SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29 issue2Comparison of users of the closed Hospital do Desterro with former users of Hospital de São José in the access to the Outpatient Department of Internal Medicine consultation - Part I: purpose, population, methods and main findings about potential of accessDiscurso do Prof. Paulo Marchiori Buss, por ocasião da sua investidura como Doutor Honoris Causa da Universidade Nova de Lisboa author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Portuguesa de Saúde Pública

Print version ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.29 no.2 Lisboa July 2011

 

Celebração do 25.º Aniversário da Carta de Ottawa1

 

Emília Nunesa

aMédica, Assistente Graduada Sénior de Saúde Pública; Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Promoção da Saúde Pública. maria.pereira@ihmt.unl.pt

 

A Carta de Ottawa1, assinada no dia 21 de Novembro de 1986, no final da 1.ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, promovida pela OMS e pelo Ministério da Saúde do Canadá, permaneceu, até aos dias de hoje, como um guia orientador para o trabalho em promoção da saúde, como uma fonte de inspiração e um desafio para a implementação de muitas e diversas iniciativas neste domínio, apesar das profundas modificações sociais que entretanto tiveram lugar. Durante os últimos 25 anos, a Carta de Ottawa influenciou de modo significativo a formulação de objectivos na área da saúde pública. Pela pertinência da sua visão, dos seus princípios e das suas propostas estratégicas, este documento ganhou um estatuto próprio, integrando hoje o corpo teórico de referência da saúde pública.

Esta Carta surge na continuidade de outras iniciativas promovidas pela OMS, tendo como principais fundamentos, por um lado, a definição de saúde adoptada por esta Organização, no preâmbulo da sua Constituição, em 1948, (saúde numa perspectiva bio-psico-social e não a mera ausência de doença), por outro, os princípios expressos na Declaração de Alma-Ata sobre os Cuidados de Saúde Primários, aprovada em 19782,3,4,5.Na Declaração de Alma-Ata2, documento igualmente marcante na história da Saúde Pública, a saúde é reconhecida como um direito humano fundamental; as desigualdades em saúde são consideradas inaceitáveis; é reconhecido o direito e o dever, de todos os cidadãos, de participação no planeamento dos serviços de saúde e nas decisões relacionadas com a saúde; é feito um apelo à intervenção dos decisores políticos na criação de condições estruturais favoráveis à saúde; os Cuidados de Saúde Primários são valorizados como a grande estratégia de obtenção da "Saúde para todos"; a promoção e a protecção da saúde das pessoas e populações são consideradas como uma condição essencial para o desenvolvimento económico e social sustentável, contribuindo para aumentar a qualidade de vida e a paz mundial2.

Para além do trabalho da OMS, são de valorizar outras iniciativas neste período, que viriam a revelar-se importantes na construção de uma nova abordagem em Saúde Pública. São de relembrar, entre outras, o "Relatório Lalonde", do Ministro da Saúde do Canadá (1974), que introduziu o conceito de campo da saúde e estruturou os determinantes da saúde em quatro grandes grupos - factores genéticos e biológicos, estilos de vida, factores ambientais e serviços de saúde; a teoria da salutogénese de Abraham Antonosky e os estudos sobre estilos de vida e saúde de Belloc e Breslow6,7,3,4,5,8.

Em 1984, a OMS, sob a liderança de Halfdan Mahler, adopta a estratégia "Saúde para todos no ano 2000", exprimindo, assim, uma vontade de conciliação de esforços para a obtenção, não só de mais saúde, mas também de uma maior equidade em saúde9,3,10.

Nesse mesmo ano, na OMS é criado o Programa de Promoção da Saúde e publicado um pequeno documento: Conceitos e princípios de promoção da saúde11, documento que continha as raízes conceptuais do que viria a ser adoptado na Carta de Ottawa.

A Carta de Ottawa surge, assim, como documento final dos trabalhos da 1.ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada de 17 a 21 de Novembro de 1986.

Esta Carta propôs-nos uma visão: saúde e bem-estar para todos, através da promoção da literacia e do empowerment das pessoas e comunidades, condição essencial para que estas sejam capazes de agir, de modo consciente e informado, sobre os factores determinantes da saúde. O trabalho intersectorial, tendo em vista a criação de condições ambientais e sociais facilitadoras de escolhas saudáveis e a redução das desigualdades sociais, são consideradas condições imprescindíveis para a obtenção de ganhos em saúde para toda a população1.

Sumariamente esta Carta propôs-nos três estratégias para uma nova saúde pública:

- Advogar - defender os interesses da saúde pública em face de outros interesses;

- Capacitar - promover a literacia e a capacitação das pessoas, famílias, grupos e populações para que estes sejam capazes de fazer escolhas promotoras de saúde;

- Mediar - promover a colaboração com outros sectores e estabelecer parcerias que contribuam para criar condições de vida mais favoráveis à saúde.

e cinco áreas de acção:

• Adopção de políticas públicas saudáveis em todos os sectores da governação;

• Promoção da literacia, do empowerment e da capacitação;

• Reforço da acção comunitária e do papel da sociedade civil;

• Promoção de ambientes saudáveis, favorecedores de escolhas individuais e colectivas promotoras de saúde;

• Reorganização dos serviços de saúde, tornando-os mais acessíveis e próximos das populações.

Após a aprovação desta Carta, muitas iniciativas foram implementadas com assinalável sucesso, sob a liderança da OMS. Destacam-se, entre outras, a abordagem centrada em settings, como a Rede de Escolas Promotoras de Saúde e a Rede de Cidades Saudáveis ou em factores determinantes da saúde, como a Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco, o Plano de Acção Europeu para uma Política de Alimentação e Nutrição ou a criação da Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. O nosso País acompanhou estas iniciativas, tendo dado passos importantes em muitos domínios, desde a saúde materno-infantil, à promoção da saúde na escola, ao controlo do consumo de tabaco ou à redução dos acidentes12,13,14,15.

Chegados a 2011, a OMS tem em preparação uma estratégia europeia 2020, que será adoptada em 2012. Num recente discurso de preparação desta estratégia a Directora Geral da OMS - Dra. Margareth Chan - afirmava: "A prevenção é o coração da saúde pública, mas a equidade é a sua alma"16.

A redução do gradiente social em saúde, através da intervenção sobre os designados determinantes sociais, deve estar hoje no centro das nossas preocupações. As pessoas com melhor acesso à in formação, capacidade de a compreender e utilizar (literacia), maior acesso a bens económicos e a serviços de saúde, conseguem enfrentar melhor os riscos e os constrangimentos do quotidiano, beneficiando mais dos avanços na área médica e terapêutica12,13,17,14.

Pelo contrário, a pobreza e a exclusão social afectam o bem-estar dos cidadãos, comprometendo gravemente a sua capacidade de expressão, de participação na sociedade e de acesso à educação, ao emprego e à saúde.

Reduzir as iniquidades em saúde, através de intervenções sobre os grandes determinantes sociais, em particular sobre a pobreza, a exclusão social e a iliteracia, é hoje um imperativo não só para os sistemas de saúde, mas para toda a sociedade.

Agir sobre os determinantes sociais da saúde implica lutar contra os efeitos adversos, económicos e sociais, decorrentes da globalização a que estamos hoje sujeitos - massificação, liberalização económica, desemprego, marginalidade, pobreza e exclusão -, no sentido de garantir igualdade de oportunidades entre géneros e entre diferentes grupos sociais. Este processo implica uma estreita aliança entre todos os sectores da governação (saúde em todas as políticas), organizações da sociedade civil e cidadãos. Contudo, para que os cidadãos possam assumir um papel activo na defesa da saúde, será necessário garantir o acesso à informação no domínio da saúde e promover a capacidade de compreensão e leitura crítica da informação disponível. É imprescindível, também, que estes disponham das competênciaa que lhes permitam agir sobre os determinantes da saúde individual e colectiva, da motivação, do poder e de oportunidades de acção e participação12,18,13,16,14.

Num contexto de crise económica como aquela que estamos a atravessar, a Saúde Pública tem uma particular responsabilidade de defender a saúde, de estar atenta e de intervir em favor dos mais pobres e vulneráveis. De mobilizar recursos e vontades, de capacitar, de mediar e de advogar.

É indispensável, porém, reforçar a avaliação da efectividade do trabalho realizado. Em período de escassez de recursos a preocupação com a efectividade e a eficiência das intervenções é decisiva. São necessários resultados, mas é preciso ser capaz de os evidenciar através de processos de avaliação bem conduzidos4,5,19.

Decorridos 25 anos, a Carta de Ottawa mantém a sua actualidade. Aprendemos muito ao longo deste percurso. Sabemos hoje o que deve ser feito. O desafio para o futuro é a urgência de passar à prática.

 

B I B L I O G R A F I A

1. First International Conference on Health Promotion, Ottawa, 21 November 1986. Ottawa Charter. [Internet]. Ottawa: WHO; 1986 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.who.int/hpr/NPH/docs/ottawa_charter_hp.pdf.         [ Links ]

2. International Conference on Primary Health Care, Alma- Ata, USSR, 6-12 September 1978. Declaration of Alma- Ata. [Internet]. Alma-Ata: WHO; 1978 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.who.int/hpr/NPH/docs/declaration_almaata.pdf.         [ Links ]

3. Kickbusch I. The contribution of the World Health Organization to a New Public Health and Health Promotion. Am J Public Health. 2003;93:383-8.         [ Links ]

4. Kickbusch I.The move towards a new public health. Promotion and Education. 2007; Suppl. 2:9.         [ Links ]

5. Loureiro I, Miranda N. Promover a saúde: dos fundamentos à acção. Coimbra: Almedina; 2010.         [ Links ]

6. Antonosky A. The salutogenic model as a theory to guide health promotion. Health Promot Int. 1996;11:11-8.         [ Links ]

7. Belloc NB, Breslow L. Relationship of physical health status and health practices. Prev Med. 1972;1:409–21.         [ Links ]

8. Lalonde M. A new perspective on the health of Canadians: a working document. [Internet]. Ottawa: Minister of Supply and Services Canada; 1974 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.hc-sc.gc.ca/hcs-sss/alt_formats/hpb-dgps/pdf/pubs/1974-lalonde/lalonde-eng.pdf.         [ Links ]

9. Mahler H. The meaning of Health for All by the year 2000. World Health Forum. 1981;2:5-22.         [ Links ]

10. WHO. Targets for health for all: targets in support of the European strategy for health for all. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 1985.         [ Links ]

11. WHO. A discussion document on the concept and principles of health promotion, Copenhagen, 9-13 July 1984. In: WHO. Milestones in health promotion: statements from Global Conferences. [Internet]. Geneva: WHO; 2009. 29-32 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.who.int/healthpromotion/Milestones_Health_Promotion_05022010.pdf.         [ Links ]

12. Marmot M. Social determinants of health inequalities. Lancet. 2005;365:1099–104.         [ Links ]

13. OMS. Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Redução das desigualdades no período de uma geração: igualdade na saúde através da acção sobre os seus determinantes sociais: relatório final. [Internet]. Lisboa: Organização Mundial da Saúde, 2010 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789248563706_por.pdf.         [ Links ]

14. Whitehead M, Dahlgren G. Concepts and principles for tackling social inequities in health: leveling up: Part 1. [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2007 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0010/74737/E89383.pdf.         [ Links ]

15. WHO. The World Health Report 2008: primary health care: now more than ever. [Internet]. Geneva: WHO; 2008 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.who.int/whr/2008/whr08_en.pdf.         [ Links ]

16. Chan M. Opening address at the Executive Board special session on WHO reform, Geneva, Switzerland, 1 November 2011. [Internet]. Geneva: WHO, 2011 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.who.int/dg/speeches/2011/who_reform_01_11/en/index.html.         [ Links ]

17. Wait S, Kickbusch I, Maag D, Saan H, McGuire P, Banks I. Navigating health: the role of health literacy. [Internet]. London: Alliance for Health and the Future; 2005 [consultado 20 Nov 2011]. Disponível em: www.ilonakickbusch.com/health-literacy/NavigatingHealth.pdf.

18. Morgan A, Ziglio E. Revitalising the evidence base for for public health: an assets model. Promot Educ. 2007; Suppl. 2:17- 22.         [ Links ]

19. Rootman I, Goodstadt M, Hyndman B, McQueen DV, Potvin L, Springett J. et al. editors. Evaluation in health promotion: principles and perspectives. Geneva: WHO, 2001.         [ Links ]

 

Notas

1. Texto adaptado do discurso de abertura do XX Encontro Nacional da Associação Portuguesa para a Promoção da Saúde Pública, 21 de Novembro de 2011.