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Análise Psicológica

versión impresa ISSN 0870-8231versión On-line ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.37 no.4 Lisboa dic. 2019

https://doi.org/10.14417/ap.1641 

O silêncio dos colaboradores de Van Dyne, Ang e Botero (2003): Estudo da validade fatorial e da invariância da medida para Portugal

Van Dyne, Ang and Botero (2003) Employees Silence Scale: Testing for factorial validity and invariance in Portugal

Ana Sabino1, Francisco Cesário1

1APPsyCI – Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal / Universidade Europeia, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

O silêncio dos colaboradores tem sido entendido como a decisão deliberada do indivíduo em reter informação, opiniões e sugestões acerca da organização. Nos últimos anos tem-se verificado um acréscimo de estudos sobre este constructo verificando-se, no entanto, falta de consistência teórica e empírica. O presente estudo tem como objetivo estudar a validade fatorial e a invariância da medida proposta por van Dyne, Ang e Botero (2003) para Portugal. Partindo de uma estrutura teórica tridimensional, os resultados sugerem que, para a população portuguesa, a medida é invariante e composta por duas dimensões que se correlacionam, negativamente. Uma primeira denominada de silêncio de adesão que corresponde ao silêncio prosocial de van Dyne et al. (2003) e uma dimensão de rejeição composta pela junção das dimensões defensiva e submissa de van Dyne et al. (2003). As implicações teóricas e práticas são discutidas.

Palavras-chave: Silêncio dos colaboradores, Escala de medida, Validade fatorial, Invariância.

 

ABSTRACT

Employee silence has been understood as the individual deliberate decision to retain information, opinions and suggestions about the organization. In recent years there has been an increase in studies on this construct, but there is a lack of theoretical and empirical consistency. The present study aims to study the factorial validity and the invariance of the measure proposed by Van Dyne, Ang and Botero (2003) for Portugal. Starting from a three-dimensional theoretical structure, the results suggest that, for the Portuguese population, the measure is invariant and composed of two dimensions that correlate negatively. One denominated adhesion silence that corresponds to the prosocial silence of van Dyne et al. (2003) and other called rejection silence composed by the junction of the defensive and submissive dimensions of van Dyne et al. (2003). The theoretical and practical implications are discussed.

Key words: Employee silence, Scale of measurement, Factorial validity, Invariance.

 

Introdução

O estudo do silêncio dos colaboradores, entendido como a decisão intencional e deliberada do indivíduo em reter informação, opiniões sobre a organização neste contexto, tem aumentado nos últimos anos (e.g., Brinsfield, Edwards, & Greenberg, 2009; Morrison & Milliken, 2000; Van Dyne, Ang, & Botero, 2003). Apesar desta definição ser relativamente consensual, quando o silêncio é estudado empiricamente denota-se a existência de diferentes abordagens. Os autores partem de uma conceção comum do silêncio enquanto ato consciente de retenção da informação, mas divergem nos motivos que levam os colaboradores a reter essa informação. Assim, identificam-se artigos que o consideram unidimensional (Tangirala & Ramanujam, 2008), bidimensional (Pinder & Harlos, 2001; Sabino, 2015), tridimensional (Acaray & Akturan, 2015; Rhee, Dedahanov, & Lee, 2014), com 4 dimensões (Adamska & Jurek, 2017; Knoll & Van Dick, 2013) ou seis dimensões (Brinsfield, 2013). Nem todos os autores justificam as estruturas fatoriais utilizadas. Por exemplo, autores como Dedahanov e Rhee (2015) ou Fatima, Ilyas, Rehman e Inram (2017) partem da definição do silêncio e explicam que optam por estudar as dimensões que mais se adequam aos seus objetivos de estudo. De destacar também a existência de um instrumento de medida proposto conceptualmente por Van Dyne et al. (2003). Este instrumento tem sido utilizado na sua estrutura original (e.g., Acaray & Akturan, 2015; Rhee et al., 2014) e sofrendo adaptações (e.g., Deniz, Noyan, & Ertosan, 2013; Fatima et al., 2017), cujo motivo e natureza nunca são claramente explicitados pelos autores. Verifica-se também a existência de estudos que partem da utilização desta escala de medida original mas obtêm estruturas fatoriais distintas (e.g., Acaray & Akturan, 2015; Rhee et al., 2014; Sabino, 2015). Neste sentido o silêncio apresenta-se como um fenómeno consensual na sua definição teórica, mas volátil na sua definição empírica. Tal reflete-se na estrutura fatorial esperada, no que concerne especificamente o instrumento mais relevante no campo, que foi proposto por Van Dyne et al. (2003). Desta forma, o presente artigo tem como principal objetivo estudar a validade fatorial da escala de Van Dyne et al. (2003) e a sua invariância para a população portuguesa.

 

O silêncio dos colaboradores

Apesar do silêncio ser um fenómeno citado desde os anos 70 (e.g., Hirschman, 1970), é a partir de 2000, através dos estudos de Morrison e Milliken (2000), que o silêncio dos colaboradores emerge enquanto constructo autónomo e independente dos demais (e.g., lealdade, negligência, voz) podendo ser estudado per si e não como manifestação de outro. O constructo é entendido como a decisão intencional do colaborador em reter ideias, informações e opiniões que são importantes para a organização (e.g., Morrison & Milliken, 2000; Pinder & Harlos, 2001; Van Dyne et al., 2003). Como referem Tangirala e Ramanujam (2008) este fenómeno é multifacetado na medida em que pode ser orientado para diferentes tópicos ou interlocutores. Esta característica poderá condicionar o consenso ao nível da definição, da própria natureza do constructo e da forma como é aplicado empiricamente. Por conseguinte, identificam-se estudos muito distintos no modo como conceptualizam, teórica e empiricamente, o silêncio. Relativamente à existência de escalas para o medir, esta divergência também é verificada visto identificarem-se quatro alternativas possíveis. O artigo publicado pelos autores Van Dyne et al. (2003) teve como objetivo propor uma escala de medida do silêncio composta por três dimensões – silêncio submisso, defensivo e prosocial. Os autores apresentaram exclusivamente uma proposta teórica, que não incluiu uma validação empírica do instrumento. Apesar deste facto, até à data, esta escala sido utilizada em diferentes estudos sobre o silêncio onde os autores optam por manter a proposta original de Van Dyne et al. (2003) ou adaptam-na à luz dos seus objetivos de investigação. Tendo em conta a sua vasta utilização (com ou sem adaptações) e sustentação teórica que a precede, o presente artigo adota esta abordagem. No entanto, importa aqui salientar outras propostas de instrumentos do silêncio. Em 2013 Knoll e Van Dick (2013) partem da conceptualização teórica proposta por Van Dyne et al. (2003) acrescentando uma quarta dimensão, que os autores denominam de silêncio oportunista. Apesar dos autores utilizarem as três dimensões originais de Van Dyne et al. (2003), optam por propor um instrumento distinto para as medir. No mesmo ano Brinsfield (2013) publica um artigo composto por quatro estudos onde propõe um instrumento de medida que mede o silêncio dos colaboradores em 6 dimensões: desviante, desconfiado, relacional, defensivo, descomprometido e ineficaz. Para além destas escalas, verifica-se também uma tendência de autores proporem medidas criadas para responder aos seus objetivos específicos de investigação. Verificam-se casos onde os autores criam uma escala especifica para a realidade que estão a estudar (e.g., Vakola & Bouradas, 2005) ou casos onde os autores utilizam dimensões de uns autores e outras dimensões de outros autores. Veja-se o estudo de Fatima et al. (2017) onde os autores utilizam o silêncio submisso e defensivo de Van Dyne et al. (2003) e o silêncio desviante de Brinsfield (2013), justificando a sua decisão referindo que lhes interessava estudar exclusivamente as dimensões que refletem uma consequência negativa para a organização. Neste sentido, estudar o silêncio prosocial não entrava no âmbito dessa investigação.

No entanto a escala inicialmente criada por Van Dyne et al. (2003) continua a ser a mais relevante e consensualmente utilizada para definir operacionalmente o constructo. Tal levou-nos a destacá-la e a progressivamente ter vindo a estudar as características da sua adaptação a população portuguesa (ver Sabino, 2015; Sabino, Nogueira, & Cesário, 2019). Abaixo definimos em detalhe este instrumento.

 

Instrumento de medida para o silêncio dos colaboradores de Van Dyne et al. (2003)

Em 2003, Van Dyne e colaboradores propuseram um modelo tridimensional em que os autores partem da natureza geral do comportamento onde o sujeito pode adotar uma postura passiva ou proativa. Quando passivo, o motivo primário do indivíduo baseia-se na resignação e no descomprometimento pelo que o seu comportamento poderá manifestar-se através de uma voz ou de um silêncio submisso. Se o indivíduo é proativo, então o seu motivo primário poderá ser a auto-proteção como resposta ao medo ou por outro lado, a cooperação como resposta a uma orientação para o outro. No primeiro caso, o indivíduo poderá adotar comportamentos de voz e silêncio defensivos. Já no segundo caso ele poderá adotar comportamentos de voz e silêncio prosociais. Apesar do modelo apresentado pelos autores comtemplar tanto comportamentos de voz como de silêncio, os autores distinguem-nos como constructos independentes sendo que o presente estudo adota esta proposta estudando exclusivamente o silêncio dos colaboradores. Assim, o silêncio é entendido como um constructo tridimensional composto por uma dimensão submissa, uma dimensão defensiva e uma dimensão prosocial (Van Dyne et al., 2003).

No seguimento do modelo conceptual proposto, os autores propuseram uma escala composta por 15 itens divididos em três subescalas que medem as três dimensões do silêncio. Cada subescala tem uma terminologia semelhante variando o motivo que leva o indivíduo em escolher reter informação. Veja-se como exemplo um item original correspondente a cada subescala “This employee keeps any ideas for improvement to him/herself because he/she has low self-efficacy to make a difference” (Silêncio Submisso), “This employee avoids expressing ideas for improvements, due to self-protection” (Silêncio Defensivo) ou “This employee refuses to divulge information that might harm the organization” (Silêncio Prosocial). Apesar de a escala não ter sido testada empiricamente pelos autores, tem sido fortemente utilizada, seja na sua versão original seja através de adaptações como sugerem os estudos abaixo apresentados.

Sobre os estudos que se basearam na proposta original de Van Dyne et al. (2003) (Tabela 1) é possível verificar uma maior incidência da utilização desta escala em Portugal e na Turquia. Os resultados sugerem uma boa consistência interna das três dimensões do silêncio, independentemente do contexto onde é aplicado. Denota-se também uma elevada correlação entre as dimensões submissa e defensiva do silêncio tendo os autores optado por duas alternativas distintas. Enquanto que Acaray e Akturan (2015), Yürür e Yeloğlu (2016) não fazem qualquer referência a esta situação, mantendo a proposta tridimensional de Van Dyne et al. (2003), Sabino (2015) e Sabino, Nogueira e Cesário (2019) reespecificam o modelo original de Van Dyne et al. (2003) chegando a uma solução bidimensional onde a dimensão submissa e defensiva são agregadas numa só.

 

 

Foram também identificados estudos que optam por adaptar a proposta de Van Dyne et al. (2003) (Tabela 2). A primeira nota a ter em conta prende-se com o facto de se identificarem mais estudos e estudos realizados em diferentes zonas geográficas. Tangirala e Ramanujam (2008) consideram o silêncio como um constructo unidimensional. Os autores partem da proposta de Van Dyne et al. (2003) propondo um instrumento de medida inteiramente adaptado ao contexto onde o estudo foi aplicado – área da saúde – e que visava capturar o silêncio dos colaboradores (enfermeiros) relativamente à segurança dos pacientes.

 

 

Verifica-se também a existência de estudos que utilizam certas dimensões de Van Dyne et al. (2003). Dedahanov e Rhee (2015) utilizam exclusivamente o silêncio submisso e defensivo justificando que pretendem estudar apenas as dimensões do silêncio que afetam negativamente as organizações. Já Kiewitz, Restubog, Shoss, Garcia e Tang (2016) utilizam apenas a natureza defensiva do silêncio, não tendo sido identificada qualquer justificação para a não utilização das restantes dimensões. Verifica-se também casos de autores que optam por utilizar certas dimensões propostas por Van Dyne et al. (2003) acrescentado outras. Veja-se o caso de Deniz et al. (2013) que acrescenta às três dimensões de Van Dyne et al. (2003) uma quarta – o silêncio de proteção

 

Método

De forma a dar resposta aos objetivos de estudo, foram realizados dois estudos distintos, tendo-se optado por dividir a amostra em três subamostras aleatórias e de dimensão equivalente.

O estudo 1 visa em primeiro lugar explorar a estrutura dos dados obtidos com uma população portuguesa. Apesar da estrutura poder ser a do modelo proposto por Van Dyne et al. (2003) a sua instabilidade em outras aplicações deixa esta questão ainda em aberto. Assim abordamos primeiramente com uma perspetiva exploratória a estrutura da medida adaptada, apresentando os resultados da análise fatorial exploratória (AFE), dos dados recolhidos na primeira sub amostra. Seguidamente testámos através de Análise Fatorial Confirmatória (AFC) se esta estrutura de ajustava a qualquer dos modelos teóricos revistos na literatura nomeadamente o modelo tridimensional de Van Dyne et al (2003) bem como os modelos bidimensionais de Pinder e Harlos (2001), Wang e Hsieh (2014) e Sabino (2015) e a perspetiva unidimensional proposta por Tangirala e Ramanujam (2008). Depois de gerado o modelo fatorial foi avaliada a validade convergente. Para tal, foi solicitado a parte da amostra geral (n=303) que, para além da escala de Van Dyne et al. (2003), preenchesse também uma segunda escala correspondente à medida proposta por Knoll e Van Dick (2013). Estas duas medidas medem o mesmo constructo – silêncio dos colaboradores – permitindo verificar em que medida as respetivas dimensões estão relacionadas entre si (Netemeyer, Bearden, & Sharma, 2003). Depois de confirmado o modelo fatorial que melhor se ajusta aos dados, o estudo 2 tem como finalidade testar a invariância do modelo fatorial gerado no estudo anterior. Para tal recorreu-se às restantes duas subamostras.

 

Participantes

A amostra total é constituída por 1328 participantes, dos quais 61,6% são do sexo feminino e 37,3% do sexo masculino. Em média, os participantes do estudo têm 37.3 anos (desvio-padrão=12.3), com uma idade mínima de 18 anos e máxima de 78 anos, pelo que 34.5% tem até 30 anos, 26.6% tem entre 31 e 40 anos, 22% entre 41 e 50 anos e 16.8% mais de 51 anos. Em termos de habilitações académicas, 33.5% têm o ensino secundário completo, 21.5% a Licenciatura, 32.5% o Mestrado e 12.5% já terminaram o Doutoramento. De notar que a presente amostra apresenta uma particularidade. Da totalidade dos participantes, 48% dos participantes têm uma ligação ao ensino superior público português, sendo docentes (54.9%) ou trabalhadores estudantes (45.1%) em áreas das ciências sociais. Os restantes 52% dos participantes da totalidade da amostra são trabalhadores que atuam em diferentes setores. Tendo em conta a totalidade da amostra bem como a finalidade deste estudo, obteve-se um rácio participante/item de 88:1 sendo este valor superior aos valores recomendados na literatura (Hill & Hill, 2012; Marôco, 2014).

Tendo-se dividido a amostra geral por três amostras aleatórias, obteve-se uma subamostra 1 com 445 participantes, uma subamostra 2 com 443 participantes e uma subamostra 3 com 440 sujeitos, garantindo um rácio de participante/item de aproximadamente 29:1.

 

Instrumento

 

Silêncio dos Colaboradores. Foi utilizado o questionário proposto por Van Dyne et al. (2003) composto por quinze afirmações (Tabela 3), cinco respeitantes à dimensão prosocial, cinco à dimensão defensiva e cinco referentes à dimensão de submissão (Tabela 1). Os itens são avaliados tendo em conta uma escala de resposta de tipo Likert de 7 pontos onde (1) corresponde a Discordo Totalmente e (7) a Concordo Totalmente. Foram também incluídas algumas questões de caracterização sociodemográfica da amostra nomeadamente o sexo, a idade e as habilitações literárias. Para o estudo da validade convergente, foi utilizada a escala de Knoll e Van Dick (2013) composta por 20 itens, 5 para cada forma de silêncio (defensivo, submisso, prosocial e oportunista).

 

 

Seguindo as recomendações de Hinkin (1998), o questionário originalmente na língua inglesa foi traduzido para a língua portuguesa. Apesar da escala não estar devidamente validada para Portugal, foi traduzida para português por Rego (2013), para fins académicos. Adicionalmente, foi realizada a tradução da escala original para português, utilizando para isso o método de tradução/retroversão. Os resultados obtidos foram comparados com a escala proposta por Rego (2013) permitindo, assim, uma tradução mais fiável da escala final aqui proposta. Seguidamente, foi solicitado a um grupo de peritos a análise da adequabilidade da escala, ou seja, se os itens realmente medem o que é suposto medirem. Foi realizado também um pré-teste seguido de focus-group com vista à discussão sobre a adequabilidade da escala proposta.

 

Procedimento

A versão final do questionário é composta por três partes. Na primeira parte introdutória, foram clarificados os objetivos do estudo sendo os participantes convidados a responder enfatizando-se a garantia de confidencialidade de respostas e a não existência de respostas certas ou erradas. A segunda parte do questionário correspondia à escala do silêncio dos colaboradores e a última parte às questões sociodemográficas. A recolha de dados foi realizada por intermédio de um método misto variando entre a aplicação presencial em papel e a aplicação on-line. No caso da aplicação em papel, os questionários foram distribuídos pelos investigadores nos locais de trabalho dos participantes juntamente com um envelope. Depois de preenchido, o questionário deveria ser colocado no envelope selado e deixado ao cuidado dos investigadores. Na impossibilidade dos questionários serem entregues em papel, optou-se por enviar, via email, um link com o questionário, tendo-se recorrido à plataforma Survey Monkey. Em ambas metodologias de aplicação garantiu-se a máxima conformidade entre as duas metodologias de recolha de dados. Os dados foram recolhidos entre os anos de 2015 e 2017.

 

Resultados

 

Estudo 1 – Validade Fatorial e Convergente

Numa primeira fase foi realizada uma Análise Fatorial Exploratória (AFE) que visa compreender a estrutura latente de cada constructo, tendo-se optado pela estimação por máxima verosimilança (Maximun Likelihood) e pela rotação oblíqua Promax (Hair, Black, Babin, & Anderson, 2010). Os resultados apontam para uma solução bidimensional onde as dimensões submissa e defensiva saturam na mesma dimensão. Esta solução explica 47.7% da variância.

Seguidamente, realizou-se uma análise fatorial confirmatória (AFC) pelo que esta técnica visa estudar em que medida os dados se ajustam ao modelo teórico proposto (Hair et al., 2010; Marôco, 2014; Salgueiro, 2007). Através do programa LISREL 8.0 a AFC foi realizada tendo-se optado pelo método Robust Maximum Likelihood e numa solução completamente estandardizada (Hair et al., 2010; Salgueiro, 2007). Foram considerados os seguintes indicadores de bondade de ajustamento com respetivos valores de referência – RMSEA≤.07; GFI≥.9; CFI≥.9; menor valor AIC; χ²/df≤3 (Hair et al., 2010). Recorrendo à subamostra 1 (n=445) partiu-se do modelo teórico de três fatores verificando-se que, apesar do modelo apresentar um bom ajustamento (RMSEA=.07; GFI=.92; CFI=.98; AIC=3677.08; χ²/df=1.5) uma elevada correlação entre as dimensões submissa e defensiva (r=.98, p<.05) sugerem que as duas dimensões medem o mesmo motivo do silêncio. Tendo como suporte teórico (e.g., Pinder & Harlos, 2001; Sabino, 2015; Wang & Hsieh, 2014) estudos que se baseiam na bidimensionalidade do silêncio dos colaboradores, optou-se por testar a solução bidimensional que junta as dimensões defensiva e submissa. Esta solução bidimensional encontrada também apresenta um ajustamento adequado (RMSEA=.07; GFI=.92; CFI=.98; AIC=3676.39; χ²/df=1.5). Por este facto, foi realizado o teste do Qui-Quadrado verificando-se que (Δχ²=2.3, Δdf=2, p=.05) não existem diferenças estatisticamente significativas entre os modelos. Relativamente a este modelo a 2 fatores, verifica-se uma correlação significativa e negativa (r=-.28, p<.05) entre as duas dimensões – prosocial e defensiva/submissa. Apesar do modelo apresentar um bom ajustamento, foram também analisados os valores respeitantes aos índices de modificação dos diferentes itens verificando-se valores elevados o que sugeria uma necessidade em especificar o modelo (Hair et al., 2010). Chegou-se assim a uma solução final composta por duas dimensões cada uma delas formada por 4 itens (Dimensão prosocial – SP_1, SP_6, SP_10, SP_12 e Dimensão Submissa/Defensiva – SD_2, SD_8, SD_11, SS_14). As duas dimensões correlacionam-se negativamente e significativamente, no entanto com uma intensidade baixa (r=-.24, p<.05) Esta solução apresenta um excelente ajustamento (RMSEA=.04; GFI=.97; CFI=.99; AIC=2321.88; χ²/df=1.1). Foi também realizado o teste do Qui Quadrado no sentido de perceber se os modelos bidimensionais, com a totalidade dos itens e o modelo reespecificado para 8 itens, apresentavam diferenças estatisticamente significativas, verificando-se que os modelos são estatisticamente distintos (Δχ²=119.39, Δdf=70, p=.05).

Tendo em conta que foram também identificados estudos que abordam o silêncio como um constructo unidimensional, optou-se também por testar esta solução tendo os resultados sugerido um ajustamento desadequado (RMSEA=.15; GFI=.71; CFI=.86; AIC=4343.60; χ²/df=5.4) reforçando a multidimensionalidade do constructo. Da análise conjunta dos diferentes modelos fatoriais testados chegou-se à conclusão que o modelo a dois fatores reespecificado com quatro itens para cada dimensão (Figura 1) é aquele que melhor se ajusta aos dados denotando-se que todos os itens apresentam factor loadings superiores a .5 como sugere a literatura (e.g., Hair et al., 2010).

 

 

Relativamente à consistência interna da escala recorreu-se ao Alfa de Cronbach (α>.7) (Hair et al., 2010; Marôco, 2014; Salgueiro, 2007). Os resultados sugerem que a escala apresenta boa consistência interna na medida em que em cada dimensão os resultados são aceitáveis e iguais (Silêncio Prosocial α=.75 e Silêncio Submisso/defensivo α=.70) (Tabela 4).

 

 

A validade convergente foi medida recorrendo à sub amostra (n=303) onde foram aplicadas as duas medidas que medem o mesmo constructo (Knoll & Van Dick, 2013; Van Dyne et al., 2003) de forma a analisar em que medida as respetivas dimensões estão relacionadas entre si (Netemeyer et al., 2003). Para a medida de Knoll e Van Dick (2013) foi utilizado o mesmo procedimento tendo-se chegado a uma solução fatorial também composta por duas dimensões – submissa/defensiva/oportunista e prosocial – (RMSEA=.05; GFI=.97; CFI=1; AIC=1433.41; χ²/df=1). Os resultados sugeriram a validade convergente pelo que para ambas as medidas, as dimensões com naturezas semelhantes (prosocial e defensiva/submissa) correlacionam-se moderadamente e significativamente (Tabela 5).

 

 

 

Estudo 2 – Estudo da Invariância da Medida de Van Dyne et al. (2003)

De forma a confirmar se esta medida é invariante em Portugal, utilizaram-se duas subamostras aleatórias (subamostra 1=443 e subamostra 2=440) a fim de testar se o modelo se mantinha invariante. Antes de se proceder à análise multigrupos realizou-se uma AFC do modelo final (modelo bifatorial composto por 4 itens da dimensão correspondente ao silêncio prosocial e restantes 4 itens para a dimensão que corresponde à agregação da dimensão defensiva/submissa) para cada uma das subamostras. Nas duas subamostras os modelos apresentam bons ajustamentos (subamostra 1: RMSEA=.04; GFI=.98; CFI=.99; χ²/df=1.6 e subamostra 2: RMSEA=.04; GFI=.98; CFI=.99; χ²/df=1.6). Foi testada a hipótese nula da invariância do modelo tendo os resultados confirmado a invariância do modelo final em amostras aleatórias, indicativo da estabilidade da medida reespecificada em Portugal (Δχ²=6.78, Δdf=9, p=.05).

 

Discussão

O presente estudo teve como objetivo estudar a validade fatorial e a invariância da medida do silêncio dos colaboradores de Van Dyne et al. (2003) para a realidade portuguesa. Recorrendo a uma análise da literatura existente verificou-se que, apesar da definição do constructo ser consensual na comunidade académica, assiste-se uma volatilidade seja nas medidas utilizadas, seja na estrutura fatorial do próprio constructo. Desta forma, partiu-se da medida proposta por Van Dyne et al. (2003) e os resultados sugeriram que, em Portugal, este modelo tem uma estrutura fatorial composta por dois fatores. Por um lado, uma dimensão caracterizada pela proteção, cooperação entre o indivíduo e a organização e por outro, uma dimensão que revela afastamento e desvinculação do indivíduo para com a organização. Esta segunda dimensão identificada em Portugal é composta pelas dimensões defensivas e submissas propostas inicialmente por Van Dyne et al. (2003). Note-se que estudos empíricos realizados em Portugal (Sabino, 2015), Turquia (Acaray & Akturan, 2014), India (Fatima et al., 2017) também sugerem que estas dimensões, defensiva e submissa, tenham o mesmo significado. Relativamente à bidimensionalidade da medida, autores como Pinder e Harlos (2001) ou Wang e Hsieh (2014) também atestam esta conclusão. Enquanto que Pinder e Harlos (2001) sugeriram duas dimensões que espelham ambas uma reação de cariz negativo, Wang e Hsieh (2014) apresentam uma proposta que está na linha dos resultados obtidos, considerando que o colaborador não retém informação unicamente motivado por questões de tipo destrutivo, mas que em determinadas situações, ele pode optar por reter a sua opinião porque esta decisão é benéfica para a organização.

Importa analisar assim cada uma das novas dimensões à luz da sua denominação e considerando também a realidade portuguesa e os resultados obtidos. Parte-se de uma conceção de que o silêncio se refere à decisão intencional e deliberada do indivíduo em reter informação importante para a organização. Em Portugal, esta retenção poderá ser motivada por fatores originários de aprovação e consentimento do indivíduo em relação à organização e ao grupo de trabalho ou por fatores originários de uma repressão do indivíduo em relação à organização. Esses fatores poderão ser a resignação, o medo, a própria submissão em relação à organização. No primeiro caso, está-se perante uma dimensão onde o indivíduo opta pelo silêncio por querer cooperar com a organização ou até mesmo por querer ser reconhecido por ela. Tendo em conta a etimologia das palavras, optou-se por renomear esta dimensão, passando a denominá-la de silêncio de adesão (silêncio prosocial de Van Dyne et al., 2003), dado que «“adesão” vem do Latim ADHAERERE, “unir-se, juntar-se a”, formado por AD, “a”, mais HAERERE, “colar-se, unir-se, grudar-se”». Por outro lado, a dimensão baseada em fatores destrutivos como o medo, resignação, submissão foram incluídos numa dimensão denominada de silêncio de rejeição na medida em que «REJEIÇÃO – do Latim reicere, “atirar de volta”, formado por re-, “de volta, para trás”, mais jacere, “jogar, atirar”». Assim, a rejeição surge no sentido de “atirar para trás” como o ditado português “Atirar para trás das costas” que quer dizer que a pessoa não quer saber, quer esquecer, não quer enfrentar algo.

Depois de confirmada a validade fatorial e convergente da medida para Portugal, foi testada a invariância do modelo, tendo-se verificado que, apesar de se verificar volatilidade da mesma noutros países, esta medida apresenta invariância em Portugal. Desta forma, os resultados reforçam a complexidade em estudar este constructo visto ser volátil em diferentes contextos/culturas mas estável na sua estrutura em Portugal.

Estes resultados sugerem assim a necessidade de que realizarem estudos futuros sobre o tema, nomeadamente pela eventual influência que a cultura poderá assumir nestes fenómenos (Hofstede, 2001). Note-se que se tem verificado um desenvolvimento do tema em países com características culturais distintas a Portugal (caso da Índia, Turquia, EUA) o que poderá ser uma justificação para não se ter confirmado o modelo inicial proposto por Van Dyne et al. (2003). Coloca-se a questão se países com características culturais mais similares a Portugal (como é o caso do Brasil, Espanha, França, Itália) apresentam também uma estrutura bifatorial.

Outra limitação identificada prende-se com o facto de não se ter acrescentado outras variáveis à análise, nomeadamente antecedentes ou consequentes. Tendo em conta que o estudo do silêncio em Portugal é ainda reduzido, a realização de investigações sobre possíveis determinantes e consequências deste construto permitiriam obter um conhecimento mais abrangente da manifestação do fenómeno em Portugal. Particularmente, surge a necessidade de estudar as consequências dos indivíduos se manterem em silêncio, tendo em conta as suas duas naturezas. Enquanto que as consequências do indivíduo permanecer em silêncio de rejeição tendem a ser clara e associadas a custos pessoais e empresariais (Perlow & Williams, 2003) as consequências do silêncio de adesão não são tão claras, levantando-se a questão se poderá originar fenómenos de pensamento grupal ou/e uma pressão de consenso (Perlow & Williams, 2003).

Este estudo apresenta relevância científica e para a gestão. Científica porque contribuiu para um conhecimento mais aprofundado deste fenómeno na realidade portuguesa em particular na aplicabilidade da medida proposta por Van Dyne et al. (2003) neste contexto particular. Para a gestão, o presente estudo reforça a necessidade dos gestores estarem atentos a esta dualidade de silêncios que se observa em Portugal, atribuindo-lhes significado e agindo em conformidade. Mais, importa também que os gestores façam uma reflexão sobre os seus próprios comportamentos, nomeadamente no estilo de comunicação utilizado (Perlow & Williams, 2003), levantando-se a questão se este poderá influenciar a decisão dos colaboradores em reter, ou não informações, sugestões, ideias ou opiniões importantes para a organização.

 

Referências

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Sabino, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: asabino@ispa.pt

 

Submissão: 27/08/2018 Aceitação: 15/04/2019

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