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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias v.32 n.2 Lisboa dez. 2009

 

Cereais em rotações de sequeiro. Evolução dos teores de azoto inorgânico do solo

Soil inorganic nitrogen evolution in cereal crop rotations

 

Carlos Castro1, João Coutinho2, Nuno Moreira1

 

RESUMO

Analisámos, no ano final de um ensaio de rotações que decorreu durante dez anos em Vila Real (Trás-os-Montes), a evolução dos teores de azoto inorgânico do solo das várias rotações na profundidade até 40 cm.

O ensaio incluiu a rotação tradicional das condições de sequeiro da região, cereal-alqueive (TA), e rotações alternativas susceptíveis de serem adoptadas nestas condições, as bienais cereal-leguminosa (TL) e cerealconsociação forrageira (TC) e a plurianual cereal-prado de sequeiro (TP).

Determinaram-se, e apresentaram-se noutros trabalhos, as produções de grão, palha e biomassa aérea das diversas culturas, parâmetros de qualidade do grão de cereais e os parâmetros do solo, pH, matéria orgânica e os teores de P2O5, K2O e bases de troca.

Como principais resultados e conclusões da análise realizada podem-se referir: uma reduzida influência das rotações curtas na produção e qualidade das diversas culturas; o ano de alqueive e a consociação deixam no solo um teor de azoto mineral elevado (média de 9,4 mg N kg-1 do ião nitrato em Setembro). Porém, este valor vem a sofrer posteriormente uma descida acentuada (0,95 mg N kg-1 valor observado no caso do início do cereal da rotação com alqueive), num período em que não pode ser aproveitado pela cultura seguinte que acabou de ser semeada, acarretando graves riscos de perdas no início da época das chuvas.

Palavras-chave: N inorgânico, solo, ensaio de rotações, agricultura de sequeiro.

 

ABSTRACT

This work summarizes results of the final year of a rehearsal of rotations, that were elapsed for ten years in Vila Real Town (Trás-os-Montes), abording inorganic nitrogen evolution at 40 cm depth. The rehearsal included the traditional rotation of the conditions of dry of the area, cereal-fallow (TA), and rotations alternative that can be adopted in these conditions, cereal-legume (TL), cereal-cereal-forage mixture (TC) and cereal- cereal-rainfed pasture (TP).

They were determined, and presented on other papers, the grain productions, straw and aerial biomass of the several cultures, parameters of quality of the grain of cereals and the parameters of the soil, pH, organic matter and the tenors of P2O5, K2O and change bases were analyzed. This paper reports the results of one of the years when the evolution of the tenors of inorganic nitrogen of the soil of the several rotations was accompanied in the depth up to 40 cm.

As main conclusions we can refer: a reduced influence of the rotations in the production and quality of the several cultures; the fallow year and the forage mixture leave the soil with the highest levels of inorganic nitrogen (9.4 mg N kg-1 average nitrates in September). Thereafter, the value falls (0,95 mg N kg-1 observed value in the case of cereal that follows fallow) at a time when it cannot be captured by the next crop, recently seeded, indicating serious risk of losses at the beginning of the wet season.

Key words: Inorganic nitrogen, soil, rotation experiments, rainfed agriculture.

 

INTRODUÇÃO

A importância das rotações foi realçada com a descoberta da capacidade fixadora de azoto das leguminosas, mas diminuída quando, a partir da II Guerra Mundial, os adubos químicos se generalizaram (Karlen et al., 1994); o azoto residual de leguminosas nas rotações é então estudado por Oveson (1966) e Shrader et al. (1966) como o único dos seus efeitos. No entanto, Baldock et al. (1981) consideram que as leguminosas (soja, luzerna) podem afectar as culturas seguintes graças a duas espécies de factores: por um lado, os devidos ao efeito residual do azoto da leguminosa, e que por isso pode ser compensado pela aplicação de adubos (Pierce & Rice, 1988), e, por outro, todos os restantes, nos quais podemos incluir o menor risco de doenças, a melhoria das propriedades físicas do solo, a eliminação de alelopatia provocada por resíduos de culturas anteriores, melhor funcionamento nutricional ou hídrico (Copeland & Crookston, 1992¸Copeland et al., 1993). Estes ensaios confirmam a existência de algum efeito, que não o do azoto da leguminosa, e que diminui com o afastamento no tempo da fase da rotação que sofre a influência da leguminosa.

Leguminosas, como a soja, podem conduzir a teores de nitratos no solo semelhantes, independentemente da adubação azotada a que são sujeitas; isto tem a ver com o facto de, na presença de muito azoto, nodularem me-nos e ocorrer menor fixação de azoto (Harper & Gibson, 1984) e, portanto, alterarem os teores da extracção, funcionando a leguminosa como source ou sink do azoto, consoante o estado inicial do solo (Varvel & Peterson, 1990). Quando Baldock et al. (1981) sujeitaram o milho a vários níveis de adubação azotada, a soja seguinte não produziu mais (só em 2 de 10 anos foi significativa a resposta) mas a aveia, nas mesmas circunstâncias, respondeu significativamente em quase todos os casos. O contributo em azoto para o solo resultante do cultivo de uma leguminosa depende ainda do seu índice de colheita; sendo este elevado, a percentagem de azoto que é restituído ao solo é menor, porque nas fases finais do ciclo da cultura ocorre migração de azoto das partes verdes para o grão (Unkovich et al., 1997). Acresce que, ainda segundo Almeida Alves (1961; 1986), a produção da leguminosa de grão, com alguma frequência, é muito reduzida ou quase nula nas condições da agricultura de sequeiro mediterrânico. Como consequência, não basta a inclusão de uma leguminosa na rotação para satisfazer as necessidades em azoto; das quatro leguminosas testadas por Armstrong et al. (1997) na rotação com trigo, só o tremoço foi capaz de compensar, com o azoto fixado na biomassa aérea, o azoto removido no grão. Para avaliar a influência sobre o solo do azoto proveniente de uma rotação não basta fazer-se o balanço de exportações e adubações efectuadas. Nos ensaios de Papastylianou & Samios (1987), o balanço anual foi muito diferente entre as rotações de cevada para grão e cevada forrageira (5 a 6 kg N ha-1) ou ervilhaca (44 a 60 kg N ha-1); no entanto, ao fim de 7 anos, os teores de N total de ambos os solos não diferiram, o que levanta a questão do destino do diferencial do azoto proveniente das duas rotações.

As leguminosas forrageiras tendem a fixar mais azoto, e deixarem maior proporção no solo do que as leguminosas para grão, porque têm sistema radicular mais extenso, nódulos em formação durante mais tempo e porque há menor translocação de azoto para o grão (Carvalho & Azevedo, 1991). Modificar a proporção de gramínea consociada com leguminosa pode alterar quer a percentagem de azoto fixado pela leguminosa, quer a quantidade total de azoto da consociação (Phillips & Bennett, 1978). A fixação de azoto em prados pode ser afectada pelo seu maneio; quando pastoreado, a fixação foi maior dado o aumento da percentagem de trevos e crescimento mais rápido na Primavera (Sanford et al., 1995); além disso, enquanto há pastoreio ocorre maior retorno ao solo de resíduos, do que quando sujeito a corte, induzindo uma maior produção do trigo seguinte (Henin, 1972).

A decomposição de resíduos das plantas está relacionada com a respectiva razão carbono:azoto e a sua composição bioquímica por seu lado dependente da idade da planta (Nicolardot et al., 1995); daí que a técnica de aproveitamento das plantas seja importante na definição da sua influência na rotação. A inclusão de gramíneas (centeio) em consociação com leguminosas (ervilhaca) não só reduziu o contributo de azoto para a cultura seguinte, como também tornou mais lenta a sua libertação (Ranells & Wagger, 1996) alterando-se assim o respectivo efeito na rotação com milho (Ranells & Wagger, 1997) que produziu mais, um em cada três anos a seguir à leguminosa estreme, sugerindo-se que esta poderá reduzir os riscos de lixiviação de azoto embora o adicione ao sistema.

Em Portugal, no passado, os pousios longos permitiam o cultivo durante um ou dois anos, mesmo nos solos mais fracos e sem qualquer fertilização, para além da obtida com as queimadas ou pastoreio; o surgimento dos adubos veio permitir o encurtamento do período de pousio ou mesmo a sua anulação (Oliveira et al., 1983). Esta intensificação do uso da terra foi impulsionada pela pressão demográfica (Ribeiro, 1991); os incentivos, então proporcionados, permitiram recordes efémeros de produção mas à custa de graves problemas de deterioração dos solos em termos de matéria orgânica (Amaral, 1982) e erosão de que Galvão (1949) dá notícia. Com pousios mais longos consegue-se uma maior produção de vegetação espontânea capaz de compensar a degradação provocada pelo alqueive e cultivo de cereal (Carvalho & Azevedo, 1991), como aliás os ensaios de Almeida Alves (1986) demonstram; a regressão entre os teores de carbono do solo e a produção de trigo nas rotações com pousios mais ou menos longos é significativa e o alqueive, ou este e um pousio de apenas um ano, não tornam positiva a evolução do teor de carbono do solo.

As culturas que antecedem o trigo deixam no solo quantidades diferentes de azoto mineral, pelo que devem ser tidas em linha de conta para a prática da adubação azotada (Wilson et al., 1996) e redução dos riscos de lixiviação; culturas como a batata e a colza deixam no solo maiores quantidades de nitratos, e maior percentagem de azoto do adubo aplicado, do que o trigo (Addiscott et al., 1991). Nos sistemas de agricultura estudados por Wu et al. (1997), as perdas de azoto por erosão e lixiviação foram afectadas pelas técnicas culturais; as perdas foram superiores nos casos em que a rega e adubação azotada eram abundantes e, no caso da cultura do trigo, na rotação com alqueive, apesar de sujeita a menores adubações azotadas. Maiores teores de azoto no solo após alqueive (Harris, 1963; McEwen et al., 1989) podem reflectirse numa maior produção e teor de azoto do trigo, mas menor recuperação do azoto de adubo aplicado (Jones et al., 1981).

Varvel (1994) conduziu monoculturas e rotações bienais de milho, sorgo e soja; os aumentos dos teores de carbono e azoto foram superiores nas rotações, quando estas incluíam culturas com maior produção de resíduos e com níveis elevados de adubação azotada. Na rotação com milho, foi a ervilhaca que conduziu a maiores teores de N inorgânico do solo logo após o seu corte, a qualquer nível de adubação azotada efectuada ao milho (Ebelhar et al., 1984). Estes efeitos podem reduzir a necessidade de fertilização azotada, mas também aumentar o risco de lixiviação deste elemento, se não houver sincronismo entre a disponibilização do azoto e as necessidades das culturas (Varvel & Peterson, 1990). Por não haver este sincronismo mas também porque pode ocorrer imobilização de azoto, a sideração pode não atingir o seu objectivo de o fornecer à cultura seguinte. As siderações podem não conseguir aumentar o teor de matéria orgânica do solo dado o tipo e número de mobilizações necessárias; Alves (1993) afirma que a tendência actual da agricultura é a de maximizar a produção de resíduos que, “associado à redução das lavouras, contribuem para a elevação do car-bono e azoto do solo” (Havlin et al., 1990). Na região sub-saariana, quer a monocultura de Pennisetum glaucum quer a sua rotação com Vigna unguiculata diminuíram os teores de matéria orgânica e azoto do solo provavelmente devido à remoção anual de resíduos; de um modo geral, os teores mais elevados de matéria orgânica foram observados nas modalidades com mobilização menos intensa (Klaij & Ntare, 1995).

Nos ensaios de Sieling et al. (1997), as perdas de azoto por lixiviação foram afectadas sobretudo pelo ano e pela cultura da rotação estudada. Nos ensaios de Stute & Posner (1995), a libertação de N proveniente da leguminosa enterrada coincidiu com o período de maior extracção pelo milho. Poderá ser preferível, para reduzir os riscos de lixiviação de azoto, deixar o terreno em pousio em vez de lavrar e semear um cereal (Shepherd & Lord, 1996), ou a implantação mais precoce das culturas (Widdowson, 1984). Nas nossas condições ambientais, a secura de al-guns anos pode inviabilizar esta estratégia e a extracção de azoto pelo trigo antes do Inver-no não ultrapassa, normalmente, 20 kg ha-1 (Sieling et al., 1997), pelo que é difícil limitar as perdas. Outras soluções poderão ser: a lavoura mais tardia, de modo a coincidir com um período de condições menos favoráveis à mineralização do azoto (Watson et al., 1993); evitar a adubação no Outono semear culturas de revestimento e incorporar materiais vegetais (palhas) com razão carbono:azoto elevada, que obrigam à mobilização de azo-to do solo para a síntese de matéria orgânica (Addiscott et al., 1991). No entanto, nos ensaios citados por Oveson (1966), a incorporação da palha da rotação trigo-alqueive durante mais de 30 anos, reduziu a produção de cereal, o mesmo sucedendo com os teores de azoto do solo, mesmo quando adicionado azoto à palha incorporada.

As modalidades de alqueive podem afectar a distribuição dos nitratos no perfil do solo e o armazenamento e infiltração da água, influenciando assim a produção do trigo da rotação (Smika, 1990). Nos ensaios de Power et al. (1986), o tipo de mobilizações a que se sujeitou o alqueive influenciou a distribuição de azoto na camada inicial, mas o efeito na produção de trigo foi muito reduzido. Harris (1963) considera ser o alqueive ineficiente em termos de conservação da água; no entanto, na região em que conduziu o ensaio, planícies centrais dos EUA, a produção de grão de trigo foi maior nas rotações com alqueive do que nas monoculturas, e variaram directamente com a água disponível no solo no período da sementeira. López-Bellido et al. (1996) conduziram os seus ensaios na região de Córdova e concluíram que, mesmo nas estações mais secas, o alqueive não proporciona produções de trigo superiores às obtidas na rotação com fava; isto, apesar de Izaurralde et al. (1994), em condições ambientais diferentes, avaliar a evapotranspiração da fava superior em 40% aos 328 mm da cevada. O problema do armazenamento de água no período de alqueive anterior à sementeira de cereal não se coloca nas nossas condições, dado que o acidente mais usual na cultura de cereais praganosos de Inverno é sobretudo o excesso e não a escassez de precipitação, que ocorre nas fases iniciais da cultura. Daí que, entre nós, raramente o alqueive contribui para a reserva hídrica dos solos (Alves, 1986). O armazenamento de água no solo, anterior à sementeira, pode ter significado para culturas de Primavera, como o milho (Unger, 1986).

A rotação de milho, relativamente à monocultura, é capaz de tornar menos acentuado o declínio dos teores de azoto e carbono orgânico do solo, conseguindo-se maior produção de milho; no entanto, só em conjunto com fertilizações se conseguem as maiores produções e a manutenção do azoto e carbono nos níveis mais elevados (Odell et al., 1984). O teor de azoto inorgânico no solo não aumenta indefinidamente porque, além da tamponização provocada pelas produções, o sistema solo-planta actua aumentando o teor de azoto na planta, bem como as perdas gasosas do sistema, a lixiviação e a retenção na matéria orgânica (Raun & Johnson, 1995).

Por outro lado, o cultivo sistemático de um solo, relativamente a uma pastagem natural, reduz os teores de N e C; estas perdas são mais acentuadas nos primeiros anos de cultivo, sobretudo se se trata das fracções lábeis (Bowman et al., 1990). Na Austrália, a maior duração da pastagem aumentou os teores de carbono orgânico e de azoto total do solo; a monocultura de trigo ou a sua rotação com alqueive reduziram esses teores e, relacionado com esta perda, degradou-se a estrutura, diminuiu a infiltração e armazenamento de água e aumentou a erosão (Grace & Oades, 1994). De acordo com Carvalho e Azevedo (1991), para elevar o teor de maté-ria orgânica de um solo, o melhor método é o da inclusão de pastagens nas rotações. No entanto, em prados pastoreados, a perda de azoto é condicionada pela deposição de fezes e urina dos animais, proporção de trevo na pastagem e pela época do ano (Cuttle et al., 1996).

Citando Almeida Alves (1993): “Praticar sistemas culturais que satisfaçam as nossas preocupações crescentes vai sendo cada vez mais difícil, exigindo muito mais atenção a factores até agora considerados de menor importância, cada vez melhor conhecimento da agricultura que fazemos”. Este trabalho procura clarificar a influência de sistemas culturais conduzidos em ambiente mediterrânico, nomeadamente, no ciclo do azoto do solo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O ensaio foi instalado na Quinta de Prados da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em Vila Real em condições descritas pormenorizadamente em trabalho anterior (Castro et al., 2007).

O ensaio incluiu a rotação tradicional das condições de sequeiro da região, cereal-alqueive (TA) e rotações alternativas susceptíveis de serem adoptadas nestas condições, as bienais cereal-leguminosa (TL), cerealconsociação forrageira (TC) e a plurianual cereal-prado de sequeiro (TP).

Anualmente procedeu-se ao registo de datas de mobilização, sementeira, adubação, ocorrência do estado de espigamento (trigo e aveia), floração (leguminosas) e colheita.

Em 1994-1995 procedeu-se a cortes periódicos, a intervalos de 40 dias, de toda a parte aérea dos talhões semeados; estas colheitas visaram a determinação do teor e estiamtiva do azoto da biomassa aérea das culturas implantadas e foram efectuadas nas mesmas datas em que se colheram amostras de terra. As colheitas de solo começaram antes da sementeira das culturas e prosseguiram até depois da colheita, num total de 9 amostragens, e visaram a análise da evolução dos teores dos iões amónio e nitrato.

A determinação do N inorgânico do solo (N-NH4+ e N-NO3-) foi efectuada após extracção com KCl 2M numa relação 1:5 (Mulvaney, 1996) num analisador de fluxo segmentado por espectofotometria de absorção molecular. O N-NH4+ foi determinado pelo método de Berthelot e o N-NO3 - foi determinado pelo método de Griess-Ilosvay após redução em coluna de cádmio.

Os resultados foram sujeitos a análise de variância através dos programas informáticos SYSTAT 5.0 e MSTAT. Quando obtidos valores significativos (p < 0,05) na análise de variância fizeram-se comparações das médias através do teste de Student-Newman-Keul’s.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para melhor análise dos resultados, apresentam-se no Quadro 1 as datas de colheita das amostras e de algumas práticas culturais que poderão ter maior influência nas amostragens.

 

Quadro 1 – Datas de amostragem de solos para análise dos teores dos iões nitrato e amónio e datas de algumas operações culturais.*

 

Constataram-se grandes variações temporais dos teores dos iões amónio e nitrato no solo em todas as rotações do ensaio, apesar de os valores do ião amónio serem menos variáveis (Quadro 2). A análise de variância dos resultados mostrou não haver diferença significativa entre rotações, mas sim entre datas de amostragem.

 

Quadro 2 – Valores (mg N kg-1) dos iões amónio (Am) e nitrato (Nt) observados no solo (0 a 40 cm) das diversas rotações no decurso do ano de 1994-1995.

 

Apesar de não haver diferenças estatisticamente significativas entre as rotações, são evidentes, em quase todas as datas de colheita, os maiores teores do ião amónio verificados na rotação com prado. Nesta rotação, os teores de azoto inorgânico (amónio+nitrato) são mais elevados sobretudo nas 1ª e 8ª colheitas; no entanto, os riscos de perda de azoto são baixos dado que a precipitação é ainda reduzida e o prado já está em produção, apesar de o Quadro 3 não o referir. Pelo contrário, na rotação TA atinge-se o teor mais elevado de azoto inorgânico na 9ª colheita, num período em que o risco de ocorrer precipitação elevada é superior e não haver ainda cultura do ano seguinte em crescimento.

 

Quadro 3 – Azoto na biomassa aérea (kg N ha-1) de cada corte efectuado aquando das colheitas de solo.

 

No período anterior, entre a 8ª e a 9ª colheitas, a precipitação foi de apenas 12,5 mm, pelo que não se pode atribuir à lixiviação a diminuição do teor do ião nitrato (e amónio) verificada entre aquelas datas nas rotações TP, TL e TC.

Em média do ensaio, os valores mais baixos de N total inorgânico atingem-se nas 3ª e 4º datas, o que se deverá às temperaturas baixas de Inverno e precipitação entretanto ocorrida; já que de Outubro de 1994 a Janeiro de 1995 ocorreram 451 mm de precipitação.

Nos prados, no período da 1ª à 2ª colheita de solo, os teores de N total foram, respectivamente, 7,5 e 2,2 mg N kg-1; a colheita das plantas, efectuada na altura da 2ª data de amostragem de solo, revelou que o prado produziu até então 37,2 kg N ha-1; os cereais, adubados na 1ª data com 30 kg N ha-1, produziram apenas 8,5 kg N ha-1 tendo evoluído o teor de N total (média dos 3 talhões com cereal) de 2,8 a 3,7 mg N kg-1 (Quadro 4). Não se pode por isso atribuir ao prado um potencial de lixiviação do azoto superior ao verificado com os cereais, pelo menos entre a 1ª e a 2ª datas.

 

Quadro 4 – Valores (mg N kg-1) dos iões amónio (Am) e nitrato (Nt) observados no solo (0 a 40 cm) dos diversos talhões no decurso do ano de 1994-1995.

 

Até à 4ª data de colheita, ocorre uma descida acentuada dos teores de nitrato de todos os talhões, atribuível ao abaixamento da temperatura e precipitação ocorrida. Tal como referem Hart et al. (1993), é sobretudo durante o Outono-Inverno que, na cultura de cereais, ocorre a perda de azoto por lixiviação; no entanto, as perdas de nitratos dos restantes talhões no mesmo período (Quadro 4), foram ainda mais elevadas (média de 4,94 mg N kg-1).

De acordo com Ferreira & Garcia (1989), os teores mínimos de nitrato na camada de 0 a 30 cm de solo para uma produção de 4 t ha-1 de grão de cereal devem ser de 15 mg N kg-1 em principio de Fevereiro, 10 mg N kg-1 em meados de Março e 5 mg N kg-1 em meados de Abril. Obtivemos, em média, 2,3 t ha-1 de grão de triticale com valores muito inferiores de nitrato no solo.

Todas as “culturas” a seguir a cereal apresentam na 1ª colheita de solo, após lavoura, valores elevados do ião nitrato, 5,9 mg N kg-1; a lavoura efectuada promoveu a formação de azoto inorgânico, apesar do enterramento do restolho de cereal. No caso do alqueive o teor elevado do ião nitrato, 5,1 mg N kg-1, verifica-se mesmo sem que se tenha efectuado lavoura nesta época.

A análise estatística dos valores do Quadro 4 permite concluir que existem diferenças significativas entre talhões.

A única diferença significativa dos teores do ião amónio reside no talhão TP1 com prado; no decurso dos vários anos de ensaio observou-se que as ovelhas, sobretudo após se terem alimentado com o pasto, se concentravam no talhão TP1 e não no TP2; este facto terá originado uma maior deposição de fezes e urina destes animais em TP1 e consequente maior teor do ião amónio. A diferença entre os dois talhões foi superior na 7ª colheita dado que, nesta fase, as plantas se encontravam em senescência e, portanto, com fraca capacidade de extrair azoto. As perdas de azoto dos prados são superiores onde a deposição de urina e fezes dos animais é maior (Cuttle et al., 1996) e poderão ser reduzidas retirando alguns animais da pastagem nesta fase (Addiscott et al., 1991). Em ambos os prados, o teor de N total aumentou até à 8ª colheita; é por isso de supor que a decomposição da vegetação morta do prado, incluindo as suas raízes, possa ter um grande contributo para o teor de azoto pelo que o seu não pastoreio é, neste aspecto, também prejudicial.

A única diferença significativa em termos de teor do ião nitrato diz respeito ao talhão com alqueive. A partir da 4ª ou 5ª colheitas, o teor de nitrato aumentou em todos os talhões em consequência do aumento da temperatura média, mas no TA o teor subiu e ainda mais (de 2,08 até 13,53 mg N kg-1) graças à lavoura de alqueive efectuada no final de Fevereiro no talhão TA2; neste período também se efectuou a adubação de cobertura no talhão TA1 mas, como podemos constatar no Quadro 4, não resultaram alterações significativas dos teores de azoto deste talhão.

Entre os talhões que estavam cultivados com cereal, TC1, TL1 e TA1, em todas as datas, os teores do ião amónio e nitrato são inferiores, e embora não significativamente ainda mais, no talhão da rotação cerealalqueive. Por isso, os valores elevados de nitrato verificados no ano de alqueive não subsistiram o suficiente para elevar os teores do ano seguinte de cereal da rotação. As perdas mais elevadas devem ocorrer entre a 8ª e 9ª colheitas do ano de alqueive e a 1ª do ano de cereal. Os destinos possíveis deste azoto (desnitrificação, lixiviação ou imobilização orgânica) não foram avaliados neste ensaio.

Francis et al. (1994), tal como nós, constatou teores de N mineral mais elevados (nítrico + amoniacal) a seguir a alqueive. Alterar o número, tipo ou data de mobilizações efectuadas ao alqueive poderia ser uma via para reduzir o período de tempo em que o seu solo permanece com teores elevados de azoto ou de fazer coincidir tal período com o de crescimento inicial de nova cultura; o trabalho de Smika (1990) indicia, para algumas modalidades de mobilização do alqueive, diferenças em termos de teores de nitrato no solo, produção de grão de trigo da rotação e eficiência do uso de água pelo que esta poderá ser uma via para equacionar o problema.

Os teores do ião amónio não acompanharam os de nitrato (Figura 1); entre a 4ª e 5ª colheitas adubou-se, quatro dos oito talhões, com nitrato de amónio e, apesar disso, diminuíram os teores do ião amónio (0,2 mg N kg-1) aumentando os de nitrato (0,3 mg N kg-1).

 

Figura 1 – Evolução dos teores (mg N kg-1) dos iões amónio (—) e nitrato (---) do solo. Valores médios de todos os talhões do ensaio.

 

Em termos de teor do ião amónio no solo não se verificaram diferenças significativas da primeira até à 6ª data de colheita; a 7ª e 8ª datas diferiram entre si e de todas as outras. Parece, por isso, ter ocorrido um pico do valor do ião amónio no solo após a colheita ou maturação das culturas em ensaio (Junho), e posterior diminuição até à altura de nova sementeira, a que não será estranha a decomposição de matéria vegetal que permaneceu no solo.

A evolução do teor do ião nitrato foi diferente; na 1ª colheita, após as mobilizações, mas antes da adubação de fundo e sementeiras, o teor era elevado, diminuiu depois até Fevereiro (4ª colheita, antes da cobertura azotada) para retornar a valores próximos dos iniciais apenas na última das colheitas, já próximo de nova sementeira.

Se limitarmos a observação aos talhões que foram adubados com azoto (cereal e consociação), notam-se algumas diferenças (Figura 2).

 

Figura 2 – Evolução dos teores (mg N kg-1) dos iões amónio (—) e nitrato (---) do solo. Médiasdos talhões adubados com azoto (TC1, TC2, TL1e TA1).

 

Entre a 4ª e 5ª colheitas (cobertura com 60 kg N ha-1 após a 4ª) quase estabilizaram os teores do ião amónio (+ 0,16 mg N kg-1) e de nitrato. Neste período (40 dias e 40 mm de precipitação) os triticales (médias dos talhões TC1, TL1 e TA1) passaram de uma produção de azoto na biomassa aérea de 19 kg ha-1 para 71 kg ha-1 e a outra cultura adubada em cobertura, a consociação do talhão TC2, passou de 19 kg ha-1 para 69 kg ha-1 (Quadro 3).

A elevada extracção de azoto (mais de 50 kg ha-1) no período de 40 dias entre a adubação azotada de cobertura (60 kg N ha-1) e nova colheita de amostras justificará a quase não alteração do teor de nitrato. Entre a 1ª e a 2ª datas de colheita, no caso destes talhões, foi efectuada a adubação de fundo (30 kg ha-1 de azoto na forma amoniacal); apesar disso, diminuiu o teor do ião amónio (0,30 mg N kg-1) aumentando o de nitrato (0,68 mg N kg-1) o que parece evidenciar a rapidez da nitrificação. A produção de matéria seca dos quatro talhões neste período de instalação das culturas foi em média de apenas 162 kg ha-1 com 8 kg N ha-1. Entre talhões adubados ou não com azoto a diferença reside no facto de que nos primeiros se verificar algum aumento de teor do ião nitrato após a adubação.

Também Westerman et al. (1994), trabalhando com trigo e vários níveis de adubação azotada não constataram diferenças entre os níveis do ião amónio e, só a profundidades superiores a 30 cm e com doses de azoto acima de 90 kg ha-1, detectaram aumentos do teor de nitratos; note-se que acima deste valor se deixou de verificar diferença significativa entre produções de grão, parecendo atingir o máximo físico. Por isso, não pode atribuir-se à adubação azotada um potencial elevado de perdas de azoto, pelo menos nas condições do ensaio.

Os totais de azoto inorgânico no solo (amónio + nitrato) são substancialmente superiores após consociação do que a seguir à tremocilha. Isto poderá ser atribuído a três ordens de razões: em primeiro lugar, porque a tremocilha requereu muito azoto para a sua produção, exportando, em média, mais 54 kg ha-1 ano-1 de azoto do que a consociação; em segundo lugar, porque a consociação recebeu 90 kg ha-1 de azoto sob a forma de adubo, ao contrário da tremocilha, que não recebeu qualquer fertilização azotada; por último, devido ao facto de os resíduos de tremocilha, apesar de dosearem mais azoto, serem mais fibrosos (Francis et al., 1994), decompondose mais lentamente, até porque a tremocilha é colhida (enterrada) em estado mais adiantado de maturação e com condições de secura mais acentuada (em média, 36 dias mais tarde);

Keatinge et al. (1988) referem que a colheita mais tardia de uma leguminosa reduz a extracção pela cultura seguinte; sendo a colheita mais precoce, o período de alqueive até à cultura seguinte é mais longo e a maior humidade presente no solo cria melhores condições para a decomposição; o mesmo sucedeu no talhão com alqueive e ainda mais cedo; logo na 5ª colheita de amostras, um mês após a lavoura de alqueive, os teores de nitrato aumentaram devido a esta mobilização.

As normas europeias estabelecem um limite de 50 mg L-1 de nitrato na água potável; para respeitar aquele limite o azoto lixiviado não deve ultrapassar 11 kg ha-1 de N-NO3-por 100 mm de drenagem (Chapot, 1995). O enterrar da palha, segundo o mesmo autor, não anula, mas atenua o risco de lixiviação dado que a razão C/N elevada provoca alguma imobilização do azoto disponível no solo. As perdas por drenagem de nitrato e outros nutrientes e a acidificação daí resultante poderá, também, ser reduzida com a implantação mais precoce das culturas (Chan & Heenan, 1996), embora nas condições ambientais prevalecentes em Portugal, nomeadamente, a irregularidade do início da época das chuvas, tal levante algumas dificuldades.

 

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1 Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro, Dep. Agronomia, 5001-801 Vila Real; (ccastro@utad.pt)

2 Depart. de Edafologia, C. Química, UTAD

 

Recepção/Reception: 2009.01.29

Aceitação/Acception: 2009.03.23

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