agricultura e silvicultura revelando, em primeira linha, a diversidade dos espaços dos sistemas agroflorestais no que respeita à importância das grandes componentes produtivas. Destaca-se: a produção vegetal no Norte transmontano e, sobretudo, no Algarve; o maior impacte da produção animal no Norte atlântico e, depois, no território de “transição”; e a silvicultura no espaço do Sul – montado (Quadro 2).

Em observação mais fina, e sob a ótica do valor económico gerado, são de reter as especializações produtivas (no entendimento de maior peso relativo, no total do VAB, na zona face ao que se regista na média do Continente português): (i) Norte atlântico: produções de madeira, de bovinos (sobretudo leite, mas também carne), da vinha, de “outros produtos animais” (granívoros – suínos e animais de capoeira -, mel e cera e equídeos) e de “outros produtos florestais” (não madeira nem cortiça); (ii) Norte transmontano: vitivinicultura, olivicultura, produção de frutos secos (amêndoa e castanha) e de pequenos ruminantes (caprinos e ovinos); (iii) A zona de “transição” individualiza-se pela forte especialização nas produções de “hortícolas e frutos frescos” (incluindo horto-industriais, citrinos e frutos subtropicais), de “outros produtos animais” e de madeira; (iv) Sul: cortiça, cereais, pequenos ruminantes e “outros produtos florestais”; (v) Algarve: “hortícolas e frutos frescos” e frutos secos (alfarroba, amêndoa e figo).

Claro que o que se descreveu a partir de resultados económicos é o reflexo dos usos do território e das espécies animais em presença nos diferentes espaços. Não admira, portanto, que a importância na superfície territorial da extensão de culturas permanentes (pomar, olival, vinha), no Norte transmontano, no espaço de “transição” e, em menor nível, no Algarve, supere o registo médio no Continente português; ou que idêntica situação se assinale no Sul – montado no que respeita às dimensões de “terras aráveis de culturas temporárias”, de “prados e pastagens permanentes” ou de “cultivos em sob coberto de florestas”.

Em matéria do efetivo pecuário, ao contrário do que se verifica na zona de “transição” – com o elevado predomínio dos suínos (perto de 70% do total do efetivo, expresso em cabeças normais, CN, com a exclusão dos animais de capoeira – INE IEEA2005) –, nos demais espaços, a supremacia é dos herbívoros: 65% no Algarve, 73% no Norte atlântico (a coincidir com a média do Continente), 83% no Sul – montado, rondam os 90% no Norte transmontano. Sobressai, depois, a forte presença dos pequenos ruminantes no Sul – montado (perto de 25% do total dos gados, em CN), no Algarve (30%), e, mais ainda, no Norte transmontano (40%); salienta-se, ainda, o impacte dos bovinos de vocação não leiteira (as vacas aleitantes, onde emergem as raças autóctones) no Norte atlântico (perto de 20%) e no Algarve (cerca de 25%) e, sobretudo, no Sul – montado (acima de 50% do armentio total).

Quanto às espécies florestais que caracterizam a paisagem dos espaços dos sistemas agroflorestais importa deixar o retrato sustentado na respetiva importância relativa na superfície territorial, face a idêntico rácio ao nível do Continente (AFN, 2005/06 e 1995/98 – cf. Rolo, 2010). Assim, destacam-se as especializações: no Norte (atlântico e transmontano) – carvalhos e castanheiros; no Sul – montado – sobreiros e azinheiras e pinheiros mansos; no Algarve – alfarrobeiras e pinheiros mansos. Menção, também, ao grande impacte do conjunto de pinheiro bravo e eucalipto no Norte atlântico e no espaço de “transição”.

Produções florestais

Alfarroba

A alfarrobeira apenas assume importância económica no Algarve. Numa área de cerca de 85 000 ha, individualizam-se, atualmente, três sistemas de produção: (i) o denominado pomar misto, com uma extensão de cerca de 60 000 ha, é o resultado da consociação da alfarrobeira com a amendoeira, a figueira e a oliveira; (ii) a alfarrobeira em parcelas de terreno em que domina o mato, ocupará cerca de 13 000 ha, trata-se do sistema que retrata o crescendo do abandono rural e, portanto, indicia tendência para aumentar em detrimento do sistema anterior; (iii) a alfarrobeira em cultura estreme, este é o sistema mais intensivo e resulta de plantações recentes, que contaram com apoios da PAC (DRAPAlg, 2000). Este sistema mais intensivo está em franco crescimento na região de Mértola, no Baixo Alentejo.

A produção nacional de alfarroba inteira situou-se, no quinquénio 1995/1999, em 40 100 toneladas. A indústria nacional consumia 3 564 toneladas de semente a que corresponde cerca de 35 640 toneladas de alfarroba inteira, e o saldo exportação-importação de semente situava-se em 442 toneladas. Parte da produção de alfarroba inteira era exportada antes de transformada, ou seja, cerca de 4 360 toneladas. A informação mais recente (2008 FAO cit. INE dados provisórios) revela uma produção de 20 000 toneladas, provenientes de 9 100 ha; a balança comercial de derivados de semente de alfarroba mostrava a exportação de 2 381,3 toneladas e a importação de 418,7 toneladas.

Castanha

O castanheiro ocupa no Continente português uma área de cerca de 41 000 ha (AFN, 2005/06). Para além das pequenas manchas no nordeste do Alentejo (Serra de São Mamede) e no Algarve (Serra de Monchique), concentra-se sobretudo no espaço do Norte transmontano. A parte substancial daquela área (93-97%) é explorada em sistema agro-florestal denominado souto, visando essencialmente a obtenção de fruto. Na parte restante, o castanheiro é explorado em castinçais, ou seja, em talhadia.

Atualmente, no quadro da UE e com vista a proteger e valorizar a castanha de cada região estão registadas várias denominações de origem protegida, DOP: “Castanha da Serra da Padrela e Carrazeda de Montenegro”, “Castanha da Terra Fria Transmontana”, “Castanha dos Soutos da Lapa” e a “Castanha de Marvão”.

A produção oficialmente contabilizada situa-se em torno de 22 000 toneladas, com origem numa superfície de cerca de 30 300 ha. O destino da produção (em toneladas): consumo interno - 17 340; exportação - 5 557,5 (cerca de 12,5 milhões de euros). Anota-se a importação de perto de 1 000 toneladas (próximo de 1,8 milhões de euros) (2008, FAO cit INE dados provisórios).

Pinhão

No espaço do Sul – montado, o pinheiro manso é explorado, sobretudo, segundo dois tipos de sistemas: (i) O sistema das grandes explorações de montado (onde a maior parte da extensão de pinhal é procedente de regeneração natural) – trata-se de um sistema essencialmente coletor de pinhas, sendo a produção vendida na árvore ou explorada em parceria entre proprietários e apanhadores. (ii) O designado “sistema moderno” – é o sistema de implantação recente, também em grandes explorações nas regiões do Alentejo e Ribatejo; os povoamentos, artificiais, são conduzidos de forma mais intensiva e como autênticos pomares frutícolas.

Anota-se que o pinheiro manso também marca presença em outros espaços dos sistemas agro-florestais que se delimitaram: em pequenas e médias explorações de algumas zonas do Norte atlântico e do Algarve, onde, de forma pouco regular se aproveita o material lenhoso e, em pequena escala, se procede à apanha de pinha.

A dimensão territorial do pinheiro manso no Continente português situa-se em cerca de 84 000 ha (DGRF, 2007). Entre os anos 1995 e 2005, ao contrário do decréscimo registado no Algarve, a área da espécie teve um importante impulso - para além do que se verificou no espaço da área metropolitana de Lisboa (Península de Setúbal) - no espaço do Sul-montado (em concreto, no litoral e nas zonas norte e nordeste). É no litoral do espaço Sul – montado que, no contexto português, a produção de pinhão adquire a máxima importância.

No litoral do Sul – montado, a classificação por tipo de povoamento, revela que os “povoamentos puros” representam um pouco mais de 40% da área total de pinheiro manso; os “mistos”, em que a espécie é “dominante”, significam 35%; cabendo o remanescente aos “mistos” com o pinheiro manso como “dominado”. Na extensão dos povoamentos “mistos” (cerca de 45 000 ha), o sobreiro domina em 48% e o pinheiro manso é “dominante” nos restantes 52% (Coelho e Campos, 2009).

Estima-se que a produção anual portuguesa se situa, na atualidade, entre 60 a 70 milhões de pinhas, o equivalente a cerca de 520 toneladas de miolo de pinhão (65 * 106 pinhas = 3,25 * 106 kg de pinhão com casca = 3,25 * 106 kg * 0,16 kg de miolo = 520 000 kg. Com os preços ao produtor, em 2004, aquela produção atingiria uma receita de 32,5 milhões de euros. O saldo da balança comercial portuguesa de miolo de pinhão cifrou-se em 2,3 milhões de euros (exportações: 171,6 toneladas; cerca de 4,02 milhões de euros) (INE, 2008).

Cortiça

Desde meados dos anos trinta do século XX que Portugal é o principal produtor e transformador mundial de cortiça.

A área ocupada pelo sobreiro, a nível mundial, situa-se próxima de 2,7 milhões de hectares (correspondendo a 350 mil toneladas de cortiça), distribuída essencialmente na zona Mediterrânea com influência atlântica. A Península Ibérica detém 56% da área total, cabendo a Portugal 33% da área total. Três países da UE27 (Portugal, Espanha e Itália) são líderes na produção, transformação e comércio de cortiça. As quotas de Portugal, a nível mundial, na produção e na transformação elevam-se a 54% e a quase 70%, respetivamente.

Outros dados da situação portuguesa: (i) em 83% dos 713 000 ha de sobreiros contabilizados em Portugal (AFN, 2005/06) os povoamentos apresentam um estado de vitalidade que se classifica como “bom” ou “bastante bom” e com um apreciável potencial produtivo de cortiça amadia; (ii) no cômputo das exportações totais, a importância dos transformados industriais da cortiça situa-se em quase 3%; (iii) as pequenas empresas são responsáveis pela transformação de 70% da produção; (iv) o principal comprador de transformados de cortiça é o sector dos vinhos (cerca de 60 %), seguido da construção civil (15 %) e do sector automóvel (11%).

É precisamente no escoamento de transformados (rolhas) por via do sector dos vinhos que a cortiça tem vindo a enfrentar dificuldades. Na realidade, as rolhas de cortiça natural têm vindo a ser substituídas por rolhas aglomeradas, ou mesmo por rolhas micro granuladas, o que tem resultado num decréscimo do valor das cortiças delgadas. Tal concorrência dos vedantes alternativos em relação ao produto natural está a afetar diretamente o valor económico da cortiça e do montado de sobro, com implicações sérias na rentabilidade da exploração, podendo colocar em causa a sustentabilidade do ecossistema; acrescem os impactes ambientais negativos daqueles vedantes. Para enfrentar a situação, os agentes da fileira cortiça e os decisores políticos vêm desenvolvendo uma importante campanha de defesa e promoção desta notável matéria-prima (Pestana e Coelho, 2007).

 

Síntese

É evidenciada a diversidade entre os espaços dos sistemas demarcados, advinda do fator climático e espelhada nas espécies florestais que particularizam as respetivas paisagens: carvalho e castanheiro no Norte (atlântico e transmontano); sobreiro, azinheira e pinheiro manso (na zona litoral ocidental) no Sul-montado; alfarrobeira e pinheiro manso no Algarve. Ainda, mas já fora da aceção de sistema agro-florestal, referência ao pinheiro bravo e ao eucalipto pelo seu impacte no Norte atlântico e na mancha espacial de “transição”.

Contrastes também na dimensão territorial, na ocupação populacional (atente-se nos 275 hab./km2 no Norte atlântico, contra menos de 30 no Sul-montado) e respetivos índices de envelhecimento (mais elevados no Sul-montado e, sobretudo, no Norte transmontano), no contributo para a riqueza gerada e na respetiva estrutura produtiva sectorial. Retendo apenas a vertente técnico-económica da agricultura e silvicultura destaca-se a maior importância, ao nível das grandes componentes produtivas: Norte atlântico: produções de madeira, de bovinos (sobretudo leite), da vinha, de “outros produtos animais” (suínos, animais de capoeira, equídeos, mel e cera) e de “outros produtos florestais” (não madeira, nem cortiça); Norte transmontano: vitivinicultura, olivicultura, produção de frutos secos (amêndoa e castanha) e de pequenos ruminantes (caprinos e ovinos); zona de “transição”: produções de “hortícolas e frutos frescos”, de “outros produtos animais” e de madeira; Sul – montado: cortiça, cereais, pequenos ruminantes e “outros produtos florestais”; Algarve: “hortícolas e frutos frescos” e frutos secos (alfarroba, amêndoa e figo).

 

Agradecimentos

Ao Eng.º Vitor Martins do INIAV, I.P. pela elaboração do mapa.

 

Referências bibliográficas

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Recebido/Received: 2013.08.05

Aceitação/Accepted: 2014.03.27

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