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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.35 no.2 Lisboa July 2012

 

O mancozebe é um óptimo exemplo da diversidade de classificação toxicológica dos pesticidas em Portugal

Mancozeb is a optimum example of diversity of toxicological classification of pesticides in Portugal

Pedro Amaro[1]

 

[1] Professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa. E-mail: pedroamaro@netcabo.pt

 

RESUMO

A Autoridade Fitossanitária Nacional (AFN) classifica, em geral, o fungicida MANCOZEBE de Nocivo (Xn) ou Irritante (Xi), ignorando que: na UE, a European Food Safety Authority (EFSA) o considera, além de Xi, também R63, isto é com Possíveis riscos durante a gravidez com efeitos adversos na descendência;e que, nos EUA, a Environmental Protection Agency (EPA) o classifica de Cancerígeno, na Categoria Probable human carcinogen. Esta realidade justifica que se refira o mancozebe como um óptimo exemplo, em Portugal, da estranha e tão frequente diversidade de classificação toxicológica dos pesticidas! Esta situação assume particular gravidade por a substância activa (s.a.) mancozebe ser, a par do folpete, Cancerígeno (R40) (19 s.a. e 53 p.f.) um dos dois pesticidas mais frequentes em Portugal e presente num pesticida simples e em 16 misturas, no total de 65 produtos formulados (p.f.). E ainda mais grave surge, nos últimos dados, relativos a 2009, divulgados pela AFN, relativos às vendas e consumo de produtos fitofarmacêuticos em Portugal, em 3º lugar (833,6 t), após o enxofre e, desde 2001, o glifosato.

Palavras-chave: Cancerígeno, classificação toxicológica, diversidade, pesticida, R63.

 

ABSTRACT

The Portuguese Pesticide Regulation Authority (AFN) classifies the fungicide MANCOZEB as Harmful(Xn) or Irritant (Xi), ignoring that: in UE, the European Food Safety Authority (EFSA) classify, beyond Xi, as R63Possible risk of harm to the unborn child; and, in the USA, the Environmental Protection Agence (EPA) classify as Carcinogenic (Probable human carcinogen). These reality justify that mancozeb is a optimum example, in Portugal, of the strange and frequent diversity of toxicological classification of pesticides! This is quite serious as mancozeb is one of the two active ingredients (a.i.) most frequent in Portugal, as an individual a.i and 16 mixtures with the total of 65 products, and with a very high consumption (833,6 t) in 2009 in a 3º place after sulfur and, since 2001, the glyphosate.

Keywords: Carcinogen, diversity, pesticide, R63, toxicological classification.

 

INTRODUÇÃO

É bem conhecida a frequente ocorrência de diversidade da classificação toxicológica dos pesticidas, nomeadamente entre a Autoridade Fitossanitária Nacional (AFN) (actualmente DGADR e antes CNPPA e DGPPA) e a European Food Safety Authority (EFSA) da UE (4,5).

Um estudo recente (5), evidencia que, nas 306 substâncias activas (s.a.) existentes em Portugal em 1/1/11, 46% tinham elevadas e mais perigosas classificações toxicológicas, com predomínio de s.a. com: Efeitos Tóxicos na Reprodução (38%); Toxidade aguda, T+ e T (32%); e Cancerígenas (29%). Como frisante exemplo da diversidade de classificação toxicológica, destaca-se que 48% das classificações antes referidas são só atribuídas pela EFSA e ignoradas pela AFN.

Esta situação não é novidade, pois já em 2008 (4) era evidente a política de esconder os pesticidas com efeitos específicos na saúde humana: Cancerígenos, Mutagénicos e Tóxicos para a Reprodução – os CMR e referia-se na “Questão Q7. Obrigatoriedade imposta pela Directiva 1999/45/CE: Perante a chocante diferença, entre Portugal e a França, registada entre 1995 e 2001, como aceitar que, só com a obrigatoriedade imposta pela Directiva 1999/45/CE, os especialistas da DGPC e da CATPF descobriram haver em Portugal, em 2005, 48 s.a. com efeitos específicos na saúde humana, quando em França, em 2001, já se referia o mesmo número 48 e em Portugal só sete s.a. (Quadro 24)?” (4).

E para melhor esclarecimento do fundamento de tentativas de explicação por diferença entre perigo da EFSA e risco da AFN,aguarda-se a divulgação pública de informação dos 8 países da Zona SUL sobre:

    Entidades responsáveis pela decisão de autorização;

    Classificações toxicológicas e ecotoxicológicas dos produtos formulados;

    • Justificação, por redução do risco, da não adopção do perigo da EFSA (5).

O Anexo 1 é o Painel P7 do 9º Encontro Nacional de Protecção Integrada (6).

 

A EVOLUÇÃO DA COMERCIALIZAÇÃO DO MANCOZEBE, EM PORTUGAL, DESDE 1965

Os dados da AFN, desde 1965 (Laboratório de Fitofarmacologia) até 2011 (12), esclarecem que a venda e o uso do fungicida mancozebe, em Portugal, teve início em 1965, com o DITHANE M-45, com 2 produtos formulados (p.f.) de uma substância activa (s.a.) Simples (S) por 2 empresas: Permutadora e Valadas. Em 1972 havia 5 p.f. desta s.a S de 4 empresas, mas em 1973, além dos 5 p.f. de mancozebe, surge a 1º s.a. Mistura (M): DITHANE CUPROMIX (mancozebe+sulfato de cobre) com 2 p.f. da Permutadora e da Valadas, no total de 7 p.f.. A evolução gradual ocorre até 1984 com 10 p.f. de mancozebe e 8 p.f. de 6 M, no total de 18 p.f. de 9 s.a. de 9 empresas. Sempre com tendência crescente, atinge-se em 2001: 20 p.f. de mancozebe e 41 p.f. de 18 M, no total de 61 p.f. de 19 s.a, de 19 empresas. Após nítida perturbação entre 2001 e 2005 é retomada a tendência crescente, atingindo-se em 2010 os máximos de 18 s.a. e 69 p.f. de 23 empresas (inferior às 24 em 2011) (Fig. 1).

 

 

As vendas de pesticidas com mancozebe, expressas em toneladas de s.a., entre 1991 e 2010, segundo dados divulgados anualmente pela AFN (ex:1,2,3, 11,13,16), variaram entre 446t em 1992 e 878t em 2008, com ligeira tendência crescente, alguma oscilação e com evidentes reduções entre 1998 (851 t) e 2002 (557 t) e entre 2008 (878 t) e 2010 (647 t) e um período estacionário (557 t – 625 t – 592 t) entre 2002 e 2006. Este nível de vendas coloca o mancozebe em 3º lugar, após o enxofre (2017-10 609 t) e, desde 2001, o glifosato (11t em 1991 – 1427 t em 2010) (Fig. 2).

 

 

 

A CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA DE PESTICIDAS COM MANCOZEBE

A classificação toxicológica da AFN em Portugal

Em 1/1/11 estavam autorizados, em Portugal, pela AFN (12), 65 p.f. de 17 s.a. com mancozebe, sendo os tipos de formulação: pós molháveis (WP) (75%), grânulos dispersíveis em água (WG) (23%) e suspensão concentrada (SC) (2%). O teor em s.a. relativo a mancozebe era: em 20 p.f. da s.a. S (só mancozebe) de 75% e 80%; em 19 p.f. de 9 Misturas (M) com mancozebe variava de 64 a 70%; no mancozebe+propamocarbe

Na classificação toxicológica, da AFN, predomina, a par de N (97%), Xi (60%) e Xn (38%) e, ainda, Sem Informação (S) (2%) no cobre (sulfato de cobre e cálcio)+mancozebe (8%) só com R100 e R51/53 e Sem N (Sn) (3%). Quanto a outras frases de risco, destaca-se R50/53 (85%), R43 (77%), Pode causar sensibilização em contacto com a pele e R37 (71%), Irritante para as vias respiratórias (Quadro 1).

 

 

Como estranha excepção, a AFN, a par de 58 p.f. (89%) sem classificação de CMR, adopta R40 Possibilidade de efeitos cancerígenose R63 Possíveis riscos durante a gravidez com efeitos adversos na descendência,em 3 misturas:

    mancozebe+bentiavalicarbe (éster isopropílico) (VALBON,Sip Inagra);

    mancozebe+cimoxanil+ fosetil-Al (confirmado, só para R63, no rótulo do POMBAL PLUS WG, Sapec) (14);

    • 1 dos 3 p.f. de mancozebe+cimoxanil+folpete (confirmado pelo rótulo de SYGAN LS, Du Pont (9)).

E os outros 2 p.f. da mistura mancozebe+cimoxanil+ folpete são classificados só com R40 (pelo folpete?) e o mancozebe+tebuconazol só com R63 (pelo tebuconazol?)(Quadros 1 e 2).

 

 

As classificações toxicológicas da EPA, da EFSA e de algumas bases de dados

Através da Internet, é fácil obter informação da classificação dos pesticidas, nomeadamente do mancozebe, através da EPA e da EFSA e de várias bases de dados.

A EPA: em 1977, iniciou os estudos da toxidade humana do mancozebe; em 1989,classificou a toxidade do metabolito etilenotiureia (ETU) de “probable human carcinogen” (B2);eem 1992, determinou a proibição do uso de mancozebe em numerosas culturas, cujo número foi reduzido posteriormente (7). Em 2005, foi aprovada a Reregistration eligibility decision for mancozeb (10) que confirma ser cancerígeno e indica “potencial endocrine disruption”com riscos para a saúde humana e “possible effects to birds and mammals”. Não há classificação relativa a toxidade para a reprodução e o desenvolvimento. Não é permitido o uso de mancozebe em tratamento foliar de algodão, em residential/turf e athletic/turf. Mantem-se o intervalo de reentrada de 24 horas em várias culturas (ex: batateira, macieira, tomateiro e vinha).

A EFSA classifica o mancozebe de R63 e Xi, R43. No relatório da SANCO/4058/2001 – rev. 4.4, de Julho de 2009(8), refere-se:

    Carcinogenicidade – Tiróide (inibição de peroxidase da tiróide, hipertrofia/hiperplasia); retinopatia a doses elevadas. Adenomas e carcinomas da tiróide em ratos a doses elevadas;

    Toxidade na ReproduçãoDecreased pup weight at parentally toxic dose level. Malformations at high doses in rats; embryo-/fetotoxicity (delayed ossification, abortions) at lower maternally toxic doses in rats and rabbits;

    Dados Médicos – presença de resíduos de mancozebe na urina, evidência de aberrações em cromossomas e não evidência de efeitos na tiróide de trabalhadores da indústria.

Algumas BASES DE DADOS proporcionam informação relativa ao mancozebe. Na da Comissão Europeia e no Agritox em França, o mancozebe é classificado de R63, segundo a Directiva 67/548/CEE, e H361dSuspeito de afectar o nasciturno, de acordo com o Regulamento1278/2008, referindo-se, no Agritox, o pictograma de perigo(Quadro 3).

 

 

Outras bases de dados, a “Pan Pesticides Database” e a “PPDB Footprint”, classificam o mancozebe de Cancerígeno e R63, além de Irritante para olhos e vias respiratórias e quanto a Desregulador endócrino: a PPDB refere “Possível”; e a PAN “Suspeito”. Na PPDB refere-se, ainda, que “Pode causar hipertrofia dos ovários e Possível tóxico da tiróide”.

A diversidade de classificação toxicológica do mancozebe

A diversidade entre as 2 Agências é flagrante: R40 na EPA e R63 na EFSA (Quadro 2). Nas bases de dados da Pan Pesticides Database e da PPDB Footprint o mancozebe é Cancerigeno +R63.

Quanto à AFN, 89% dos 65 p.f. de mancozebe não são CMR, mas três p.f. são R40+R63: (1) mancozebe+bentiavalicarbe (éster isopropílico); (2) mancozebe+ cimoxanil+fosetil-Al; (3) 1 p.f. de mancozebe+cimoxanil+folpete. E dois p.f. de mancozebe+cimoxanil+folpete são só R40 (pelo folpete?).

Que confusão e qual será a justificação da AFN (e da CATPF!)para estas surpreendentes 3 excepções e para ignorar, em 60 p.f. de mancozebe, a classificação de perigo (R63) da EFSA (Quadros 1 e 2)?

 

CONCLUSÕES

    • Em Portugal, o uso do mancozebe teve início em 1965, com 2 p.f. de 2 empresas e em 1/1/11, estavam autorizados 65 p.f. de 24 empresas, com as vendas, em 2009, de 833,6 t, correspondentes ao 3º lugar, após enxofre e glifosato (Fig. 1 e 2).

    • Perante as classificações do mancozebe pela: EFSA de R63; e EPA de R40;e as de duas Bases de dados (“Pan Pesticides Database” e “PPDB Footprint”) de Cancerígeno+R63,a AFN ignora, em 60 p.f. com mancozebe (92% dos 65p.f.), a classificação R 63, adoptada pela EFSA. E, com grande surpresa, classifica de R40+ R63 três misturas de mancozebe (Quadros 1 e 2). Como justifica a AFN esta diversidade de classificação toxicológica?

    • Parece que a AFN invoca características da classificação na base do risco que justificariam a não atribuição de classificações de perigo de elevado risco (ex: T+, T, R46, R60, R61, R40, R63) a mais de 70 s.a., incluindo, em relação a R63, os 60 p.f. de mancozebe. Por mera questão de transparência, além de outras razões, seria aconselhável a urgente divulgação pública de informação dos 8 países da Zona SUL relativa a: (1) Entidades que decidem as autorizações dos p.f.; (2) Classificação toxicológica dos p.f.; (3) Justificação, por redução do risco, da não adopção das CT de perigo da EFSA (5).

    • A credibilidade dos “especialistas” das duas famosas Agências oficiais, a EPA e a EFSA, é maltratada perante a chocante diversidade da classificação toxicológica do mancozebe (Quadros 2), a reforçar a diversidade da classificação de cancerígeno, pelas duas Agências, dos pesticidas autorizados em Portugal em 1/1/11 (5).

    • O mancozebe é, sem dúvida, um óptimo e dos melhores exemplos, a nível nacional (AFN/EFSA) e a nível internacional (cancerígenos: EFSA/EPA) da estranha e muito confusa diversidade de classificação toxicológica dos pesticidas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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8. Comissão Europeia (2009)– Review report for the active substance mancozeb. SANCO/4058/2001 – rev. 4.4, July 2009.         [ Links ]

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ANEXO

 

 

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