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Revista Portuguesa de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. v.28 n.2 Lisboa dez. 2010

 

Funcionalidade e incapacidade: aspectos conceptuais, estruturais e de aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)

 

Ana Paula Fontesa, Ana Alexandre Fernandesb, Maria Amália Botelhoc

aDepartamento de Saúde Pública. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, anapaulafontes@gmail.com

bDepartamento de Saúde Pública, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; Investigadora no Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa (CESNOVA), Lisboa, Portugal

cFisiologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa; Vice–Directora da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal

 

Resumo

O objectivo principal do presente artigo é apresentar a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que faz parte da "família" de classificações desenvolvidas pela Organização Mundial de Saúde.

A CIF oferece uma linguagem unificada e normalizada, bem como um marco conceptual para descrever a saúde e os estados relacionados com a saúde, constituindo um valioso instrumento de utilidade prática em Saúde Pública.

O modelo estabelece–se em duas grandes partes: a primeira que agrupa a Funcionalidade e a Incapacidade com duas componentes: a) Funções e Estruturas Corporais e b) Actividades e Participação. Uma segunda parte que engloba os Factores Contextuais, também com duas componentes: c) Factores Ambientais e d) Factores Pessoais. As componentes estão classificadas mediante categorias, organizadas numa estrutura hierárquica de 4 níveis.

Neste trabalho analisamos o marco conceptual e a estrutura da CIF e descrevemos as linhas de acção relativamente à sua difusão e implementação.

Palavras-chave: Classificação, Internacional de Funcionalidade, Incapacidade, Saúde.

 

Functioning and disability: concepts, structure and application of the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF)

Abstract

The aim of this article is to present the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF), which comprises the "family" of classifications of the World Health Organization (WHO).

This classification offers a unified and standardized language, as well as a conceptual framework for describing the health and the health related states, setting out a valuable instrument of practical use in public health.

The model is established with two main parts: the first part includes the Functioning and Disability with two components: a) Body Structures and Function and b) Activities and Participation. The second part includes the Contextual Factors with two components: c) Environmental Factors and d) Personal Factors. The components are classified by categories, organized in a hierarchical structure of four levels.

In this paper we analyze the conceptual framework and the structure of the ICF, and we also describe the action lines for its dissemination and implementation.

Keywords: International Classification of Functioning, Disability, Health.

 

Introdução

Quando em 2001 a 54ª Assembleia da OMS aprova a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde 1, providencia um novo entendimento para os conceitos de saúde, funcionalidade e incapacidade 2, antecipando também a possibilidade de uma gama variada de estratégias para a sua divulgação e implementação; i) uma ferramenta estatística e de gestão da informação para estudos populacionais; ii) um instrumento de pesquisa para medidas de resultados da qualidade de vida; iii) um instrumento de planificação e avaliação clínica; iv) uma disciplina dos desenhos curriculares e educacionais e v) um instrumento de gestão das políticas sociais e de saúde 1.

A CIF representa talvez um dos marcos mais importantes da reabilitação dos últimos 20 anos, ao descrever de forma pragmática e conceptual os descritores múltiplos da saúde, proporcionando um modelo explicativo que permite uma melhor compreensão da génese da(s) incapacidade(s), mas sobretudo de que forma esta pode ser diminuída 3.

Portugal mantém-se longe da aplicação das linhas orientadoras de desenvolvimento preconizadas pela OMS, relativamente à CIF, e exceptuando a sua resolução no contexto nas Necessidades Educativas Especiais, pouco se tem realizado ou produzido neste âmbito. Esta realidade, sinaliza-nos de forma emergente para que iniciemos a adopção conceptual e operacional da CIF, de uma forma transversal e globalizante, sobretudo nos diferentes sectores das políticas sociais e de saúde.

 

O modelo conceptual da CIF

A CIF pertence à "família" das classificações internacionais para aplicação em vários aspectos da saúde, proporcionando um sistema para a codificação de uma variada gama de informações, utilizando uma linguagem padronizada que permite a comunicação sobre saúde e cuidados de saúde, entre várias áreas do conhecimento 4.

A compreensão e a explicação da incapacidade e da funcionalidade têm sido até hoje, recolhidas, formatadas e propostas em vários modelos conceptuais ou paradigmas do binómio saúde/doença, cujo exemplo major se observa na dialéctica modelo biomédico versus modelo social, sendo que tradicionalmente saúde e incapacidade se definem como conceitos exclusivos.

É a este paradigma conceptual que a CIF oferece a diferença, evitando o reducionismo dos modelos biomédico e social, ao promover uma perspectiva abrangente, integrativa e universal da funcionalidade e incapacidade, onde o indivíduo interage com o ambiente físico, social e atitudinal, onde estão perspectivadas as linhas da saúde biológica, individual e social.

Para procedermos ao entendimento da interacção que a CIF oferece ao binómio condição de saúde/ambiente, importa reflectir em três princípios onde esta interacção se apoia e que no fundo traduzem a importância do ambiente na funcionalidade do indivíduo:

— A universalidade, no sentido de que todas as pessoas, independentemente da sua condição de saúde ou ambiente habitual, podem ser incluídas;

— A abordagem integrativa, no sentido de que ambiente e pessoa — factores ambientais e pessoais — são integrados e considerados;

— A abordagem interactiva, onde é reconhecido a multidimensionalidade e complexidade do fenómeno incapacidade.

O princípio da universalidade tem subjacente a importância do "fenómeno incapacidade" dever ser considerado um continuum, e desta forma, para cada indivíduo se necessitar estabelecer um ambiente, que sendo "universal" é também "pessoal", onde estejam minoradas ou adaptadas as suas dificuldades, mas sobretudo eliminadas as suas discriminações e restrições 5. Esta continuidade assume também que a funcionalidade e a incapacidade são fenómenos que se expandem no tempo e no espaço, não se extinguindo em conceitos categóricos, de onde resulta, que a incapacidade é um fenómeno dinâmico, fruto da interacção entre os estados de saúde e os factores contextuais 6. No entanto, o papel integrador do ambiente, carece da intervenção, da interacção e da integração de outras áreas ou disciplinas, necessárias à codificação das tecnologias de apoio, enquanto qualificadoras facilitadoras dos factores ambientais, como é sugerido por Schneidert et al. 5.

O reconhecimento do papel primordial e central que os factores ambientais têm na CIF, ultrapassam a sua importância enquanto determinantes do estado de saúde, ao poderem ser considerados não só como uma mudança ao locus da incapacidade, mas sobretudo pela possibilidade de serem considerados o locus da intervenção. Desta forma, a compreensão e avaliação da incapacidade, ultrapassam o domínio do indivíduo, devendo ser consideradas como o resultado da interacção do seu estado de saúde com os factores ambientais, não se apresentando exclusiva de alguns grupos sociais. Considerando-se uma experiência universal, um conceito dinâmico bidireccional, em suma, alicerçando o modelo biopsicossocial onde assenta a CIF.

O esquema conceptual da CIF, mundialmente difundido, apresenta-se conforme a figura 1, dividindo-se estruturalmente em duas partes: Funcionalidade/Incapacidade e Factores Contextuais. Cada parte possui dois componentes. Da funcionalidade/incapacidade fazem parte as Funções e Estruturas do Corpo e as Actividades e Participação, enquanto os Factores Contextuais, abrangem os Factores Ambientais e os Factores Pessoais. Os domínios da saúde e os domínios relacionados com a saúde, são então descritos com base na perspectiva do corpo, do indivíduo e da sociedade em domínios, que se operacionalizam em duas listas básicas: i) Funções — funções fisiológicas dos sistemas orgânicos, incluindo as funções psicológicas — e Estruturas do Corpo — partes anatómicas do corpo, tais como, órgãos, membros e seus componentes, classificados de acordo com os sistemas orgânicos — e ii) Actividades — execução de uma tarefa ou acção por um indivíduo, representando a perspectiva individual da funcionalidade — e Participação — envolvimento de um indivíduo numa situação da vida real, representando a perspectiva social da funcionalidade, relacionando também os Factores Ambientais que interagem com todos estes componentes 7.

 

Figura 1

Modelo conceptual da CIF, WHO, 2001 1

 

Os Factores Contextuais podem ser externos ao indivíduo — Factores Ambientais — ou intrínsecos ao indivíduo — Factores Pessoais. Os Factores Ambientais constituem o ambiente físico, social e atitudinal em que as pessoas vivem e conduzem a sua vida. Referem-se a todos os aspectos do mundo externo ou extrínseco que formam o contexto de vida de um indivíduo, tendo por isso um impacto sobre a funcionalidade dessa pessoa. Nestes factores estão incluídos o mundo físico e as suas características; o mundo físico criado pelo homem, as outras pessoas em diferentes relacionamentos e papéis, as atitudes e os valores, os serviços e os sistemas sociais, as políticas, as regras e as leis. Os Factores Pessoais são representados pela idade, o sexo, a educação, a profissão, entre outros, ainda não codificados na classificação.

Assim, o termo Funcionalidade engloba todas as funções do corpo, actividades e participação, indicando os aspectos positivos ou facilitadores, da interacção entre um indivíduo (com uma condição de saúde) e os seus factores contextuais, enquanto a Incapacidade sintetiza as deficiências ou alterações das funções e estruturas, as limitações das actividades e as restrições da participação, ou a magnitude barreira dos factores ambientais, revelando assim os aspectos negativos da interacção entre um indivíduo e os seus factores contextuais (ambientais e pessoais). Deste modo, a incapacidade na conceptualização da CIF, não é considerada um atributo pessoal, mas o resultado de uma experiência que engloba algum (ou a totalidade) daqueles factores.

A CIF enquanto classificação, não se limita a descrever de uma forma detalhada a incapacidade, descreve também de uma forma abrangente a possibilidade do impacto que os factores ambientais produzem na funcionalidade do indivíduo, quer enquanto facilitadores, quer enquanto factores barreira 5, sendo estes factores que marcam a grande diferença entre as classificações anteriores e a CIF.

Estes factores ambientais na sua interacção directa com o estado de saúde do indivíduo, quando se manifestam como barreira, podem mesmo produzir incapacidade, restringindo a participação e limitando as actividades, em indivíduos que em situações ambientais facilitadoras, não seriam considerados possuidores dessa incapacidade.

Ou seja, quando o contexto ambiental é acessível, quando as políticas sociais são positivas, quando as circunstâncias atitudinais são de inclusão, a experiência da incapacidade pode ser dissolvida e minorada, onde o estigma da incapacidade cede lugar à plena integração e participação social.

Van de Vem et al. 8 acrescentam ainda que a integração obriga que se considerem elementos subjectivos, que ultrapassam a realidade ambiental. Adiantam aliás, que estes elementos subjectivos, a quem chamam também, experiências subjectivas individuais de integração, não estão mencionados na CIF, mas constituem uma importância vital para a funcionalidade e a integração social.

Reside talvez aí, a dificuldade da codificação dos Factores Pessoais, não só pela sua múltipla abrangência e variabilidade, mas também enquanto processo de experiência pessoal subjectiva, enquanto processo revelador e enfatizador da experiência de vida que, tem a sua melhor manifestação no discurso narrativo, cujo processo mantém uma difícil operacionalização no contexto da classificação 9.

 

Aspectos estruturais e operacionais da classificação

Os componentes das funções e estruturas, actividades e participação e factores ambientais estão classificados através de categorias. Deste modo, existe uma lista com mais de 1400 categorias, mutuamente exclusivas, que formam as unidades da classificação e que estão organizadas numa estrutura hierárquica. Esta hierarquia pode adquirir quatro níveis, que se diferenciam de forma progressiva quanto à sua precisão ou especificidade do conceito e que esquematicamente se podem apresentar conforme a figura 2.

 

Figura 2

Estrutura da CIF

 

Desta forma, as categorias são apresentadas por meio de um código alfanumérico que possibilita classificar a funcionalidade/incapacidade, tanto a nível individual quanto populacional, onde a categoria de nível mais elevado, o 4º, engloba os conceitos das categorias anteriores, conforme o seguinte exemplo (fig. 3):

 

Figura 3

Categorias por níveis da CIF

 

A apresentação da classificação oferece também uma definição pormenorizada de cada categoria, bem como as condições de inclusão e exclusão, o que facilita de forma inequívoca e detalhada a opção das diferentes unidades de classificação.

A apresentação isolada de um código de uma categoria, tem um valor neutro, ou seja, uma categoria para ter validade relativamente aos constructos da classificação, necessita estar qualificada quanto à magnitude ou extensão da lesão ou quanto à presença ou ausência de um facilitador ou barreira ambiental. Essa quantificação/qualificação é apresentada numa escala numérica que varia de 0 a 4, sendo comum a todos os componentes e por essa razão também designada por qualificador genérico, conforme a tabela 1. As estruturas do corpo possuem além do qualificador genérico, um qualificador para a natureza da mudança na estrutura e ainda um qualificador que indica essa localização.

 

Tabela 1

Qualificador genérico da CIF

 

Esta possibilidade operativa da CIF permite uma avaliação normalizada e uma descrição integral da saúde e dos estados relacionados com a saúde, na vertente biológica, pessoal e social, virtuosidade que se esbate na dificuldade prática que oferece, quando nos apresenta mais de 1400 códigos, tornando morosa e impraticável a sua utilização no ambiente clínico ou avaliativo 10.

Para contornar esta dificuldade a OMS e os seus centros colaboradores, têm desenvolvido "listagens" mais curtas que facilitam a aplicabilidade da classificação.

Uma dessas listagens, a "checklist", discrimina as 152 principais categorias que identificam os problemas mais comuns em pacientes com condições crónicas de saúde 11. Tem sido já adoptado em diversos estudos 6,12, demonstrando uma descrição completa sobre a sintomatologia e a funcionalidade dos grupos de pacientes onde foi testada, sendo também a ferramenta de avaliação proposta pelo projecto europeu MHADIE (Measuring Health and Disability in Europe), cujos resultados recomendaram a utilização da CIF pelos diferentes sectores, incluindo a saúde e a educação.

O WHODAS II — World Health Organisation Disability Assessment Schedule II 13 faz também parte deste grupo de listagens mais curtas da CIF, sendo um questionário multidimensional que fornece um perfil da funcionalidade. Inclui seis domínios (compreensão e comunicação, relacionamentos, participação na sociedade, actividades relacionadas com o trabalho e actividades domésticas, auto-cuidados e mobilidade). É constituído por 36 questões ou, na sua versão mais curta, por 12 questões. Tem sido rigorosa e extensivamente submetido, quanto à sua confiabilidade em diversos contextos e situações clínicas 14-16.

As listagens que mais divulgação e aplicação clínica têm tido, são os Core Sets, ou núcleos básicos da CIF 17,18. Estes documentos surgem de um processo que requer várias etapas de acreditação e evolução e mantêm-se até ao momento, em processo de estudo e desenvolvimento em diversos países, no sentido de facilitar a sua aplicabilidade tanto na abordagem clínica aguda ou subaguda 19,20, quanto na investigação ou gestão de serviços 21.

Desde o início da publicação da CIF em 2002, que a OMS percebeu a necessidade da existência de uma versão para crianças e jovens, alertada pela sua utilização no campo clínico, educacional e social. Nesse sentido, a OMS promoveu a elaboração de uma versão que fosse sensível às mudanças associadas com o desenvolvimento biopsicossocial das crianças e jovens e que acompanhasse as características dos diferentes grupos etários nos seus diferentes contextos. As crianças estão num constante processo de mudança e progresso ao longo do seu desenvolvimento biológico e social, exigindo que alguns instrumentos normativos de avaliação, produzam padrões separados para cada 6 meses de idade, além de que os seus ambientes e participação diferem largamente dos adultos.

Estas diferenças foram bem reconhecidas pela OMS que exigiu, em 2002, que a CIF fosse adaptada para uso universal nos sectores da Saúde, Educação e Serviço Social, para crianças e jovens. Em consequência disso, foi criado um grupo de trabalho que levou a cabo essa tarefa, entre 2002 e 2004, tendo ocorrido experiências no terreno em 2005 e 2006. A aplicação da versão da CIF para crianças e jovens foi testada através de questionários dirigidos a quatro grupos etários: crianças dos 0-2 anos; crianças dos 3-6 anos; crianças dos 7-12 anos e jovens dos 13-18 anos. Nesse seguimento, em 2007, é publicada pela OMS, a primeira versão da classificação derivada da CIF, para crianças e jovens.

As principais modificações à versão para adultos consistiram em: i) modificar e ampliar as descrições de algumas categorias; ii) modificar alguns critérios de inclusão e exclusão e iii) expandir o sistema qualificador para incluir aspectos do desenvolvimento 22,23.

No nosso país, a CIF para crianças e jovens foi experimentalmente traduzida e adaptada, pelo Centro de Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto 24.

 

Aplicabilidade da classificação

Aplicabilidade clínica

Ao descrever de forma multidimensional a funcionalidade dos indivíduos e das populações, a CIF tem-se revelado uma ferramenta muito importante em Saúde Pública, evitando o reducionismo do diagnóstico, complementando os indicadores que tradicionalmente se utilizam para medir a mortalidade ou a morbilidade, através de uma linguagem internacional uniformizada que descreve e classifica a saúde e as dimensões que com ela se relacionam, na promoção de um marco comum para a medição de resultados 25.

Também na prática clínica de diversas especialidades, a CIF tem-se revelado muito útil no processo de avaliação e na tomada de decisão, facilitando a comunicação não só entre os membros das equipas multidisciplinares, mas sobretudo entre os pacientes e os técnicos de saúde 26-28.

Esta participação activa e dialogante do paciente durante o processo de avaliação e tomada de decisão, é facilitada pela CIF através da sua linguagem universal, abrangente e integradora, cujo processo operativo se apelidou Rehabilitation Problem Solving — RPS-Form 29. Um processo avaliativo, de tomada de decisão centrado no indivíduo, composto por duas partes; uma, que pertence à visão do paciente, onde este manifesta as suas alterações, limitações ou restrições e outra esquematicamente igual, onde a equipa de cuidados, introduz objectivamente o que diagnosticou referindo-se de igual forma, a esses diferentes domínios da funcionalidade.

A sua aplicabilidade na clínica tem sido também aferida através quer de estudos de calibração com outros instrumentos, quer de estudos de comparação conceptual 30-32 e ainda na gestão de registos ou de unidades clínicas 33-35.

 

Aplicabilidade político-social

São vários os países que têm adoptado a CIF no enquadramento das alterações legislativas ou políticas e de regulação social no âmbito dos subsídios de incapacidade, sistemas de pensões, políticas de trabalho ou de reformas das pessoas com incapacidades.

A Alemanha um dos países europeus mais dinamizadores da implementação e divulgação da CIF, desde 2004 que baseia o seu regime de pensões na classificação, apesar das dificuldades iniciais de tradução relativamente aos seus conceitos e constructos 36.

A Austrália é outro país que tem colaborado assiduamente com a OMS, através do seu centro colaborador, nomeadamente na operacionalização dos conceitos da classificação em áreas emergentes como as compensações por acidente, reabilitação ou cuidados continuados e ainda no desenvolvimento de um guia de utilização, traduzido em várias línguas, nomeadamente português 37.

Os Estados Unidos da América têm adoptado a classificação em estudos estatísticos, registos clínicos e administrativos, bem como em sistemas subsidiários de cuidados de saúde 38.

A actualização de dados do sistema de saúde e serviço social da Irlanda, relativamente às necessidades das pessoas com deficiência, tem sido operacionalizado desde 2004, com o WHODAS II 39.

Os serviços sociais japoneses, com base na CIF, têm estudado a funcionalidade da sua população, nomeadamente os aspectos ligados às actividades e participação dos grupos etários mais velhos 40.

 

Aplicabilidade no sistema educativo

Também a área da educação tem sido profícua na adopção conceptual da CIF, quer no desenvolvimento de linhas conceptuais de ensino/aprendizagem ou de unidades curriculares 41-43, quer enquanto medida avaliativa das necessidades educativas especiais 44-46, ou ainda na categorização de um perfil de capacidade, capaz de identificar as necessidades de cuidados adicionais em crianças portadoras de deficiência, como é o caso da criação do Capacity Profile, em desenvolvimento na Holanda 47,48.

Formalmente é só na área da educação que a CIF em Portugal tem tido aplicabilidade. De facto, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº3/2008, ficou definido que os apoios especializados visando a criação de condições para a adequação do processo educacional às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e participação, fossem aferidos através da checklist da classificação. Daqui resulta, que o Plano Educativo Individual, tem por base os dados que constam no relatório técnico-pedagógico, oferecidos pela avaliação especializada e multidisciplinar, realizada com referência à CIF, para crianças e jovens.

 

Considerações finais

A CIF é um sistema classificativo que permite ser aplicado transectorialmente, tendo um potencial e utilidade epidemiológica orientados para a decisão em Saúde Pública. Oferece a possibilidade de se realizarem recolhas de informação sistematizadas, graças à sua taxonomia universal, que se estende a todos os indivíduos, facilitando a comunicação e a tomada de decisão. Finalmente, mas não menos importante, estabelece um paradigma que focaliza a funcionalidade como um sistema de múltiplos sistemas que se cruzam e interagem em constante mutação, num modelo biopsicossocial, que se centra na saúde, privilegiando a capacidade e o desempenho, ao invés de se centrar nas deficiências, limitações ou restrições.

A CIF não é uma classificação de pessoas. Permite descrever as características do indivíduo em diferentes domínios e as características do seu meio físico e social, seleccionando um conjunto de códigos que documenta, o seu perfil de funcionalidade e de participação.

A CIF não é um instrumento de avaliação ou de medida e por isso não dispensa a adopção de procedimentos e a utilização de instrumentos de avaliação normalizados e fidedignos que evidenciem de forma rigorosa os diferentes domínios em estudo, tomando como referência os seus constructos e os seus domínios da funcionalidade. Esta conceptualização, oferece a criatividade e a orientação científica para o estudo e a criação de modelos do binómio funcionalidade/incapacidade, mas oferece sobretudo a possibilidade de ultrapassarmos a sua base classificativa, para estruturarmos uma base instrumental de medida e resultados.

Desta forma, o modelo da CIF merece ser investigado nas suas dimensões sociais, políticas e culturais, constituindo um desafio para todos, no sentido de explorar a sua aceitabilidade, validade e impacto nos diferentes sistemas, mas sobretudo explorando o seu potencial na renovação de políticas mais inclusivas e equitativas.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

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Recebido em 5 de Maio de 2010

Aceite em 22 de Julho de 2010