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Revista Portuguesa de Saúde Pública

Print version ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.34 no.1 Lisboa Mar. 2016

https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2015.07.004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Sobrepeso e obesidade pediátrica: a realidade portuguesa

Pediatric overweight and obesity: The Portuguese reality

 

Carolina Viveiro *, Sara Brito, Pascoal Moleiro

Serviço de Pediatria, Hospital de Santo André, Centro Hospitalar Leiria-Pombal, EPE, Leiria, Portugal

 

RESUMO

Objetivo

Determinar e comparar a prevalência de sobrepeso e obesidade numa amostra de crianças e adolescentes portugueses, usando 3 critérios de referência baseados no índice de massa corporal (IMC): Center for Disease Control and Prevention (CDC), Organização Mundial de Saúde (OMS) e International Obesity Task Force (IOTF).

Métodos

Estudo transversal descritivo. Amostra constituída por crianças e adolescentes, participantes num rastreio nacional, decorrido em 17 cidades portuguesas entre 2007-2009, no âmbito da Jornada Nacional de Rastreio de Obesidade Infantil, promovida pela secção de Pediatria Ambulatória da Sociedade Portuguesa de Pediatria. O peso e estatura foram obtidos e o IMC (kg/m2) calculado de acordo com a fórmula: peso (kg)/estatura (m)2. Os dados foram analisados usando os critérios propostos pelas 3 referências. O grau de concordância foi calculado através do coeficiente kappa.

Resultados

Rastrearam-se 6.175 crianças e adolescentes, 52% do género feminino, idade média 8,3 anos. Segundo os critérios do CDC, a prevalência global de sobrepeso e obesidade foi 18,7 e 13,4%. A prevalência de sobrepeso e obesidade segundo os critérios da OMS foi 20,5 e 14,9%, e da IOTF 20,1 e 7,2%.

Os critérios IOTF apresentaram prevalências globalmente inferiores de obesidade, mostrando menor sensibilidade na sua deteção. Os critérios da CDC e da OMS apresentaram um maior grau de reprodutibilidade na deteção global da obesidade, traduzindo-se em valores de prevalência mais elevados.

Conclusão

As elevadas taxas de peso excessivo, neste estudo, são concordantes com a literatura e tornam premente a implementação de programas de prevenção. Apesar de, na generalidade, os 3 critérios apresentarem um nível de concordância bom, a disparidade nos resultados obtidos alerta para a necessidade do uso criterioso das referências na determinação de parâmetros de avaliação do status nutricional em idade pediátrica, bem como na sua interpretação e comparação com a literatura.

Palavras-chave: Obesidade. Sobrepeso. Pediatria. Índice de massa corporal.

 

ABSTRACT

Purpose

To describe and compare the prevalence of overweight and obesity using in a sample of Portuguese children and adolescents using three body mass index (BMI)-based criteria (Center for Disease Control and Prevention - CDC, World Health Organization–WHO and International Obesity Task Force–IOTF).

Methods

Cross-sectional descriptive study. Population sample composed by children and adolescents, who participated in a national screening, that took place in 17 Portuguese cities between 2007 and 2009, as part of a national screening for childhood obesity promoted by Ambulatory Pediatric Department of the Portuguese Pediatric Society. Weight and height were collected and BMI(kg/m2) was calculated according to the formula: weight(kg)/height(m)2. Data were analyzed using the criteria established by the references applied. The kappa coefficients were calculated for the degree of agreement between criteria.

Results

6175 children and adolescents were screened, mean age 8.3 years, 52% female. According to CDC criteria, the overall overweight and obesity prevalence was 18.7% and 13.4%. Applying WHO criteria, overweight and obesity prevalence were 20.5% and 14.9% respectively and 20.1% and 7.2% according to IOTF definitions.

The IOTF criteria determined lower overall prevalence of obesity, showing less sensitivity in screening excessive weight. CDC and WHO criteria have proven to be more reproducible in the detection of overall obesity, which was translated by higher prevalence values.

Conclusion

The high rates of excessive weight in this study are consistent with literature data and justify the urgent implementation of preventive programs. Though in general there was a good agreement between the three criteria, the disparity of the results alerts for the need of careful use of references in assessment of nutritional status in pediatric populations, as well as its interpretation and comparison with literature data.

Keywords: Obesity. Overweight. Pediatrics. Body Mass Index.

 

Introdução

A prevalência de pré-obesidade e obesidade em crianças e adolescentes tem vindo a aumentar a nível mundial a um ritmo alarmante, sobretudo nos países desenvolvidos e em alguns segmentos de países em desenvolvimento1,2. Dadas as graves e múltiplas repercussões desta patologia, tanto a curto como a médio e longo prazo, torna-se urgente a necessidade de implementação de estratégias de prevenção, mas também o diagnóstico precoce e intervenção atempada.

O tema da obesidade pediátrica tem sido motivo de grande polémica, pois as alterações constantes na composição corporal e no peso, durante a infância e adolescência, tornam difícil o estabelecimento de uma classificação universal de obesidade para crianças e adolescentes3. Assim, embora seja inequívoca a utilização do índice de massa corporal (IMC) em kg/m2, como parâmetro antropométrico recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a avaliação do estado nutricional, têm sido usados diferentes critérios para a determinação da obesidade1.

Em Portugal, a Direção Geral de Saúde (DGS) recomendava a utilização das curvas de percentis de IMC do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) de 2000, que estavam incluídas no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil (BSIJ) português. Estas curvas têm como base as curvas de crescimento elaboradas pelo National Center for Health Statistics (NCHS) de 1977, associando-se dados de 5 estudos transversais (National Health and Nutrition Examination Surveys – NHES II, III e NHANES I, II, III) realizados entre 1963-1994, a nível da população pediátrica americana. Os pontos de corte adoptados pelo CDC definem o sobrepeso para IMC igual ou superior ao P85 e inferior ao P95, a obesidade para o P95 de IMC ou superior, e o baixo peso para IMC inferiores ao P5, de acordo com a idade e sexo3,4 (tabela 1).

Recentemente, a implementação do novo Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil, que entrou em vigor em junho de 2013, recomenda a adoção de novas curvas padrão de crescimento preconizadas pela OMS5. Estas curvas, publicadas em 2007, abrangem uma população dos 5-19 anos de idade e constituem uma reconstrução da referência de crescimento previamente recomendada (NCHS/OMS 1977)6. Incluem dados originais do NCHS, suplementados com dados relativos ao padrão de crescimento infantil até aos 5 anos, baseados num estudo multicêntrico abrangendo as 6 principais regiões do mundo (WHO Multicenter Growth Reference Study (MGRS))7. A extensão das curvas permitiu uma adaptação ao padrão de crescimento da criança e aos pontos de corte de sobrepeso e obesidade para o adulto, e representa um padrão mais internacional, independente da etnia ou estatuto socioeconómico6. Os valores limiares de IMC que definem o sobrepeso e obesidade são, respetivamente, o P85 e o P976 (tabela 1).

Em 2000, Cole et al. publicaram curvas de IMC elaboradas por extrapolação dos pontos de corte definidos para os adultos para classificação de sobrepeso (25-30 kg/m2) e obesidade (> 30 kg/m2), de acordo com a faixa etária e o sexo8. O mesmo grupo de autores, em 2007, publicou os pontos de corte para definição de baixo peso em crianças e adolescentes (< 17 kg/m2 aos 18 anos)9. Estas curvas foram construídas a partir de estudos populacionais realizados em 6 países entre 1963-1993, sendo aplicáveis a crianças e adolescentes, de ambos os sexos, entre 2-18 anos de idade. Pelo seu caráter internacional, estas curvas são recomendadas pela International Obesity Task Force (IOTF)8,9 (tabela 1).

Perante a panorâmica atual, a Secção de Pediatria Ambulatória (SPA) da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) promoveu uma campanha de sensibilização, a «Jornada Nacional de Rastreio da Obesidade Infantil», com o intuito de promoção de hábitos de vida saudáveis e prevenção das complicações da obesidade infantil10. Foi efetuada a avaliação estaturoponderal de crianças e adolescentes que se voluntariaram para o efeito, tendo-se procedido à referenciação para o médico assistente dos casos detetados. A recolha de dados decorreu simultaneamente nas 17 cidades portuguesas participantes, em um dia de cada ano, de 2007-2009, em locais públicos de elevada afluência. Contou-se com o apoio de profissionais ligados à pediatria para a realização do rastreio e consciencialização da população para a problemática da obesidade10.

A ausência de unanimidade nos critérios indicados na literatura, para definição da obesidade em crianças e adolescentes, remete para a necessidade de estabelecer pontos de corte específicos para cada população. Sendo assim e aliado à escassez de dados acerca da prevalência de obesidade no território nacional, o presente estudo tem como objetivos a determinação da prevalência de sobrepeso e obesidade numa amostra da população pediátrica nacional, segundo 3 critérios de avaliação (CDC, IOTF 2000 e OMS 2007) e analisar as diferenças encontradas.

 

Material e métodos

Trata-se de um estudo transversal descritivo com vertente exploratória.

Amostra constituída por crianças e adolescentes dos 2 aos 18 anos de idade (exclusive), participantes na «Jornada Nacional de Rastreio da Obesidade Infantil», promovida pela SPA da SPP, em 3 anos consecutivos (2007-2009) e em 17 cidades portuguesas.

Foram recolhidos dados individuais (idade em anos e sexo) e antropométricos (peso em quilogramas e estatura em metros), com cálculo do IMC, segundo a fórmula: peso (kg)/estatura (m)2. O peso foi obtido através de balança digital calibrada. Para a sua medição, foi removido o vestuário exterior e calçado. A estatura foi determinada com uma régua de parede, através do posicionamento do jovem com a nuca e regiões gemelares apoiadas na parede, pés completamente apoiados no chão e braços estendidos ao longo do corpo. Não foi efetuada subtração para aproximação ao peso real.

Os participantes foram classificados em 4 grupos (baixo peso, peso normal, sobrepeso e obesidade), de acordo com os pontos de corte de IMC definidos para cada uma das curvas de referência utilizadas: CDC 2000, OMS 2007 e IOTF 2000.

Os pontos de corte definidos para as respetivas curvas de IMC encontram-se descritos na tabela 1. O peso excessivo foi designado para o conjunto do sobrepeso e obesidade.

A amostra foi estudada no seu conjunto global, tendo sido também efetuada a avaliação individual por géneros e segundo as faixas etárias, tendo sido definidos 2 grupos (crianças e adolescentes).

O tratamento dos dados e determinação de prevalências foram efetuadas com recurso ao programa PASW Statistics 18®, e a análise estatística segundo o teste de Chi-Square (χ2) e teste exato de Fisher e t de Student, com significâncias para α < 0,05. Para se proceder à mensuração da concordância entre os critérios, no que diz respeito às prevalências de obesidade e sobrepeso globais, por género e grupo etário, foi aplicado o coeficiente de kappa de Cohen. Este coeficiente mede a concordância através da fórmula: kappa = (Po-Pe)/(1-Pe), onde o Po representa a probabilidade observada de concordância e o Pe representa a probabilidade esperada de concordância aleatória. O coeficiente kappa tende para 0 quando a concordância observada é igual à esperada e 1 quando a concordância é perfeita.

 

Resultados

Obteve-se uma amostra de 6.175 crianças e adolescentes, com idades compreendidas entre os 2 anos e um mês e os 17 anos e 11 meses, com uma média de idade de 8 anos e 4 meses e mediana de 8 anos. Tal como se pode verificar na tabela 2, mais de metade da amostra (56%) está situada entre 4-10 anos. Quanto à distribuição por géneros, houve um ligeiro predomínio do género feminino (52%).

 

 

Critérios Centers for Disease Control and Prevention 2000

De acordo com as curvas de percentis desta referência, estimou-se uma prevalência global de sobrepeso de 18,7% e de obesidade de 13,5%. Apurou-se igualmente uma prevalência de peso normal de 65% e de baixo peso de 3% (tabela 3).

Analisando a amostra por géneros, o género masculino apresentou valores de prevalência de 18,9 e 16%, respetivamente, para o sobrepeso e obesidade. No sexo feminino, evidenciaram-se valores de sobrepeso e obesidade de 18,5 e 11,1%, tal como se pode observar na tabela 3. Foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa entre géneros, no que diz respeito à categoria obesidade (p < 0,05), com os rapazes a serem significativamente mais obesos que as raparigas.

Analisando a amostra por grupos etários, verificou-se uma prevalência de sobrepeso e obesidade de 20,2 e 15,9%, respetivamente, nas crianças (idade < 10 anos), e de 14,8 e 7,1% nos adolescentes (idade ≥ 10 anos) (tabela 3). Relativamente à prevalência de peso normal e baixo peso estas foram, respetivamente, 60,2 e 3,6% nas crianças e 73,4 e 1,9% no grupo dos adolescentes (tabela 3). Em todas as categorias foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os 2 grupos (p < 0,05).

International Obesity Task Force 2000 e Organização Mundial de Saúde 2007

Relativamente aos outros 2 critérios utilizados neste estudo, pôde constatar-se que as prevalências globais de obesidade e sobrepeso foram, respetivamente, 14,9 e 20,6% usando as curvas da OMS 2007, e 7,2 e 20,2% recorrendo ao IOTF 2000 (fig. 1). Comparativamente com os dados obtidos utilizando as curvas de referência do CDC 2000, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em ambas as categorias (p < 0,05).

 

 

Analisando por géneros, ao aplicar os critérios da IOTF 2000 foram observadas prevalências de obesidade e sobrepeso de 6,3 e 20,5% no sexo feminino e de 8,1 e 19,6% no sexo masculino (tabela 3). Recorrendo às curvas da OMS 2007, as prevalências encontradas de obesidade e sobrepeso foram, respetivamente, de 11,5 e 18,4% no sexo feminino e de 18,5 e 22,7% no sexo masculino (tabela 3).

No que diz respeito aos grupos etários, utilizando os critérios da IOTF 2000 foram obtidas prevalências de obesidade e sobrepeso de 8,6 e 21,1%, respetivamente, no grupo das crianças, e de 3,6 e 17,7% no grupo dos adolescentes (tabela 3). De acordo com as referências da OMS 2007, as prevalências de obesidade e sobrepeso encontradas foram: 17,0 e 21,5% no grupo das crianças e 9,2 e 18,3% no grupo dos adolescentes (tabela 3).

Comparação de critérios

Analisando a tabela 3, podemos observar que, em termos de sobrepeso, os diversos critérios apresentam prevalências aproximadas em cada faixa etária. Contudo, observando a mesma categoria em cada faixa etária, mas em termos de género, podemos verificar que as curvas de percentis da OMS 2007 apresentam valores de prevalência mais baixos no sexo feminino, entre 3-5 anos (inclusive), contrariamente ao que se verifica no mesmo grupo etário, mas no sexo masculino, onde os valores de prevalência de sobrepeso são superiores aos restantes critérios.

No que diz respeito à obesidade, verificamos que as prevalências determinadas, aplicando os critérios IOTF, são globalmente inferiores relativamente aos restantes critérios (tabela 3). Nas faixas etárias mais baixas (entre 3-5 anos, inclusive) registam-se valores de prevalência de obesidade mais elevados usando as curvas da CDC 2000. Nas restantes faixas, os valores de prevalência de obesidade são sempre superiores utilizando as curvas da OMS 2007, verificando-se, contudo, uma aproximação dos valores nas faixas etárias mais elevadas (entre 14-17 anos, inclusive).

Relativamente ao comportamento das curvas nos 2 géneros, não se verificaram diferenças relevantes nas diferentes faixas etárias no que respeita à obesidade.

A tabela 4 apresenta o grau de concordância entre os critérios aplicados de acordo com o sexo e faixa etária. Os valores obtidos variaram entre 0,38-0,91, destacando-se concordâncias mais fortes entre os critérios da CDC e OMS em todas as faixas etárias na categoria da obesidade. De destacar ainda a grande concordância entre os critérios da CDC e IOTF no grupo de adolescentes, no que diz respeito à categoria sobrepeso.

 

Discussão

A escassez de estudos nacionais nesta área, sobretudo desta amplitude em termos de faixa etária estudada, mas também em termos de dimensão da amostra, torna este trabalho de extrema valia.

Os valores de prevalência de obesidade e sobrepeso encontrados neste estudo são preocupantes, colocando Portugal num dos lugares cimeiros entre os países europeus, tal como os mais recentes estudos confirmam11.

No trabalho atual verificou-se uma maior prevalência de obesidade no sexo masculino, quer em termos globais, quer transversalmente em quase todas as faixas etárias, sendo esta diferença estatisticamente significativa no nosso estudo. Contudo, em vários estudos internacionais, as diferenças entre géneros, em termos de prevalência de obesidade, têm sido inconsistentes, pelo que não é possível concluir se traduzirão diferenças reais entre sexos ou apenas artefactos condicionados pelos enviesamentos das amostras3,12. Na literatura, diversos autores apontam igualmente para a menor sensibilidade dos sistemas de classificação de IMC na avaliação da obesidade no género feminino, condicionando uma deteção mais tardia, embora com elevada especificidade para ambos os sexos13.

Apesar de parecer haver um padrão à escala global, que sugere que a prevalência de obesidade é inferior nas crianças do que nos adolescentes, tem-se registado um aumento das taxas de sobrepeso e obesidade em crianças mais pequenas12. No nosso estudo, verificou-se igualmente uma maior prevalência de obesidade no grupo etário das crianças, sobretudo entre 4-10 anos, o que levanta preocupações importantes em termos de saúde, pois significa que a prevalência da obesidade irá aumentar no futuro e as repercussões desta patologia tenderão a ocorrer cada vez mais precocemente.

No que diz respeita ao sobrepeso, as prevalências apresentaram uma maior uniformidade entre os 2 géneros, correspondendo igualmente os valores mais elevados nesta categoria ao grupo das crianças.

O estudo COSI – Portugal 2008/2009, promovido pela Plataforma Contra a Obesidade da Direção Geral da Saúde, que abrangeu 3.847 crianças com idades compreendidas entre 6-10 anos, constituindo uma amostra representativa nacional, estimou, com base nos critérios CDC 2000, uma prevalência global de sobrepeso de 18,1% e de obesidade de 13,9%14. Quanto à distribuição por géneros, apuraram-se prevalências de obesidade e sobrepeso de 18,1 e 13,9% no sexo feminino e de 18,1 e 14,9% no sexo masculino14. Este estudo está integrado numa iniciativa da OMS – European Obesity Surveillance Initiative, que constitui o primeiro Sistema Europeu de Vigilância Nutricional Infantil14.

Comparando os dados do estudo COSI – Portugal com o presente trabalho e tendo em conta apenas os dados correspondentes às mesmas faixas etárias, conforme se pode observar na tabela 5, as prevalências estimadas neste estudo são superiores, sobretudo no que diz respeito ao género masculino, onde as diferenças são mais díspares.

O estudo «Prevalência de obesidade infantojuvenil em Portugal: associação com os hábitos alimentares, atividade física e comportamentos sedentários dos adolescentes escolarizados de Portugal continental» de 2008, que abrangeu 5.708 adolescentes dos 10-18 anos, estimou prevalências de sobrepeso e obesidade, de acordo com os critérios de IOTF, de 22,6 e 7,8%, respetivamente15. Também na distribuição por géneros, o género masculino apresentou valores mais elevados de obesidade e sobrepeso (22,9 e 8,8% versus 22,4 e 6,9%), comparativamente com o género feminino. Fazendo a comparação dos 2 estudos, é possível constatar que o nosso trabalho apresentou valores substancialmente inferiores de sobrepeso e obesidade (17,7 e 3,6%), com base nos critérios da IOTF (tabelas 3 e 4).

Relativamente aos diversos critérios utilizados, verificou-se que, aplicando as curvas da OMS, as prevalências de obesidade determinadas eram mais elevadas que as apuradas com os restantes critérios, sobretudo a partir dos 7 anos de idade. Abaixo dos 7 anos de idade, as curvas de referência da CDC parecem apresentar maior sensibilidade, estimando prevalências mais elevadas de obesidade, pelo que parecem permitir a identificação precoce de um maior número de crianças e adolescentes com excesso de peso, reduzindo assim de complicações metabólicas associadas a esta patologia, tal como já havia sido referido na literatura16.

Contrariamente, os critérios da IOTF apresentam prevalências globalmente mais baixas de obesidade, pelo que aparentam ser mais conservadores na definição de obesidade e, de acordo com diversos estudos, apresentam menor sensibilidade na deteção de obesos, comparativamente com as referências da CDC17.

Assim, verificou-se que todos os critérios aplicados apresentam um nível de concordância bom no que diz respeito à obesidade global (kappa > 0,65). No entanto, as referências CDC e da OMS parecem apresentar um maior grau de reprodutibilidade (kappa = 0,89). Esta concordância entre os 2 critérios, no que diz respeito à obesidade, é mais forte ainda na faixa etária das crianças, onde o coeficiente se aproxima do um, em ambos os géneros.

No que diz respeito ao sobrepeso global, todas as referências apresentaram uma concordância mais fraca, ainda que globalmente satisfatória. Contudo, é de ressaltar o bom nível de concordância na faixa etária dos adolescentes, sobretudo no género feminino, entre os critérios da CDC e da IOTF (kappa = 0,90). Tal como no estudo de Bueno et al. verificou-se uma fraca reprodutibilidade entre as 2 referências na identificação do sobrepeso, na faixa etária das crianças do género masculino (kappa = 0,38)18.

Analisando a concordância dos critérios por género, de uma forma geral, documentou-se uma menor reprodutibilidade entre as referências no género masculino, ao contrário de alguns dados da literatura19.

Independentemente das diferenças de prevalência encontradas entre os diversos métodos, o nível concordância entre a maioria dos critérios considera-se bom, tal como já havia sido mencionado em outros estudos18,20. Contudo, estas diferenças de prevalência entre os critérios devem ser tidas em consideração, aquando da interpretação de estatísticos referentes à prevalência de sobrepeso e obesidade em idade pediátrica, pois os resultados encontrados serão díspares, podendo incorrer-se em erros aquando da comparação de diferentes estudos epidemiológicos.

Para terminar, relativamente ao estudo atual, podem apontar-se algumas limitações, nomeadamente o facto de terem sido utilizados instrumentos de medição e observadores diversos nas avaliações antropométricas, e as condições de determinação do peso e da estatura terem sido diferentes, uma vez que o rastreio foi realizado em locais públicos, em várias cidades portuguesas. De referir também que a amostra poderá ter sido condicionada pelos locais onde decorreram os rastreios, já que se trataram de locais públicos e de ter sido dependente da participação voluntária decrianças e adolescentes.

 

Conclusões

Os valores de prevalência de obesidade em Portugal são preocupantes, com todas as implicações em termos de saúde pública que daí advêm. Torna-se urgente, pois, a implementação de programas de prevenção e de monitorização, para evitar o número crescentes de crianças e adolescentes em risco.

O estudo atual confirma a deteção mais precoce de obesidade, através dos critérios da CDC na população pediátrica até aos 7 anos e da OMS nas restantes faixas etárias, por comparação com a IOTF.

A ausência de um método estandardizado e universal, que permita a classificação do estado nutricional de crianças e adolescentes, conduz à obtenção de resultados díspares consoante o critério aplicado. Assim, são frequentes os erros na interpretação e comparação de dados de diversos estudos, pelo que as diferentes referências deverão ser utilizadas de forma criteriosa.

 

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Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

*Autor para correspondência: Correio eletrónico: carolina.viveiro@gmail.com

 

Recebido 9 de Setembro de 2013 . Aceito 6 de Julho de 2015