SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 issue2Estimation of deforestation rate in bannach municipality, pará state - amazon, using images landsat5/tmEffects of nitrogen fertilization maize crop, in Huambo country (Angola) author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.33 no.2 Lisboa Dec. 2010

 

Comportamento de cultivares de milho quanto ao rendimento e susceptibilidade a pragas e doenças na província do Huambo (Angola)

 

Imaculada da Conceição Henriques1, Ilídio Moreira2, Ana Monteiro3

1World Vision Internactional, Rua 105, Bairro Kapango, Huambo, Angola. E-mail: imaculadahenriques@portugalmail.pt

2Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa e Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, Portugal. E-mail: ilidiomor@sapo.pt

3Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa e Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, Portugal. E-mail: anamonteiro@isa.utl.pt

 

RESUMO 

Os objectivos deste trabalho consistiram em avaliar o comportamento de cultivares regionais de milho – ‘Branco redondo’ e ‘SAM3’ – e importadas – ‘ZM423’, ‘ZM521’, ‘ZM523’, ‘ZM611’, ‘ZM621’ – quanto à sua sensibilidade a brocas do colmo e da espiga e à virose MSV (Maize Streak Virus). Os ensaios realizaram-se em três locais do Planalto Central de Angola na época seca e na das chuvas. Nas duas épocas e nos três locais, não se registaram infecções pelo vírus MSV nas cultivares regionais; todavia, nas importadas houve incidência da doença embora com baixa severidade. Em relação às brocas, não se observaram diferenças significativas entre as cultivares e a severidade foi baixa. A produção das cultivares importadas foi superior na época seca, com um rendimento entre as 7 e 8 t ha-1. Em sequeiro (época das chuvas) as cultivares importadas produziram, em média, entre 3 a 4 t ha-1. As cultivares locais não mostraram uma variação tão acentuada no rendimento entre as duas épocas. Em geral, os valores médios do rendimento da ’Branco redondo’ e ‘SAM3’ foram de 2 t ha-1, com excepção desta última na Chianga, que atingiu as 4 t ha-1 em sequeiro. A supremacia da ‘SAM3’ na época chuvosa na Chianga deve-se certamente ao facto de ter sido aí seleccionada.

Palavras-chave: Brocas, período vegetativo, produção, vírus MSV, Zea mays L.

 

Behaviour of maize varieties concerning the production and pests and diseades susceptibility in Huambo country (Angola)

ABSTRACT

The main objectives of this work were the evaluation of the behaviour of different traditional maize varieties – ‘Branco redondo’ and ‘SAM3’ – and imported ones – ‘ZM423’, ‘ZM521’, ‘ZM523’, ‘ZM611’, ‘ZM621’ – to their tolerance to the stem and earn borars and to the virus MSV (Maize Streak Virus), in three locations of the central highlands of Angola and in two cropping seasons (rainy and dry season). Maize yields were also evaluated. In the two growing seasons and in the three locations, the traditional varieties did not show any infection by the virus MSV. The imported varieties show disease symptoms but at a low incidence level. The severity of the maize stem and earn borars were low and no significant differences were observed between the tested varieties. The yields of the imported varieties varied between 7 and 8 t ha-1 in the dry season (irrigation) but in the rainy season their average yield decreased (3 to 4 t ha-1).  The yield of the traditional varieties was similar in both growing seasons, in general lower than the imported ones. The average yield in ’Branco redondo’ and ‘SAM3’ varieties was 2 t ha-1. ‘SAM3’ variety production in Chianga was an exception; where the yield was 4 t ha-1 in the rainy season. Probably this can be explained by the fact that ‘SAM3’ was obtained in this region.

Key-words: Borers, maize streak virus, production, vegetative period. Zea mays L.

 

INTRODUÇÃO

Em Angola, a cultura do milho (Zea mays L.) foi sempre notável, embora com produtividades muito baixas, sem que por isso tenha deixado de ter sido um país exportador. De acordo com Sardinha & Carriço (1975), no período colonial a área cultivada com milho alcançava os 1 459 300 hectares com produções unitárias inferiores a meia tonelada por hectare (466 kg ha-1).

As zonas tradicionais da cultura foram demarcadas por Diniz (1991), e podem ser consultadas num Atlas preparado pelo Ministério da Educação (1982). As zonas favoráveis à produção do milho, que inclui o Planalto Central, foram estudadas por Marcelino (1973) e Diniz (1991), com algumas divergências entre eles, segundo Henriques (2008). A possibilidade de regadio permite o alargamento substancial das zonagens propostas por aqueles autores. Marcelino (1973) afirmou que em praticamente nenhum ponto de Angola haveria impedimento térmico para a cultura do milho desde que as necessidades hídricas e nutricionais fossem as exigidas para a cultura.

Após a independência, como refere Neto (2008), “começou a diminuição acentuada e vertiginosa da produção de bens alimentares. Esta diminuição foi influenciada pela guerra civil e pelas graves deficiências na transformação da estrutura agrária capitalista colonial (sectores empresarial e tradicional) ao novo modelo socializante constituído por um sector estatal agrário forte e dominante (Complexos Agrários e Agro-industriais, Agrupamentos de Unidades de Produção), pelas Cooperativas Agrícolas e Associações de Camponeses. A produção mercantil controlada pelo Estado não evoluiu substancialmente em anos posteriores. Neto (2008) lembra a instabilidade a seguir ao processo eleitoral de 1992, o conflito armado até ao ano de 2002 e a ausência generalizada de empresários agrícolas com conhecimentos e capitais para o investimento, justificativas para a reduzida produção de bens alimentares, referente às quantidades da produção de milho, nos anos agrícolas de 93/4 a 2002/3, embora com alguma tendência de crescimento nos últimos anos. Aquele autor anota estatísticas indicadoras do aumento da produção da ordem dos 200 milhares de toneladas para mais de 600 milhares de 1993/4 até 2002/3, substancialmente ultrapassadas nos anos recentes como se pode apreciar adiante, mas ainda notoriamente insuficientes para satisfazer o consumo. A escassez destas produções é melhor compreendida quando se observam as quantidades de milho usadas pela população na sua alimentação. Efectivamente, aquele último valor era sensivelmente o do início da década de 70, mas em que a população de então era cerca de um terço da actual, de acordo com as estatísticas indicadas por Neto (2008).

Embora a mandioca pareça ter um maior peso no consumo de produtos alimentares em Angola, não restam dúvidas sobre a importância do milho em grão. A deficiência da produção nacional de milho é bem patente e, consequentemente, a enorme dependência de Angola, ainda recentemente (1999-2003), das doações do milho em grão e da importação da farinha de milho. De acordo com Neto (2008), neste período, a produção nacional ficou-se por cerca de 1/5 do consumo.

A situação da baixa produtividade unitária que se verificava na época colonial não se terá modificado substancialmente e as áreas semeadas têm sido ainda bastante inferiores. Por exemplo, de acordo com indicações do MINADER (2005), para o ano agrícola 2004/5 estimou-se a área plantada de milho de 1 094 milhares de hectares. Todavia, é notório o esforço de aumento da produção dos últimos anos. ANGOP (2010) refere que “os agricultores empresariais e familiares angolanos, estimados em dois milhões e 500 mil, produziram na campanha agrícola 2006/2007 cerca de um milhão e 37 mil toneladas de milho, contra as 800 mil toneladas do produto colhidas na safra de 2005/2006”.

Quanto à produtividade da cultura do milho, Nuñgulu et al. (2006) constata a sua predominância no Planalto Central e, baseando-se em relatórios oficiais (IIA-DBMP, 2003), assume que o rendimento médio obtido pelos camponeses – responsáveis por 90 a 95% da produção – e pelos agricultores varia entre 250 a 700 kg ha-1 e de 1 500 a 2 500 kg ha-1, respectivamente.

De acordo com relatório da FAO (2006) e do MINADER (2005), a produtividade unitária na Província do Huambo foi estimada em 0,7 t ha-1. Para o ano 2007/8, o relatório do Ministério da Agricultura (2006) indicava a produção de milho, nesta província, de 0,98 t ha-1.

Em regadio, como no Vale do Cavaco, como é compreensível, obtêm-se melhores produções se efectuadas as adequadas práticas agrícolas. Melo-e-Abreu et al. (2006) anotaram para esta região, durante o Projecto NovoMilho, apreciável subida da produtividade unitária do milho-grão, tendo sido quantificada em 6,3 t ha-1 nos campos dos camponeses e em 8,4 t ha-1 nos dos agricultores. A variedade híbrida ‘SNK2682’ alcançou a média de 6,6 t ha-1 e a variedade de polinização livre ‘ZM521’ de 6,0 t ha-1. A cultivar regional ‘Mondombe’ produziu em média 4,6 t ha-1, tendo também alcançado mais do que 4 t ha-1 a cultivar regional ‘Canjala’ e a de polinização livre ‘Matuba’.

Embora a enorme dependência das doações de milho, atrás referida, tenha ficado actualmente ultrapassada, é evidente a importância do aumento não só da área semeada mas sobretudo do aumento da produtividade unitária, que passa pela melhoria das práticas culturais, designadamente fertilização e disponibilidade de cultivares produtivas e resistentes a pragas e doenças.

Em Angola, há tradição de melhoramento de milho. Távora (1951), um dos primeiros melhoradores, estabeleceu as linhas de rumo a seguir e relatou os trabalhos desenvolvidos na década de 40 e os seus resultados. Alertava para os riscos de introdução de milhos muito produtivos poderem dar produções iguais ou inferiores às das cultivares regionais melhoradas, quase sempre muito rústicas, se não se precavessem os níveis de fertilidade do solo. No dizer do autor “As terras planálticas já de si de média fertilidade, estragadas pela agricultura nómada, erosão e queimadas, encontram-se ainda empobrecidas pela falta de fertilizações orgânicas. De modo algum estas terras estão preparadas para receber semente mais produtiva e como tal muito exigente”.

Em 1963, Marcelino divulgava os resultados de ensaios conduzidos no Planalto Central, para comparação de cultivares de polinização livre, cultivares melhoradas e milhos híbridos duplos (cruzamentos manuais efectuados no Centro de Estudos), em que se afigurou compensadora a cultura de milhos híbridos e eficaz a selecção de linhas autofecundadas, para a obtenção de híbridos duplos com um grau de resistência satisfatório ao Setosphaeria turcica (Luttr.) K.J. Leonard & Suggs. Já em 1951, Távora salientara a importância desta doença na Zona Planáltica e anotara que a cultivar ‘Branco redondo’ era de todas, de entre a colecção, a que manifestava maior resistência.

Em relatório do Banco de Angola (1974), relativamente ao milho no ano agrícola 1973/4, escreveu-se que sob a égide do Instituto de Investigação Agronómica, foi produzido o primeiro milho híbrido de Angola e que propiciava entre 5 a 6 t ha-1, enquanto com o milho normal se obtinham apenas cerca de 3 t ha-1.

No Instituto de Investigação Agrária de Angola (IIAA), na Chianga, sob orientação daquele investigador, manteve-se um valioso Banco de Germoplasma Vegetal, com colecções de sementes de várias culturas, incluindo milho, que veio a perder-se, no início dos anos 90, devido à guerra civil. Posteriormente, foram desenvolvidas acções para a recuperação dos recursos genéticos, no Banco de Germoplasma de Luanda. Rocha (2006), com base em informações verbais de Elisabeth Matos e de Pedro Moçambique, informa que, em 2005, existiam neste Banco 823 acessões conservadas de milho das quais haviam sido caracterizadas 135. Citando Rocha (2006), “deve-se ter em conta que as produções locais não são, em geral, de alta produtividade, mas foram seleccionadas para fazerem face ao clima local e às suas variações a curto, médio e longo prazo, e a grande quantidade de diversidade genética que apresentam, confere‑lhes uma maior resistência a epidemias de pragas e doenças”. Neves-Martins (2006), numa exaustiva revisão dos métodos de conservação genética de germoplasma, menciona a advertência de Matos (2003) de haver que atentar nas espécies introduzidas em Angola com 400 anos de evolução adaptativa, em que se inclui o milho.

Várias prospecções às principais pragas e doenças do milho foram efectuadas em Angola, de que se destacam os trabalhos, respectivamente, de Ferrão & Cardoso (1972) e de Serafim & Serafim (1968).

Pelo seu interesse prático, salienta-se o manual preparado por Melo-e-Abreu (2000) sobre as doenças do milho. No regadio de Vale de Cavaco foi notória a incidência do vírus do raiado fino, tendo as cultivares ‘Matuba’, ‘SNK2682’ e ‘ZM521’ apresentado uma maior resistência ao vírus do que outras ensaiadas. A percentagem de plantas afectadas foi inferior nas sementeiras da época seca, de temperaturas e humidade baixas, relativamente às efectuadas na estação das chuvas (Melo-e-Abreu et al., 2006). A incidência das viroses é também considerada muito importante no Planalto Central de Angola (Henriques 2008).

Quanto às pragas, de acordo com Nuñgulu et al. (2006), os inimigos da cultura do milho mais importantes, a par das infestações das plantas-parasita (Striga Lour.), são as brocas do colmo (Busseola fusca Fuller, Sesamia calamistis Hampson, Chilo partellus Swinhoe) e da espiga (Mussidia nigrivenella Ragonot). Estes autores passam em revista os métodos de prevenção e controlo e relatam ensaios para combate com plantas-isco (Pennisetum purpureum Schumach.) e plantas repelentes [Desmodium uncinatum (Jacq.) DC., Melinis minutiflora P. Beauv.]. As brocas do colmo Busseola fusca e Sesamia spp. também foram consideradas como as principais pragas do milho por ERA (1974). A controversa utilização de plantas transgénicas resistentes às brocas, não permitidas até agora em Angola, tem merecido numerosos trabalhos, indicando-se, a título de exemplo, o de Moreira (2004) que procurou reunir menções sobre as suas vantagens e utilização em países africanos mas também os seus riscos.

Entende-se, pois, a importância das cultivares de milho melhoradas localmente. Felizmente que não estão perdidas as cultivares melhoradas durante longo período no Instituto de Investigação Agrária de Angola, sob orientação do Eng.º Marcelino, como a ‘Branco redondo’ e a ‘SAM3’, de grande aceitação pelos camponeses e agricultores.

Em face da debilidade económica destes agentes, com dificuldades para a aquisição de produtos fitofarmacêuticos, a resistência aos inimigos da cultura, particularmente às brocas e viroses, é também um aspecto primordial a ter em conta no melhoramento, como sempre o foi na actividade do IIAA. E, actualmente, continuam-se trabalhos de melhoramento de milho no IIA-Instituto de Investigação Agrária, no Huambo, com o que se espera melhorar substancialmente a obtenção de boas sementes pelos agricultores.

Perante o exposto, interessava comparar o comportamento de cultivares regionais com o de cultivares melhoradas importadas, eventualmente mais produtivas, objectivo principal do trabalho agora apresentado, tendo em atenção a sua produção e, muito particularmente, a sua susceptibilidade a pragas e doenças. Nesse sentido, desenvolveram-se estudos com duas cultivares regionais – ‘Branco redondo’ e ‘SAM3’ – e cinco cultivares importadas – ‘ZM423’, ‘ZM521’, ‘ZM523’, ‘ZM611’, ‘ZM621’ ‑ no ano agrícola de 2004/5. A escolha das cultivares estudadas teve em consideração as preferências dos agricultores e as facilidades de aquisição das sementes.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os ensaios decorreram em três regiões da Província do Huambo (Angola): Bailundo, Chianga e Calenga, distanciados de cerca de 50 km. A localização dos ensaios e as características edafo-climáticas dos locais escolhidos foram anotadas em Henriques et al. (2009). No Bailundo, na Chianga e na Calenga, os solos apresentam texturas areno-limosa, argilosa e argilo-limosa, respectivamente, e o pH variou, nos 3 locais, entre 5,2 e 5,5. A riqueza dos solos em fósforo, antes dos ensaios, era, respectivamente, de 3, 43 e 21 mg L-1. Esta região abrange uma área de 29,827 km2, e apresenta duas estações climáticas – das chuvas e de seca – por ano, com ventos fracos. Devido à sua altitude, o clima é temperado-tropical, com uma temperatura média anual inferior a 20 ºC (Diniz, 1991) e precipitação anual média de 1200 mm (Fig. 1).

 

Figura 1 – Pluviosidade mensal, em 2004/5, registada na Estação Experimental da Chianga.

 

Em cada um dos locais foram conduzidos ensaios em duas épocas. A primeira correspondente à época chuvosa, entre Outubro e Maio, e a segunda à época seca, de Maio a Setembro, com recurso a regas.

Cada ensaio, com uma área total de 380,8 m2 (22,4 m x 17,0 m) foi dividido em 21 parcelas de 16 m2 (3,2 m x 5,0 m). As observações e registos foram realizados na área central de cada parcela, correspondendo a uma área útil de 8 m2.

Técnicas culturais

A semente das cultivares (OPV) melhoradas – ‘ZM423’, ‘ZM521’, ‘ZM523’, ‘ZM611’, ‘ZM621’ – utilizadas nos ensaios, foi adquirida à empresa zimbabwiana SeedCo, produtora de semente certificada, e a semente de cultivares locais – ‘Branco redondo’ e ‘SAM3’ – no mercado da Província e no IIA, respectivamente. Das cultivares locais a primeira, possivelmente, é resultado de cruzamento de cultivares introduzidas no período colonial e a segunda, a única de coloração amarela, foi obtida através de trabalhos de investigação do IIA na década de 80.

O compasso de plantação foi de 25 cm na linha e 80 cm na entrelinha. Em cada local foram conduzidos ensaios em duas épocas. A primeira correspondente a época chuvosa, sementeira a 22 de Outubro de 2004, e a segunda à época seca, sementeira a 15 Maio de 2005, com recurso a rega. Foram efectuadas três adubações, uma de fundo (na altura da sementeira) e duas de cobertura (30 e 60 dias após sementeira). Utilizou-se para o efeito a dose N150-P100-K50, correspondendo a 417 kg ha-1 do adubo composto 12-24-12 na adubação de fundo e 70 kg ha-1 de ureia em cada uma das adubações de cobertura. Tanto na época chuvosa como na época seca não foi feito qualquer tratamento fitossanitário contra doenças e pragas. As infestantes foram controladas manualmente, mantendo as parcelas sempre limpas.

Delineamento estatístico e análise de dados

O delineamento experimental escolhido foi o de blocos casualizados completos com 3 repetições, em que cada tratamento corresponde a uma cultivar em estudo.

Observaram-se ainda os ataques de brocas e da virose MSV (“Maize Streak Virus”), sendo avaliada a incidência (% de plantas atacadas em relação ao total da parcela) e severidade de acordo com uma escala de zero a cinco (zero = todas as plantas sãs; 5 = todas as plantas atacadas).

Em cada repetição determinaram-se os seguintes parâmetros: (a) o peso fresco total das espigas na área útil (8 m-2); (B) o peso fresco de 10 espigas escolhidas ao acaso por repetição; (C) o peso fresco em grão (cariopses) das 10 espigas colhidas ao acaso por repetição e (D) o em teor de humidade (%) do grão obtido nas 10 espigas colhidas ao acaso.

A análise preliminar da variância dos dados combinados relativos às produções, indicou interacções significativas do tratamento x época e do tratamento x local para todas as variáveis. Em consequência, os dados são apresentados separadamente para época e local de ensaio.

O rendimento (Y kg ha-1) foi calculado utilizando a seguinte equação:

Y = A x (1 - D) x E

A = peso fresco das espigas (kg ha-1)

E= C/B, factor de correcção entre o peso de 10 espigas vs peso em grão das mesmas 10 espigas (valor calculado para cada repetição).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise preliminar da variância dos dados combinados relativos à incidência e severidade da broca e de virose não indicou interacção significativa do tratamento x época e tratamento x local, para todas as variáveis. Assim sendo, os resultados da observação da incidência e da severidade destes inimigos da cultura são apresentados em conjunto de todos os ensaios, no Quadro 1.

 

Quadro 1 – Incidência e severidade* médias das brocas e de vírus MSV, nos ensaios realizados em duas épocas e em três locais.

 

As cultivares regionais ‘Branco redondo’ e ‘SAM3’ parecem menos atreitas à virose do que as importadas, pois nelas não se registou qualquer incidência. As cultivares importadas evidenciaram sintomas de ataque, embora pouco pronunciados, com valores de severidade sempre inferiores a 1 e de incidência inferiores a 5%. Os ataques da broca foram também baixos, com valores de severidade média que variaram entre 0,5 e 1, não se registando diferenças significativas entre cultivares.

Nas figuras 2 a 4 apresentam-se os rendimentos de cada cultivar de acordo com o local e a época.

 

Figura 2 – Rendimento das sete cultivares de milho durante a época das chuvas e na de seca, no Bailundo.

 

Figura 3 – Rendimento das sete cultivares de milho, durante a época das chuvas e na de seca, na Chianga.

 

Figura 4 – Rendimento das sete cultivares de milho, durante a época chuvosa e na de seca, na Calenga.

 

Os resultados obtidos confirmam que com cultivares importadas as produções em regadio são muito apreciáveis. A cultivar ‘ZM521’ mostrou, nestes ensaios no Planalto, produções bem superiores às registadas no regadio do Cavaco (Melo-e-Abreu et al., 2006), evidenciando a importância dos ensaios de adaptação de variedades às diferentes regiões agrícolas angolanas.

Os resultados mostram diferenças relevantes no rendimento em função da época, sendo a cultivar ‘ZM521’ a que maior diferença apresenta em todos os locais. De entre as cultivares importadas foi a que menor rendimento demonstrou durante a época chuvosa e maior durante a época seca.

Para as cultivares importadas, o rendimento durante a época seca foi significativamente superior ao da época chuvosa (P < 0,002), no Bailundo e na Chianga.

Durante a época seca, a cultivar ‘ZM521’ foi a que maior rendimento obteve em todos os locais, com um máximo de 8 505 kg ha-1 no Bailundo. Durante a época chuvosa a cultivar mais produtiva foi a ‘ZM523’ na Calenga, com 4 354 kg ha-1, não apresentando diferenças significativas em relação às cultivares ‘ZM611’, com 4 228 kg ha-1, e ‘ZM423’, com 4 207 kg ha-1.

Quanto às cultivares locais, a ‘SAM3’ mostrou sempre produções superiores às da ‘Branco redondo’, da ordem das 2 t ha-1 na Calenga, um pouco superiores no Bailundo e bem maiores na Chianga, atingindo 4 310 kg ha-1. Esta cultivar, durante a época chuvosa, foi a que obteve maior rendimento na Chianga, e, mesmo na época seca, teve uma produção pouco inferior à das importadas ‘ZM616’ e ‘ZM621’.

De forma geral, a cultivar ‘Branco redondo’ foi a que menor rendimento apresentou em todos os locais e durante as duas épocas, o que pode ser devido à qualidade da semente, pois usou-se grão de milho para consumo como semente.

Salienta-se que as produções obtidas ultrapassam substancialmente as 3 toneladas por hectare, valor que o trabalho dos peritos da FAO (2004) previu como alcançável pelos campesinos com a adopção de técnicas culturais convenientes. Lembrando que, nestes ensaios, não se efectuaram tratamentos fitossanitários, é legítimo concluir que, se forem efectuadas as fertilizações adequadas e o devido controlo de infestantes, se podem alcançar produções, mesmo com cultivares locais, bem superiores às médias registadas para o país.

A duração média do período vegetativo em cada um dos ensaios é registada no Quadro 2, sendo bem patente a maior duração nas duas cultivares locais relativamente ao das importadas, de cerca de uma a duas dezenas de dias na época chuvosa e, na época seca, bem mais expressiva, cinco a oito dezenas de dias, ou melhor dito, a nítida precocidade, nesta época, das cultivares importadas.

 

Quadro 2 – Duração do período vegetativo (número de dias) para cada cultivar e local, nas duas épocas em estudo.

 

CONCLUSÕES

A produção das cultivares importadas, com destaque para a ‘ZM521’, é substancialmente superior na época seca, em regadio, sendo obtida num período de desenvolvimento bastante mais curto. Aquela cultivar apresentou um rendimento médio de 8 t ha-1, nos três locais e em apenas quatro meses nesta época. Em sequeiro (época das chuvas) as cultivares importadas produziram, em média, 3 t ha-1 no Bailundo e na Chianga, e cerca de 4 t ha-1 na Calenga. As cultivares locais não mostraram uma variação tão acentuada no rendimento entre as duas épocas de cultura, mas o rendimento foi baixo. Em geral, os valores médios do rendimento nas cultivares ’Branco Redondo’ e ‘SAM3’ foram de 2 t ha-1, com excepção desta última na Chianga, que atingiu as 4 t ha-1 em sequeiro.

A supremacia da cultivar ‘SAM3’, na época chuvosa na Chianga, deve-se certamente a ter sido aí seleccionada, portanto bem adaptada às condições edafo-climáticas do local. O sucesso relativo desta cultivar local demonstra bem a importância do melhoramento das plantas, tão longamente seguido no passado no IIAA e prosseguido actualmente, sendo certo que compensa continuar a ser acarinhado.

A aparente maior resistência das cultivares locais a pragas e doenças é de registar e constitui um incentivo ao seu melhoramento. Em contrapartida, o ciclo vegetativo das cultivares locais, bem mais longo do que o das importadas, mormente na época seca, pode ser um inconveniente a considerar.

As diferenças notáveis da produção de algumas cultivares importadas, entre as épocas, reforça a ponderação necessária na sua escolha em função da época e, eventualmente dos locais de sementeira, bem como a vantagem do incremento de ensaios de adaptação de cultivares.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à World Vision Internacional, em Angola, as facilidades e o apoio logístico para a realização dos estudos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGOP (2010) – Ministério aumenta capacidade de produção de milho. Agência AngolaPress. Economia. 20 de Fevereiro de 2010.

Asanzi, C.; Kiala D.; César J.; Lyvers, K.; Querido, A.; Smith, C. & Yost, R.S. (2006) – Food production in the Planalto of  Southern Angola. Soil Science 171, 10: 810‑820.

Banco de Angola (1974) – Situação Económica e Financeira de Angola. Relatório e Contas Exercício de 1973, 356 pp.

Diniz, A.C. (1991) – Angola. O Meio Físico e Potencialidades Agrárias. Instituto para a Cooperação Económica, Lisboa, 189 pp.

ERA (1974) – O Milho. Reordenamento, Revista da Junta Provincial de Povoamento de Angola 31: 27‑35.

FAO (2005) – Angola Objectivos do Desenvolvimento do Milénio. Relatório. Governo de Angola em parceria com o PNUD.

FAO (2006) – Special Report FAO/WFP Crop and Food Supply Assessment Mission to Angola, de 12 de Julho de 2006. Global Information and Early Warning System on Food and Agriculture – Food Security. Disponível em: <http://www.fao.org/food.security>.

Ferrão, A.P.F. & Cardoso, H.L. (1972) –­ Lista das pragas de Angola identificadas até 1967. Instituto de Investigação Agrária de Angola, 47 pp. (Série Técnica, nº 32).

Henriques, I.C.F. (2008) – Gestão de Infestantes em Culturas Agrícolas de Angola. Casos de Estudo – Milho e Batata na Província do Huambo. Dissertação de Doutoramento, Instituto Superior de Agronomia. Lisboa.

Henriques, I.C.; Monteiro,  A. & Moreira, I. (2009) – Efeito de tratamentos fitossanitários na produção de cultivares de batateira (Solanum tuberosum L.) no Planalto do Huambo (Angola). Revista de Ciências Agrárias 32, 2: 182‑193.        [ Links ]

IIA-DBMP (2003) – Plano para o Quinquénio 2004-2009. Programa de Investigação dos Cereais. Departamento de Botânica e de Melhoramento de Plantas. XVI Conselho Científico Alargado do Instituto de Investigação Agronómica, Luanda, 20 pp.

Marcelino, F.A.B. (1963) – Milhos híbridos, sintéticos e cultivares de polinização livre. Resultados de alguns ensaios. In: IV Jornadas Silvo-Agronómicas, Nova Lisboa, Chianga, Vol. 3, 1‑13

Marcelino, F.A.B. (1973) – Zonagem do milho de sequeiro em Angola. Primeira aproximação. Instituto de Investigação Agrária de Angola, 7 pp. (Série Científica, nº 29).

Matos, E. (2003) – A gestão dos Recursos Fitogenéticos em Angola. In: Colóquio Agricultura e Desenvolvimento sustentado. Huambo.

Melo-e-Abreu, J.P. (2000) – Doenças do Milho. Programa NovoMilho, 22 pp.

Melo-e-Abreu, J.P.; Sousa, P.L.; Paulo, N. & Faria, P. (2006) – NovoMilho, um programa de desenvolvimento para o combate à fome e à pobreza. In: Moreira, I. (Org.) Angola. Agricultura, Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural. ISAPress. Lisboa, II Vol., pp. 335‑351.

Ministério da Agricultura (2009) – Resultados da Campanha Agrícola 2007/2008. Portal do Cidadão. Governo da República de Angola. Disponivel em: <http://www.cidadao.gov.ao/publicacoesd.aspx?codigo=515>.

Ministério da Educação da RDA (1982) – Atlas Geográfico. Luanda, Vol. 1, 49 pp.

Moreira, I. (2004) – Protecção das culturas agrícolas. Variedades transgénicas benéficas ou perigosas? In: Seminário Agricultura em Angola, Desafios e Perspectivas. Lubango, pp. 58‑81.

Neto, J.F. (2008) – Angola: Agriculturas e Alimentação. Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, 327 pp.

Neto, J.F.C.; Baptista, F.O. & Cabral, C. (2006) – Angola: Agriculturas e Alimentação. In: Moreira, I. (Org.) Angola. Agricultura, Recursos Naturais, Desenvolvimento Rural. ISA Press, Lisboa, I Vol., pp. 403‑434.

Neves-Martins, J. (2006) – Conservação genética de germoplasma para Angola, e o uso no melhoramento de plantas. In: Moreira, I. (Org.) Angola. Agricultura, Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural. ISA Press, Lisboa, II Vol., pp. 3‑23.

Nuñgulu, A.; Lima, A. & Moreira, I. (2006) – Brocas do milho no Planalto Central de Angola. Gestão das suas populações com recurso a plantas-isco e a plantas repelentes. In: Moreira, I. (Org.) Angola. Agricultura, Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural. ISA Press, Lisboa, I Vol., pp. 125‑140.

Rocha, F. (2006) – Retrospectiva sobre os recursos genéticos vegetais angolanos. In: Moreira, I. (Org.) Angola. Agricultura, Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural. ISAPress, Lisboa, II. Vol., pp. 25‑37.

Sardinha, R.M.A. & Carriço, J.S. (1975) – A Ciência, a Tecnologia e a Universidade no desenvolvimento do sector agrícola. Reordenamento: Revista da Junta Provincial de Povoamento de Angola 38: 19‑22.

Serafim, F.J.D. & Serafim, M.C. (1968) – Lista das Doenças de Culturas de Angola. Instituto de Investigação Agronómica de Angola. Nova Lisboa, 16 pp. (Série Técnica, nº 2).

Távora, L. (1951) – O Melhoramento de milho em Angola. Agronomia Angolana 5: 111‑127.

 

Recepção/Reception: 2008.10.07

Aceitação/Acception: 2010.04.12

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License