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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.35 no.2 Lisboa July 2012

 

A Protecção das plantas numa encruzilhada

Plant protection in a crossroad

Pedro Aguiar Pinto[1]

 

[1] Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa. E-mail: papinto@isa.utl.pt

 

RESUMO

A Agronomia nasceu como ciência, da integração de várias disciplinas científicas, das crescentes necessidades tecnológicas e ainda da interacção resultante do ensino agrícola ao longo do século XIX. Apesar de muito bem sucedida, encontra-se hoje numa encruzilhada como resultado do método utilizado – o princípio do factor limitante: as ciências que lhe deram origem parecem seguir rotas centrífugas. É necessário voltar à integração disciplinar e a análise de sistemas parece ser o método mais adequado, reforçando, ao mesmo tempo, as competências de observação da realidade e de capacidade de juízo que permitem que o conhecimento científico possa sustentar a decisão operativa.

Palavras-chave: Análise de sistemas, ecossistema agrícola, história da Agronomia, protecção de plantas.

 

ABSTRACT

Agronomy was born as a science integrating several scientific disciplines, growing technological needs and from the interaction resulting born in agricultural schools created along the whole XIX century. Although very successful, it finds herself in a crossroad as a result of the method used – the limiting factor principle: the sciences that are in its origin seem to be following a centrifugal road. It is necessary to go back to integration and systems analysis seems to be the most adequate method, strengthening at the same time, skills or reality observation and judgment capacity to allow that the scientific knowledge might support the operative decisions.

Keywords: Agro-ecosystem, history of Agronomy, plant protection, systems analysis.

 

INTRODUÇÃO

A agricultura é uma actividade humana onde as culturas que se praticam e o modo como são cultivadas são decisões humanas, dependendo também da utilidade dos produtos, custos de produção e risco envolvido, tendo como objectivo principal a produção de alimentos e fibra (Loomis e Connor, 1992).

Vale a pena darmo-nos conta de que a palavra decisão encerra um procedimento que pode ser decomposto em quatro passos sequenciais: observação, avaliação, escolha e acção. Na medida em que existe uma escolha, a decisão está, por isso, intimamente ligada ao conceito de incerteza. Para que as decisões sejam adequadas é preciso procurar reduzir a margem de incerteza, objectivo que é atingido com mais conhecimento.

Ora este conhecimento, que apoia a decisão em agricultura, é resultado de análises ecológicas, baseadas em princípios biológicos, físicos e químicos sobre a capacidade das plantas e animais num determinado ambiente assegurarem a produção de materiais orgânicos. Criação e sistematização de conhecimento é a definição de ciência. O domínio destas análises é aquilo a que chamamos Agronomia, uma ciência aplicada.

 

O NASCIMENTO E CRESCIMENTO DE UMA DISCIPLINA CIENTÍFICA

Embora a Agricultura seja tão velha como a História, o estudo sistemático dos processos envolvidos na produção agrícola é relativamente recente.

O Quadro 1 apresenta uma amostra de uma cronologia de acontecimentos aparentemente não relacionados uns com os outros. O seu propósito principal é estabelecer o cenário em que a Agronomia teve origem e deu os seus primeiros passos como uma ciência integradora.

 

 

De facto, a Agronomia consolida-se como uma ciência aplicada que resulta de progressos no conhecimento científico, na solução de problemas tecnológicos e na sistematização de conteúdos programáticos nas inúmeras escolas de ensino agrícola que nascem ao longo de todo o século XIX.

No Quadro 2 apresenta-se um quadro semelhante, agora restrito à Protecção de Plantas e já no século XX.

 

 

Porém, o enorme progresso científico e tecnológico alcançado foi conseguido usando a lógica da identificação de um factor limitante, seguida da procura da solução do problema ou questão associados.

Quer a Agronomia quer em particular a área da Protecção de Plantas resultam da reunião de várias ciências (Física, Química, Biologia, Economia, etc.) (Figuras 1 e 2) cada uma das quais traz a sua contribuição para a solução das questões levantadas pela aplicação da lei do mínimo (Loomis, 1969). Porém, é esta mesma lógica que tem conduzido cada uma das ciências de base numa rota aparentemente centrífuga; embora sejam todas necessárias à consolidação da Agronomia como ciência integradora, a lógica que segue o princípio do factor limitante tende a fazer com que cada área científica aborde a “sua” questão isoladamente, perdendo a visão da totalidade.

 

 

 

 

Ora, é de totalidade que é composta a realidade. Uma cultura é afectada por pragas que podem ser combatidas usando meios de luta de muito diversas naturezas e que vão desde a rotação de culturas, a algumas práticas culturais e à aplicação de insecticidas.

A encruzilhada em que nos encontramos na Agronomia e na Protecção de Plantas em particular, exige um ponto de reflexão.

Se a Agronomia nasce como ciência na integração de disciplinas é na integração que deve procurar o seu caminho (Pinto, 2007). Se a aproximação que parte do factor limitante foi muito bem sucedida na selecção e controlo isolado de factores externos (fertilizantes, pesticidas, água de rega) também teve como resultado trazer-nos a esta encruzilhada onde parece que já não há mais factores a aplicar e onde as várias áreas disciplinares têm dificuldade em se compreender.

Assim, o aumento da sustentabilidade dos sistemas de agricultura não depende apenas da redução ou melhoria da eficiência no emprego de factores externos, mas sobretudo, de uma melhor compreensão do modo como os principais componentes interactuam.

A lista que segue é reconhecidamente incompleta e ocasionalmente especulativa (Loomis e Connor, 1992):

    • Adubos influenciam o crescimento das culturas e das infestantes

    • Adubos podem aumentar a incidência de doenças e ataques de pragas

    • A matéria orgânica (MO) pode diminuir a incidência de doenças pelo aumento da diversidade de espécies

    • MO pode adsorver e inactivar pesticidas

    • MO pode fornecer alimentação alternativa para pragas marginais

    • As mobilizações podem aumentar ou diminuir a incidência de pragas, doenças ou infestantes

    • As mobilizações afectam a quantidade de fertilizante necessário

    • As mobilizações estabelecem o contacto entre a praga ou doença e o pesticida.

Então, o que se trata realmente é de compreender as interacções para além dos efeitos principais.

O passo a dar é procurar compreender o funcionamento do ecossistema agrícola “in loco” seguindo o exemplo do avanço que permitiu à Ecologia passar da autoecologia para a sinecologia, introduzindo o conceito de ecossistema.

A análise de sistemas é o instrumento metodológico que melhor permite a compreensão de relações entre componentes de um sistema (Pinto, 2000).

Na perspectiva do ensino da Protecção de Plantas o que me parece mais fundamental na preparação das novas gerações, até porque o ambiente que nos rodeia a prejudica fortemente, é a capacidade de observação.

Alexis Carrell (1873-1944), prémio Nobel da Medicina em 1912, dizia que “muito raciocínio e pouca observação conduzem ao erro e muita observação e pouco raciocínio conduzem à verdade”, confirmando a imponência dos factos sobre as conjecturas na linha de Mark Twain (1835-1910) que observava com o seu característico humor que “os factos são teimosos, mas as estatísticas são mais maleáveis”. Também Louis Pasteur (1822-1895) acrescenta um ingrediente que ajuda a entender de que tipo de competência se trata: “No domínio da observação, o acaso só favorece a mente preparada”, confirmando que a descoberta científica só é resposta á pergunta que foi previamente feita.

 

REALISMO

A primeira condição desta orientação, um conhecimento mais solidamente baseado na observação, é o realismo, isto é, reconhecer a necessidade de olhar para realidade procurando ver e aprender com ela.

Esta aprendizagem exige atenção e paciência, outras duas características que actualmente passam por tempos de crise.

É obrigatório, também, em qualquer circunstância, ser leal com a realidade, isto é, nunca comprometer, no sentido de negociar, aquilo que é com aquilo que gostaríamos que fosse.

Finalmente, a realidade é totalidade, mas a nossa capacidade de observar é limitada e, portanto, parcial; isto recomenda, portanto, abordagens multidisciplinares que consigam romper com a compartimentação com que a táctica do factor limitante dividiu exageradamente o conhecimento.

 

RAZOABILIDADE

Não basta saber observar. É necessário usar a razão para retirar daí conclusões, para ajuizar.

Esta é outra área das competências dos tempos de hoje que também está em crise. É mais fácil seguir uma maioria do que arriscar pensar e ajuizar. Mas, se não formos capazes de estimular esta urgência nos nossos alunos, brevemente seremos substituíveis por outros fornecedores de conteúdos, certamente com mais informação, mas seguramente menos razoáveis.

É que a razão é esta característica da nossa humanidade que nos permite olhar para a realidade na totalidade dos seus factores. É isto que torna imprescindível o professor.

É que ajuizar é um processo complexo e em etapas que começa na observação para depois poder fazer a comparação usando um critério que permite fazer um juízo comparativo (muito, pouco, grande, pequeno, etc.). Sobretudo quando a realidade é complexa, é aqui que se exige a integração e, tantas vezes, a avaliação multi-critério.

É o juízo que permite tomar a decisão, isto é, tornar operativo o conhecimento, passar, como gostam os nossos alunos, da teoria à prática, mas com a diferença fundamental de que é a teoria que estabelece o critério que suporta a prática da decisão.

De outro modo, a decisão, tem a aparência de o ser, mas não passa de um plágio, da cópia da decisão de outro.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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