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Revista Portuguesa de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. v.28 n.2 Lisboa dez. 2010

 

Contribuição para o estudo da leitura de folhetos informativos nas farmácias Portuguesas

 

Afonso Miguel Cavacoa, Dulce Várzeab

aFaculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, acavaco@ff.ul.pt

bUniversidade Lusófona, Lisboa, Portugal

 

Resumo

Introdução: A saúde e a sua promoção estão intimamente relacionadas com o nível de educação ou de alfabetização dos indivíduos. Nas farmácias da comunidade, é habitual utilizar–se, na educação dos doentes, informação escrita na forma de folheto informativo. Esta ferramenta confere autonomia aos seus utilizadores, em função das competências individuais de literacia. A literacia em saúde é a capacidade individual de obter, processar e interpretar informações sobre saúde e serviços de saúde, com o objectivo de tomar decisões informadas. A medição do nível de dificuldade na leitura e compreensão de textos em língua inglesa tem sido estudada desde 1920, tendo sido propostas as primeiras fórmulas para classificar o nível mínimo de escolaridade que um texto exige para a sua leitura e compreensão, sendo estas designadas por fórmulas de legibilidade ou 'lecturabilidade'.

Material e métodos: O principal objectivo deste trabalho foi a experimentacao de formulas de 'lecturabilidade', para a analise da complexidade de leitura e interpretação de folhetos informativos, cujo uso é generalizado nas Farmácias Portuguesas. Foram aplicadas a uma amostra de 4 folhetos as fórmulas SMOG e Índice Flesh–Kincaid, estimando–se assim o número de anos de escolaridade necessários para a compreensão adequada desses textos. Dois tradutores técnicos independentes traduziram os folhetos para o Inglês, obtendo–se uma versão de consenso para cada folheto. As retroversões foram avaliadas para confirmar a justaposição das traduções com os textos originais. A utilização simultânea das duas fórmulas de 'lecturabilidade' permitiu estudar o grau de validade convergente e a fiabilidade dos resultados.

Resultados: O valor médio para o SMOG foi 11,13 (DP = 0,81), enquanto a média Flesch–Kincaid foi igual a 8,32 (DP = 0,90). Estes resultados correspondem a um nível de escolaridade mínima em Portugal de cerca de 10 anos. A correlação Spearman entre as escalas foi de 0,948 (p = 0,51), convergência que sustenta a validade dos resultados. Para o conjunto de folhetos informativos analisados, a educação formal mínima necessária para ler e compreender o seu conteúdo foi de 9 anos completos de escolaridade. Uma percentagem significativa da população que utiliza as farmácias como uma fonte acessível e credível de informação em saúde, em particular os doentes crónicos e os idosos, possui níveis de escolaridade normalmente mais baixos que o 9º ano. Deste modo, os actuais folhetos informativos podem não ser totalmente compreendidos pelos seus destinatários. Embora constituindo uma ferramenta importante para as decisões relacionadas com a saúde, os folhetos actuais podem não apresentar a utilidade que inicialmente se poderia antecipar.

Conclusões: As fórmulas de legibilidade ou 'lecturabilidade' são ferramentas importantes para a avaliação e ajuste de peças de informação escrita aos seus potenciais utilizadores, funcionando como alternativas exequíveis aos testes clássicos de literacia na população, e contribuindo para o sucesso das estratégias de educação para a saúde. Seria desejável desenvolver e validar ferramentas para o estudo da 'lecturabilidade' no nosso próprio idioma.

Palavras-chave: Literacia em saúde, Farmácias, Folhetos informativos, Legibilidade, SMOG.

 

Contribution to the study of information leaflets readability in Portuguese pharmacies

Abstract

Introduction: Health and its promotion are closely related to the level of education or literacy of individuals. In community pharmacies, it is expected in patient education to make use of written information through patient leaflets. This tool gives autonomy to its users, based on the individual literacy skills. Health literacy is one's ability to obtain, process and interpret information about health and health services in order to make informed decisions. How to measure the level of difficulty in reading and understanding texts written in English has been studied since 1920, when the first formula to rank the minimum level of schooling that is required by a text to be read and understood were proposed and designated by readability formulas.

Material and methods: The main objective of this study was to experiment readability formulas, for analyzing the complexity of reading and interpreting information leaflets commonly used in Portuguese pharmacies. Two formulas, the SMOG and the Flesh–Kincaid Index, were applied to a sample of 4 patient leaflets, estimating the number of years of schooling required for the proper understanding of these texts. Two independent accredited translators translated the brochures into English, resulting in a consensus version for each leaflet. The Portuguese retroversions were evaluated to confirm the proximity of the translations with the original texts. The simultaneous use of two formulas informed the degree of concurrent validity and reliability of the results.

Results: The average value for the SMOG was 11.13 (SD = 0.81), while the average Flesch–Kincaid was equal to 8.32 (SD = 0.90). These results correspond to a minimum level of education in Portugal around 10 years. The correlation coefficient between scales was 0.948 (p = 0.51), convergence that supports results validity. For this set of patient leaflets, the minimum formal education required to read and understand its content was 9 complete years of schooling. A significant proportion of the population using pharmacies as a credible and accessible source of health information, particularly the chronically ill and elderly, present levels of education usually lower than the 9th grade. This way, the current patient leaflets might not be fully understood by its recipients. The current leaflets, as a tool for health related decisions, may not have the utility that one would initially anticipate.

Conclusions: Readability formulas are important tools for the evaluation and adjustment of written information to the potential users, working as feasible alternatives to classical tests of literacy in the population, and contributing to the success of health education strategies. It would be desirable to develop and validate readability tools in our own language.

Keywords: Health literacy, Community pharmacies, Patient leaflets, Readability, SMOG.

 

Introdução

O arsenal terapêutico é considerado um dos recursos mais valiosos nos cuidados de saúde, e os medicamentos a ferramenta mais comum, em uso hospitalar ou ambulatório. Nas farmácias comunitárias, todos os medicamentos são obrigados a apresentar um acondicionamento secundário rotulado e, no interior dessa embalagem, uma bula. Esta última contém um conjunto de informações que devem ser compreensíveis para o doente, permitindo o uso dos medicamentos de forma adequada e segura 1. A forma legível, clara e compreensível da informação escrita, incluindo a sua facilidade de utilização, devem estar demonstradas através de provas de legibilidade ou 'lecturabilidade'. Os resultados dessas provas, que envolvem doentes-alvo, são presentes ao INFARMED I.P. no momento da autorização para a introdução no mercado, evidenciando a importância que as autoridades de saúde dão à qualidade da informação escrita sobre medicamentos de uso ambulatório 2.

Para além da informação incluída na embalagem dos medicamentos, os doentes procuram informação escrita sobre saúde e terapêutica em diferentes fontes. Actualmente, milhões de pessoas procuram informações médicas online, as quais na maioria dos casos são textos demasiado complexos para serem assimilados pelos seus leitores, para além dos problemas na fiabilidade da informação. Em geral, a dificuldade advém da gramática utilizada e da escolha das palavras empregues, bem como do facto dos tópicos serem de difícil elucidação 3.

Uma outra fonte de informação escrita sobre saúde e terapêutica, frequente nos vários serviços de cuidados de saúde, são os folhetos informativos. São ferramentas que conferem autonomia ao doente, em função das competências individuais. São diversos os temas abordados nestes folhetos, apresentados de forma a interessar os utentes em geral e esclarecendo problemas e dúvidas de saúde 4. Na farmácia comunitária existe uma ampla oferta de folhetos informativos, desde panfletos de divulgação de marcas e produtos (como por exemplo, na cosmética e dermofarmácia), até aos folhetos institucionais (como por exemplo, os folhetos produzidos pela Direcção Geral de Saúde, D.G.S.) e profissionais (como por exemplo, os folhetos iSaúde da Associação Nacional das Farmácias, A.N.F.). Segundo alguns autores, os folhetos são a fonte de informação mais eficiente, fiável, económica e prontamente disponível para o utente, servindo de complemento à informação que é habitualmente fornecida pelos profissionais de saúde. No caso das farmácias, para os folhetos informativos aí distribuídos não é conhecida a sua facilidade de leitura e compreensão, assim como a correspondência às expectativas da maioria dos utentes 4.

 

Literacia, legibilidade e 'lecturabilidade'

A saúde, e em especial a sua promoção, encontram-se intimamente relacionadas com o grau de escolaridade ou literacia dos indivíduos. Uma das definições de literacia refere que esta é a capacidade de cada indivíduo compreender e usar a informação escrita contida em vários materiais impressos, de modo a atingir os seus objectivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades, e a participar activamente na vida quotidiana 5,6. Embora não seja possível estabelecer uma correspondência simples e absoluta entre os níveis de instrução formal de uma população e o seu perfil de literacia, a escolaridade é um indicador robusto dessa capacidade de utilizar a informação escrita 6. Por outro lado, a literacia em saúde pode ser definida como a capacidade individual em obter, processar e interpretar informação básica em saúde e serviços de saúde, tendo por finalidade um adequado processo de tomada de decisão em saúde, incluindo a 'navegação' no sistema de saúde 7. A atenção crescente que a literacia em saúde tem tido nos últimos anos é, em parte, atribuída ao crescimento exponencial da quantidade de informação disponível 5.

Dois aspectos centrais em literacia são os conceitos de legibilidade (ou legibility) e de 'lecturabilidade' (uma tradução possível para readability). A legibilidade relaciona-se com a percepção visual, enquanto a 'lecturabilidade' diz respeito à compreensão intelectual do texto 8.

Autores como Gerrit Willem Ovink definiram legibilidade como "a facilidade e precisão com a qual o leitor percebe os textos impressos" 8. A leitura eficiente de uma página impressa requer que o leitor converta, o mais rápido possível, símbolos tipográficos ou caracteres, em palavras. A legibilidade corresponde à facilidade em desempenhar esta descodificação 9. Trata-se, portanto, da capacidade de distinção das formas canónicas, o que entendemos ser uma letra, distinguindo umas letras das outras e a sua forma do fundo. É uma propriedade intrínseca da letra, que lhe permite ser percebida como a letra que é, não bastando somente descodificar, sendo preciso que o leitor a contextualize na sua leitura 10.

Quando se fala de 'lecturabilidade' (ou 'apreensibilidade') não existe uma definição consensualmente precisa. É muitas vezes definida como a capacidade que um texto tem de suscitar apetência para ser lido, de atrair o leitor, mas acima de tudo de facilitar a compreensão do seu conteúdo. A legibilidade e a 'lecturabilidade' não são a mesma coisa, sendo certo que a legibilidade influencia a 'lecturabilidade', e vice-versa. Embora diferentes documentos possam apresentar diferentes graus de legibilidade, todos eles devem ser de fácil compreensão textual. Na verdade, poderemos ter um documento totalmente legível e este não ser de fácil compreensão, i.e. apresentar uma baixa 'lecturabilidade'. Deste modo, o termo 'lecturabilidade' engloba todos os factores que afectam o sucesso na leitura e compreensão de um texto, nomeadamente 4:

— O interesse e motivação do leitor;

— Os aspectos relacionados com a impressão e ilustrações;

— A relação entre a complexidade das palavras e frases utilizadas e a capacidade de leitura do receptor.

Os 3 factores anteriores podem ser avaliados por diferentes métodos, desde a entrevista ao leitor à análise gráfica do design da informação escrita. No presente trabalho, foi avaliado o 3º factor, i.e. a complexidade das palavras e da construção frásica, através de fórmulas matemáticas específicas. Estas indicam a relação entre a complexidade das palavras e frases, e a capacidade de leitura do receptor, presentes na informação escrita. Neste estudo foram avaliadas peças de informação escrita disponíveis nas farmácias Portuguesas, em particular os folhetos informativos iSaúde.

A avaliação completa da 'lecturabilidade' dos folhetos informativos iSaúde deveria incluir a apreciação de aspectos como por exemplo o design gráfico e as características intrínsecas aos utentes das farmácias Portuguesas, como por exemplo a capacidade de leitura do receptor. Pode-se avaliar a capacidade de leitura do receptor através de testes também utilizados na medição da literacia em saúde. Dois exemplos são o REALM (Rapid Estimation of Adult Literacy in Medicine) e o TOFHLA (Test Of Functional Health Literacy in Adults). O primeiro baseia-se na capacidade de reconhecimento de palavras como instrumento de competências de leitura, enquanto o segundo na alfabetização através da leitura de passagens onde há um espaço para inserir a palavra mais correcta. Ambos os métodos são executados por aplicação presencial numa amostra populacional 11.

 

Fórmulas de 'lecturabilidade'

Na década de 1920 foram propostas por autores como R. Flesch e H.G. McLaughlin as primeiras fórmulas para classificar o nível de dificuldade de leitura e compreensão de um texto, genericamente designadas por fórmulas de 'lecturabilidade' 12,13. Estas fórmulas correspondem a equações matemáticas que melhor expressam a relação entre duas dimensões: uma relativa às dificuldades sentidas pelos leitores de um texto e uma outra relativa às características linguísticas desse texto. São, portanto, fórmulas usadas para prever a dificuldade em ler textos com determinadas características linguísticas 14.

Uma das fórmulas mais populares, muito utilizada em mensagens e textos de informação em saúde, é o SMOG (Simple Measure of Gobbledygook) 15. Esta fórmula, proposta por Harry G. McLaughlin em 1969, estima os anos de escolaridade no contexto educacional Norte-Americano necessários para compreender completamente um excerto escrito 16. Realça a interacção entre o texto e um grupo de leitores com características conhecidas, tais como a competência de leitura, o conhecimento prévio e a motivação 13. A avaliação da 'lecturabilidade' pelo SMOG atribui um valor numérico (ou uma classificação) a uma amostra de texto escrito. Tem sido muito utilizada pela sua fiabilidade e facilidade de uso 15.

Uma outra fórmula de 'lecturabilidade' é o Índice Flesch-Kincaid. Foi desenvolvido inicialmente por Rudolf Flesch em 1948 e readaptado pela Marinha Americana por Kincaid. A fórmula Flesch-Kincaid utiliza a sintaxe, a contagem de palavras e a extensão das mesmas para designar os níveis de leitura, determinando o grau de escolaridade necessário para a compreensão de um texto 3,12,17.

 

Objectivos

O principal objectivo deste estudo foi a experimentação das ferramentas SMOG e Índice Flesh-Kincaid para a análise da 'lecturabilidade' de folhetos de informação iSaúde em utilização pelos utentes das farmácias Portuguesas.

 

Materiais e métodos

Este trabalho propõe a análise de uma amostra de conveniência de folhetos informativos iSaúde, distribuídos gratuitamente aos utentes das farmácias Portuguesas, pelas fórmulas de 'lecturabilidade' SMOG e Flesch-Kincaid. Foram escolhidos estes folhetos técnico-profissionais dada a sua maior variedade e elevada disponibilidade nas farmácias, comparativamente aos folhetos institucionais, estes últimos passíveis de serem obtidos também noutros serviços de saúde.

Estão disponíveis nas farmácias Portuguesas um total de 62 folhetos informativos iSaúde, aos quais foram aplicados em simultâneo os seguintes critérios de inclusão no estudo:

— Folhetos com 30 ou mais frases (requisito para aplicação da fórmula SMOG);

— Folhetos com 250 ou mais palavras (requisito para a aplicação fiável da fórmula Flesch-Kincaid);

— Folhetos cronologicamente recentes, com o máximo de 2 anos após a sua concepção e produção;

— Folhetos sobre condições prevalentes no panorama da saúde em ambulatório em Portugal.

Os folhetos que respeitaram os critérios de inclusão foram 23. Estes foram analisados no seu conteúdo e agrupados em 4 grandes grupos temáticos: nutrição (4), higiene (6), prevenção (9) e geriatria (4). Foi aleatoriamente escolhido 1 folheto de cada um dos grupos, os quais se encontram na tabela 1.

 

Tabela 1

Folhetos informativos seleccionados (em Português)

 

As 2 fórmulas de 'lecturabilidade' utilizadas foram desenvolvidas e têm sido aplicadas na língua inglesa. Estas fórmulas consideram a quantidade de palavras e as suas respectivas sílabas, não estando demonstrada a sua validade para a análise de textos escritos noutras línguas 18. Deste modo, foi realizada a tradução dos 4 folhetos informativos do Português para Inglês, recorrendo a 2 tradutores técnicos independentes. Uma versão de consenso em Inglês foi obtida para cada um dos folhetos informativos. Foi depois obtida uma retroversão do Inglês para o Português por um 3º tradutor técnico, sendo confirmada a justaposição dos textos traduzidos com os originais.

Para a utilização do SMOG é necessário seguir as seguintes regras de aplicação:

— Contar 10 frases consecutivas próximas do início do texto, no meio e perto do fim. São estas 30 frases que serão avaliadas. Contam como uma frase qualquer sequência de palavras que termina com um ponto final, um ponto de interrogação ou um ponto de exclamação. Caso se utilizem mais que 30 frases, deve ser calculado o quociente indicado entre parêntesis na fórmula SMOG abaixo apresentada;

— Nas 30 frases seleccionadas contam-se todas as palavras com três ou mais sílabas, i.e. qualquer sequência de letras em que se distingue pelo menos três sílabas na sua leitura contextualizada em voz alta (polissílabos ou polysyllables). As palavras polissilábicas repetidas são igualmente contadas;

— Calcular a raiz quadrada do número de polissílabos, o que deve ser feito para o quadrado perfeito mais próximo. Por exemplo, se a contagem de polissílabos é igual a 95, deve ser usado o próximo quadrado perfeito, neste caso 100 (raiz quadrada de 10). Se a contagem está entre dois quadrados perfeitos, deve escolher-se o número mais baixo. Por exemplo, se a contagem é igual a 110, utiliza-se a raiz quadrada de 100 e não a de 121;

— Completar o cálculo através da fórmula que a seguir se apresenta.

 

Fórmula SMOG

O valor obtido de SMOG corresponde ao grau de escolaridade que um indivíduo deve ter alcançado para compreender plenamente o texto avaliado 14.

Na tabela 2 são apresentados os valores de SMOG, a sua correspondência aos níveis de escolaridade nos E.U.A., e a correspondência destes com os níveis de escolaridade em Portugal, de acordo com o Portaria nº 699 de 12 de Julho de 2006.

 

Tabela 2

SMOG, níveis educacionais e exemplos de textos para cada score

 

Para aplicar o Índice Flesch-Kincaid é necessário:

— Calcular a média do número de palavras usadas por frase;

— Calcular o número médio de sílabas por palavra;

— Multiplicar o número médio de palavras (CMS ou comprimento médio da frase) por 0,39 e adicioná-lo ao número médio de sílabas por palavra (ou SPP) multiplicado por 11,8;

— Subtrair o resultado de 15,59.

Índice Flesch-Kincaid

Flesch-Kincaid = ([0,39 × CMS] + 11,8 × SPP]) - 15,59

O resultado estima o número de anos de estudo necessários para a adequada compreensão do texto 17. Por exemplo, uma pontuação de 9,3 significa que um aluno com nove anos de escolaridade nos E.U.A. seria capaz de ler o documento. Teoricamente, a pontuação mais baixa seria -3,4. Contudo, este é um resultado improvável uma vez que não existem passagens reais em que cada frase seja constituída por uma única palavra com apenas uma sílaba. Os resultados negativos são relatados como zero e os números superiores a 12 são relatados como 12. Esta situação é a que se verifica nas estatísticas automáticas de 'lecturabilidade' possíveis de obter através do MS Word 9.

No presente estudo, para obter as contagens necessárias para a aplicação das duas fórmulas foi utilizada uma página Web (http://www.wordcalc.com/), com a qual se procedeu à contagem automática das sílabas e polissílabos. Foi feita uma contagem manual de um parágrafo e confirmada a qualidade da contagem automática, em Inglês. Foi decidido utilizar esta forma de contagem dado que se trata de um processo complexo, porquanto a contagem manual pode conduzir a erros resultantes em especial das variações linguísticas entre o Português e o Inglês.

A aplicação de 2 métodos independentes para a avaliação da 'lecturabilidade' permitiu ter uma estimativa da validade dos resultados através da sua convergência, neste caso medida por um teste de correlação não-paramétrico (ró de Sperman). Desta forma, estão melhor garantidas a validade e a fiabilidade dos resultados do estudo.

 

Resultados

Os quatro folhetos seleccionados apresentaram os seguintes títulos em Inglês:

Image:

1. Food and comfort accessories - SAFE CHOICES FROM 0 TO 4 MONTHS;

2. Healthy mouth - AT ANY AGE;

3. Infants and children - SUNNY DAYS IN SAFETY;

4. Seniors and drugs - USE THEM SAFELY.

Na tabela 3 são apresentados as contagens iniciais necessárias para a aplicação posterior das fórmulas SMOG e Flesch-Kincaid. Na tabela 4 são apresentados os valores de 'lecturabilidade' obtidos através das 2 fórmulas. (fig. 1)

 

Tabela 3

Folhetos e respectivas estatísticas

 

 

Tabela 4

Scores finais de SMOG e Flesch-Kincaid, e sua correspondência ao grau de escolaridade nos E.U.A. e em Portugal

 

Figura 1

Distribuição dos scores obtidos por folheto informativo utilizando as fórmulas de ‘lecturabilidade’ em estudo

 

O folheto de mais fácil leitura e compreensão foi o número 2 (Boca Sã - EM QUALQUER IDADE), sendo que o que se revelou de maior dificuldade de leitura e compreensão foi o número 1 (Acessórios de Alimentação e Conforto - ESCOLHAS SEGURAS DOS 0 AOS 4 MESES). O valor médio de SMOG para os 4 folhetos é de 11,13 (DP = 0,81), enquanto o valor médio de Flesch-Kincaid é igual a 8,32 (DP = 0,90). Os valores obtidos pelas duas fórmulas independentes estavam correlacionados (ró = 0,948, p = 0,51), indicando que as medidas apresentaram validade convergente.

 

Discussão

Neste estudo foram determinados através de duas fórmulas de 'lecturabilidade' valores que reflectem anos de escolaridade necessários para a leitura assertiva dos folhetos informativos iSaúde, disponíveis ao público na rede nacional de farmácias associadas na A.N.F. O cuidado colocado na concepção e produção destes folhetos deve proporcionar ao utente uma mensagem escrita, que correctamente lida e interpretada contribui para a sua educação em saúde.

De acordo com os resultados obtidos pela fórmula SMOG, os anos de escolaridade necessários para a compreensão dos folhetos informativos varia entre os 8 e os 10 anos de escolaridade, com uma média igual a 11 anos, valores corroborados pelo Índice Flesch-Kincaid (7 a 9 anos de escolaridade, com uma média de 8,3 anos). De acordo com os dados obtidos, o folheto com menor SMOG foi classificado com 9,95, isto é, o nível de educação mínimo exigido para a sua boa leitura e compreensão corresponderá ao actual ensino básico obrigatório, ou seja, o 9º ano de escolaridade completo. Em Portugal, de acordo com o Inquérito ao Emprego do INE, verificou-se no 4º trimestre de 2009 que cerca de 45,9 % da população activa possuía menos que o 3º ciclo de escolaridade completo 19. Este baixo nível de alfabetização acentua-se em geral para a população idosa, conhecida pela elevada frequência de utilização das farmácias de comunidade. Deste modo, os folhetos informativos iSaúde disponibilizados pela rede de farmácias são um recurso que pode não estar a proporcionar a todos os seus utentes a utilidade esperada. A possibilidade de não compreender totalmente informações de saúde aumenta o risco de tomada de decisões menos acertadas, contribuindo para um estado de saúde mais precário e a gastos desnecessários para os serviços de saúde 3,20.

Estudos anteriores demonstraram que os folhetos informativos sobre saúde devem ser escritos num nível igual ou inferior aos 8 anos de escolaridade, chegando alguns autores a defender um SMOG menor ou igual a 5 7,21. Verificou-se ainda que a informação escrita sobre saúde ao nível de um 10º ano de escolaridade é menos eficaz na mudança de comportamento do que materiais escritos ao nível de um 3º ano 4. Valores de SMOG compreendidos entre 5 e 8 são defendidos por diferentes investigadores como aqueles que conseguem melhor promover a correcta assimilação da informação escrita. Deste modo, os resultados do presente estudo indicam que se justifica uma extensão da análise da 'lecturabilidade' dos textos escritos nos actuais folhetos informáticos iSaúde, a sua potencial revisão e simplificação, mesmo sabendo que os farmacêuticos se disponibilizam para explicar oralmente o conteúdo dessa informação escrita. Para além da simplificação destes textos, sugere-se a elaboração de um resumo final e a inclusão de FAQs (ou perguntas frequentes) de forma a melhorar a ligação entre a informação e a realidade do utente.

A dificuldade de apreensão da informação é um problema que também se coloca com os folhetos informativos dos medicamentos (bulas ou inserts), em que os valores de 'lecturabilidade' são sistematicamente elevados, demonstrando que a informação pode estar inacessível à maioria dos doentes 7,21. Assim, parece ainda mais justificado, no contexto nacional, o desenvolvimento de ferramentas válidas de análise dos factores que influenciam a legibilidade e compreensão da informação escrita em saúde (incluindo os medicamentos em ambulatório), as quais estão naturalmente para além da aplicação das fórmulas aqui apresentadas.

 

Limitações

A principal fonte de enviesamento dos resultados pode resultar da tradução dos textos, mesmo que se tenham seguido os cuidados metodológicos habitualmente utilizados em processos sensíveis, como por exemplo na validação transcultural e linguística de ferramentas psicométricas e inquéritos de auto-preeenchimento (tradução/retroversão). Contudo, dado o estilo de escrita presente em folhetos para o público, o qual se deseja simples, directo e sem ambiguidades, a qualidade das traduções e retroversões foi menos difícil de assegurar.

Por outro lado, estudos anteriores demonstraram que a fórmula SMOG pode apresentar, para os mesmos excertos de texto, resultados superiores aos do Índice Flesch-Kincaid 3,13. As causas mais óbvias para as possíveis discrepâncias são a utilização de variáveis diferentes e as diferenças nos algoritmos 13. No entanto, mais importante que a possibilidade de não sobreposição dos resultados para um texto específico, será o grau de consistência interna de cada instrumento e de correlação dos resultados entre os dois instrumentos. Apesar de existirem estudos que afirmam que o Índice Flesch-Kincaid não é uma fórmula muito correcta (uma vez que não inclui algumas variáveis fundamentais) 22, reconhece-se a importância da mesma neste estudo para a validação dos valores obtidos com o SMOG.

Conclusões

As fórmulas de 'lecturabilidade', quando usadas correctamente, podem ser instrumentos importantes para avaliar e ajustar a produção de meios que contribuem para o aumento das probabilidades de sucesso em educação para a saúde. Será desejável desenvolver instrumentos que permitam a avaliação da legibilidade, 'lecturabilidade' e literacia em saúde na língua Portuguesa.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

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Recebido em 18 de Março de 2010

Aceite em 20 de Agosto de 2010