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Revista Portuguesa de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.34 no.3 Lisboa out. 2016

https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2016.06.004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da ingestão energética e em macronutrientes da população adulta portuguesa

Evaluation of energetic and macronutrients intake in the adult Portuguese population

 

Sílvia Pinhão a, b, Rui Poínhos a, Bela Franchini a, c, Cláudia Afonso a, c, Vitor Hugo Teixeira a, c, Pedro Moreira a, c, Bruno Miguel Paz Mendes Oliveira a, d, Maria Daniel Vaz de Almeida a, c, Flora Correia a, b, c, e

a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto, Porto, Portugal

b Unidade de Nutrição e Dietética, Centro Hospitalar São João, EPE, Porto, Portugal

c Direção da Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação, Porto, Portugal

d Laboratory of Artificial Intelligence and Decision Support (LIAAD), Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), Porto, Portugal

e Unidade de I&D de Nefrologia, Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB), Porto, Portugal

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

É fundamental conhecer hábitos alimentares e nutricionais de uma população, para poder intervir na promoção da saúde da mesma. Com este estudo epidemiológico transversal representativo da população portuguesa adulta (dados da SPCNA), pretendeu‐se conhecer o padrão nutricional de ingestão quer energética quer em macronutrientes. Por entrevista individualizada (domicílio), registaram‐se dados sociodemográficos e avaliou‐se a ingestão alimentar, por questionário, das 24 h anteriores. Assim, os portugueses ingerem em média: 2.056 kcal/dia, 19,1% de proteínas, 31,3% de gordura, 45,8% de hidratos de carbono e 3,8% de etanol. Estes dados serão válidos para intervenções adequadas na saúde pública portuguesa.

Palavras‐chave: Portugueses. Ingestão. Nutrientes. Energia.

 

ABSTRACT

Gathering knowledge about food and nutritional habits of a population is of the utmost importance since dietary intervention positively impacts health outcomes across the life span. With this transversal epidemiologic study representative of the adult Portuguese population (data from SPCNA), we tried to know the nutritional intake pattern (energy and macronutrients) of the Portuguese population. In an domiciliary individualized interview sociodemographic data were registered and food intake was evaluated by the 24‐hour recall method. Portuguese energy intake, is on average, 2056 kcal/day, distributed by 19.1% of protein, 45.8% of carbohydrates and 31.3% of total fat, and 3.8% of ethanol. These data will be important to Portuguese public health interventions.

Keywords: Portuguese. Intake. Nutritients. Energy.

 

Introdução

A alimentação é um ato cultural. A necessidade biológica alia‐se a significados, usos e costumes, comportamentos, etnias, religiões, aversões que transformam a alimentação numa forma de comunicação que permite a partilha de diversas experiências entre grupos de pessoas1. Conhecer os hábitos alimentares e nutricionais de uma população é fundamental para que o trabalho de um nutricionista seja exercido corretamente, quer na prevenção de doenças relacionadas com a alimentação quer no sentido de delinear estratégias políticas, ou para poder intervir, adequando os tratamentos possíveis à diversidade de situações, de forma a que sejam mais adaptados e permitam atingir os objetivos propostos2. No comportamento alimentar, estão em discussão várias áreas disciplinares que vão ser capazes de identificar e destacar determinantes alimentares: fisiológicos, culturais, demográficos, económicos, sociológicos, psicológicos, de marketing, entre outros3.

Avaliar a ingestão alimentar de uma população não é fácil e, apesar de existirem várias ferramentas para estimar a ingestão de alimentos, a European Food Safety Authority (EFSA) defende que os inquéritos alimentares devem ser realizados utilizando o método da recordação das 24 horas anteriores, incluindo 2 dias não consecutivos4.

A ingestão nutricional das populações é avaliada por ingestão média, deve contribuir para a boa saúde da população e deve verificar‐se se está a ser ou não adequada. As recomendações de referência da população norte‐americana (dietary reference intakes [DRI]) podem ser usadas como meio de avaliação de adequação de ingestão5. A JOINT WHO/FAO Expert Consultation 2004 desenvolveu metas populacionais, correpondentes a consumos médios da população, consideradas como objetivos de manutenção da saúde, direcionadas para a prevenção de doenças crónicas relacionadas com a alimentação6. Estes objetivos nutricionais podem ser usados no desenvolvimento de escolhas alimentares mais saudáveis6,7.

O primeiro e único questionário para avaliar a ingestão alimentar dos portugueses, de forma significativa e representativa, foi realizado em 19808,9. Em 2009, período de elevadas disponibilidades alimentares que antecedeu o período da crise económica, a Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação (SPCNA) com o apoio da Nestlé, no âmbito de um protocolo de mecenato científico entre as 2 instituições, desenvolveu um projeto denominado Alimentação e Estilos de vida da População Portuguesa, do qual fez parte um questionário alimentar e cujos dados foram usados neste trabalho.

 

Objetivos

Foi objetivo deste trabalho conhecer o padrão nutricional de ingestão da população portuguesa, sob o ponto de vista energético, de macronutrientes, cafeína, etanol e água, por sexo, faixa etária, região de residência, estado civil, nível de escolaridade e situação profissional.

 

Materiais e métodos

Os dados deste trabalho são decorrentes do projeto Alimentação e Estilos de Vida da População Portuguesa, recolhidos entre fevereiro e abril de 2009. Trata‐se de um estudo epidemiológico transversal, realizado numa amostra representativa da população portuguesa adulta (> 18 anos). Aplicou‐se um questionário a nível nacional, onde se incluíram todas as regiões de Portugal (Continente, Açores e Madeira), para avaliar a ingestão alimentar da população adulta portuguesa. As entrevistas para a recolha de dados foram realizadas no domicílio dos inquiridos, cuja seleção foi pela metodologia random route. Consideraram‐se 7 regiões de Portugal, de acordo com o NUT II, considerando um universo global de 8.303.248 indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos e a sua subdivisão por sexo, grupo etário e região de residência (Instituto Nacional Estatística [INE], Censos 2001)10. Assumiu‐se um nível de significância de 95%.

Os dados foram obtidos através de entrevistas realizadas individualmente, com inquiridores treinados por uma equipa de nutricionistas da SPCNA. Efetuaram‐se 12.643 contactos, 3.519 recusaram‐se a participar e 5.595 eram impossíveis de aplicar. Conseguiu‐se, assim, uma amostra representativa da população adulta portuguesa, com exclusão de mulheres gestantes ou lactantes, composta por 3.529 indivíduos, dos quais 3.047 (1.590 mulheres e 1.457 homens) consideraram que as 24 horas anteriores tinham sido dias «habituais», sendo por essa razão a amostra usada para a realização deste trabalho.

Para a caraterização sociodemográfica, foram registados: o sexo, a idade, o número de anos de escolaridade, a situação profissional, o estado civil e a região de residência no momento da entrevista.

A ingestão alimentar foi avaliada através de um único inquérito às 24 horas anteriores, doravante designado 24 horas, sendo registados todos os alimentos e bebidas ingeridos. De forma a manter a representatividade do padrão alimentar, as entrevistas foram efetuadas entre terça‐feira e sábado, correspondendo, desta forma, as 24 horas anteriores a dias úteis11,12. Foram ainda registados os horários e designações de todas as refeições. Além da designação dos alimentos e bebidas, foram inquiridas as quantidades e, sempre que aplicável, marcas comerciais e modos de confeção. A quantificação foi efetuada com recurso ao Manual de Quantificação de Alimentos13, sendo também utilizadas medidas caseiras14 e, no caso dos alimentos e bebidas vendidos em embalagens individuais, registou‐se a quantidade correspondente.

Todos os alimentos foram codificados tendo como base o Manual de Codificação Do Serviço de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (SE‐FMUP). A conversão dos alimentos em nutrientes foi efetuada usando como base o Food Processor Plus® (ESHA Research, Salem, Oregon, Estados Unidos da América [EUA]), adaptado pelo SE‐FMUP com informação nutricional proveniente de tabelas de composição de alimentos do departamento de Agricultura dos EUA e da Tabela de Composição de Alimentos Portugueses15. Para alguns pratos ou sobremesas, não foi possível obter informação nutricional dos produtos já confecionados e, por isso, recorreu‐se a informação da composição dos ingredientes que constituíam a receita culinária. A análise foi efetuada sob o ponto de vista energético, de macronutrientes (proteínas, lípidos, hidratos de carbono [HC]), etanol, cafeína e água, em quantidade e/ou em percentagem do valor energético total (VET). Para calcular a contribuição dos macronutrientes e do etanol para o VET, multiplicou‐se a quantidade de cada macronutriente pelo correspondente coeficiente de Atwater, arredondado à unidade16.

Para avaliar a adequação de ingestão de macronutrientes, os valores foram comparados com as DRI: intervalo aceitável de distribuição dos macronutrientes (proteínas [10‐35%]; gordura total 20‐35%; ómega‐3 [0,6‐1,2%]; ómega‐6 [5‐10%] e HC [45‐65%])17 e com os objetivos nutricionais para a prevenção de doenças crónicas relacionadas com a alimentação6,18. Considerou‐se ingestão adequada quando os valores reportados se encontravam dentro dos intervalos de referência. Valores abaixo ou acima do intervalo de referência foram classificados como inadequados.

 

Análise estatística

O tratamento estatístico foi realizado no programa IBM SPSS Statistics IBM versão 22 para MAC (Statistical Package for the Social Sciences, SPSS Inc, Chicago, EUA).

Os dados foram ponderados de acordo com o Censos 2001, de forma a serem representativos da população portuguesa (INE, Censos 2001)10.

De forma a aplicar os testes estatísticos mais adequados, foi avaliada a normalidade da distribuição das variáveis contínuas em estudo. A normalidade das variáveis foi avaliada pelo método do coeficiente de simetria e de achatamento.

A estatística descritiva consistiu no cálculo da média e desvio‐padrão (dp) no caso das variáveis cardinais, e no cálculo de frequências no caso das ordinais e nominais.

Para a comparação de amostras independentes, foi usado o teste t de Student e a ANOVA para verificar a existência de diferenças entre as médias, ou o teste de Mann‐Whitney e o Kruskal‐Wallis para comparar ordens médias de variáveis ordinais. Utilizou‐se o teste do qui‐quadrado para determinar a dependência entre pares de variáveis nominais.

Foi realizada uma análise de variância multivariada, usando um modelo linear geral para medir o efeito sobre a energia, macronutrientes causado por cada uma das variáveis independentes (sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade e região de residência), ajustado para todos os outros. Considerando a classificação de Cohen (1988), os tamanhos do efeito foram classificados como pequenos (η2 < 0,035), médios (η2 ∈ [0,035; 0,100]) ou grandes (η2 ≥ 0,100). Considerou‐se um nível de significância de 0,05.

Rejeitou‐se a hipótese nula quando o seu nível de significância crítico (p) fosse inferior a 0,05.

 

Resultados

A análise geral das características desta amostra representativa da população portuguesa permite constatar que mais de metade são mulheres, que a idade média dos portugueses é de 45,2 ± 18,5 anos, sendo de salientar que mais de metade tem 45 ou mais anos de idade (tabela 1). Um em cada 3 portugueses vive em Lisboa e Vale do Tejo (LVT), e a região do país onde habitam maior número de portugueses é o Norte. Quase metade são casados ou vivem em união de facto e os separados/divorciados são os menos frequentes (tabela 1). Concluem em média 9,3 ± 3,7 anos de escolaridade, e metade tem uma escolaridade igual ou superior ao 12.° ano. A maioria são ativos, mais de um quinto são reformados (tabela 1).

 

 

Nas tabelas 2 a 7 encontra‐se descrita a quantidade média (g) de macronutrientes e etanol ingeridos pelos portugueses, bem como a média do VET. Podemos também observar o contributo percentual de cada macronutriente (proteínas, gordura total, HC) e etanol, bem como a quantidade/percentagem de alguns nutrientes, cafeína e água. Foram escolhidos os nutrientes que a Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica como os mais importantes na prevenção de doenças crónicas não transmissíveis ([DCNT] OMS, 2003) por sexo, idade, região de residência, estado civil, nível de escolaridade e situação profissional.

 

 

 

 

 

 

 

A média do VET ingerido diariamente pelos portugueses ronda as 2.000 kcal. A ingestão energética é significativamente superior nos homens. O contributo percentual da gordura total e dos ácidos gordos (AG) para o VET nas mulheres é sempre inferior à dos homens, não sendo a diferença significativa para AG monoinsaturados (AGM), nem para AG ómega‐3. O contributo dos HC para o VET é significativamente superior nas mulheres e dos açúcares simples também. O contributo da proteína é significativamente superior nas mulheres. Os homens ingerem uma quantidade de sódio e de colesterol significativamente superior às mulheres. O contributo do etanol e a quantidade de cafeína ingerida são significativamente superiores nos homens (tabela 2).

Os mais novos têm uma ingestão energética superior, o contributo da gordura é também superior neste grupo de idade, assim como a percentagem de ácidos gordos saturados (AGS), AG‐trans, açúcares simples e quantidade de sódio. São os mais velhos os que têm um contributo percentual energético de HC superior. O maior contributo proteico regista‐se nos que têm entre 45‐64 anos, sendo neste intervalo de idade que se regista o maior contributo do etanol. Os portugueses entre os 30‐44 anos são os que ingerem maior quantidade de colesterol e cafeína (tabela 3).

É no Norte que se regista a maior ingestão energética, a maior percentagem de gordura total, e de AGM, de colesterol e de sódio. São ainda os portugueses que habitam no Norte que apresentam o maior contributo do etanol para o VET, e a maior ingestão de cafeína e de água. No Centro regista‐se o maior contributo de proteína. O contributo dos açúcares simples é semelhante para os que habitam nos Açores e no Centro. Na Madeira encontra‐se o maior contributo de AG polinsaturados (AGP) e ómega‐6. O contributo de ómega‐3 é idêntico em todas as regiões, os AG‐trans são mais elevados no Alentejo e Algarve, e os AGS nos Açores. No Alentejo regista‐se a maior ingestão de fibra e o contributo dos HC para o VET é mais elevado no Algarve (tabela 4).

É nos solteiros que se encontra a ingestão energética mais elevada e o maior contributo da gordura total, dos AGM, dos ómega‐6, AG‐trans e dos AGS para o VET. É no grupo dos solteiros que os açúcares simples têm maior peso no VET e onde se regista maior ingestão de colesterol e sódio. Nos casados, o contributo dos AGM é semelhante ao dos solteiros, o contributo da proteína é o mais elevado, assim como a quantidade de fibra e a água. Nos separados/divorciados, encontra‐se o maior contributo dos AGP e ómega‐6 e a maior ingestão de cafeína. Os viúvos são os que têm o maior contributo dos HC e do etanol para o VET (tabela 5).

É nos portugueses com o 6.° ano de escolaridade que se encontra a maior ingestão energética, o maior contributo dos AG‐trans e a maior ingestão de fibra. Nos portugueses que têm o 9.° ano, o contributo percentual energético da gordura total e dos AGM e AGS é mais elevado, é neste grupo que se encontra o maior contributo das proteínas, e a maior ingestão de colesterol e sódio. Nos indivíduos menos escolarizados (< 4.°ano) encontra‐se o maior contributo dos HC para o VET, e nos mais escolarizados a maior percentagem de açúcares simples, bem como a ingestão mais elevada de cafeína e água (tabela 6).

Na tabela 7 podemos verificar que são os estudantes que têm maior ingestão energética, o contributo percentual energético de gordura, de AG ómega‐6, AG‐trans, AGS e açúcares simples é superior, bem como a quantidade de colesterol e sódio. Os portugueses que trabalham (ativo) têm maior contributo percentual de AGM, maior quantidade de fibra, cafeína e água. As domésticas têm maior contributo percentual dos AGP e de proteína, e os reformados são os que registam maior contributo percentual dos HC e etanol.

Realizamos uma análise multivariada para estudar o efeito de cada uma das variáveis sexo, idade, região de residência, estado civil e nível de escolaridade (ajustado para as restantes) no VET, nos macronutrientes e no etanol; os dados encontrados estão registados na tabela 8.

 

 

Na população estudada, o efeito do sexo no VET e no contributo percentual dos macronutrientes e etanol é grande, mas o efeito da idade, região de residência, estado civil e nível de escolaridade é pequeno (tabela 8). Para o VET, o tamanho do efeito do sexo é grande e da região de residência é médio, enquanto que o efeito da idade e do estado civil é pequeno. O efeito de todas as variáveis é pequeno para o contributo percentual proteico e de gordura total. Para o contributo percentual dos HC, o efeito do sexo é médio, e da região de residência, estado civil, grupo de idade e nível de educação é pequeno. O efeito do sexo é grande para o contributo percentual do etanol, mas pequeno para todas as outras variáveis (tabela 8).

Para verificar a adequação de ingestão de macronutrientes, fomos comparar a ingestão com as DRI. Os resultados encontram‐se descritos na tabela 9.

 

 

Usando as DRI como forma de avaliar a adequação da ingestão dos macronutrientes, AG ómega‐3 e ómega‐6 (tabela 9), verificamos que para a maioria da população portuguesa o contributo percentual proteico está dentro do recomendado, em cerca de um terço dos portugueses, a percentagem de gordura total está acima do desejável e que a maioria dos portugueses não atinge as recomendações de ómega‐3, nem de ómega‐6. Quanto aos HC, verificamos que apenas cerca de metade da população tem um contributo adequado deste macronutriente, sendo de salientar a elevada percentagem que está abaixo do recomendado. A adequação de ingestão pelas variáveis estudadas é, em geral, semelhante à dos portugueses, sendo de salientar que nos homens, nos portugueses entre os 44‐64 anos, no Norte e no Alentejo, no grupo dos desempregados, ativos e reformados, o contributo percentual energético de HC é inadequado para a maioria.

Fomos também comparar o contributo percentual de cada macronutriente para o VET com os objetivos delineados pela OMS para prevenir as DCNT (tabela 10).

 

 

Conforme podemos observar na tabela 10, a maioria dos portugueses refere uma ingestão proteica e de gordura total acima das recomendações para prevenir DCNT e de HC abaixo das mesmas. A adequação de ingestão segue a mesma tendência em todas as variáveis estudadas, sendo de salientar que mais de metade dos mais velhos (65 ou mais anos), dos que habitam no Algarve, dos menos escolarizados (< 4.°ano) e dos reformados, tem o contributo percentual energético da gordura total de acordo com as recomendações.

 

Comparação com padrões alimentares

Na tabela 11, encontra‐se a comparação dos resultados por nós encontrados com padrões alimentares (nomeadamente o saudável, o mediterrâneo e o Ocidental)19, no que diz respeito ao contributo percentual médio dos macronutrientes e etanol.

 

 

Conforme podemos ver pela tabela apresentada, o padrão alimentar dos portugueses aproxima‐se mais do ocidental, estando ligeiramente acima no que diz respeito ao contributo proteico e ligeiramente abaixo no contributo da gordura e do etanol para o VET. Relativamente ao dito padrão saudável, afasta‐se bastante, principalmente pelo excesso de proteína (+ 6‐9%) e pela escassez de HC (‐9 a ‐19%).

 

Discussão

Na segunda metade do século XX, desenvolvimentos políticos e económicos na Europa resultaram numa maior oferta alimentar e mais segura do que nunca, e consequentemente aumentou a esperança média de vida, no entanto, simultaneamente, observou‐se um aumento de várias doenças crónicas associadas a fatores alimentares e de estilo de vida7.

Os dados usados para a realização deste trabalho correspondem a uma amostra representativa da população portuguesa (Continente, Madeira e Açores). Sendo uma amostra representativa encontramos que mais de metade da amostra são mulheres, o que vai de encontro ao apresentado pelo INE, onde está referenciando que as mulheres são mais numerosas do que os homens20. A maioria dos portugueses tem mais de 45 anos, o que está de acordo com o envelhecimento demográfico verificado de 2004‐200921. Cerca de metade dos portugueses são casados e vivem essencialmente em LVT e no Norte, uma vez que estas regiões compreendem Lisboa e Porto, as 2 grandes áreas metropolitanas do país. O nível de escolaridade é de uma forma geral baixo, o que é preocupante pois esta tendência parece manter‐se. Segundo a Eurostat, em 2009 Portugal apresentou uma elevada taxa de abandono escolar e, segundo a OECD, cerca de 70% dos portugueses tinham escolaridade inferior ao 12.° ano22. Quanto à situação profissional, verificamos que mais de metade se encontra no ativo, cerca de um quinto são reformados e que cerca de 6% são desempregados. Apesar de as percentagens de desemprego serem inferiores aos dados reportados pelo INE no ano de 2009, a maior percentagem de desemprego também se encontra no grupo das mulheres.

Dados relativos ao consumo alimentar dos portugueses são escassos e o último inquérito nacional foi aplicado nos anos 808,9,23. Nessa altura, foi aplicado um inquérito às famílias em que parte da metodologia dizia respeito a um único questionário referente à recordação das 24 anteriores. Este método de recordação dos hábitos alimentares continua a ser o mais comummente usado, onde as quantidades são geralmente avaliadas por medidas caseiras, modelos alimentares ou manuais fotográficos4,24, e é o método sugerido pela EFSA como o mais adequado para avaliação alimentar4.

De 12 estados‐membros da União Europeia que fizeram a avaliação da ingestão alimentar em inquéritos nacionais, 7 países usaram um único 24 horas anteriores, e apenas um país usou 2 24 horas anteriores (dados foram recolhidos na mesma entrevista, respeitantes a dias consecutivos)4. Apesar de o Expert Group on Food Consumption Data (EGFCD) recomendar a recolha de informação das 24 horas anteriores em 2 dias não consecutivos, uma vez que um único 24 horas leva a que não seja tão fácil avaliar a variabilidade intrapessoal4, neste estudo foi apenas aplicado um único 24 horas por questões económicas, uma vez que mais dias de recolha aumentavam o orçamento e tornavam inviável a realização do estudo. Não sendo o ideal, segundo Maria Lennernäs, um único 24 horas é apropriado para caracterizar a ingestão em grandes grupos, desde que a amostra seja representativa da população em estudo25.

Apesar de estarem a tentar desenvolver outras metodologias de aplicação do 24 horas como o Automated self administered 24h‐recall (ASA24), via on‐line, para facilitar o tempo de recolha de dados e diminuir os custos a ele associado26, o método clássico de entrevista é ainda o mais usado. Por isso, entrevistadores bem treinados são cruciais para a recolha da informação, para que possam fazer as questões da forma correta e diminuam o mais possível o erro inerente à própria metodologia. Assim, nutricionistas experientes formaram inquiridores em período prévio à recolha de dados.

Os participantes não foram previamente avisados de que iriam ser questionados sobre o que ingeriram nas 24 horas anteriores, o que, por um lado, pode ter contribuído para algum erro de memória por dificuldade em recordar o que realmente ingeriram, mas, por outro, não houve qualquer condicionamento ou influência na ingestão correspondente ao período em questão. Por vezes, no final da recolha da informação é fornecida uma lista de alimentos/snacks que possam ter sido esquecidos4. Esta forma de tentar diminuir o erro da memória não foi por nós aplicada, podendo, por isso, ter existido géneros alimentícios que foram ingeridos mas que não foram indicados por mero esquecimento por parte do inquirido, subvalorizando em certa medida o VET por nós encontrado.

Pela análise multivariada que realizamos, podemos afirmar que o facto de ser homem ou mulher, mais novo ou mais velho, mais ou menos escolarizado, residir em diferentes regiões do país, ser solteiro, casado, divorciado ou viúvo são variáveis que têm influência na ingestão nutricional. De facto, a escolha alimentar é influenciada por aspetos biolo¿gicos (como a fome, o apetite, o sabor), por condicionantes econo¿micas (custo dos alimentos, rendimento, disponibilidade), determinantes estruturais (acesso, escolaridade, compete¿ncias e recursos culinários, tempo), caracteri¿sticas sociais (cultura, fami¿lia, relac¿o¿es sociais, padro¿es alimentares) atitudes, crenc¿as e conhecimentos sobre alimentos e alimentac¿a¿o27–29.

 

Ingestão energética total

Comparando os nossos dados com os recolhidos em 1980, encontramos nos portugueses uma diminuição na ingestão média de energia de cerca de 400 kcal, uma vez que, nessa data, apresentavam um valor de ingestão de 2.436 kcal8. Há mais de 30 anos, em 1981, cerca de um quarto da população pertencia ao grupo etário mais jovem (0‐14 anos), e apenas 11,4% estava incluída no grupo etário dos mais idosos (com 65 ou mais anos); no entanto, em 2011, Portugal apresenta apenas 15% da população no grupo etário mais jovem (0‐14 anos) e cerca de 19% da população tem 65 ou mais anos de idade30. Assim, se a ingestão energética total diária diminui à medida que a idade aumenta, e se a percentagem de idosos tem vindo a aumentar, é de esperar que a quantidade de energia média diária atual diminua comparativamente a estudos anteriores.

Segundo dados do INE, as disponibilidades alimentares per capita, no quinquénio 2008‐2012, atingiram em média as 3.963 kcal (+ 2,1% que no peri¿odo 2003‐2008), o que permite satisfazer as necessidades de consumo de 1,6‐2 adultos, tendo por base o aporte energético médio recomendado (2.000‐2.500 kcal)31. Esta análise revela, no entanto, 2 peri¿odos marcadamente distintos que vão contra os dados encontrados, pois, até 2010, foi um peri¿odo de expansa¿o caracterizado por elevadas disponibilidades alimentares e energéticas e, a partir de 2010, com reduc¿o¿es acentuadas das disponibilidades alimentares31. Na Europa, estima‐se que cerca de 89 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados por ano. Há desperdício de alimentos em cada setor da cadeia alimentar – do campo à mesa, pelos produtores, processadores, comerciantes, fornecedores e consumidores32. De facto, comparando os valores registados pelo INE os nossos dados estão de acordo com este facto, existindo um grande desperdício. Tendo os nossos dados sido recolhidos em 2009, ou seja, no período de elevadas disponibilidades alimentares, parece que cerca de 1.900 kcal per capita não são assim contabilizadas, ou seja, só é consumido, em média, praticamente metade do valor energético que existe disponível32.

No presente estudo, optou‐se pela na¿o exclusa¿o de nenhum indivíduo devido ao consumo energético improvável. A ingestão energética média referida pelos portugueses, apesar de se encontrar no limite inferior, está dentro do que é recomendável (2.000‐2.500 kcal)33. Uma vez que as necessidades são diferentes consoante o sexo, e de acordo com outros autores, as mulheres portuguesas têm uma ingestão energética significativamente inferior à dos homens. No entanto, o valor energético médio ingerido pelas mulheres é muito abaixo do que é aconselhável. Isto pode acontecer por 2 razões: primeiro, as mulheres são naturalmente mais preocupadas com o que devem ingerir porque devido a todos os conceitos pré‐estabelecidos do sucesso social, profissional e pessoal, que conduzem à imagem corporal perfeita de corpos delgados, receiam ficar gordas34. Por outro lado, este questionário foi de aplicação indireta, podendo sentir‐se intimidadas e possivelmente pressionadas a dar a resposta que consideram ser socialmente e desejavelmente mais correta35, omitindo alguns alimentos que foram realmente consumidos.

Os mais novos são os que referem uma maior ingestão energética, o que está de acordo com alguns autores que demonstram uma relação inversa entre a idade e a ingestão energética em várias populações35,36. Os viúvos são os que mencionam menor ingestão energética, resultado este relacionado com o facto de geralmente estarem sozinhos e, por vezes, não estarem dispostos a cozinhar a própria refeição. Tristeza e, por vezes, depressa¿o, além de sentimentos de marginalizac¿a¿o e solida¿o, em idosos a viverem so¿s são muitas vezes relacionados com a perda de cônjugue ou outros, revelando‐se num marcado desinteresse pela alimentac¿a¿o37. Habitualmente, são mais velhos, têm condições de saúde diminuídas e muitas vezes dependem de ajudas de redes de suporte disponíveis, por isso comem o que podem e não o que querem38.

A ingestão energética mais elevada é reportada pelos portugueses com um nível de escolaridade médio, pelos estudantes e pelos portugueses que se encontram no ativo. Vários estudos têm demonstrado que as populações socioeconomicamente diminuídas reportam VET mais elevados39–41, no entanto, outros autores verificaram que o VET não varia muito com o nível socioeconómico42–45 e há ainda autores que descrevem que pessoas menos escolarizadas são mais propensas a reportar dados menos aproximados da realidade46–49.

Comparativamente aos dados apresentados no estudo EPIC50, um estudo prospetivo, com metodologia idêntica ao nosso (24 horas anteriores), realizado em 10 países europeus: Alemanha, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Itália, Noruega, Reino Unido e Suécia, o valor energético por nós encontrado é semelhante, mas ligeiramente inferior ao valor médio de todos os países incluídos nesse estudo, uma vez que apresentam uma média de 2.102 kcal.

 

Macronutrientes

Relativamente aos macronutrientes, e comparando os nossos resultados com o inquérito dos anos 80, verificamos mudanças na ingestão nutricional8. O contributo das proteínas para o VET foi, em média, de 12,8% em 1985 e nós encontramos um valor 6,3% superior. Quanto à gordura, foi por nós encontrado um contributo 3,4% inferior ao dos anos 80. O contributo dos HC para o VET foi de 55,2% em 1985, ou seja, houve uma redução de cerca de 10% na ingestão deste macronutriente.

O contributo médio proteico para o VET dos europeus é de 16,3%, percentagem mais baixa do que o valor por nós encontrado. Relativamente ao contributo de gordura no dia alimentar dos portugueses, é inferior à média europeia pois está registado um contributo médio de 35,9%51. Quanto aos HC, quando comparados com a média europeia, os portugueses apresentam maior percentagem de valor energético à custa desse macronutriente (40,7%). Os dados reportados em Portugal assemelham‐se ao contributo proteico da Espanha (19,2%), ao contributo de gordura (31,0%) e dos HC (44,8%) de Itália50.

Observando os macronutrientes por sexo, verificamos que as mulheres têm um contributo percentual proteico e em HC superior ao dos homens, enquanto que estes têm um contributo superior de gordura total e etanol. Estes dados demonstram que as escolhas diferem muito entre sexos. Estes resultados levam‐nos a pensar que as mulheres podem tentar dar respostas mais aproximadas do que consideram ser socialmente mais desejável31.

As mulheres do EPIC‐Oxford reportam um contributo das proteínas para o VET superior aos dos homens, o que corrobora os nossos resultados. As percentagens por nós encontradas são superiores às referidas nesse estudo, em que o contributo proteico é de 14,8 e 15,8% para homens e mulheres respetivamente36. O contributo da gordura é semelhante para ambos os sexos e próximo do valor por nós encontrado, sendo também superior nos homens, 31,4%, e nas mulheres, 31,0%36. O contributo dos HC reportado no EPIC‐Oxford é superior ao por nós encontrado, mas, apesar de serem também as mulheres a registar o maior contributo percentual, os homens do nosso estudo reportam menos 6% e as mulheres menos 1,4% do contributo para o VET36.

Não existindo dados representativos da ingestão dos portugueses, podemos, através de trabalhos realizados por região, comparar o que se passa na região norte do país com o Epi‐Porto51, um estudo representativo da área do Grande Porto. A distribuição pelo VET é de 18,4% de proteínas, 29,3% de gordura e 48,9% de HC. No geral, as proteínas e a gordura total contribuem mais para o VET e os HC têm um contributo inferior, se compararmos com os portugueses no geral. Observando os dados apenas da região Norte a tendência mantém‐se, mas a diferença no contributo dos HC é maior. As diferenças encontradas podem estar relacionadas com a própria metodologia, uma vez que no consumo alimentar do Porto foi usado um QFA51.

A alimentação dos indivíduos não é constante ao longo dos dias e o facto de termos um único 24 horas anteriores pode aumentar a variabilidade individual52. Uma vez que Portugal não dispõe de recomendações nutricionais próprias, é necessário recorrer às recomendações estabelecidas para outras populações, tendo sido escolhidas para comparação as DRI (recomendações de referência da população norte‐americana) e as recomendações nutricionais para a prevenção de DCNT.

A ingestão de proteína é adequada para a grande maioria da população portuguesa se usarmos como termo de comparação as DRI, no entanto, se usarmos os objetivos da OMS verificamos que só menos de um quarto tem uma ingestão proteica adequada, estando a maioria acima do desejável. A diferença encontrada prende‐se com o facto de nas DRI existir uma maior amplitude do intervalo para o contributo da proteína para o VET (10‐35%). Quanto à gordura total, o limite superior das DRI é de 35%, enquanto que o da OMS é de 30%, logo, maior percentagem de portugueses têm um contributo exagerado de gordura para o VET se comparado com as recomendações da OMS. No entanto, é importante salientar que quase 16% dos idosos ingerem menos de 20% VET em gordura, o que pode contribuir para défices de ingestão de AG essenciais e vitaminas lipossolúveis. Relativamente aos HC, o limite inferior das DRI é francamente superior ao limite inferior da OMS para a prevenção de DCNT6, logo, menor percentagem de portugueses tem uma inadequação de ingestão de HC se usarmos aquela comparação. A inadequação de ingestão, com base nas recomendações da OMS, parece ser transversal a todas as regiões de residência de Portugal, sendo os que mais se afastam das recomendações os mais velhos e os menos escolarizados, provavelmente por serem aqueles que podem estar mais predispostos a situações de insegurança alimentar, ou seja, com disponibilidade limitada ou incerta de alimentos nutricionalmente adequados e seguros, ou capacidade limitada para adquirir alimentos apropriados de maneiras socialmente aceitáveis53.

De uma forma geral, o contributo percentual dos AGM para o VET é superior às recomendações da OMS mas está de acordo com a média europeia, que, segundo Linseisen, varia entre 10‐13%54, sendo a maior ingestão registada na Grécia (21%). Os AGS estão também elevados, mas comparativamente à média europeia são os mais baixos, uma vez que estão descritos valores de ≤ 13%, sendo o nosso valor mais próximo do encontrado em Itália (9,2%)54. Quanto aos AGP, o contributo por nós encontrado foi muito inferior aos 4‐8% descritos nos europeus. Relativamente ao colesterol, a média de ingestão dos portugueses encontra‐se dentro dos limites descritos na Europa, sendo superior nos homens54. Os valores de ingestão dos homens aproximam‐se dos alemães (378,2 mg) e o das mulheres das dinamarquesas (316,0 mg)54. É no entanto de salientar que, independentemente do sexo, a média de ingestão está acima dos objetivos da OMS6. Não sendo possível quantificar a ingestão alimentar neste trabalho, recorremos a dados de um estudo preliminar realizado na mesma amostra relativamente a frequência de ingestão de grupos de alimentos, apresentado em 2009, no congresso da SPCNA. Podemos assim refletir no facto de existir um hábito marcado de ingestão de alimentos ricos em gorduras saturadas e em colesterol, nomeadamente os famosos enchidos de Portugal e as 1001 formas de consumir bacalhau, salientando que, segundo os dados apresentados, 31,7% dos portugueses refere consumir produtos de salsicharia e charcutaria55.

 

Açúcar, fibra e sódio

Apesar de existir um conhecimento bastante sólido sobre a prevenc¿a¿o de certas doenc¿as mediante a adoc¿a¿o de um melhor regime alimentar, as tende¿ncias mundiais te¿m evolui¿do no sentido de dietas pouco saudáveis, com alto teor de sal e ac¿u¿cares6.

Comparativamente às recomendações da OMS, temos que salientar que o contributo dos açúcares para a ingestão energética na população portuguesa está acima do desejado e a ingestão média de fibra por nós encontrada corresponde a praticamente metade da quantidade que seria recomendável para prevenir as DCNT6.

Comparativamente a dados europeus, verificamos que Portugal aproxima‐se mais da Holanda no que diz respeito ao consumo de açúcar, uma vez que está descrito um contributo percentual médio na ordem dos 14,7%56. O consumo de produtos de elevada densidade energética é uma constante em todas as população desenvolvidas e, apesar de não termos avaliado neste trabalho os dados em termos alimentares, dados preliminares realizados na mesma amostra mostram que, diariamente, 15,2% dos portugueses consomem açúcar, 18,0% biscoitos/bolachas e 27,9% bolos/produtos de pastelaria55. Sendo um questionário de 24 horas anteriores, em que o dia corresponde a um dia usual, podemos verificar que a ingestão de alimentos de elevada densidade energética, à custa de açúcares simples, é elevada. É um dado preocupante, principalmente se olharmos para os dados de um estudo publicado pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC) com mais de 31 mil participantes, em que mostra que consumos entre 17‐21% do VET em açúcar representam um risco 38% mais elevado de morte por doença cardiovascular (DCV) comparativamente a indivíduos que consomem menos de 10% do VET em açúcar57.

Segundo as recomendações para a prevenção de DCNT, a ingestão de fibra deve ser superior a 25 g/dia. Na realidade, os portugueses parecem estar muito aquém, pois reportam valores que correspondem a cerca de metade das recomendações. O valor por nós encontrado é o mais baixo da Europa, uma vez que, usando a mesma metodologia, é na Suécia que se encontram os valores mais baixos, ou seja, 17,7 g de fibra no caso dos homens e 15,1 g nas mulheres56. Apesar destas diferenças, podemos afirmar que a tendência de consumo de fibra pelos portugueses é idêntica à da Europa, pois são os homens os maiores consumidores. Observando os dados apresentados pela SPCNA relativos ao consumo alimentar, este valor talvez fosse de esperar, uma vez que apenas 63% dos portugueses refere consumir fruta, 64% refere consumir sopa, 40% consome hortícolas e apenas 3,7% refere consumo de leguminosas diariamente55.

É então importante reduzir a ingestão de alimentos/géneros alimentícios mais ricos em açúcares simples e aumentar a ingestão de alimentos ricos em fibra. Especificamente, é necessário, por um lado, diminuir a adição do açúcar em natureza e o consumo de bolos/produtos de pastelaria/alimentos processados e, por outro, aumentar a frequência de consumo de fruta, hortícolas e leguminosas, devendo dar especial importância ao consumo diário de sopa de legumes e hortaliças e à escolha de alimentos o menos processados possível.

O consumo elevado de sódio está associado a uma série de DCNT, como a hipertensão arterial (HTA) e a DCV, e a redução do consumo de sal pode reduzir a pressão arterial e o risco associado de DCNT18,58. O Plano de Ação de 2013‐2020 da OMS na área da alimentação e nutrição sugere estratégias na área da redução da ingestão de sal como uma das melhores abordagens para a prevenção das DCNT na região europeia59. Em Portugal, o excesso de consumo de sal é discutido há várias décadas e apresenta relação quer com a elevada prevale¿ncia de HTA quer com acidentes vasculares cerebrais60. Segundo a OMS, a ingestão de sódio não deve ultrapassar os 2.000 mg por dia61. O valor médio de ingestão de sódio ingerido, intrínseco aos alimentos, por nós encontrado é ligeiramente superior aos 2.000 mg recomendáveis, sendo até inferior no caso das mulheres. No entanto, Polónia et al. demonstraram que a ingestão de sal na população portuguesa é de 10,7 g62. É importante recordar que existem diferenças na metodologia de avaliação e no nosso trabalho: além da avaliação feita se reportar à ingestão das 24 horas anteriores, não foi quantificado o sal de adição. Este será um ponto que ainda que dificil de realizar, pois por um lado as refeições são feitas para várias pessoas, por outro podem ser realizadas fora de casa, deverá, sempre que possível, constar da recolha de dados sobre ingestão, para que se possa com mais segurança avaliar a ingestão deste mineral. Comparativamente aos dados referentes a 2006, no estudo Epi‐Porto verificamos que a ingestão do sódio intrínseco aos alimentos por nós encontrada é ligeiramente superior, uma vez que Lopes descreve uma ingestão média de 2.055 mg/dia. Quando observamos os dados apenas da região norte, encontramos um valor cerca de 500 mg superior ao do Epi‐Porto51. Perante estes resultados, parece relevante investir na redução da ingestão de sódio.

Assim, da análise geral de macronutrientes e VET, podemos dizer que os portugueses apresentam uma ingestão energética média dentro do que é considerado aceitável, mas que uma ingestão elevada de proteína e reduzida de HC e fibra, mas exagerada em açúcares simples, o que, aliado a uma ingestão desajustada de gordura, AG, colesterol e sódio, poderá vir a concorrer para o desenvolvimento das chamadas DCNT.

 

Etanol e cafeína

Os portugueses são bebedores menos frequentes que os americanos, uma vez que mais de metade dos americanos (52%) consome bebidas alcoólicas63 e apenas um terço dos portugueses o refere fazer. O consumo médio por nós encontrado encontra‐se abaixo da média europeia, pois estão registadas médias diárias de 27 g de etanol, ou seja, 12,5 L de etanol puro por ano64.

Homens reportam ingestões superiores de etanol e a região de Portugal com maior contributo desta substância para o VET é o Norte. Na realidade, em 2005, na região norte 60% dos residentes tinham consumido pelo menos uma bebida alcoólica, destacando‐se da proporção média nacional (40%). Na população masculina a proporção foi de 54%, quase o dobro da que se observava nas mulheres 26,3%65. Comparativamente aos dados europeus, apresentados no EPIC‐Oxford37, o contributo do etanol é superior no nosso estudo, pois está registado um contributo de 4,99% nos homens e 2,97% nas mulheres. Se olharmos para os dados do Epi‐Porto, a quantidade média de etanol ingerido é de 16,4 g/dia, correspondendo a um contributo energético superior ao dos nossos dados, com 5%51. No entanto, se observarmos os dados apenas dos que habitam no Norte, verificamos que o valor por nós encontrado é superior em quantidade efetiva, mas semelhante em contributo percentual para o VET51. Dados preliminares relativamente à frequência de consumo alimentar dos portugueses, apresentados pela SPCNA em 2009, mostram que, diariamente, 28,4% dos portugueses consome vinho, 12,4% cerveja, 2,7% bebidas alcoólicas destiladas e 1,7% outras bebidas alcoólicas55. Tendo em conta que a ingestão de etanol deve ser até 14 g de etanol nas mulheres e 28 g nos homens, podemos dizer que os portugueses reportam consumir este tipo de bebida dentro do que é recomendado66.

Na Europa não existem recomendações publicadas para a ingestão de cafeína na população geral, mas, em 1983, o EU Scientific Committee for Food (SCF) considerou os efeitos do consumo de cafeína para a saúde. No Canadá, sugerem uma ingestão < 400 mg por dia como segura67. No nosso trabalho encontramos uma ingestão média de cafeína elevada e, usando os dados preliminares da SPCNA, verificamos que 71,7% dos portugueses consome café/chá ou cevada. Apesar de a percentagem por nós encontrada ser inferior, vai de certa forma ao encontro do descrito pela European Coffee Federation, que refere que cerca de 80% dos portugueses consome café diariamente, sendo por eles identificado o expresso como tipo de café preferido67. De facto, o hábito de tomar café fora de casa ainda está muito enraizado na nossa população, mas segundo dados da Associação Industrial e Comercial do Café (AICC), Portugal não é dos países que mais café consome, apresentando um consumo 35% inferior aos países nórdicos. Esta diferença de consumo pode ser justificada pelo facto de, usualmente, nos países nórdicos é o café longo e não o expresso o que é mais usado. Na região do Porto, em dados descritos por Lopes, o consumo médio de cafeína é de 70 mg/dia, um valor francamente mais baixo do que o por nós encontrado, provavelmente relacionado com a tendência atual de aumento de consumo de café68. Segundo Oliveira et al., os portugueses tendencialmente irão duplicar o consumo atual de café nos próximos 10 anos e estima‐se que as mulheres, que atualmente consomem um terc¿o da cafeína ingerida pelo segmento masculino, possam vir a igualar o consumo68.

 

Considerações finais

Os dados deste trabalho foram recolhidos em 2009, o que coincide com os primeiros anos de crise. A crise que atualmente o nosso país tem vindo a atravessar poderá ser, talvez, uma oportunidade para repensar o modelo de consumo alimentar dos portugueses, numa vertente de maior equidade entre os diversos participantes na cadeia de abastecimento alimentar e de maior sustentabilidade ambiental69.

A recolha de dados através de um único questionário das 24 horas anteriores pode ser uma ferramenta limitativa, no entanto, aplicada a grandes populações permite avaliar a sua ingestão nutricional. Da análise deste inquérito alimentar nacional, representativo da população portuguesa, em que pela primeira vez foram incluídas as regiões autónomas da Madeira e Açores, podemos concluir que a ingestão energética parece estar de acordo com as necessidades individuais; no entanto, este valor das 2.056 kcal médias da população portuguesa pode estar subvalorizado, uma vez que, em média, as pessoas tendem a subestimar 15% da sua ingestão, o que significa que a ingestão média passaria a rondar as 2.400 kcal. Na realidade, ser do Norte ou do Sul, ser mais velho ou mais novo, ser homem ou mulher, ser casado ou não, ou ter um nível de escolaridade mais ou menos elevado, são características que têm algum efeito na ingestão dos portugueses, sendo o sexo aquele que mais efeito parece ter.

Relativamente à distribuição de macronutrientes e etanol, parece que é importante dar atenção à ingestão proteica, uma vez que parece ser o nutriente com maior distância daquilo que é recomendável, sendo transversal a ambos os sexos, idades, regiões, estado civil, nível de escolaridade e situação profissional. As gorduras totais, apesar de acima, não se afastam tanto do que seria recomendado para a população geral. Já os HC parecem ser nutrientes cuja importância na alimentação é elevada, mas que tem vindo a reduzir o seu contributo percentual energético ao longo dos anos. Podemos afirmar que a maioria dos portugueses refere não consumir etanol, mas dos cerca de um terço que consomem apresentam consumos bastante elevados. Apesar de existir algum efeito protetor desta substância nas DCV, deverá ser tomado com mais moderação.

Quanto ao padrão nutricional dos portugueses, aproxima‐se do padrão alimentar ocidental, estando francamente afastado do dito padrão saudável. Podemos dizer que é exagerado em proteína, ligeiramente aumentado em gordura e escasso em HC, devendo investir‐se para que haja diminuição da ingestão de sódio, colesterol e etanol, e aumento da ingestão de fibra, tentando‐se assim diminuir o risco das DCNT.

A criação de recomendações adaptadas à população portuguesa seria um avanço essencial na área da adequação de ingestão nutricional e este trabalho pode, pelo menos, servir como ponto de partida. Com a globalização, o aparecimento de alimentos/géneros alimentícios novos é vulgar e a aplicação de inquéritos alimentares com alguma periodicidade deve ser realizada, para que se possa evoluir no sentido de se adaptar a ingestão às necessidades de uma população, neste caso aos portugueses.

 

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Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

Agradecimentos

Agradece‐se à Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação, por ter cedido os dados recolhidos decorrentes do estudo «Alimentação e estilos de vida da população portuguesa», e à Nestlé, por ter colaborado na recolha de dados.

 

Recebido 4 de Novembro de 2015
Aceito 16 de Junho de 2016

 

Autor para correspondência:

silviapinhao@fcna.up.pt