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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.34 no.2 Lisboa jul. 2011

 

Evolução das características físico-químicas e dinâmica dos nutrientes durante a compostagem da fracção sólida do chorume

 

Luis Miguel Brito1,2, Ana Luisa Amaro1, Isabel Mourão1,2e João Coutinho3

 

1Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Refóios, 4990-706 Ponte de Lima. E-mail: miguelbrito@esa.ipvc.pt;

2Centro de Investigação de Montanha (CIMO), ESA - Instituto Politécnico de Bragança. Campus de Stª Apolónia, Apartado 1172, 5301-855. Bragança;

3C Química, DeBA, EC Vida e Ambiente, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, ap 1013, 5001-911 Vila Real. E-mail: j_coutin@utad.pt

 

RESUMO

A fracção sólida do chorume (FSC) de duas explorações leiteiras foi compostada sem adição de outros materiais, em pilhas estáticas altas (1,7 m) e baixas (1,2 m) para estudar a evolução das características físico-químicas e a dinâmica dos nutrientes durante a compostagem. As temperaturas máximas nas pilhas altas (62–64 ºC) foram superiores às das pilhas baixas (52 ºC), o que garantiu uma melhor higienização do compostado nas pilhas altas. Os teores de nutrientes aumentaram durante a compostagem, em consequência das perdas de matéria orgânica (MO) cujos valores variaram, no final da compostagem, entre 520 e 660 g kg-1. A regressão linear entre os teores de nutrientes e de MO revelou coeficientes de correlação sempre muito significativos (P <0,001) que diminuíram pela seguinte ordem: N, Ca, P, e K. A baixa temperatura, a baixa razão C/N e o baixo teor de N-NH4+, em combinação com o elevado teor de N-NO3- dos compostados finais, indicaram que estes estavam estabilizados. Os elevados teores de MO e de macronutrientes e a baixa condutividade eléctrica (0,6–1,4 dS m-1), sugerem que os compostados da FSC são apropriados como correctivos orgânicos.

Palavras-chave: Azoto, compostado, matéria orgânica, mineralização, nutrientes

 

Physicochemical changes and nutrient dynamics during composting of the solid fraction of dairy cattle slurry

ABSTRACT

Cattle slurry solid fraction (SF) was collected from two dairy farms and composted in tall (1.7 m) and short (1.2 m) static piles to evaluate the physical-chemical characteristics and nutrient dynamics of SF during composting. Highest maximum temperatures (62–64 ºC) were achieved in tall piles compared to short piles (52 ºC). Therefore, tall piles enhanced compost sanitation. Final OM losses were within the range of 520-660 g kg-1 and nutrient content gradually increased throughout the composting period, due to the net loss of OM. Linear regression between nutrient and OM contents showed highly significant correlation coefficients (P <0.001), which decreased by the following order: N, Ca, P and K. The low temperature, C/N ratio, and content of NH4+-N combined with increased concentrations of NO3--N indicated that SF composts were stabilized. The high concentration of OM and macronutrients in the dry matter of final composts, together with a low electrical conductivity (0.6–1.4 dS m-1), suggested that SF composts would be effective as soil organic amendments and suitable for use in agriculture.

Key-words: Compost, mineralisation, nitrogen, nutrients, organic matter

 

Introdução

A fracção sólida do chorume (FSC) é constituída por um material fibroso que, dentro de certos limites, variáveis com o teor de humidade da FSC, permite a deslocação de ar para o interior da pilha em compostagem. A entrada de ar aumenta pela acção do fluxo ascendente provocado pelo calor da compostagem (Oenema et al., 2001), cuja produção depende da velocidade a que os microrganismos crescem e actuam. Por sua vez, o crescimento microbiano depende do teor de humidade, do arejamento, da razão C/N e do sistema de compostagem utilizado (Tchobanoglous et al., 1993). Por isso, as características físico-químicas das pilhas de compostagem da FSC são responsáveis pela criação de condições aeróbias ou anaeróbias que determinam a actividade metabólica, e a temperatura no seu interior. A dimensão das pilhas influencia o arejamento devido ao fenómeno de convecção (Michel, 1999); quanto maior a dimensão da pilha, maior o número de locais no seu interior com anaerobiose. O teor de oxigénio no interior da pilha determina, também, o tipo de gases azotados que se formam nas pilhas. As emissões de NH3 em condições de excessivo arejamento, e de N2O e N2 produzidos por desnitrificação em anaerobiose, prejudicam o ambiente e diminuem o valor agronómico do compostado final (Hao e Chang, 2001).

As principais causas responsáveis pelas emissões de N durante o processo de compostagem, para além da intensidade com que se realizam as trocas gasosas com o exterior, são a baixa razão C/N dos materiais originais, o elevado pH e a elevada temperatura que ocorre durante a fase termófila (Sommer e Moller, 2000; Raviv et al., 2004). Para minimizar as perdas de NH3 o pH não deve exceder 8,5 (Tchobanoglous et al., 1993). No entanto, este valor pode ser excedido durante a compostagem da FSC (Brito et al., 2008) devido ao elevado teor de bicarbonatos na FSC, os quais, são muito utilizados na alimentação intensiva dos bovinos. Nestas condições, as perdas de N poderão ser contrariadas pela ausência de revolvimento das pilhas.

A razão C/N de materiais bem compostados pode variar devido ao tipo de material original e às condições do processo de compostagem. Por exemplo, enquanto um decréscimo de uma razão C/N inicial de 35-40 para um valor final de 18-20 normalmente revela um avançado grau de maturação já com materiais ricos em N (como os dejectos de origem animal ou as lamas de ETAR) poderá começar-se por uma razão C/N baixa (inferior a 10) e esta tenderá a aumentar devido às perdas de N serem superiores às de C durante a compostagem (Zucconi e Bertoldi, 1987). Assim, a razão C/N não pode ser considerada um indicador absoluto do estado de maturação de um compostado, e terá de ser interpretada sempre de acordo com as características iniciais dos materiais orgânicos. Contudo, para materiais com elevada razão C/N inicial (como a FSC), esta pode ser considerada como um indicador aceitável do grau de decomposição dos mesmos (Larney e Hao, 2007).

Quando a razão C/N diminui durante a compostagem, significa que as perdas de C são superiores às perdas de N em termos relativos, resultando um aumento no teor de N na MS. A diminuição da razão C/N e o aumento relativo de N durante a compostagem de dejectos animais encontra-se bem documentado (Brito et al., 2008; de Bertoldi e Civilini, 2006). Estudos recentes (Beauchamp et al., 2006; Hatayama et al., 2005; Schwintzer et al., 2002) sugerem, também, aumentos de N em termos absolutos em consequência da fixação de N atmosférico por microrganismos (dos géneros Azotobacter e Pseudomonas) durante a compostagem de materiais com elevada razão C/N, particularmente quando o teor de NH4+ é baixo (Cayuela et al., 2009). Simultaneamente, o elevado teor de C disponível permite aos fixadores obter a grande quantidade de energia necessária para o processo de fixação (Beauchamp et al., 2006).

Neste trabalho, estudou-se o processo de compostagem da FSC com o objectivo avaliar a dinâmica dos nutrientes durante este processo e para verificar se este material, com elevada razão C/N e elevado teor de humidade, pode ser compostado em pilhas estáticas, sem adição de qualquer material estruturante, e sem revolvimento das pilhas, de modo a minimizar os custos da compostagem e as perdas de N por volatilização.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A FSC foi recolhida em duas explorações de pecuária leiteira intensiva, ambas localizadas no concelho de Vila do Conde, no NW de Portugal. As máquinas separadoras utilizadas na extracção da FSC baseavam-se na pressão provocada por um parafuso sem-fim que impulsiona os sólidos para a extremidade frontal da máquina, enquanto a fracção líquida atravessa um crivo que rodeia o parafuso sem-fim. Na primeira exploração o rendimento da máquina em FSC foi superior em trabalho (4 m3 hora-1, FSC1) em comparação com a segunda (1 m3 hora-1, FSC2). As modalidades de compostagem incluíram: (A) FSC1 em pilha alta (1,7 m de altura); (B) FSC2 em pilha alta; (C) FSC1 em pilha baixa (1,2 m de altura) e (D) FSC2 em pilha baixa. As pilhas localizaram-se ao ar livre, sobre uma tela de cobertura do solo de polietileno e foram cobertas com uma tela de polipropileno não tecido, tipo geotextil (Toptex), que impede a infiltração da água da chuva mas possibilita as trocas gasosas com o exterior.

As temperaturas no centro das pilhas e do ambiente exterior foram medidas em cada minuto com termístores (tipo ST1, Delta-T Devices). A temperatura média do ar ambiente durante o período experimental foi 14,4 ºC. Realizaram-se nove colheitas de quatro amostras por cada pilha nos seguintes dias de compostagem: 0, 7, 14, 28, 42, 63, 91, 126 e 168. Recorreram-se às normas europeias para a determinação das seguintes características: humidade, com base em 50 g de material original (CEN, 1999a); pH por potenciometria utilizando extractos de 60 cm3 de amostra por 300 ml de água (CEN, 1999b); condutividade eléctrica dos extractos aquosos obtidos de acordo com a norma do pH (1+5, v/v), após filtragem (CEN, 1999c), com um condutivímetro; matéria orgânica (MO) por calcinação numa mufla a 550°C durante 4 horas (CEN, 1999d); e azoto (N) Kjeldahl modificado (CEN, 2001). A concentração de carbono total, destinado ao cálculo da relação C/N, foi determinada pela fracção entre a concentração da matéria orgânica e a constante 1,8 (Gonçalves e Baptista, 2001).

A mineralização da MO foi estimada com base nas perdas de MO que foram calculadas pela seguinte fórmula:

 

Perdas MO (g kg-1)=1000–1000[X1(1000–X2)]/[X2(1000–X1)]

 

em que X1 e X2 representam a percentagem de cinzas (g kg-1), respectivamente, no início e no fim de cada período de compostagem (Paredes et al., 2000).

Parte das amostras foram congeladas imediatamente após a colheita, para a determinação do azoto mineral, após extracção com KCl 2M (1:5), por espectrofotometria de absorção molecular (Houba et al., 1995), após diálise, em autoanalisador de fluxo segmentado. Para a extracção dos nutrientes utilizou-se uma digestão sulfúrica para o P total e uma digestão nitro-perclórica para K e Ca. O P nos digeridos foi determinado por espectrofotometria de absorção molecular, o K por espectrofotometria de emissão de chama e o Ca por espectrofotometria de absorção atómica.

Utilizou-se o método de Levenberg-Marquardt na análise de regressão e o método da menor diferença significativa (P <0,05) para comparar as médias dos parâmetros químicos analisados, recorrendo-se ao programa SPSS v. 15.0. (SPSS Inc.).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A fase termófila (> 50ºC) da compostagem iniciou-se pouco tempo depois da construção das pilhas altas (Figura 1), mais lentamente na pilha A, e prolongou-se por quatro meses nesta pilha e por dois meses na pilha B. As temperaturas máximas registadas durante a compostagem foram 64 ºC e 62 ºC, respectivamente nas pilhas A e B. Nestas pilhas, a temperatura permaneceu acima dos 55 ºC por um período superior a 15 dias o que deverá ter garantido a higienização do compostado final de acordo com Wu e Smith (1999). Nas pilhas baixas as temperaturas permaneceram acima dos 45 ºC por um período de 21-35 dias (Figura 1) mas só foram superiores a 50 ºC num período de tempo muito reduzido em que atingiram a temperatura máxima de 52 ºC. Devido à fácil degradação da MO da FSC verificou-se que, mesmo nestas pilhas de pequena dimensão, foi possível alcançar uma subida rápida das temperaturas no seu interior, as quais, terão acelerado a hidrólise das principais moléculas estruturantes da FSC. Contudo, poderão não ter garantido a higienização e a perda de viabilidade das sementes de infestantes do compostado final.

 

Figura 1 - Temperatura (ºC) durante a compostagem da fracção sólida do chorume em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e em pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D). Ta representa a temperatura do ar ambiente.

 

O aumento da temperatura com a dimensão das pilhas poderá ser explicado pela menor superfície específica das pilhas de maior dimensão, que terá contribuído para diminuir a dissipação de calor por unidade de massa da FSC e conservar o calor no interior das pilhas. Na generalidade das pilhas, a temperatura diminui para valores pouco superiores à temperatura do ambiente exterior ao fim de 3-5 meses, indicando o fim do período mais activo da compostagem, sem prejuízo da existência de um período mais prolongado de maturação do compostado. A fase termófila foi mais prolongada com a FSC1 que teve um teor de humidade geralmente mais elevado nos primeiros 42 dias de compostagem em comparação com a FSC2 (Quadro 1). No entanto, o teor de humidade da FSC após 63 dias de compostagem dependeu mais da dimensão das pilhas do que da origem da FSC.

 

Quadro 1 - Teor de humidade (%) durante a compostagem da FSC em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e em pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D).

 

A evaporação foi superior nas pilhas altas, que alcançaram temperaturas mais elevadas, nas quais o teor de humidade diminuiu durante a compostagem para valores finais de 36-46%, enquanto o teor humidade nos compostados finais das pilhas baixas foi de 67-72%. Assim, conclui-se que as pilhas mais altas são recomendáveis para elevar as temperaturas durante a compostagem.

O pH nas pilhas de compostagem foi sempre alcalino variando entre valores de 8,7-9,2 no início da compostagem e de 7,1-9,9 no final do processo (Quadro 2). Não se observaram diferenças consistentes de pH ao longo do tempo de compostagem, ou em função do rendimento de separação da FSC ou da dimensão das pilhas, com a excepção de uma ligeira diminuição de pH no final da compostagem nas pilhas baixas e que poderá estar relacionada com uma taxa de nitrificação mais elevada nestas pilhas (Figura 2). Angelidaki e Ahring (1993) também não encontraram grandes alterações de pH durante a digestão do chorume bovino e referiram que tal foi devido ao elevado poder tampão do material.

 

Quadro 2 - pH durante a compostagem da FSC em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e em pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D).

 

Figura 2 – N-Amoniacal (N-NH4+) e N-Nítrico (N-NO3-) (g kg-1 MS) durante a compostagem da FSC em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e em pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D). As barras do erro indicam o desvio padrão da média.

 

A elevada concentração de sais pode ser fitotóxica e, por isso, a baixa condutividade eléctrica (CE) é um indicador da segurança do compostado para uso agrícola. Durante a compostagem, a CE dos extractos aquosos variou entre 1,6 e 2,4 dS m-1 para o conjunto das pilhas (Quadro 3), sendo inferior nos compostados finais (0,6-1,4 dS m-1) onde nunca alcançou o valor de 3 dS m -1 referido por Soumaré et al. (2002) como limite para um compostado ser aplicado ao solo como correctivo orgânico. Apesar da mineralização da MO durante a compostagem, a diminuição da CE foi já observada em experiências anteriores (Benito et al., 2009; Grigatti et al., 2011; Khalil et al., 2007; Rashad et al., 2011). A diminuição nos valores de CE pode ser atribuída à redução de substâncias solúveis em água e à volatilização de amónia, bem como à precipitação de sais minerais durante o processo de compostagem (Rashad et al., 2011).

 

Quadro 3 - Condutividade eléctrica (dS m-1) durante a compostagem da fracção sólida do chorume (FS) em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e em pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D).

 

O teor de MO da FSC diminuiu desde um valor médio de 919 g kg-1 MS no início da compostagem até um valor médio de 822 g kg-1 MS no final dos 168 dias de compostagem. O valor mais baixo de MO (772 g kg-1 MS) foi alcançado na pilha C. Mais de metade das perdas de MO das pilhas ocorreu num período de 91 a 126 dias de compostagem (Quadro 4) e mais de 450 g kg-1 foram mineralizadas em apenas 2 meses, excepto na pilha C. No final da compostagem, a mineralização ultrapassou os 500 g kg-1 em todas as pilhas e alcançou os valores mais elevados nas pilhas de menor dimensão, respectivamente de 605 g kg-1 na pilha D e 661 g kg-1 na pilha C.

 

Quadro 4 - Perdas de MO (g kg-1 MS) durante a compostagem da FSC em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D).

 

As perdas de MO durante a compostagem da FSC foram semelhantes às perdas referidas por Eghball et al. (1997) durante a compostagem de estrume bovino (460–620 g kg-1 MS) e por Vuorinen e Saharinen (1997) durante a compostagem de estrume de bovino com palha (620–660 g kg-1 MS), mas foram inferiores às perdas de 670 g kg-1 MS referidas por Larney e Hao (2007) para um estrume de bovinos de engorda compostado num digestor aeróbio.

A razão C/N tem sido utilizada como indicador do grau de decomposição dos materiais orgânicos (Larney e Hao, 2007). Diversos autores apontaram valores da razão C/N inferiores a 20 como indicadores de uma maturação aceitável (Cardenas e Wang, 1980; Larney e Hao, 2007). A razão C/N da FSC diminuiu desde valores de 43-55 até valores geralmente inferiores a 20 no final da compostagem, nas pilhas altas e inferiores a 14 nas pilhas baixas (resultados não apresentados), parecendo indicar um elevado grau de estabilização do compostado final (Zucconi e Bertoldi, 1987; Bernal et al., 1998).

O teor de N-NH4+ foi mais elevado durante a fase termófila da compostagem nas pilhas com a FSC1, provavelmente porque a FSC2 separada mais lentamente teve um maior contacto com o oxigénio do ar, e foi superior nas pilhas de menor dimensão que possuíam um teor de humidade mais elevado (Figura 2). Na pilha C o teor de N-NH4+ alcançou um valor próximo de 6 g kg-1 MS, 28 dias após o início da compostagem, e diminuiu até valores muito reduzidos após 3 meses de compostagem. No final da compostagem o teor de N-NH4+ foi inferior a 44 mg kg-1 MS em qualquer das pilhas, bastante menor que o teor limite de N-NH4+ de 400 mg kg−1 MS sugerido como indicador da estabilização por Zucconi e De Bertoldi (1987).

O teor de N-NO3- no interior das pilhas foi muito reduzido (< 4 mg kg-1 MS) no início da compostagem, aumentando significativamente após a fase termófila (Figura 2). Por isso, será de esperar que nos primeiros 2-3 meses de compostagem, as perdas de azoto por lixiviação de nitratos, mesmo em pilhas destapadas, sejam muito reduzidas. Na fase termófila da compostagem, o teor de N-NO3- foi muito baixo, provavelmente porque o N mineral foi imobilizado pelos microrganismos no processo de decomposição da matéria orgânica e porque as temperaturas elevadas não permitem a sobrevivência das bactérias nitrificantes (Hellmann et al., 1997).

Após 3 meses de compostagem, a concentração de N-NO3- ultrapassou a concentração de N-NH4+ em todas as pilhas. A nitrificação iniciou-se mais cedo nas pilhas com separação mais rápida da FSC e a concentração de N-NO3- foi desde então, muito superior nas pilhas baixas em comparação com as pilhas altas, o que se pode explicar pelo maior teor de N-NH4+ e pelas maiores taxas de mineralização da MO que se verificaram nestas pilhas nos meses anteriores. A razão N-NH4+ / N-NO3- tem sido frequentemente utilizada para avaliar a maturação dos compostados (Bernal et al., 1998), sendo sugeridos valores <1 (Larney e Hao, 2007) como indicativos de compostados bem estalilizados. Os compostados da FSC avaliados neste trabalho tiveram uma razão N-NH4+ / N-NO3- muito inferior a 0,5 o que indica que estavam bem maturados de acordo com o índice de maturação do CCQC (2001).

Os teores de azoto (N), fósforo (P), potássio (K) e cálcio (Ca) totais da FSC aumentaram durante a compostagem (Figura 3), em consequência das perdas de MO. Quando se relacionaram estas perdas com a concentração de nutrientes no material compostado (Figura 4), verificou-se que a FSC pode ser compostada com perdas mínimas de nutrientes em pilhas estáticas sem revolvimento, já que as perdas de MO variaram, aproximadamente entre 1/2 e 2/3, enquanto o teor de nutrientes aumentou na ordem de um factor de 2 a 3 na MS restante, o que poderá explicar-se, no caso do N, pela elevada razão C/N da FSC e pelo facto das pilhas estarem cobertas durante a compostagem o que impediu a lixiviação de N, e no caso dos restantes nutrientes por não estarem sujeitos à volatilização.

 

 

Figura 3 - Teores (g kg-1 MS) de azoto (N), fósforo (P), potássio (K) e cálcio (Ca) totais durante a compostagem da FSC em pilhas altas com separação rápida (A) e lenta (B) e em pilhas baixas com separação rápida (C) e lenta (D). As barras do erro indicam o desvio padrão da média.

 

Figura 4 - Relação entre o teor dos nutrientes N, P, K e Ca (g kg-1 MS) e o teor de MO (g kg-1 MS) durante a compostagem da FSC. ***P <0,001.

 

O teor de N total da FSC aumentou durante a compostagem desde valores iniciais de 9-12 g kg-1 até valores de 24-27 g kg-1 nos compostados finais nas pilhas baixas e 32-40 g kg-1 nas pilhas altas. No final da compostagem, o teor de N total no compostado foi, em todas as pilhas, muito superior à concentração de N da maioria dos compostados comerciais produzidos em climas quentes (15 g kg-1 MS) referido por Hadas e Portnoy (1997).

A concentração de nutrientes durante a compostagem esteve associada às perdas de MO, verificando-se uma relação positiva muito forte entre o aumento no teor de nutrientes e a diminuição da MO. A regressão linear entre o teor de nutrientes e o teor de MO (Figura 4) revelou coeficientes de regressão sempre muito significativos (P <0,001), que diminuíram pela seguinte ordem: N, Ca, P, K. Estes resultados indicam que estes nutrientes tendem a conservar-se durante a compostagem, aumentando nos compostados finais em função da degradação da MO e consequente perda de carbono na forma de CO2, o que é vantajoso do ponto de vista agronómico. Os elevados teores de MO (772-856 g kg-1), N (24-40 g kg-1), P (4-7 g kg-1), K (11-15 g kg-1) e Ca (13-21 g kg-1) referentes à matéria seca, e a baixa condutividade eléctrica (0,6-1,4 dS m-1), sugerem que os compostados da FSC são apropriados como correctivos orgânicos.

 

CONCLUSÕES

A compostagem da FSC pode ser realizada em pilhas estática sem revolvimento, o que diminui os custos da compostagem e a emissão de gases azotados para a atmosfera, conservando o N no compostado final. Enquanto a compostagem da FSC em pilhas altas poderá garantir a higienização do compostado e a eliminação das sementes viáveis de infestantes, o mesmo poderá não ser conseguido em pilhas baixas, com maior superfície específica. As temperaturas mais elevadas das pilhas altas promovem a secagem da FSC em comparação com as pilhas baixas, o que é vantajoso para o transporte e manuseamento do compostado.

A CE da FSC durante a compostagem e nos compostados finais é inferior ao limite para um compostado ser aplicado ao solo como correctivo orgânico. O elevado pH da FSC contribui para a protólise do amoníaco e para as perdas potenciais de N por volatilização, mas estas poderão ser contrariadas quando não se procede ao revolvimento das pilhas. As taxas de mineralização da MO, estimadas com base nas perdas de MO durante a compostagem, variaram entre 520 e 660 g kg-1 MS e a razão C/N diminuiu de valores iniciais de 43-51 para 11-20 no final da compostagem, indicando um grau aceitável de estabilização.

Os compostados apresentaram-se bem maturados de acordo com os baixos teores de N amoniacal (< 50 mg kg-1 MS), os elevados teores de N nítrico (> 650 mg kg-1 MS), os baixos valores da razão C/N em relação aos valores iniciais e as baixas temperaturas no final da compostagem. As concentrações de N, P, K e Ca aumentaram proporcionalmente à redução de MO, sendo estes aumentos vantajosos para a valorização agronómica do compostado.

 

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi apoiado pelo projecto AGRO 794, financiado pela União Europeia e pelo Instituto Nacional de Recursos Biológicos (INRB).

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