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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.38 no.1 Lisboa mar. 2020

https://doi.org/10.14417/ap.1651 

Coesão e flexibilidade familiar: Validação do pacote FACES IV junto de adolescentes portugueses

Family Cohesion and Flexibility: Validation of the FACES IV Package with Portuguese Adolescents

Maria Gouveia-Pereira1, Hugo Gomes2, Mariana Miranda3, Maria de Jesus Candeias1

1Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

2Centro de Investigação em Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal

3Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

A Escala de Avaliação da Coesão e Flexibilidade Familiar, desenvolvida no âmbito do estudo do Modelo Circumplexo dos Sistemas Conjugais e Familiares, permite avaliar o funcionamento familiar através de um diagnóstico relacional. Este instrumento está subdividido em seis subescalas que permitem uma avaliação dos níveis equilibrados e disfuncionais (extremamente baixos e extremamente elevados) das dimensões de coesão e flexibilidade familiar. O Pacote FACES IV inclui ainda dois questionários que permitem a avaliação da comunicação e satisfação familiar. O presente artigo analisa as propriedades psicométricas dos instrumentos incluídos no Pacote FACES IV junto de uma amostra de adolescentes portugueses em dois estudos. No primeiro estudo, incluímos um grupo comunitário de 757 estudantes e um grupo clínico de 67 adolescentes que recorrem a consultas psiquiátricas. Os resultados deste estudo revelaram um modelo fatorial de 24 itens com qualidades psicométricas satisfatórias, permitindo concluir um ajustamento aceitável à nossa amostra. No segundo estudo, a solução fatorial obtida no estudo anterior foi replicada junto de uma amostra independente de 707 jovens estudantes. Os resultados desta validação apresentam o FACES IV como um instrumento útil para o diagnóstico familiar junto de adolescentes portugueses.

Palavras-chave: FACES IV, Validação portuguesa, Adolescentes.

 

ABSTRACT

The Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale, developed by in the framework of the Circumplex Model of Marital and Family Systems, assess family functioning through a relational diagnosis. This instrument is subdivided into six subscales, allowing an assessment of the balanced and dysfunctional levels (extremely low and extremely high) of the dimensions of family cohesion and flexibility. The FACES IV Package also includes two scales that evaluate family communication and satisfaction. The present article analyzes the psychometric properties of the instruments included in the FACES IV Package with a sample of Portuguese adolescents in two studies. In the first study, we included a community group of 757 students and a clinical group of 67 adolescents attending psychiatric appointments. The results of this study revealed a factorial model of 24 items with satisfactory psychometric qualities, showing an acceptable adjustment to our sample. In the second study, the factorial solution obtained in the previous study was replicated with an independent sample of 707 young students. The results of this validation, show that FACES IV is a useful tool for family diagnosis among Portuguese adolescents.

Key words: FACES IV, Family functioning, Cohesion, Flexibility, Communication.

 

Nas últimas décadas, o conceito de família tem vindo a sofrer alterações, nomeadamente ao nível da sua estrutura, regras e papéis familiares (Minuchin, 2003; Walsh, 2012). No entanto, a família continua a ser uma entidade de socialização relevante no desenvolvimento psicossocial e emocional do adolescente. Uma família com um funcionamento familiar equilibrado possibilitará a construção de vínculos afetivos positivos, a troca de experiências cognitivas e emocionais, bem como a transmissão de valores sociais, morais e éticos (Conger & Conger, 2002; Grotevant & Cooper, 1985).

A família é constituída por um sistema complexo e dinâmico, sendo, por um lado, influenciada por diversas variáveis, tais como o meio histórico, social e cultural (variáveis extrafamiliares) e o ciclo de vida em que se encontra (variáveis intrafamiliares); e por outro lado, as dinâmicas relacionais influenciam os membros familiares na forma como estes se autorrepresentam, e ainda, como representam e avaliam o mundo em que vivem (Minuchin, 2003).

Neste sentido, a possibilidade de desenvolver instrumentos de avaliação das famílias formulou-se como um objetivo central para os terapeutas familiares (Minuchin, Montalvo, Guerney, Rosman, & Schumer, 1967). Sublinhe-se, aqui, que não se procurava classificar indivíduos, mas estruturas das famílias, em linha com a lógica de causalidade circular tão axiomática da Terapia Familiar (e.g., Carter & McGoldrick, 1995; Walsh, 2012). É importante clarificar, ainda, que as avaliações não procuraram corresponder a tipos de famílias, com uma conotação patológica, mas sim estilos de interação num dado momento, mesmo que prolongado.

Desde 1979, Olson e os seus colaboradores (Olson, 2000, 2010, 2011; Olson & Gorall, 2003; Olson, Sprenkle, & Russel, 1979) têm vindo a desenvolver o Modelo Circumplexo dos Sistemas Conjugais e da Família, de onde derivam múltiplos métodos de auto e hetero-avaliação do funcionamento familiar. Este modelo e os instrumentos que se baseiam teoricamente nele são amplamente utilizados, quer por investigadores, quer por psicólogos clínicos e terapeutas familiares (e.g., Abreu-Afonso & Leal, 2016; Greeff, 2000; Rivero, Martínez-Pampliega, & Olson, 2010; Schrodt, 2005).

O Modelo Circumplexo apresenta um modelo conceptual dos casais e das famílias em três dimensões centrais: coesão, flexibilidade e comunicação familiar. A coesão familiar é definida como a ligação emocional que os membros da família estabelecem entre si (Olson & Gorall, 2003). Esta dimensão mapeia a forma como o sistema familiar equilibra a ligação e a separação emocional entre o indivíduo e a família. A flexibilidade familiar, ou adaptabilidade familiar, diz respeito à qualidade e expressão de liderança na família, organização, funções e regras de relacionamento (Olson & Gorall, 2003). Esta dimensão descreve a capacidade do sistema familiar se reorganizar e dar resposta ao stresse provocado pelo desenvolvimento familiar e/ou por situações extrafamiliares (e.g., desemprego).

A hipótese central do Modelo Circumplexo, designada por hipótese curvilínea, pressupõe que relacionamentos familiares equilibrados conduzem a funcionamentos familiares saudáveis (níveis equilibrados/balanceados), enquanto relacionamentos familiares desequilibrados, caraterizados por níveis extremamente baixos ou extremamente altos em ambas as dimensões (i.e., coesão ou flexibilidade familiar) estão associados a funcionamentos familiares problemáticos e disfuncionais (Olson, 2000, 2011).

Os níveis de coesão extremamente baixos (famílias desligadas) associam-se a vínculos deficitários e baixo compromisso, enquanto níveis de coesão extremamente elevados (famílias aglutinadas) remetem para uma identificação excessivamente elevada por parte dos elementos familiares, o que pode conduzir a dificuldades na sua individuação (Olson, Portner, & Lavee, 1985). Os níveis de flexibilidade extremamente baixos (famílias rígidas) caracterizam-se por grande controlo, sem espaço para a negociação, rigidez de papéis e pouca flexibilidade na aplicação e/ou alteração das regras familiares; já os níveis de flexibilidade extremamente elevados (famílias caóticas) relacionam-se com lideranças e papéis pouco definidos e clarificados (Olson, Portner, & Lavee, 1985). Não obstante, o conceito de funcionamento familiar ter sido definido de diferentes maneiras e com diferentes dimensões (e.g., Werner, Green, Greenberg, Browne, & McKenna, 2001), a importância da coesão e da flexibilidade familiar na compreensão dos sistemas conjugal e familiar mantém-se consensual (Olson, 2011; Sanderson et al., 2009).

Quanto à terceira dimensão, a comunicação familiar refere-se à comunicação positiva usada por membros dos casais e sistemas familiares (Olson, 2011; Olson & Barnes, 1996) e é considerada como uma dimensão facilitadora das duas dimensões anteriores, ou seja, as famílias com uma boa comunicação são famílias capazes de ajustar adequadamente os níveis de coesão e flexibilidade.

Dos vários instrumentos desenvolvidos baseados teoricamente no Modelo Circumplexo, a última versão da escala de autoavaliação denomina-se FACES IV (i.e., Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale/Escala de Avaliação da Coesão e Flexibilidade Familiar) (Olson, 2011). Esta está incluída no Pacote FACES IV que, além do instrumento FACES IV, que avalia as dimensões da coesão e da flexibilidade, inclui ainda a Escala de Comunicação Familiar e a Escala de Satisfação Familiar. Esta última escala avalia o grau de satisfação que os membros familiares sentem sobre o funcionamento familiar (Olson, 1995, 2011).

A avaliação das dimensões da coesão e da flexibilidade é feita através de seis subescalas, em que duas delas remetem para a coesão e a flexibilidade equilibradas e quatro subescalas remetem para dimensões desequilibradas, ou seja, os dois extremos – baixo e alto – da coesão (as designadas famílias desligadas e aglutinadas) e os dois extremos – baixo e alto – da flexibilidade (as designadas famílias rígidas e caóticas).

O Pacote FACES IV tem sido traduzido e validado transnacionalmente para a população adulta, nomeadamente em Espanha (Martínez-Pampliega, Merino, Iriarte, & Olson, 2017; Rivero et al., 2010), Grécia (Koutra, Triliva, Roumeliotaki, Lionis, & Vgontzas, 2012), Hungria (Mirnics, Vargha, Tóth, & Bagdy, 2010), Polónia (Margasiński, 2014), Roménia (Rada, 2018) e Uruguai (Ball et al., 2009, 2013). Especificamente no contexto nacional português, foi recentemente realizada uma validação para adultos portugueses (Gomes, Peixoto, & Gouveia-Pereira, 2019). A análise fatorial confirmatória apresentou valores indicativos de um modelo aceitável e confirmou a estrutura de seis fatores proposta por Olson (2011), assim como uma fidedignidade aceitável relativamente às seis dimensões.

Em linha com o propósito original de aplicabilidade da escala (Olson, 2011), salientamos quatro estudos em contexto nacional, nomeadamente no contexto de cuidadores de pacientes oncológicos (Pereira & Teixeira, 2013), população clínica com esquizofrenia (Carvalho, Freitas, Leuscher, & Olson, 2014) e delinquência juvenil (Gomes & Gouveia-Pereira, 2014, 2019). No referente ao estudo da delinquência juvenil, por exemplo, os autores encontraram resultados consistentes com a hipótese curvilínea na relação entre o funcionamento familiar e o desenvolvimento do baixo autocontrolo em jovens estudantes. No entanto, a utilização de versões do FACES IV validadas para a população adulta pode revelar-se uma limitação nestes trabalhos. Como tal, consideramos relevante o desenvolvimento de estudos de validação junto de outras populações de interesse, nomeadamente com adolescentes.

Baiocco, Cacioppo, Laghi e Tafà (2013) realizaram uma primeira validação da escala do FACES IV para a população adolescente e jovem adulta, entre os 13 e os 22 anos de idade. Apesar de terem descrito um padrão de correlações entre itens indicativos de uma estrutura de escala idêntica à original, as magnitudes de efeito eram menores. Paralelamente, foram encontrados problemas específicos do comportamento de uma das subescalas – flexibilidade rígida – o que foi interpretado em termos de perceção variável desta população em termos desenvolvimentais (Andolfi & Mascellani, 2010; Minuchin, 2003). Finalmente, ao compararem três grupos etários, revela-se que os participantes mais novos realizam avaliações diferentes dos jovens adultos nas subescalas associadas ao desequilíbrio ao nível da coesão e da flexibilidade (Baiocco et al., 2013).

Um segundo estudo com adolescentes e os seus pais foi realizado no Canadá (Desautels, Lapalme, Touchette, & Pauzé, 2016), tendo os autores descrito níveis aceitáveis de ajustamento da escala nas duas populações. No entanto, estes autores advogam cautela na sua aplicação a adolescentes, isto, uma vez que as duas subescalas – a flexibilidade rígida e a coesão aglutinada – obtiveram saturações baixas.

Devido às restrições apontadas por vários autores na aplicação universal do FACES IV, tornou-se necessário um maior investimento na análise da transposição deste pacote para a população de adolescentes, de forma a satisfazer a necessidade de um instrumento válido e confiável sobre o funcionamento familiar que seja uma ferramenta útil para a investigação e para o trabalho clínico com adolescentes em Portugal.

Neste sentido, pretende-se, através da realização de dois estudos com adolescentes portugueses, contribuir para o processo de validação do FACES IV. O Estudo 1 teve como principal objetivo a validação do FACES IV para uma população de adolescentes portugueses. Para tal, realizaram-se análises das qualidades psicométricas do FACES IV, especificamente: (1) a validade de constructo através da sua estrutura fatorial e do padrão de correlação entre as escalas de coesão e flexibilidade equilibradas e desequilibrada, (2) a fidedignidade, através de indicadores de consistência interna das subescalas, (3) a validade convergente através do padrão de correlação entre as escalas de coesão e flexibilidade familiar e as escalas de comunicação e satisfação familiar, assim como com o Questionário de Ideação Suicida (Ferreira & Castela, 1999) e (4) a validade discriminante, através da descrição da capacidade para discriminar entre sistemas familiares com alta e baixa satisfação e sistemas familiares pertencentes a um grupo clínico ou comunitário. No Estudo 2, recorreu-se a uma nova amostra de adolescentes portugueses para realizar uma nova validação da versão de 24 itens que demonstrou ser a melhor solução no Estudo 1.

 

ESTUDO 1

 

Método

 

Participantes

O processo de amostragem ocorreu, simultaneamente, junto de 859 estudantes de escolas públicas da zona da Grande Lisboa, formando a amostra comunitária, e junto de 71 participantes em contexto hospitalar no mesmo distrito, que formaram a amostra clínica. Do total de 930 participantes, foram eliminados da análise 105 por não terem nacionalidade Portuguesa e um por questionário incompleto, somando um total de 724 adolescentes portugueses, entre os 12 e os 21 anos de idade (M=16.12, DP=1.93). Destes, 393 (48%) eram do sexo masculino e 431 (52%) do sexo feminino, não se verificando diferenças significativas de idades entre estes grupos (Mrapazes=16.25; DPrapazes=1.96; Mraparigas=16.00; DPraparigas=1.90; t(822)=1.834, p=.067, d=.13).

Quanto ao seu percurso académico, 29 (4%) participantes encontravam-se no 2º ciclo, 249 (30%) no 3º ciclo, 530 (64%) no ensino secundário e 14 alunos no ensino superior (2%). A maioria da amostra não apresentava qualquer reprovação (n=510, 62%), sendo que os jovens com reprovações académicas apresentaram uma média de 1.51 reprovações (min.=1, max.=5, DP=.75) (Tabela 1).

 

 

A maioria dos participantes vivia com ambos os pais (incluindo padrasto/ madrasta) (69%), seguindo-se os adolescentes que viviam com um progenitor (18%), com um progenitor e outros familiares (4%), com ambos os pais e outros familiares (4%), com outros familiares (3%), e um número residual (<1%) vivia sozinho, em instituição de acolhimento, com o cônjuge e filho/a. A maioria da amostra tinha, pelo menos, um/a irmão/ã (82%), apresentando uma média de 1.76 irmãos/ãs (min.=1, max.=8, DP=1.19). Na Tabela 1, apresentamos a caracterização sociodemográfica.

 

Instrumentos

O Pacote FACES IV (Olson, 2011) é composto pela Escala de Avaliação da Flexibilidade e Coesão Familiar (FACES IV), pela Escala de Comunicação Familiar e pela Escala de Satisfação Familiar. A tradução destas escalas para a Língua Portuguesa foi realizada por uma equipa de cinco investigadores na área da psicologia, fluentes em Português e Inglês, seguindo as indicações fornecidas pelo autor (Olson, 2010): (1) tradução e adaptação cultural da versão original em inglês para português; (2) retroversão da primeira versão portuguesa para inglês; (3) Confronto das duas versões (i.e., tradução e retroversão) de forma a resultar uma versão consensual do questionário; (4) teste da validade facial desta versão traduzida junto de 5 adolescentes, com idades compreendidas entre os 12 e 16 anos, do 8º ao 11º ano de escolaridade. Num passo final, integrámos as opiniões destes jovens e criámos a versão final a validar do instrumento FACES IV para adolescentes portugueses.

 

Escala de Avaliação da Flexibilidade e Coesão Familiar (FACES IV; Olson, 2011). O FACES IV é um instrumento de autorrelato composto por 42 itens, distribuídos por seis subescalas, de sete itens cada, avaliados a partir de uma escala de resposta tipo Likert de 5 pontos (1=Discordo Totalmente a 5=Concordo Totalmente). Duas subescalas permitem aceder aos níveis equilibrados de coesão e flexibilidade familiar, isto é, uma subescala relativa à coesão equilibrada e uma subescala relativa à flexibilidade equilibrada; as restantes quatro subescalas permitem aceder aos níveis desequilibrados, i.e. níveis extremamente baixos e extremamente altos de ambas as dimensões de coesão familiar (subescala coesão desagregada e subescala coesão aglutinada) e flexibilidade (subescala flexibilidade rígida e subescala flexibilidade caótica). Valores mais altos nas subescalas equilibradas indicam relações familiares mais funcionais, enquanto valores mais altos nas subescalas desequilibradas indicam relações familiares mais disfuncionais. Através da aplicação das fórmulas descritas por Olson (2011) é possível transformar estas subescalas em rácios (i.e., rácio da coesão familiar, rácio da flexibilidade familiar e o rácio total circumplexo), permitindo a classificação dos sistemas familiares num continuum entre valores máximos de disfuncionalidade a valores máximos de funcionalidade. Na validação original (Olson, 2011), estas subescalas mostraram níveis satisfatórios a bons de fiabilidade (alfa de Cronbach variando de .77 a .89) (Field, 2013).

 

Escala de Comunicação Familiar. A Escala de Comunicação Familiar (Olson & Barnes, 1996) é uma versão revista e mais breve da escala Parent-Adolescent Communication (Barnes & Olson, 1985). Esta escala de autorrelato avalia a qualidade da comunicação familiar e é composta por 10 itens avaliados por uma escala tipo Likert de 5 pontos (1=Discordo Fortemente a 5=Concordo Fortemente). Para aceder à comunicação familiar, as pontuações obtidas nesta escala devem ser transformadas em percentis, em que valores mais elevados correspondem a uma melhor comunicação familiar.

 

Escala de Satisfação Familiar (Olson, 1995). Esta escala de autorrelato é composta por 10 itens avaliados por uma escala tipo Likert de 5 pontos (1=Muito Insatisfeito a 5=Extremamente satisfeito). Tal como na escala anterior, os resultados obtidos nesta escala devem ser transformados em percentis, em que valores mais elevados correspondem a uma maior satisfação familiar.

 

Questionário de Ideação Suicida. Este instrumento foi aferido e adaptado para a população portuguesa por Ferreira e Castela (1999). O instrumento é constituído por 30 itens avaliados numa escala de resposta de 7 pontos (0=Nunca a 6=Sempre). Neste estudo, o instrumento apresentou muito boa fiabilidade (α=.98).

 

Procedimento

O processo de recolha de dados foi dividido em dois momentos distintos. Num primeiro momento, o processo decorreu em escolas públicas da zona da Grande Lisboa. Todas as recolhas foram autorizadas pela Direcção-Geral da Educação, através do serviço de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar e para todos os participantes menores de idade, foi solicitada a autorização dos seus encarregados de educação. O processo de recolha de dados ocorreu em contexto de sala de aula, sem a presença do professor. No segundo momento, a recolha decorreu com os participantes que recorriam ao serviço de Psiquiatria de um hospital público da Grande Lisboa. Foram concedidas autorizações pelos encarregados de educação e os questionários foram preenchidos na sala-de-espera.

Em ambos os momentos de recolha de dados, antes do preenchimento dos questionários foram dadas as instruções necessárias aos participantes, garantindo que a sua participação era anónima e confidencial. De seguida os participantes preencheram os questionários constantes no Pacote FACES IV, e em seguida o Questionário de ideação Suicida. Finalmente, os participantes responderam a um breve questionário sociodemográfico referente a características individuais (sexo, idade, nacionalidade, ano de escolaridade, número de reprovações escolares) e familiares (agregado familiar e número de irmãos).

O preenchimento do questionário demorou aproximadamente 15 minutos.

 

Resultados

Todas as análises estatísticas apresentadas neste trabalho foram realizadas através do software SPSS v22 (IBM SPSS, Chicago, IL), exceto para a imputação dos valores em falta (i.e., método Bayesian Estimation) e as Análises Fatoriais Confirmatórias que foram realizadas através do software Amos v22.0.

 

Análise de constructo

Recorreu-se a uma análise fatorial confirmatória para testar se a estrutura fatorial teórica prevista para o FACES IV se mantinha nesta amostra. Uma análise inicial revelou que os itens do FACES IV não cumpriram o pressuposto de normalidade multivariada (KuMult=304.88). Porém, quando consideradas as medidas de forma (Kline, 2005), assimetria (Min=-1.36; Max=1.17; valores inferiores a 3) e de achatamento (Min=-.86; Max=1.75; valores inferiores a 8), verificou-se que estes resultados não violaram grosseiramente os pressupostos de normalidade. Em segundo lugar, verificou-se que existiam, em média, 2.44 valores em falta por cada item (.295%) do FACES IV. Através do teste MCAR de Little pode-se concluir que estes valores em falta são completamente aleatórios [χ2(3042)=3104.646, p=.210]. Deste modo, foi possível levar a cabo a imputação destes valores em falta através do método Bayesian Estimation (Arbuckle, 2013).

Iniciou-se a adaptação do FACES IV para os adolescentes portugueses através do teste das qualidades psicométricas do modelo de 4 itens por fator que foi realizado na validação deste instrumento para os adultos portugueses (Gomes et al., 2017). A Análise Fatorial Confirmatória (AFC) para o modelo dos adultos revelou valores indicativos de um ajustamento sofrível, embora o valor do parâmetro CFI seja inferior a .90 (χ2/df=3.59, CFI=.84, GFI=.92, RMSEA=.056) (Arbuckle, 2013; Marôco, 2010). No entanto, uma análise da consistência interna desta solução revelou valores de alfa de Cronbach demasiado baixos, coesão equilibrada (α=.70), desagregada (α=.53), aglutinada (α=.33), e flexibilidade equilibrada (α=.64), rígida (α=.67) e caótica (α=.55).

Como tal, realizou-se uma nova análise de AFC com o modelo original de sete itens por subescala e verificou-se que o modelo apresentava problemas de ajustamento (χ2/df=4.27, CFI=.67, GFI=.81, RMSEA=.063). Assim, deu-se início a um processo de redução dos itens. Uma vez que se obteve alguns itens com valores de saturação muito baixos, eliminou-se aqueles com valores inferiores a .30, do qual surtiu a eliminação dos itens 26 da subescala flexibilidade equilibrada, 33 e 39 da subescala desagregada, 4, 16, 22, e 28 da subescala aglutinada, 29 e 41 da subescala rígida, e 12, 24 e 30 da subescala caótica.

Num segundo passo, foram considerados os valores de Índices de Modificação (IM), e os itens 31 e 37 (IM=67.29) da subescala de coesão equilibrada, 23 (IM=64.65) e 35 (IM=45.67) da subescala de flexibilidade rígida, 32 (IM=49.04) da subescala de flexibilidade equilibrada e 36 (IM=46.78) da subescala de flexibilidade caótica foram removidos. A solução final deste modelo adaptado produziu valores que permitem concluir um ajustamento aceitável da solução fatorial prevista à nossa amostra de adolescentes portugueses (χ2/df=2.64, CFI=.92, GFI=.94, RMSEA=.045) (Figura 1).

 

 

Dentro da solução fatorial encontrada, descreveu-se ainda o padrão de correlação entre as subescalas das dimensões de coesão e flexibilidade, esperando-se correlações positivas entre as escalas equilibradas e entre as escalas desequilibradas e correlações negativas entre as subescalas equilibrada e as subescalas desequilibradas dentro de cada dimensão da coesão e flexibilidade. A análise das correlações entre as subescalas de coesão familiar revelou que a subescala de coesão equilibrada apresenta uma correlação negativa com ambas as subescalas de coesão desequilibrada, enquanto as duas subescalas de coesão desequilibradas apresentaram uma correlação positiva entre si. Quanto à flexibilidade familiar, a subescala de flexibilidade equilibrada apresentou-se negativamente correlacionada com a subescala caótica e uma correlação positiva, embora fraca, com a subescala de flexibilidade rígida. As duas subescalas de flexibilidade desequilibrada não se encontravam correlacionadas de forma estatisticamente significativa (Tabela 2).

 

 

Além disto, se considerarmos a correlações entre as duas dimensões familiares, verificamos uma forte correlação entre as duas subescalas de valores equilibrados (i.e., coesão e flexibilidade).

 

Análise de fidedignidade

Foram calculados os alfas de Cronbach para todas as subescalas das dimensões de coesão e flexibilidade. Verificou-se que as subescalas de coesão equilibrada (α=.76) e flexibilidade equilibrada (α=.70) apresentam níveis de consistência interna aceitáveis (Field, 2013). As restantes subescalas de coesão desagregada (α=.64) e aglutinada (α=.51), bem como as subescalas de flexibilidade rígida (α=.68) e caótica (α=.66) apresentaram níveis baixos de consistência interna, ainda que acima do ponto de corte de .50, sugerido como aceitável por alguns autores em fases iniciais de investigação em psicologia (e.g., Nunally, 1967). Na sua totalidade, o instrumento FACES IV apresentou uma boa consistência interna (α=.81) (Tabela 2).

 

Validade convergente

De forma a testar a validade convergente da versão portuguesa do instrumento FACES IV começou-se por desenvolver uma análise de correlações entre as subescalas deste instrumento e as escalas de validação que estão incluídas no Pacote do Faces IV: a comunicação e a satisfação familiares. Antes uma AFC para a Escala de Comunicação Familiar revelou níveis de ajustamento bons (χ2/df=4.76, CFI=.96, GFI=.96, RMSEA=.068), assim como consistência interna (α=.88). O mesmo foi encontrado para a versão portuguesa da Escala de Satisfação Familiar: a AFC, após considerar os índices de modificação e covariar os erros de quatro pares de itens, demonstrou bons valores de ajustamento (χ2/df=4.92, CFI=.98, GFI=.96, RMSEA=.069) e boa consistência interna (α=.91).

Ambas as subescalas equilibradas demonstraram correlações positivas com a comunicação familiar e satisfação familiar, enquanto as subescalas desequilibradas apresentaram, genericamente, correlações negativas com a comunicação familiar e a satisfação familiar. A exceção foi a subescala de flexibilidade rígida que teve um comportamento atípico, sem correlação significativa com a comunicação familiar e correlacionando-se de forma positiva com a satisfação familiar.

Ainda no âmbito da validade convergente, consideraram-se as correlações entre as subescalas do FACES IV e o questionário de ideação suicida. Este questionário foi selecionado, uma vez que alguns estudos têm demonstrado uma relação positiva entre um funcionamento familiar desequilibrado e a ideação suicida (e.g., Au, Lau, & Lee, 2009; Holtman, Shelmerdine, London, & Flisher, 2011), inclusivamente no contexto português (Gouveia-Pereira, Abreu, & Martins, 2014). Verificou-se que as subescalas de coesão e flexibilidade equilibradas se correlacionaram negativamente com a ideação suicida, de tal forma que participantes provenientes de funcionamentos familiares mais equilibrados apresentavam menos ideação suicida, e vice-versa. Pelo contrário, as correlações com as subescalas desequilibradas demonstraram que os participantes de sistemas familiares descritos com níveis mais elevados de coesão desagregada e flexibilidade caótica apresentaram maior ideação suicida. As restantes subescalas de coesão aglutinada e flexibilidade rígida não apresentaram correlações significativas com a ideação suicida.

Esta análise permitiu ainda perceber que a comunicação e satisfação familiar demonstraram correlações negativas com a medida de ideação suicida (Tabela 2).

 

Validade preditiva

Tendo em conta a validação original de Olson (2011), testou-se a capacidade preditiva da versão adaptada do FACES IV para os adolescentes portugueses, colocando à prova a capacidade para discriminar entre sistemas familiares problemáticos e não-problemáticos. Confrontando o grupo de 40% da amostra que apresentou níveis mais elevados e 40% da amostra que apresentou níveis mais baixos quanto à Escala de Satisfação Familiar, todas as subescalas do FACES IV apresentaram capacidade preditiva estatisticamente significativa, com uma colocação correta entre os dois grupos de Topo 40% vs. Base 40% que variou desde os 56% to 82%. O rácio circumplexo total apresentou uma precisão preditiva de 76% para distinguir entre estes dois grupos, apresentando validade preditiva estatisticamente significativa (Λ=.67, χ2(1)=289.89, p<.001) (Tabela 3).

 

 

Procurou-se ainda testar a validade preditiva numa variável exógena ao Pacote FACES IV, pelo que se compararam o grupo comunitário (i.e., proveniente de escolas) vs. grupo clínico (i.e., proveniente de serviços hospitalares). Esta análise demonstrou capacidade preditiva da generalidade das subescalas do FACES IV (colocação correta entre os 66% e 74%) à exceção das subescalas de coesão aglutinada e de flexibilidade rígida cuja capacidade preditiva não atingiu a significância estatística para estes grupos. O rácio circumplexo total demonstrou uma precisão preditiva de 57% para estes grupos, apresentando desta forma validade estatisticamente significativa (Λ=.98, χ2(1)=19.06, p<.001) (Tabela 3).

 

Discussão

A versão adaptada do FACES IV para a população adolescente Portuguesa desenvolvida neste 1º estudo apresentou níveis de fidedignidade pelo menos aceitáveis e um padrão de validade convergente e preditiva na linha do previsto. No entanto, salientamos que a solução fatorial encontrada implicou a retirada de um número considerável de itens, o que pode levar ao risco de se ter transformado num artefacto estatístico. Simultaneamente, as subescalas de coesão aglutinada e de flexibilidade rígida apresentaram padrões inesperados ao nível da validade convergente e preditiva, sendo necessário, antes de se procurarem novas explicações pos-hoc, perceber se este resultado era replicado num segundo estudo. Assim, de forma a explorar a qualidade psicométrica desta versão do FACES IV, foi realizado um 2º estudo em que aplicamos a versão adaptada no estudo anterior junto de uma nova amostra de jovens portugueses.

 

ESTUDO 2

 

Método

 

Participantes

Participaram neste estudo 794 jovens provenientes de escolas públicas do distrito de Lisboa, do 7º ao 12º ano de escolaridade. 11% dos participantes eram de nacionalidade não portuguesa e foram removidos deste estudo, resultando numa amostra final de 707 jovens, com idades compreendidas entre os 11 e os 21 anos (M=14.9, DP=1.6). Destes, 51% (n=357) eram do sexo feminino, sendo de referir que a idade das raparigas (M=14.9; DP=1.63) e dos rapazes (M=15.0, DP=1.61) em estudo não apresentaram diferenças estatisticamente significativas [t(706)=-.454, p=.65, d=.06] (Tabela 1).

 

Instrumentos

Neste segundo estudo aplicamos a versão adaptada do Pacote do FACES IV (Olson, 2011) obtida através das análises às Escala de Avaliação da Flexibilidade e Coesão Familiar, Comunicação e Satisfação desenvolvidas no Estudo 1, assim como o Questionário de Ideação Suicida (Ferreira & Castela, 1999) e questões sociodemográficas.

 

Procedimento

No presente estudo, foi replicado o procedimento descrito no Estudo 1 para a recolha da amostra comunitária.

 

Resultados

 

Validade de construto

Através de uma AFC, verificou-se que os itens do FACES IV no Estudo 2 violaram o pressuposto de normalidade multivariada (KuMult=145.72), embora de forma não grosseira tendo em conta as medidas de forma e assimetria de Kline (2005; -1.89<SK>1.83; -0.73<K>3.77). Com uma média de .13 valores em falta por cada item do FACES IV, distribuídos aleatoriamente (.018%; MCAR χ2(69)=73.825, p=.323), realizou-se a sua imputação através do método Bayesian Estimation (Arbuckle, 2013). AAFC para a versão do instrumento FACES IV para os adolescentes portugueses revelou valores indicativos de um bom ajustamento do modelo (χ2/df=2.62, CFI=.90, GFI=.93, RMSEA=.048).

Voltou-se a testar o padrão de correlação entre subescalas das dimensões de coesão e flexibilidade familiar. Tal como esperado, a subescala de coesão equilibrada apresenta correlações negativas com as subescalas de coesão desequilibrada, que, por sua vez, se correlacionam positivamente entre si. Já no caso da flexibilidade familiar, a subescala equilibrada correlaciona-se, como esperado, negativamente com a subescala caótica, mas positivamente com a subescala de flexibilidade rígida. As duas subescalas de flexibilidade desequilibrada não apresentam correlação estatisticamente significativa. Importa ainda referir que, à semelhança do Estudo 1, também aqui as duas subescalas equilibradas apresentam uma correlação positiva forte.

 

Fidedignidade

O Estudo 2 revelou valores de alfa de Cronbach semelhantes ao estudo de adaptação em que as duas subescalas de coesão equilibrada (α=.71) e flexibilidade equilibrada (α=.64), bem como as subescalas de coesão desagregada (α=.63) e aglutinada (α=.52), e as subescalas de flexibilidade rígida (α=.71) e caótica (α=.64) apresentaram níveis de consistência interna relativamente baixos, embora aceitáveis (Aron & Aron, 1999; Nunally, 1967) (Tabela 2). Na sua totalidade, o instrumento FACES IV apresentou uma boa consistência interna (α=.80).

 

Validade convergente

Repetindo-se o procedimento de análises de dados do Estudo 1, começamos, neste ponto, pela descrição das qualidades psicométricas das escalas de comunicação e satisfação familiar. Uma AFC para a Escala de Comunicação Familiar revelou bons níveis de ajustamento (χ2/df=3.98, CFI=.96, GFI=96, RMSEA=.065) e de consistência interna (α=.89), repetindo-se o padrão para a versão portuguesa da Escala de Satisfação Familiar, que após se considerar os índices de modificação e covariar os erros de cinco pares de itens, demonstrou bons valores de ajustamento (χ2/df=4.95, CFI=.97, GFI=.96, RMSEA=.075) e boa consistência interna (α=.93).

Quanto à validade convergente propriamente dita, a analisaram-se as correlações entre a coesão e a flexibilidade familiar e estas duas escalas de comunicação e satisfação, verificando-se que as subescalas equilibradas apresentam correlação positiva com a comunicação familiar e a satisfação familiar. Já as subescalas desequilibradas apresentaram, genericamente, correlações negativas com a comunicação familiar e satisfação familiar. A exceção é novamente a subescala de flexibilidade rígida que não se apresentou correlacionada significativamente com nenhuma destas escalas de validação (Tabela 2).

O padrão inverso surge, como esperado, nas análises de correlação com a ideação suicida. As subescalas de coesão e flexibilidade equilibradas correlacionam-se negativamente com a ideação suicida enquanto as subescalas desequilibradas se correlacionam negativamente com a ideação suicida. Novamente, fora de padrão está a subescala de flexibilidade rígida, que não apresentou correlação significativa com a ideação suicida. Mais ainda, as escalas de comunicação e satisfação familiar apresentam uma correlação positiva forte entre si, e correlações negativas com a ideação suicida (Tabela 2).

 

Validade preditiva

Por fim, realizamos uma análise da capacidade preditiva da versão portuguesa para adolescentes do FACES IV semelhante à desenvolvida no Estudo 1, i.e., topo 40% vs. base 40% na Escala de Satisfação Familiar. Estas análises revelaram a capacidade preditiva de todas as subescalas do FACES IV (variando entre 58% a 78%), com exceção da subescala de flexibilidade rígida. O rácio circumplexo total apresentou uma precisão preditiva de 74% (Λ=.70, χ2(1)=209.60, p<.001) (Tabela 3).

 

Discussão geral

De forma a contribuir para o processo de adaptação e validação do FACES IV para a população adolescente Portuguesa foram realizados dois estudos. Num primeiro estudo, partiu-se da tradução de 42 itens da escala original de Olson (2011), tendo sido encontrada uma solução final de 24 itens que conserva a estrutura teórica de seis subescalas, com duas subescalas equilibradas para as dimensões da coesão e da flexibilidade familiar e quatro subescalas desequilibradas desenhadas para mapear a alta e baixa coesão e flexibilidade familiar. De forma a garantir que esta solução fatorial conserva as qualidades psicométricas da escala original, replicou-se a aplicação desta versão adaptada do FACES IV com 24 itens num segundo estudo, e após a análise fatorial confirmatória, verificou-se que a estrutura teórica proposta pelo Modelo Circumplexo e operacionalizada pelo FACES IV se mantém relevante para a nossa amostra de adolescentes portugueses.

As análises de consistência interna revelaram fidedignidade aceitável para as subescalas equilibradas de coesão e flexibilidade. O mesmo aconteceu para as subescalas desequilibradas (desligada, rígida e caótica). A exceção é a subescala aglutinada, que revelou um alfa com um valor mais baixo, podendo ser, no entanto, considerada psicometricamente aceitável (e.g., Aron & Aron, 1999; Nunally, 1967). Relativamente a esta subescala, verificaram-se resultados de validação semelhantes em outros países, ou seja, a consistência interna para a subescala aglutinada mostrou sempre valores mais baixos, entre .50 e .70 para os italianos (Baiocco et al., 2013), gregos (Koutra et al., 2012), espanhóis (Rivero et al., 2010), e portugueses adultos (Gomes et al., 2017). Esta leitura parece ser reforçada pelo bom desempenho desta subescala aglutinada quanto à validade convergente, embora seja menos consistente entre os estudos quanto à sua validade preditiva, na medida em que numa ocasião foi insuficiente para distinguir uma amostra clínica de uma amostra comunitária.

Ao nível da correlação entre subescalas do FACES IV, pode-se descrever um comportamento como previsto e grande consistência ao nível das magnitudes dos efeitos destas correlações nos dois estudos. Assim, verificou-se uma associação positiva entre as duas escalas equilibradas, uma associação negativa entre a escala de coesão equilibrada e as duas subescalas de coesão desequilibrada (aglutinada e desligada), bem como entre a escala de flexibilidade equilibrada e a flexibilidade desequilibrada caótica. Pela análise da magnitude dos efeitos, é possível afirmar que o desequilíbrio na dimensão coesão é melhor mapeado pela subescala desligada do que pela subescala aglutinada e que o desequilíbrio da dimensão flexibilidade é apenas mapeado por apenas uma das subescalas: a subescala caótica. De facto, a subescala rígida é positivamente associada ao equilíbrio ao nível da flexibilidade familiar.

Os resultados relativos à validade convergente e preditiva mostram que a maioria das subescalas estão associadas, tal como hipotetizado, às dimensões de comunicação familiar, satisfação familiar e à ideação suicida, ao mesmo tempo que predizem diferenças nas amostras comunitária e clínica. Novamente, encontrou-se um comportamento não esperado ao nível do desequilíbrio rígido na dimensão de flexibilidade familiar.

Note-se que uma revisão sistemática de validações em inglês do FACES IV e que o considerou como um instrumento válido na sua aplicação clínica comparativamente com outros instrumentos de avaliação familiar, faz notar algumas limitações nas subescalas de coesão aglutinada e flexibilidade rígida (Hamilton & Carr, 2016). Resultados na mesma linha foram descritos em validações noutros contextos (e.g., Baiocco et al., 2013; Koutra et al., 2012; Pereira & Teixeira, 2013; Rivero et al., 2010).

Em termos de comparação com a proposta teórica do Modelo Circumplexo, é a subescala rígida que apresenta maiores desafios, uma vez que mesmo uma menor consistência interna na subescala aglutinada não retira o seu poder preditivo na maioria dos casos. Deste modo, reforça-se a necessidade de aprofundar a compreensão teórica desta subescala. Por um lado, sabemos que a rigidez é teoricamente associada a níveis de flexibilidade extremamente e disfuncionalmente baixos, com a perceção de grande controlo parental, pouca negociação, e dificuldade de alteração das regras familiares (Olson, 2011). Por outro, um dos desafios-chave das famílias com filhos adolescentes passa, segundo a tipologia de Duvall (1988), pela partilha de controlo. Futuros estudos serão necessários para perceber se a perceção de menor flexibilidade por parte dos adolescentes não poderá ser adaptativa e condutora de mudança. Na mesma linha, Everri, Mancini e Fruggeri (2016) fizeram recentemente notar a ambiguidade face à interpretação de disfuncionalidade que emerge associada à rigidez familiar. Os seus resultados com adolescentes italianos revelaram que a funcionalidade nesta subescala era moderada pela tipologia familiar, i.e., quando esta rigidez era associada a determinadas tipologias familiares (e.g., rigidez equilibrada), estava também associada a dimensões positivas do funcionamento familiar, mas quando estava associada a outras tipologias (e.g., famílias desligadas) surgia como preditora de pior satisfação. Os nossos resultados mostram esta hipótese como viável, já que quando se utiliza o rácio circumplexo total, composto por informação tanto da coesão, como da flexibilidade, a validade preditiva é muito aceitável.

É de ressalvar que a última versão do FACES IV surge na sequência da falência das versões anteriores de mapearem a hipótese curvilínea central ao Modelo Circumplexo: níveis equilibrados de coesão e flexibilidade familiar resultam em funcionamentos familiares saudáveis e níveis extremos (altos e baixos) resultam em funcionamentos familiares problemáticos (Olson, 2010). Ao contrário do modelo teórico e do seu teste com outras medidas, no FACES II e III existe dificuldade em aceder aos extremos das dimensões de coesão e flexibilidade, resultando numa leitura linear entre as dimensões do funcionamento familiar e as variáveis preditivas (Thomas & Olson, 1994). Assim, a possibilidade de distinguir mais claramente os diferentes perfis familiares apenas possível no FACES IV pode ser de enorme utilidade quer para a investigação, quer para a intervenção clínica.

Concluindo, e após um esforço de adaptação cultural e desenvolvimental do Modelo Circumplexo junto de adolescentes portugueses, este trabalho propõe uma escala de avaliação do funcionamento familiar válida e fidedigna quanto à estrutura teórica de funcionamento familiar que se propôs representar, e que poderá ter grande utilidade no contexto clínico e de investigação com adolescentes portugueses.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Maria Gouveia-Pereira, Centro de Investigação em Educação, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: mpereira@ispa.pt

 

Submissão: 11/04/2019 Aceitação: 13/06/2019

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