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Revista Portuguesa de Saúde Pública

Print version ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.28 no.2 Lisboa Dec. 2010

 

A influência da satisfação profissional no absentismo laboral

 

Sandra Marreiros Agapitoa, Fernando Cardoso de Sousa b

aÁrea de Gestão, Hospital Faro, Faro, Portugal

bInstituto Superior Dom Afonso III, Loulé; Centro de Investigação do Espaço e das Organizações (CIEO), Universidade do Algarve; presidente da direcção da APGICO (Associação Portuguesa de Criatividade e Inovação), cardoso_sousa@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: O presente artigo visa comprovar que a satisfação dos profissionais administrativos e auxiliares de acção médica, de uma instituição de saúde pública, difere de acordo com o seu grau de absentismo laboral percebido.

Material e métodos: Um questionário adaptado da Escala de Satisfação Profissional, de Lima, Vala e Monteiro (1994), foi administrado a uma amostra de oportunidade de 200 sujeitos (77 administrativos e 123 auxiliares de acção médica).

Resultados: A análise das respostas permitiu concluir que a satisfação profissional influenciava o absentismo laboral e verificou–se que tal não ocorria em todos os aspectos que compõem a satisfação profissional mas, fundamentalmente, nos relativos ao factor Satisfação fundamental, exclusivamente na Relação com os colegas, na categoria profissional dos Auxiliares de acção médica; e no factor Condições materiais, sobretudo nas Perspectivas de promoção, na categoria dos Administrativos.

Conclusões: A particularização desta análise revelou duas populações significativamente diferentes quanto aos factores que afectavam o seu sentimento de satisfação, com implicações no absentismo, sugerindo, como recomendações, uma atenção suplementar à justiça distributiva e procedimental aplicada ao trabalho por turnos, nos primeiros, bem como à ligação entre o absentismo e o grau de satisfação com aspectos materiais, no caso dos segundos.

Palavras-chave: Satisfação profissional, Absentismo laboral

 

The influence of job satisfaction on job absenteeism

Abstract

Introduction: This study aims at providing evidence that the job satisfaction of a sample of administrative personnel and medical assistants, in a public health institution, differs according with the degree of perceived job absenteeism.

Material and methods: A questionnaire adapted from the Professional Satisfaction Scale (Lima, Vala & Monteiro, 1994), was administered to a sample of opportunity of 200 subjects (77 administrative personnel and 123 medical assistants).

Results: The analyses of the answers allowed to conclude that job satisfaction influenced absenteeism, and this influence was not detected in every aspect of professional satisfaction but only in those related with the factor Fundamental satisfaction (only in Relationships with colleagues), in the category of Medical assistants; and in the factor Material conditions, especially in Promotion perspectives, in the category of Administrative personnel.

Conclusions: The analyses revealed two different populations as to the factors which affected their feelings of satisfaction, in its relationship with absenteeism, suggesting, as recommendations, a particular attention to procedural and distributive justice to the job shift system in use, with the former, as well as to the connection between absenteeism and the degree of satisfaction with material aspects, in the later.

Keywords: Job satisfaction, Job absenteeism

 

Introdução

Este artigo tem como finalidade demonstrar a influência da satisfação profissional no absentismo laboral dos profissionais das categorias administrativas e auxiliares de acção médica de uma instituição de saúde pública.

No contexto dos recursos humanos afectos ao sector da saúde, em Portugal, em particular ao nível do SNS, os sectores designados em 2006 por administrativo e auxiliar de acção médica englobam os grupos sócio profissionais mais representativos, conforme dados estatísticos do Ministério da Saúde. De acordo com estes dados, estas duas categorias profissionais reuniam 35 % da totalidade dos funcionários do SNS (10 % de administrativos e 25 % de auxiliares de acção médica), o que demonstra a importância de manter o absentismo baixo, nestas duas categorias, sob pena de repercussões negativas na qualidade dos serviços que se prestam aos utentes e do normal funcionamento das instituições.

 

Satisfação profissional

A satisfação no trabalho tem-se mostrado de grande interesse para os investigadores, no âmbito da psicologia do trabalho, que tendem a centrar os seus estudos sobre o desempenho profissional do trabalhador nas relações com outras variáveis importantes, tais como a produtividade, o absentismo e o turnover, constituindo a satisfação no trabalho numa das variáveis dependentes mais importantes no âmbito da investigação organizacional 1.

Conforme indicado por Robbins 2, podemos definir satisfação profissional como uma atitude geral do indivíduo sobre o seu trabalho, que consiste na diferença entre a quantidade de recompensas que recebe e a quantidade que acredita que deveria receber. A satisfação profissional deveria ser um dos objectivos legítimos de uma organização, não porque esteja comprovado que os empregados satisfeitos sejam mais produtivos do que os insatisfeitos, mas porque vai influenciar a qualidade de vida dos trabalhadores. Logo, as organizações têm a responsabilidade de proporcionar aos seus empregados trabalhos desafiantes e recompensadores, não só ao nível monetário, mas também ao nível do crescimento profissional.

Segundo Vala e outros 3, os factores que determinam a satisfação profissional dos trabalhadores são as perspectivas de promoção, organização e funcionamento do departamento onde trabalham, relação com os colegas de trabalho, remuneração que recebem, competência do superior imediato, trabalho que realizam e condições de trabalho, podendo cada um deles influenciar os indivíduos de formas diferentes. Estes factores constituíram a escala de satisfação profissional, utilizada para a construção do questionário que serviu para a recolha de dados para este estudo.

A satisfação laboral é um indicador importante do clima organizacional e da satisfação do cliente, sendo um elemento determinante na avaliação da qualidade das organizações. Apesar da relação entre a satisfação e a qualidade das organizações não ser linear, há quem aponte 4 a existência de uma relação entre a satisfação e outras variáveis sócio-demográficas (profissão, antiguidade, cargo ou função) e comportamentos ou intenções comportamentais, nomeadamente, o turnover, o absentismo, o stress, entre outras. Esta influência aparece particularizada noutros estudos como o de Herzberg e outros 5, que concluiu não haver diferenças na satisfação devidas ao sexo, ou o de Santos 6, sobre a ausência de influência das habilitações literárias, ao contrário do que acontece com outras variáveis como a idade que, para alguns autores, é considerada uma variável influente 6,7, assim como a segurança no trabalho 8.

 

Absentismo laboral

De acordo com Robbins 2, o custo anual do absentismo laboral estava estimado num valor superior a 40 biliões de dólares, nas empresas norte-americanas, sendo que um dia de falta de um trabalhador representava um custo médio de 100 dólares. Já na Alemanha, o absentismo nas empresas industriais custava mais de 35,5 milhões de dólares por ano. Estes números mostram bem a importância que reveste para as organizações manter o absentismo baixo, sabendo nós que é difícil, se não impossível, para uma organização, trabalhar normalmente e cumprir os seus objectivos se os seus trabalhadores não comparecem ao trabalho.

Em Portugal, o sector da saúde pública é dos sectores económicos que apresenta as maiores taxas de absentismo laboral, conforme nos mostram as estatísticas oficiais, sendo as doenças não profissionais a causa mais relevante, conforme relatórios do Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, do Ministério da Segurança Social e do Trabalho 9.

O absentismo laboral pode-se então definir como um fenómeno de etiologia multifactorial 10, caracterizado por ausências não previstas ao trabalho, que têm reflexos directos ou indirectos nos custos das empresas, sendo que, no sector da saúde, este fenómeno tem repercussões negativas na qualidade dos serviços prestados aos utentes.

Para Mallada 11, no seu estudo sobre a gestão do absentismo ao trabalho nas empresas espanholas, o absentismo é toda a ausência de um indivíduo ao seu posto de trabalho, nas horas que correspondem a um dia de trabalho, dentro da jornada legal de trabalho, sendo que as férias e os feriados não são considerados. Para além disso, considera que o absentismo é um fenómeno sociológico, que tem directamente a ver com a atitude do indivíduo e da sociedade perante o trabalho. Tudo o que proporcione uma atitude positiva e adequada, tal como a integração, a satisfação e a motivação, faz com que ocorra um absentismo menor; em contrapartida, tudo aquilo que deteriore a relação do trabalhador com a organização, nomeadamente a estagnação da carreira, tarefas monótonas e repetitivas, baixo salário e falta de reconhecimento, entre outros, leva a um aumento do absentismo.

Uma vez que o combate ao absentismo laboral passa pela sua prevenção, é necessário um conhecimento aprofundado das suas causas e relações. Tendo em conta que o absentismo laboral numa unidade hospitalar pode pôr em causa a qualidade dos serviços prestados e que a população em estudo representava 35 % da totalidade dos funcionários do SNS, mostra-se pertinente o desenvolvimento de estudos sobre o absentismo existente, nestas categorias profissionais (administrativa e auxiliar de acção médica).

A literatura sobre as reacções comportamentais a condições organizacionais adversas tem considerado, essencialmente, dois tipos de resposta por parte dos trabalhadores de uma organização à insatisfação: o turnover e o absentismo. Sobre este último, é de salientar a existência de estudos em que se verificou existir uma relação efectiva entre a satisfação profissional e o absentismo. Com efeito, Locke 12 verificou que existe uma relação negativa e consistente entre a satisfação profissional e o absentismo, tal como noutros estudos mencionados por Robbins 2, bem como as relatadas por Hackman e Lawler 8, em que as faltas são consideradas como consequências e efeitos da insatisfação. Outros autores, citados por Francês 7, referem a ausência de influência.

Com a realização deste trabalho procuramos verificar de que forma a satisfação profissional pode influenciar o absentismo e quais os factores que lhe estão relacionados. Assim, de forma a servir de linha de orientação para este estudo, criámos a seguinte pergunta de partida: A satisfação profissional dos administrativos e auxiliares de acção médica, de uma instituição de saúde pública, difere de acordo com o seu grau de absentismo percebido? A resposta positiva a esta pergunta constituiu a hipótese de investigação.

 

Método

Sujeitos

De acordo com o Balanço Social de 2006, a população em estudo era constituída por um total de 1971 funcionários de uma grande instituição de saúde pública, distribuídos pelas diversas categorias profissionais, sendo as categorias com mais indivíduos, a de enfermagem, seguida pelos serviços gerais (incluía auxiliares de acção médica e de apoio e vigilância), médica e administrativa.

A amostra do presente estudo cifrou-se em 200 indivíduos, englobando 77 administrativos e 123 auxiliares de acção médica, representando 35 % e 30 %, respectivamente, da população em estudo. Tratou-se, essencialmente, de uma população do género feminino, com apenas 16 % pertencendo ao género masculino.

Os inquiridos eram maioritariamente casados, com o ensino secundário e complementar (37 % com o ensino básico e 3 % com licenciatura) e encontravam-se na base das suas categorias profissionais (60 %). Dos restantes, 21 % dos administrativos e 19 % dos auxiliares de acção médica possuíam já categoria diferenciada. A maioria em estudo tinha mais de 16 anos de antiguidade (30 %), com apenas 5 % dos indivíduos tendo entrado na organização há menos de 1 ano. Setenta por cento pertenciam aos quadros permanentes da instituição e apenas 30 % eram contratados.

Relativamente ao absentismo, 53 % da amostra disse não ter faltado dia nenhum ao trabalho, no ano de 2006. Quantos aos restantes, os motivos mais frequentes das ausências relatadas deveram-se a doença do próprio (59 %), seguindo-se motivos familiares e pessoais (23 %), e questões sociais, nomeadamente casamento e nascimento, entre outros motivos (18 %).

 

Procedimento

Duzentos sujeitos, correspondendo a cerca 10 % do efectivo da empresa e 35 % da população em estudo, preencheram o questionário, elaborado com o objectivo de determinar se a satisfação profissional influenciava o absentismo laboral. Este questionário constituiu uma adaptação da Escala de Satisfação profissional, de Lima, Vala e Monteiro 1, constituída por oito itens de resposta fechada em que se perguntava aos inquiridos o grau de satisfação relativamente: às Perspectivas de promoção, Organização e Funcionamento do departamento onde trabalhava, Relação com os colegas de trabalho, Remuneração que recebia, Competência do superior imediato, Trabalho que realizava, Condições de trabalho e a Satisfação profissional no seu todo. Utilizou-se uma escala tipo Likert, de 5 pontos (1 = nada satisfeito; 5 = muito satisfeito). Na última parte do questionário perguntava-se se tinha faltado no ano anterior (sim ou não) e quais os motivos dessas ausências (familiares, saúde ou sociais), juntamente com as questões relativas às variáveis sócio-demográficas, também categorizadas (sexo, idade, estado civil, habilitações, antiguidade, categoria profissional, nível na carreira e tipo de vínculo).

O questionário foi distribuído a uma amostra de conveniência de 237 indivíduos (35 % da população), nas duas categorias profissionais em análise, onde houve a preocupação de respeitar a proporção de elementos destas categorias em cada um dos serviços da instituição (81 administrativos e 156 auxiliares de acção médica). Dos 237, conseguiram-se obter 200 questionários correctamente preenchidos (77 administrativos e 123 auxiliares de acção médica).

 

Resultados

Fazendo uma análise descritiva dos resultados das respostas ao questionário, verificou-se que as médias da escala de Satisfação profissional se situaram próximo de 3,0, o que quer dizer que a amostra em estudo se encontrava medianamente satisfeita, excepto nas Perspectivas de promoção (2,7) e na Remuneração (2,4), ainda que com apreciável dispersão de opiniões (DP > 1). A média mais elevada foi a da Relação com os colegas (4,0), seguida da Competência do superior imediato e do Trabalho que realizava, ambos com 3,8.

Com o objectivo de identificarmos um conjunto menor de variáveis ou factores e de forma a reduzir a complexidade da análise, com um mínimo de perda de informação, recorremos ao estudo factorial da escala. Assim, após extracção dos componentes principais e rotação varimax, foram obtidos dois factores (ou componentes), com valores próprios (eigenvalues) superiores a 1, os quais explicaram 55 % da variância total do questionário, conforme indicado na tabela 1. Desta forma, com apenas dois factores, conseguimos obter 54,5 % da informação que se obteria com todos os 8 itens iniciais, o que vem em abono da validade de constructo do questionário.

 

Tabela 1

Saturações de cada item da escala de satisfação profissional, após rotação Varimax, e respectiva percentagem de variância explicada

 

Aqui, o factor Satisfação fundamental refere-se ao conjunto dos itens relacionados com a satisfação profissional, ao nível orgânico e social; o factor Condições materiais comporta os itens relativos à satisfação com a retribuição sobre o trabalho. Os valores da consistência interna de cada factor (Alfa de Cronbach) são relativamente fracos (Satisfação fundamental, 0,74; Condições materiais, 0,60), o que se compreende devido ao reduzido número de itens em cada factor.

Retomando a hipótese central desta investigação (a satisfação profissional está relacionada com a taxa de absentismo laboral da população em estudo), e partindo dos factores de satisfação anteriormente identificados, cruzámos com a variável independente Dias de falta no ano transacto, tendo verificado a existência de uma relação entre estas duas variáveis (p < .01). Neste sentido apurámos que, ao nível do factor Satisfação fundamental, os sujeitos que disseram nunca ter faltado ao trabalho (N = 105) tinham uma média de 3,7, superior aos que disseram ter faltado (N = 95; Média = 3,5). No factor Condições materiais, verificámos que ambas as médias tinham valores semelhantes (2,5; p < .90).

Analisou-se, seguidamente, a influência das oito variáveis sócio-demográficas consideradas no instrumento utilizado para recolha de informação. Destas, apenas as Habilitações literárias, a Categoria profissional e o Nível na carreira pareceram ter alguma influência sobre a satisfação. No entanto, e uma vez que a finalidade do estudo tinha a ver com a relação entre o absentismo e o grau de satisfação, desdobrámos a amostra entre os que disseram não ter faltado no ano transacto e os que admitiram o contrário, colocando as variáveis sócio-demográficas no papel de moderadoras.

Começámos por verificar (com valores do Qui-Quadrado sempre significativos), que o cruzamento da percentagem de sujeitos que declararam ter faltado era sempre inferior à oposta, relativamente às Habilitações literárias, Categoria profissional e Nível na carreira, excepto entre os Administrativos diferenciados, em que a percentagem de declarações de falta era superior (57 %) às de ausência de falta.

Seguidamente e tal como mostram as tabelas 2, 3 e 4, no caso dos que disseram não ter faltado, nenhuma das variáveis sócio-demográficas apresentou diferenças quanto ao grau de satisfação, no factor Satisfação fundamental. No entanto, ao colocarmos o factor Condições materiais como variável dependente, apareceram diferenças significativas entre os graus relativos às Habilitações, Categoria e Nível na carreira. Ainda dentro da fracção que declarou não ter faltado, dissociámos este factor nos seus itens, para concluir que a diferença se reportava, fundamentalmente, às Perspectivas de promoção, no caso dos Administrativos, e à Remuneração, no caso dos Administrativos diferenciados. Ainda relativamente às Perspectivas de promoção, nos possuidores do Nível básico de habilitações, a média da satisfação foi de 3,2, e de 2,2 (p < .00) nos que possuíam habilitações ao nível do Secundário, complementar e superior; bem como entre os Auxiliares de acção médica (3,0) e os Administrativos (1,9). De notar, entretanto, que, enquanto a quase totalidade dos Auxiliares tinha apenas a habilitação básica, mais de dois terços dos Administrativos possuía habilitação ao nível do secundário, complementar ou superior.

 

Tabela 2

Médias obtidas por nível de habilitações, em cada factor, e respectiva significância da diferença, nas condições de falta e não falta ao trabalho

 

Tabela 3

Médias obtidas por categoria profissional, em cada factor, e respectiva significância da diferença, nas condições de falta e não falta ao trabalho

 

Tabela 4

Médias obtidas por nível na carreira, em cada factor, e respectiva significância da diferença, nas condições de falta e não falta ao trabalho

 

Relativamente aos que declararam ter faltado, a ausência de diferença em todas as variáveis sócio-demográficas, quanto ao grau de satisfação, no factor Satisfação fundamental, deixou de se verificar quando dissociado o factor nos seus itens (tabela 5), revelando a existência de diferença (p < .01) entre os Auxiliares (3,7) e Administrativos (4,1), no item Relações com os colegas. Alteraram-se, também, as relativas ao factor Condições materiais, deixando de haver diferença relativamente à Categoria profissional (nem mesmo nas Perspectivas de promoção). Relativamente às Habilitações, passou a haver diferença em todos os itens do factor (tabela 6). Entre os que disseram ter faltado, o Estado civil revelou-se igualmente importante, com os solteiros a mostrarem-se mais satisfeitos (3,2) que os casados (2,2) mas só relativamente à remuneração (p < .03), como se compreende. Neste caso, e uma vez que a distribuição do estado civil era homogénea nos vários grupos, a avaliação do grau de satisfação parece não ter sido contaminada por outras variáveis.

 

Tabela 5

Médias obtidas em cada item do factor “satisfação fundamental” dos indivíduos que declararam ter faltado ao serviço e respectiva significância da diferença

 

Tabela 6

Médias obtidas por categoria profissional em cada item do factor “condições materiais” dos indivíduos que declararam ter faltado ao serviço e respectiva significância da diferença

 

Resumindo a acção moderadora das variáveis sóciodemográficas entre o absentismo e a satisfação:

— Entre os que disseram não ter faltado, as diferenças de avaliação do grau de satisfação parecem concentrar-se no item Perspectivas de promoção, com a média mais negativa nos Administrativos, em geral com habilitações mais elevadas e, sobretudo, nos Administrativos diferenciados (1,9), em claro contraste (p < .00) com os Auxiliares diferenciados (3,4). A maior habilitação literária potencia as razões de menor satisfação mas parece não ser suficiente, por si só, para provocar a falta ao serviço;

— Entre os que afirmaram ter faltado, se exceptuarmos o Estado civil como razão de falta e apesar da diferença relativa às habilitações se estender a todos os itens do factor Condições materiais, é nas Relações entre colegas, na categoria dos Auxiliares (sobretudo no nível de base) que parece residir a razão mais forte de absentismo;

— Um resultado obtido, de interpretação não totalmente clara, prende-se com o facto dos sujeitos do nível Administrativo diferenciado, que disseram não ter faltado, revelarem menos satisfação com as Perspectivas de promoção (1,9) do que os que afirmaram ter faltado (2,5; p < .02) quando, em princípio, deveria ser exactamente ao contrário. No entanto, como já vimos, os sujeitos deste nível foram os únicos em que a percentagem dos que disseram ter faltado foi superior à dos que disseram não ter faltado.

 

Discussão

Com este estudo pretendemos contribuir para o desenvolvimento da investigação sobre a satisfação profissional em meio hospitalar, através de uma pesquisa sobre o impacto e influência desta no absentismo laboral.

Recordando a hipótese central desta investigação, a satisfação profissional difere de acordo com o grau de absentismo laboral (percebido) da população em estudo, podemos, assim, concluir que este objectivo foi conseguido. Isto porque ficou provado, com esta investigação, feita através dos 200 questionários que, efectivamente, a satisfação profissional influencia o absentismo laboral da amostra em estudo.

Recordemos, entretanto, que satisfação profissional é uma atitude geral do indivíduo sobre o seu trabalho e consiste na diferença entre a quantidade de recompensas que recebe e a quantidade em que acredita que deveriam receber 2; consideramos que a amostra em estudo estava menos satisfeita relativamente à retribuição que auferia pelo seu trabalho, tanto ao nível da remuneração como nas perspectivas de promoção. Se os indivíduos consideram que o que recebem do seu trabalho não é equivalente às suas expectativas, tal provoca, obviamente, insatisfação, com todas as suas consequências.

Todavia, a influência sobre o absentismo não se dava sempre, nem em todos os aspectos que compõem a satisfação profissional mas, fundamentalmente, nos relativos ao factor Satisfação fundamental, exclusivamente na Relação com os colegas, na categoria profissional dos Auxiliares de acção médica; e no factor Condições materiais, sobretudo nas Perspectivas de promoção, na categoria dos Administrativos. As Habilitações literárias influenciaram fortemente esta última relação, dado que a maior parte dos Auxiliares possuía apenas o ensino básico, ao contrário da quase totalidade dos seus colegas Administrativos.

Estas conclusões particularizam as relatadas nos estudos realizados por Hackman e Lawler 8, em que as faltas são consideradas como consequências e efeitos da insatisfação, não apoiando, assim, as conclusões de outros autores, citados por Francês (1980), sobre a ausência de influência. Relativamente a cada uma das variáveis independentes utilizadas neste estudo, verificou-se que o sexo, tal como em outros estudos elaborados relativos a este tema, não apresentou qualquer diferença em termos de satisfação 5. Também não foi encontrada qualquer relação significativa com a variável idade que, para alguns autores, é considerada uma variável influente 6,7, assim como aconteceu com a variável antiguidade, ou mesmo com o vínculo laboral, não apoiando, assim, a existência de uma relação significativa entre a segurança no trabalho e a satisfação, encontrada por autores como Hackman e Lawer 8. Repare-se, no entanto, que todas as análises foram feitas dentro do objectivo da investigação, que era relacionar satisfação com absentismo e não como finalidades em si próprias, carecendo, assim, de prova suficiente.

A particularização da análise que realizámos revelou, fundamentalmente, que estamos a lidar com duas populações significativamente diferentes quanto aos factores que afectavam o seu sentimento de satisfação devendo, por isso, ser analisadas separadamente. Assim, relativamente aos Auxiliares de acção médica, trata-se de um grupo específico do meio hospitalar, que dantes efectuava as tarefas menos diferenciadas da organização (ex. limpeza, segurança das instalações), para as quais não era necessária nenhuma habilitação particular — daí a sua menor qualificação, em especial entre os elementos mais antigos. Actualmente, sob a designação de Assistentes operacionais, esta classe trabalha com outros profissionais em apoio à manutenção e limpeza de equipamento clínico, transporte de doentes e outras tarefas elementares relacionadas com os doentes, tendo deixado de executar tarefas de limpeza e vigilância de instalações, que foram entregues a pessoal externo. Por outro lado, a maior parte está confinada ao trabalho por turnos, sempre gerador de algum conflito entre colegas e com as chefias, quando nem todos cumprem as suas obrigações, por forma a garantir a continuidade do trabalho ao longo das 24 horas.

A categoria profissional dos Administrativos, actualmente designada por Assistentes técnicos, desempenha tarefas mais diferenciadas e exigentes ao nível de habilitações, que proporcionam aos seus agentes um conhecimento dos procedimentos deste tipo de organizações, o que lhes confere algum poder face aos restantes grupos profissionais. Apesar disso, vêem-se limitados na sua remuneração e subida na carreira, uma vez que, mesmo que adquiram habilitação superior, não podiam, na altura, ascender à categoria de Técnico superior, sem se submeterem a concurso, em igualdade de circunstâncias com outros técnicos qualificados, exteriores à organização. Na sua quase totalidade, e ao contrário de todos os outros profissionais da organização hospitalar, não estão sujeitos ao trabalho por turnos, o que diminui a probabilidade de conflito entre eles.

Na posse desta informação, obtida através de entrevistas complementares com quadros hospitalares, e com base nos resultados já relatados, podemos estabelecer alguma análise diferenciada por categorias profissionais.

Assim, no caso dos Auxiliares, verificou-se que as suas razões de menor satisfação, com implicações sobre o absentismo, tinham a ver com a Relação com os colegas. Como já vimos, a maior habilitação e o estado civil de casado, enquanto factores que contribuem para diminuir a satisfação, não foram suficientes para influenciar a percepção do absentismo, nesta categoria profissional. Esta deterioração da relação parece ter a ver, fundamentalmente, com a questão do trabalho por turnos e do conflito que emerge sempre que o funcionamento do sistema vem beneficiar uns em detrimento de outros. Interessante este achado, pois nada indicava que as diferenças de percepção de satisfação, ao nível da relação com os colegas, poderiam ocasionar algum efeito sobre o absentismo, face à magnitude dos efeitos noutros aspectos.

Relativamente aos Administrativos, aparentemente mais libertos de causas relativas a problemas relacionais, os factores do absentismo centraram-se em aspectos de ordem material, tais como As Perspectivas de promoção e a Remuneração. Aqui, a maior habilitação potenciou ainda mais a menor satisfação quanto aos aspectos enunciados, originando um índice de faltas declaradas maior do que na categoria dos Auxiliares, não apoiando as conclusões de Santos 6, relativas à ausência de associação entre as habilitações literárias e a satisfação. No entanto, neste estudo, a habilitação está agregada a outros factores que, cumulativamente, acabam por produzir efeitos na variável dependente. Para além disso, esse maior índice de faltas apareceu associado a um índice de satisfação superior ao dos que não faltavam. Uma explicação possível, recolhida em entrevistas com quadros hospitalares, pode ter a ver com o facto da falta ao serviço constituir uma forma de equilibrar a menor satisfação, daí resultando um sentimento mais positivo em relação à organização que o dos colegas que optam por não faltar.

Como limitações deste estudo, verificamos que, apesar do instrumento utilizado ter revelado boas qualidades métricas, relativamente à capacidade explicativa dos itens e ao seu agrupamento em factores, a consistência não foi muito significativa (Alfa de Cronbach inferior a,74). Também não foi verificada a estabilidade temporal através do teste-reteste. Contudo, o instrumento foi sujeito a várias experimentações-piloto, sendo esta versão um produto que se considera suficientemente testado. A articulação entre as variáveis dependentes e independentes também se revelou interessante, reforçando a validade de constructo do instrumento.

Outra das limitações foi o facto da amostra utilizada ter sido de oportunidade e limitada a uma única instituição. Assim, não se pode garantir que os resultados obtidos com estes grupos possam ser generalizados aos restantes, bem como a outras organizações. Também, apesar do procedimento realizado ter sido cuidado e extenso, devido ao facto de termos utilizado as chefias como intermediários para entrega e devolução de questionários, podemos ter corrido o risco de maior desejabilidade social nas respostas dadas. Isto por se perguntar aos indivíduos o grau de satisfação relativamente ao superior hierárquico, quando foi este que recebeu o questionário preenchido, o que poderá ter feito com que os indivíduos se sentissem, de alguma forma, intimidados nas respostas dadas. Contudo, todos os sujeitos da amostra ficaram submetidos às mesmas circunstâncias. Da mesma forma, os índices de absentismo basearam-se nas declarações dos próprios, tratando-se, assim, de uma percepção e não de um dado real, com os naturais enviesamentos. No entanto, a recolha nominal dos índices, a partir dos registos de pessoal, obrigaria a identificar os respondentes, com efeitos ainda mais perniciosos sobre as respostas.

Finalmente, não tendo sido recolhida nenhuma medida de implicação (commitment) com a organização, ficamos sem saber até que ponto a questão principal das relações com os colegas está ligada com a ligação à empresa e, por arrastamento, à produtividade, também relacionada com o absentismo.

Um comentário adicional sobre a parte metodológica merece-nos aqui algum realce. Como se verificou, todas as variáveis incluídas no papel de independentes (sócio-demográficas e grau de absentismo) foram categorizadas, o que desaconselhou a utilização de modelos estatísticos com base na correlação e na regressão. Da mesma forma, optou-se pela estatística univariada simples, em prejuízo de modelos mistos ou multivariados. Optámos por esta abordagem metodológica porque estávamos mais interessados em analisar pormenores sobre os fenómenos e a população em causa, do que reunir provas irrefutáveis sobre a hipótese formulada, daí não termos, também, executado uma revisão exaustiva da literatura relativa ao tema. Considerámos, igualmente, utilizar as variáveis sócio-demográficas para analisar, em pormenor, a relação proposta entre a satisfação e o absentismo, ao invés de estabelecer análises complementares, fora do objecto principal da investigação. Mantendo sempre presente o objectivo da investigação, e utilizando comandos simples tipo recode ou select if do software, sob a forma de tentativa-e-erro, definimos e redefinimos dezenas de sub-problemas cuja solução poderia acrescentar algo ao problema geral, até conseguir construir um modelo global que nos pareceu suficientemente robusto. Apesar desta abordagem acabar por se tornar algo complexa e demorada, estamos convictos que adiantámos caminho relativamente à forma de fazer uma investigação destinada a tirar o maior partido possível dos dados disponíveis, face à hipótese formulada.

Relativamente às conclusões e as limitações apresentadas, recomenda-se uma investigação suplementar com amostras de instituições análogas, que possam aprofundar as razões de eventuais conflitos entre colegas, entre os actuais Assistentes operacionais, bem como sobre a ligação entre a satisfação relativa aos aspectos materiais e o absentismo, no caso dos Assistentes técnicos. A confirmarem-se estas conclusões, recomenda-se, igualmente, uma atenção suplementar à justiça distributiva e procedimental aplicada ao trabalho por turnos, nos primeiros, bem como à ligação entre o absentismo e o grau de satisfação com aspectos materiais, no caso dos segundos. No conjunto de ambas as categorias, também parece justificar-se uma reflexão sobre a relação entre a aquisição de habilitações suplementares e a progressão na carreira.

 

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

Bibliografía

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Recebido em 29 de Dezembro de 2009

Aceite em 2 de Novembro de 2010