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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.34 no.2 Lisboa July 2011

 

Gestão de efluentes nas explorações leiteiras do Entre Douro e Minho

 

Luis Miguel Brito1,2, Joaquim Mamede Alonso1, João Mamede1 e Juan Rey-Graña1

 

1Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Refóios, 4990-706 Ponte de Lima. E-mail: miguelbrito@esa.ipvc.pt;

 2Centro de Investigação de Montanha (CIMO), ESA - Instituto Politécnico de Bragança. Campus de Stª Apolónia, Apartado 1172, 5301-855. Bragança;

 

RESUMO

Na bacia leiteira primária (BLP) da região de Entre Douro e Minho (EDM), Portugal, existe uma pressão ambiental muito forte provocada pelo chorume das explorações de pecuária leiteira (EPL) intensiva, em concelhos densamente povoados. A superfície agrícola útil (SAU) por EPL aproxima-se dos 10 ha, sendo 97% de regadio. O encabeçamento ultrapassa as 5 CN/ha e a sua variabilidade é independente da SAU/EPL. Os efluentes são aplicados ao solo (95 m3/ha SAU) principalmente nas culturas de milho na Primavera e de azevém no Outono, e correspondem a uma quantidade anual média de azoto de 266 kg/ha. As fossas possuem uma capacidade de armazenamento de quase 40 m3/ha SAU ou 7,6 m3/CN, permitindo o armazenamento por um período de 5 meses, para o conjunto dos 10 concelhos da BLP. Para minimizar o impacto ambiental e aumentar a eficiência da utilização do chorume na BLP são referidos um conjunto de boas práticas agrícolas.

Palavras-chave: Azoto, chorume, impacto ambiental, matéria orgânica, nutrientes.

 

Slurry management in the milk farms of Entre Douro e Minho

ABSTRACT

The primary milk production zone (PMPZ) of the region of Entre Douro e Minho (EDM), Portugal is under strong environmental pressure caused by intensive dairy cattle farms (DCF) in high-density population areas. Arable land (AL) of these DCF is around 10 ha, of which 97% is irrigated land. The number of milking cows (Livestock unit, LU) is greater than 5 LU/ha and its variability does not depend upon the AL/DCF. The slurry is mainly applied to the soil surface (95 m3/ha) before sowing maize in the spring, and Italian ryegrass in autumn, at rates of 266 kg/ha per year. Slurry tanks have a mean capacity of almost 40 m3/ha or 7.6 m3/LU, enough for a 5 month storage period, for the overall 10 districts of the PMPZ. To minimize environmental impacts and increase the use efficiency of slurry a series of good farming practices and strategies are discussed.

Key-words: Environmental impact, nitrogen, nutrients, organic matter, slurry.

 

INTRODUÇÃO

As condições naturais do território, a concentração de serviços de apoio técnico e o forte sector cooperativo de representação e organização da actividade leiteira, contribuíram para a actual dimensão económica das explorações de pecuária leiteira (EPL) na região NW de Portugal. Nesta região, os fenómenos de peri-urbanização favoreceram a visibilidade dos impactos ambientais e paisagísticos da actividade leiteira e a conflituosidade social a nível local. As águas subterrâneas, particularmente em zonas arenosas do litoral Norte de Portugal, enfrentam hoje riscos de contaminação crescente de nitratos com origem no chorume e nos fertilizantes minerais. O excesso de N nesta bacia leiteira reflecte-se, também, na qualidade do ar. Entre os compostos voláteis causadores de odores desagradáveis destacam-se o amoníaco e outros gases azotados que contribuem para o aumento do efeito de estufa (Amon et al., 2001; Hao e Chang, 2001). Por estas razões, as pressões externas: i) das políticas e mercados agrícolas; ii) das directivas de protecção ambiental e bem-estar animal; iii) da qualidade e segurança alimentar; iv) e, em particular, da conservação e valorização dos recursos e funções ambientais do solo, da água e do ar, limitam a sustentabilidade destas explorações.

A dimensão e o nível de especialização da exploração leiteira influenciam as práticas de gestão dos efluentes. Na Dinamarca, por exemplo, as explorações de menor dimensão recorrem aos estrumes sólidos, enquanto as de grande dimensão utilizam chorume (Happe et al., 2011). Na região de Entre Douro-e-Minho (EDM), tal como em Espanha (Merino et al., 2011), muitas explorações com menos de 20 CN encerraram a produção na última década, passando a gestão de efluentes a realizar-se quase exclusivamente através do chorume. Nesta região, as explorações possuem um efectivo leiteiro médio de 50 cabeças normais (CN), o qual é inferior à média de países como o Reino Unido, Dinamarca, Irlanda ou Norte da Alemanha (Kristensen et al., 2005). No entanto, o encabeçamento por unidade de superfície agrícola é muito superior no EDM.

De acordo com o projecto europeu do programa Interreg III, GREEN DAIRY - "Sistemas Leiteiros Sustentáveis e Amigos do Ambiente no Espaço Atlântico", que envolveu as regiões do NW Portugal, Galiza, País Basco, Aquitânia, País do Loire, Bretanha, SW de Inglaterra, Irlanda, Irlanda do Norte e Escócia, as explorações da bacia leiteira do EDM são das mais intensivas no conjunto das dez bacias leiteiras do Arco Atlântico envolvidas no projecto. No entanto, ainda que os excessos nos balanços e riscos de perdas de nutrientes sejam os mais elevados, se considerados por unidade de superfície das explorações (ha), as perdas por litro de leite produzido são das mais baixas das regiões leiteiras atlânticas (Fangueiro et al., 2008). Mesmo assim, é necessário alterar o grau de intensificação pecuária nesta região, designadamente estabelecendo limites para o encabeçamento, tal como acontece em muitos países europeus (Milne, 2005). Contudo, a regulamentação e as decisões dos produtores, têm que se basear numa caracterização detalhada do sector.

Este estudo teve como objectivo principal a caracterização da gestão dos efluentes nas explorações agro-pecuárias da Bacia Leiteira Primária de EDM (Barcelos, Esposende, Maia, Matosinhos, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Trofa, Viana do Castelo, Vila do Conde e Vila Nova de Famalicão), com base em inquéritos realizados a 1860 produtores, para servir como instrumento sectorial de apoio à decisão no âmbito da gestão da actividade pecuária leiteira neste território. Como a gestão de efluentes é fundamental para o desenvolvimento de soluções efectivas que minimizem os problemas ambientais decorrentes da actividade leiteira intensiva e, apesar de não terem sido objecto de quantificação neste estudo, sugerem-se, com base em estudos referidos na literatura, medidas mitigadoras da poluição ambiental provocada por esta actividade que podem ser aplicadas na produção leiteira do EDM. 

 

MATERIAL E MÉTODOS

No âmbito do projecto: "Plano de ordenamento da bacia leiteira primária do Entre-Douro-e-Minho", da Acção 5.3.2 do PO AGRIS, recolheram-se indicadores sobre as EPL durante os anos de 2005 e 2006, designadamente, sobre a produção, a gestão e o sistema de tratamento de efluentes pecuários. Realizaram-se inquéritos a 1860 produtores leiteiros, os quais, foram efectuados presencialmente por técnicos da Direcção Regional de Agricultura de EDM. Neste artigo, analisam-se alguns destes resultados, numa lógica de diferenciação espacial e de comparação com referenciais técnicos e legais. De acordo com o Decreto-Lei n.º 202/2005 de 24 de Novembro, que estabelece o regime jurídico do licenciamento das explorações de bovinos, considerou-se uma CN equivalente a um bovino com mais de 24 meses de idade, que produz um volume de efluente diário de 45 litros de fezes e urina acrescido de 5 litros de águas brancas, um bovino entre os 6 e 24 meses de idade equivale a 0,6 CN e um bovino até 6 meses de idade a 0,2 CN. Os resultados referentes à capacidade de armazenamento de efluentes foram comparados com a capacidade mínima para as explorações de bovinos abrangidos por aquele regime jurídico, designadamente: i) ≥ 7 m3 por CN, para explorações dotadas apenas de armazenagem e, ii) ≥ 6 m3 por CN, para explorações com sistema de separação da fracção sólida do chorume.

A quantidade de N nos efluentes (chorume e águas brancas) das EPL foi calculada com base na composição média de 2,8 kg N/m3 de efluente, de acordo com o Decreto-Lei acima referido. Destaque-se que os valores referidos neste Decreto-Lei, para a composição de N do efluente e para a produção diária de efluente, são inferiores aos reportados por Trindade (2007) para bovinos de elevada produtividade. A relação entre a quantidade de N no efluente e a superfície agrícola útil (SAU) da exploração, onde o efluente é geralmente aplicado, foi comparada com a dose máxima de 170 kg N/ha estabelecida no Código das Boas Práticas Agrícolas (CBPA) para a protecção da água contra a poluição com nitratos de origem agrícola (MADRP, 1997) e com a dose máxima de efluente permitida para o licenciamento das explorações de bovinos de 336 kg N/ha, quando existam duas culturas anuais de regadio.

O transporte dos dados para um ambiente de informação geográfica (ArcGIS) indexados aos pontos correspondentes à base física das explorações, permitiu gerar indicadores submetidos a processos de interpolação espacial e análise de superfícies. As cartas de distribuição do efectivo pecuário, de capacidade de armazenamento de efluente e de aplicação de N ao solo através do efluente, foram elaboradas por interpolação espacial dos dados originais, pelo método de Kriging definindo os parâmetros do modelo de ajustamento do semivariograma e os intervalos da reclassificação, de acordo com a forma em causa. A análise de regressão e a análise factorial de componentes principais realizou-se com o programa SPSS 15 (SPSS, Inc.).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As EPL da região de EDM localizam-se principalmente em 10 concelhos (Figura 1) onde exercem uma forte pressão pela densidade populacional e dimensão, principalmente sobre as bacias hidrográficas dos rios Cávado, Este e Ave. Estes concelhos situam-se numa zona litoral com forte influência atlântica, com temperatura média anual compreendida entre 14ºC e 16º C, elevada humidade relativa (80%) e elevada precipitação anual (1000 a 1200 mm). Esta área geográfica apresenta aluviossolos associados às principais linhas de água, fluvissolos nas zonas de transição, arenossolos na zona de costa, seguida de uma faixa adjacente de cambissolos, enquanto os antrossolos predominam em áreas de meia-encosta associadas a maiores declives e possibilidade de captação de água.

 

Figura 1 – Distribuição das 1860 explorações de pecuária leiteira (EPL) nos 10 concelhos da bacia leiteira de Entre Douro e Minho.

 

Os resultados dos inquéritos demonstram grande diversidade na dimensão, estrutura e características produtivas das EPL, que resultam das características e da evolução dos factores económicos, sociais e culturais que as envolvem, e das respectivas dinâmicas internas. Contudo, na generalidade, estas EPL revelam um elevado nível de intensificação, concentração e especialização. Mais de metade (55%) das 1860 EPL inquiridas localizam-se nos concelhos de Barcelos e Vila do Conde (Quadro 1), os quais, em conjunto com os concelhos de Póvoa do Varzim e V. N. Famalicão, possuem 80% do efectivo pecuário. A SAU por EPL aproxima-se dos 10 ha (Quadro 1), sendo 97% de regadio. No conjunto domina o sistema de produção forrageiro com a sucessão milho/azevém, com períodos curtos e bem definidos de sementeira e colheita, e com operações culturais que recorrem a uma elevada mecanização, fertilização e protecção fitossanitária.

 

Quadro 1 – Explorações de pecuária leiteira (EPL), cabeças normais (CN), superfície agrícola útil (SAU) por EPL (ha), produção de efluente (m3/ano) por unidade de SAU (ha), e capacidade de armazenamento dos efluentes em fossas.

 

O encabeçamento ultrapassa as 5 CN/ha e a sua variabilidade é independente da SAU da EPL (CN/ha = -0,0381*SAU + 5,7 com R2 = 0,0079 n.s.). Os maiores encabeçamentos, e em consequência a maior produção de efluente por unidade de SAU, verificam-se na Póvoa do Varzim e Vila do Conde, e a maior SAU/EPL na Maia seguida por Vila do Conde (Figura 2, Quadro 1). Estes encabeçamentos são muito superiores aos existentes no sul da Alemanha (Haas et al., 2001) para explorações intensivas (2,2) ou extensivas (1,9) e aos encabeçamentos permitidos noutros países europeus, como na Dinamarca, onde para encabeçamentos superiores a 2 CN/ha o produtor tem de pagar 175 €/CN para exportar o chorume excedente (Happe et al., 2011).

 

Figura 2 – Distribuição do número total de vacas em produção por EPL e relação entre o número de cabeças normais (CN) e a superfície agrícola útil (SAU).

 

A produção anual de chorume e de águas brancas das salas de ordenha, nos concelhos em estudo, aproxima-se de 1,7 milhões de m3. Estes efluentes são aplicados ao solo como correctivos orgânicos (95 m3/ha SAU) às culturas de milho na Primavera e de azevém no Outono, ultrapassando 100 m3/ha na Póvoa do Varzim e em Vila do Conde(Quadro 1). Estes valores são muito superiores aos utilizados na generalidade dos países europeus, com excepção da Itália (100-120 m3/ha SAU; Menzi, 2002). As fossas possuem um volume médio de 220 m3/EPL e uma capacidade de armazenamento de 40 m3/ha SAU ou 7,6 m3/CN, permitindo o armazenamento por um período de 5 meses para o conjunto dos 10 concelhos (Quadro 2). A Póvoa do Varzim é o concelho com a maior capacidade relativa de armazenamento (6,1 meses) e Viana do Castelo com a menor (3,1 meses). Esta capacidade é semelhante à que se verificava em países como a Espanha, a Áustria ou o Luxemburgo, superior à média da Hungria ou da Polónia, mas inferior à da dos países da Escandinávia (Menzi, 2002).

 

Quadro 2 – Capacidade de armazenamento de efluente (m3) por fossa, por unidade de SAU e de CN, por tempo e em função do tipo de fossa.

 

As fossas encontram-se geralmente cobertas (58%) com materiais de baixo custo e, menos frequentemente, fechadas com placa de cimento (25%) ou abertas (17%). Contudo, existem grandes variações entre os concelhos (Quadro 2). Existe uma proporção muito elevada de fossas abertas em Stº Tirso (44%) e V.N. Famalicão (43%) e de fossas fechadas em Viana do Castelo (66%) e Trofa (59%). As fossas encontram-se principalmente dentro do estábulo (72%), sendo a Póvoa do Varzim o concelho onde este facto mais se evidencia (78%). Pelo contrário, em Viana do Castelo há menos fossas dentro do estábulo (33%) do que fora (Quadro 3).

 

Quadro 3 – Localização das fossas em relação ao estábulo e às linhas de água e respectiva capacidade de armazenamento.

 

A distância das fossas às linhas de água é muito variável entre os concelhos (Quadro 3). Em média, 35% localizam-se a mais de 100 m, mas 45% encontram-se a menos de 50 m de uma linha de água e 16% a menos de 25 m. Esta última proximidade (< 25 m), verifica-se em 57% das fossas no concelho da Trofa. Pelo contrário, verifica-se em apenas 1% das fossas de V.N. Famalicão e 5% das de Viana do Castelo. Nestes últimos dois concelhos, 82% e 62% das fossas, respectivamente, localizam-se a mais de 100 m das linhas de água.

A produção média de chorume e águas brancas por unidade de SAU (ha) inclui uma quantidade de azoto de 266 kg/ha, sendo mais elevada nos concelhos de V.N. Famalicão (276 kg/ha), Vila do Conde (288 kg/ha) e Póvoa do Varzim (315 kg/ha), em comparação com os restantes concelhos (Quadro 4).

 

Quadro 4 – Superfície agrícola útil (SAU), N do efluente (kg/ha), e distribuição (%) da SAU em função da dose de aplicação de N do efluente (kg/ha) e da capacidade de armazenamento de efluente da respectiva exploração leiteira (m3/CN).

 

Estes valores, apurados com base na legislação nacional, serão consideravelmente superiores para a realidade desta região, se forem considerados os valores reportados por Trindade (2007) para a produção e composição de chorume de vacas leiteiras de elevada produção. O valor de 266 kg/ha é muito superior ao valor médio referido por Flotats et al. (2009) para Espanha (21 kg/ha), mesmo para regiões onde este valor é mais elevado como na Catalunha (74 kg/ha) e aos valores reportados por Haas et al. (2001) para o sul da Alemanha, que são de 144 kg/ha, 128 kg/ha e 117 kg/ha, respectivamente para explorações intensivas, extensivas e de agricultura biológica. O valor de 266 kg/ha é ainda superior ao limite de 170 kg/ha de N estabelecido para as zonas vulneráveis, no CBPA para a protecção da água contra a poluição com nitratos de origem agrícola (MADRP, 1997), mas é muito variável entre concelhos. Enquanto em Viana do Castelo, 83% da SAU das EPL recebe menos de 170 kg/ha de N com origem no efluente da pecuária leiteira, na Póvoa do Varzim este facto apenas se verifica em 16,3% da SAU. Neste último concelho, mais de 28% da SAU das EPL estão acima do valor máximo permitido para o licenciamento das explorações de bovinos quando existam duas culturas anuais de regadio (336 kg /ha) (VML) e aproximadamente 40% da SAU é fertilizada com mais de 300 kg/ha N com origem no efluente da pecuária leiteira (Quadro 4).

A produção de N do chorume e águas brancas por unidade de SAU dos 10 concelhos é, em média, inferior ao VML. No entanto, existiam 462 explorações (25% das EPL inquiridas) que ultrapassavam este valor (Figura 3).

 

Figura 3 – Azoto (N) do efluente (chorume e águas brancas) por unidade de SAU (ha) em função do número de cabeças normais por EPL. As linhas assinaladas como CBPA e VML equivalem respectivamente aos valores máximos do Código das Boas Práticas Agrícolas e do licenciamento das explorações de bovinos. *** P <0,001.

 

O valor máximo de 336 kg N/ha permitido para o licenciamento das explorações de bovinos deve ser reduzido para, respectivamente, 75% (252 kg N/ha) quando exista apenas uma cultura anual de regadio ou 33% (112 kg N/ha) se essa cultura for de sequeiro. Na situação de duas culturas (milho seguido de azevém), a aplicação ao solo do chorume deve efectuar-se em ≥ 50% ao milho, ≤ 25% à sementeira da cultura de Inverno e ≤ 25% à fertilização de cobertura da mesma cultura de Inverno. Para se exercer esta prática, a capacidade de armazenamento do efluente tem que ser superior a seis meses, o que não acontece na generalidade das EPL destes 10 concelhos. A Figura 3 revela ainda que o N total do efluente por unidade de SAU aumenta significativamente com o encabeçamento por EPL (P <0,001).

A capacidade média de armazenamento de efluentes das explorações inquiridas neste trabalho (7,6 m3/CN) é superior à capacidade mínima necessária para o licenciamento das explorações leiteiras, designadamente: ≥ 7 m3  por CN, para explorações dotadas apenas de armazenagem, e, ii) ≥ 6 m3 por CN, para explorações com sistema de separação da fracção sólida do chorume. Apesar da variabilidade entre EPL ser elevada, a capacidade de armazenamento (m3/CN) é independente do número de cabeças normais por EPL (Figura 4). No entanto, existe uma grande variação entre explorações (Figura 4). Por esta razão, deverá colocar-se a possibilidade de parceria entre produtores leiteiros para que aqueles que ainda não têm capacidade de armazenamento suficiente, possam recorrer aos que a possuem em excesso. A falta de capacidade de armazenamento de alguns produtores verifica-se também noutros países europeus. Na Escócia, por exemplo, apesar de cerca de um terço dos produtores inquiridos afirmarem que não possuíam suficiente capacidade de armazenamento, de acordo com as exigências da regulamentação para as ZVs, também não se tem conseguido aumentar a transferência do chorume para fora da exploração, devido à dificuldade dos produtores entenderem os benefícios ambientais dessa prática (Barnes et al., 2009).

 

Figura 4 – Capacidade de armazenamento de efluente (m3/CN) em função do número de cabeças normais (CN) por EPL.

 

A maior concentração de N aplicado ao solo (kg/ha) através do chorume verifica-se entre o rio Cavado e o rio Este, e também entre este último e o rio Ave, na área fronteiriça entre os concelhos de Vila do Conde e V.N. Famalicão (Figura 5 A). Na quase totalidade da Zona Vulnerável do Aquífero Livre entre Esposende e Vila do Conde (ZV1), verifica-se que a área arável das EPL está sujeita à aplicação de N no chorume e águas brancas acima do máximo (170 kg/ha) estabelecido pelo CBPA e pelo Plano de Acção Local para a ZV1 (Portaria n.º 556/2003 de 12 de Julho).

A capacidade de armazenamento de efluente é inferior a 7 m3/CN em mais de metade da SAU da bacia leiteira (Quadro 4), com a excepção da Póvoa do Varzim, Trofa e Stº Tirso. No entanto, a Figura 5 (B) revela que a capacidade de armazenamento de efluentes não apresenta uma tendência espacial explícita. A situação e as soluções de armazenamento variaram com a unidade produtiva, verificando-se uma forte variabilidade espacial na capacidade de armazenamento.

 

Figura 5 – Distribuição de N (kg/ha) do efluente pela SAU (A), e capacidade de armazenamento do efluente por cabeça normal (m3/CN) (B), nos concelhos da bacia leiteira de EDM.

 

A análise factorial de componentes principais realizada a doze variáveis do inquérito às EPL (Figura 6), revelou a associação entre as variáveis: CN, produção de efluente e de N por unidade de SAU e, simultaneamente, capacidade de armazenamento do efluente (meses/ano), no grupo relacionado positivamente com o primeiro factor principal. Neste grupo associaram-se negativamente, as seguintes variáveis: incorporação de menos de 170 kg N/ha ao solo através do efluente, proporção das fossas fora do estábulo, proporção das fossas cobertas, e proporção das fossas a mais de 100 m das linhas de água. Ao segundo factor, associam-se positivamente as variáveis correspondentes ao número total de explorações, cabeças normais (CN) e fossas para chorume e águas brancas, por concelho.

 

Figura 6 – Análise factorial de componentes principais de doze variáveis das explorações de pecuária leiteira de 10 concelhos do EDM.

 

Esta análise de variáveis permitiu identificar três grupos de concelhos. No primeiro grupo incluem-se as EPL que por unidade de SAU possuem elevado encabeçamento e consequentemente, elevada produção de chorume e de N. Neste grupo, a capacidade relativa de armazenamento de efluente é muito variável e destacam-se os concelhos de Barcelos e Vila do Conde, pelo maior número absoluto de explorações, CN e fossas para armazenamento do efluente. No segundo grupo inserem-se as EPL que possuem menor dimensão de EPL, CN e fossas. No terceiro grupo encontra-se isolado o concelho de Viana do Castelo, com maior proporção de fossas fora do estábulo, fossas cobertas e fossas com maior distância às linhas de água. Neste concelho, a aplicação de N ao solo, o encabeçamento, a produção de efluente e a capacidade relativa de armazenamento, são inferiores aos restantes concelhos.

Apesar da separação entre a fracção sólida do chorume (FSC) e a fracção líquida ser uma tecnologia com crescente utilização em muito países europeus e norte-americanos, (Ford e Fleming, 2002; Martinez et al., 2009) esta tecnologia é pouco frequente nas EPL do EDM. Nestes 10 concelhos, apenas 3,5% das explorações possuem equipamento para separação da FSC, existindo 66 máquinas que são utilizadas em 95 fossas. De acordo com resultados preliminares dos projectos 177 e 794 da acção 8.1 do PO AGRO, a FSC extraída por esta separadora permite reduzir o efluente em 12,4% em massa (Trindade et al., 2002), e retirar entre 16 a 20% do N do efluente (resultados não publicados), o que corresponde, à escala das 1860 EPL inquiridas, a uma quantidade de 876 t de N, das 4 864 t produzidas anualmente, ou a uma redução da quantidade de N por unidade de SAU de 266 kg/ha para 218 kg/ha.

Para minimizar o impacto ambiental, e aumentar a eficiência de utilização do chorume na bacia leiteira do EDM devem, assim, ser cumpridas boas práticas agrícolas. Entre as quais se sugerem (Trindade, 2007; Brito et al., 2008; Fangueiro et al., 2008; Martinez, et al., 2009; Castanheira et al., 2010): (i) realizar duas culturas por ano para maximizar a absorção e consequentemente a exportação de nutrientes da exploração; (ii) reduzir a aplicação de N e P por unidade de SAU, através dos adubos minerais; (iii) semear o azevém mais cedo para absorver mais nutrientes antes da ocorrência da precipitação de Inverno; (iv) melhorar as técnicas de incorporação do chorume no solo, por exemplo, por injecção directa, para diminuir a volatilização principalmente de amoníaco; (v) exportar parte do chorume para outras explorações agrícolas; (vi) utilizar rações menos concentradas em proteína, para diminuir a concentração de azoto no chorume; (vii) diminuir o encabeçamento; (viii) reduzir e/ou deslocalizar a recria, através da criação de explorações especializadas na recria na região ou fora dela; (ix) aumentar a capacidade de armazenamento de chorume nas explorações deficitárias; e (x) separar a fracção sólida da líquida do chorume e compostar a fracção sólida.

 

CONCLUSÕES

Na bacia leiteira do EDM existe uma pressão ambiental muito forte, provocada pelo elevado efectivo pecuário em concelhos densamente povoados, que contribui para a poluição das águas dos rios Este, Cávado, Ave e Leça. Inserida nesta região, a área arável das EPL da Zona Vulnerável N.º1 está praticamente na sua totalidade sujeita a uma carga de N aplicado ao solo através do chorume, que ultrapassa o estabelecido pelo respectivo Plano de Acção Local. A dimensão e a importância social da produção leiteira nestes concelhos apresenta-se comprometida, quer devido às imposições externas de origem económica e às mudanças de mercado, quer devido à necessidade de preservação do ambiente que se reflecte na evolução do quadro normativo europeu associado à conservação de recursos e funções naturais. Este enquadramento provocou, nestes últimos anos, impactos sobre a estrutura produtiva das próprias explorações mas também, sobre os sectores técnicos de apoio à produção e à comercialização do leite.

Diversas melhorias poderão ser introduzidas na estrutura produtiva das explorações leiteiras, incluindo a produção de um composto baseado na FSC que poderá viabilizar a transferência de matéria orgânica e nutrientes em excesso de uma região com riscos de poluição, para outras que careçam de matéria orgânica. As medidas apontadas neste trabalho, nomeadamente, a diminuição da densidade pecuária em simultâneo com a melhoria da alimentação e do maneio, poderão contribuir no seu conjunto para diminuir o impacto ambiental da actividade leiteira.

 

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AGRADECIMENTOS

Este estudo foi financiado pelos fundos estruturais da União Europeia através do projecto: "Plano de ordenamento da bacia leiteira primária do Entre-Douro-e-Minho", da Acção 5.3.2 do PO AGRIS, e do projecto nº 794 da Acção 8.1 do PO AGRO: Compostagem da fracção sólida dos chorumes de explorações pecuárias leiteiras com fins agronómicos e ambientais.

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