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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.35 no.3 Lisboa set. 2017

https://doi.org/10.14417/ap.1183 

Satisfação com a vida em pessoas seropositivas ao vírus da SIDA

Sara Duque1, Ana Catarina Reis2, Leonor Queirós e Lencastre1, Marina Prista Guerra1

1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

2Escola Superior de Saúde do Porto, Politécnico do Porto / Escola Superior de Saúde de Santa Maria

Correspondência

 

RESUMO

O principal objetivo deste estudo consiste em compreender algumas variáveis envolvidas na satisfação com a vida na Infeção VIH/SIDA, e determinar um modelo preditor da mesma. É um estudo descritivo desenvolvido com uma amostra de 40 adultos com diagnóstico de Infeção VIH/SIDA, sendo 62,5% homens. Os instrumentos utilizados foram: Questionário sociodemográfico e clínico, Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), Escala de Sentido de Vida, Escala de Satisfação com a Vida e Brief-Cope. Os resultados obtidos sugerem que não existem diferenças nas caraterísticas sociodemográficas e clínicas em relação à satisfação com a vida. Contudo, verificou-se a existência de associações entre a satisfação com a vida e o sentido de vida, o mal-estar psicológico e o coping. O modelo preditor da satisfação com a vida contempla o mal-estar psicológico e o sentido de vida, é significativo e explica 33.1% da variância. A intervenção psicológica junto desta população deve contemplar estes fatores, promovendo a perceção da satisfação com a vida, facilitando o sentido de vida, respostas de coping positivas e diminuindo o mal-estar psicológico de forma a promover a adaptação à doença.

Palavras-chave: Satisfação com a vida, Sentido de vida, VIH/SIDA, Mal-estar psicológico, Coping.

 

ABSTRACT

The main objective of this study is to analyze some variables related to life satisfaction in VIH/SIDA Infection. We intend to observe associations between socio-demographic characteristics, clinical, and psychological variables as the meaning in life, distress and problem-solving responses (coping) with life satisfaction. This is a descriptive study conducted with a sample of 40 adult patients diagnosed with VIH/SIDA Infection. The instruments used were Questionnaire characterization of the sample, Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), Meaning in Life Scale, Satisfaction with Life Scale and Brief-Cope. The results suggest that there are no differences in sociodemographic and clinical characteristics in relation to life satisfaction. However, we found the existence of associations between life satisfaction and meaning in life, distress and coping. The model to predict life satisfaction contemplates distress and meaning in life, and explains 33.1% of variance. Psychological intervention with this population should consider these factors facilitating life meaning, positive coping responses and decreasing the distress in order to promote adaptation to disease.

Key words: Life satisfaction, Meaning in life, VIH/SIDA, Distress, Coping.

 

Introdução

A infeção pelo VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana) começou por ser identificada no início dos anos 80, passando mais tarde a ser conhecida por Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA (Guerra, 1998; Pires, 2006). A sua transmissão pode ser efetuada pelas vias sexual, sanguínea e transmissão vertical (da mãe para o filho). De acordo com a World Health Organization [WHO] (2013) estima-se que aproximadamente 34 milhões de pessoas estejam infetadas com este vírus.

O VIH continua a ser um dos mais importantes desafios de saúde pública no mundo (WHO, 2013), não só pelas implicações físicas e psicológicas inerentes aos seus portadores, mas também por ser uma doença rejeitada pela sociedade em geral, apresentando uma grande estigmatização. De acordo com Greeff e colaboradores (2010) a perceção dessa estigmatização por parte das pessoas infetadas está associada a uma menor satisfação com a vida. Alguns estudos constataram que a ansiedade e a depressão são diagnósticos frequentes em pessoas com VIH (Gonzalez, Zvolensky, Parent, Grover, & Hickey, 2012; Hand, Phillips, & Dudgeon, 2006) contribuindo para o seu mal-estar psicológico (Bing et al., 2001). Para além disso, a ansiedade e a depressão parecem ter um impacto negativo no processo de adaptação à doença (Ribeiro et al., 2007), comprometendo o bem-estar e a própria satisfação com a vida (Bello, Steffen, & Hayashi, 2011). Neste sentido, neste estudo propusemo-nos estudar a satisfação com a vida em doentes com VIH, bem como algumas variáveis que com ela parecem estar relacionadas – sentido de vida, mal-estar psicológico e coping (Park, Park, & Peterson, 2010).

A satisfação com a vida pode ser definida como a avaliação global dos diferentes aspetos da qualidade de vida, sendo baseada na experiência pessoal e implicando um juízo cognitivo sobre os diferentes domínios da vida pessoal (Diener, 1994). Um elevado nível de satisfação com a vida parece contribuir positivamente para o bem-estar geral e para a qualidade de vida (Gomes, Borges, Lima, & Farinatti, 2010; Heckman, 2003), o que por sua vez poderá contribuir para uma adaptação bem-sucedida no contexto da infeção pelo VIH (Buseh, Kelber, Hewitt, Stevens, & Park, 2006). Por outro lado, a satisfação com a vida parece apresentar uma relação negativa quer com a ansiedade quer com a depressão (Sanjuán, Ruiz, & Pérez, 2011), mas uma relação positiva com o sentido de vida (Park et al., 2010).

De acordo com Guerra (1998, p. 107) o sentido de vida refere-se a «um propósito, uma razão que faça o indivíduo mover-se e não estagnar». Alguns autores também referem que o sentido de vida está positivamente associado ao bem-estar, à satisfação com a vida, à felicidade e a uma menor prevalência da depressão (Heintzelman & King, 2014; Park et al., 2010) nomeadamente na vivência do VIH (Farber, Lamis, Shahane, & Campos, 2014), prevalecendo o stress, os afetos negativos, a desorientação e o desespero para aqueles com menor sentido de vida (Jim & Andersen, 2007). O sentido de vida parece também estar positivamente relacionado com estratégias de coping de sucesso, podendo funcionar como um facilitador para um coping positivo e para a resiliência emocional (Auhagen, 2000).

Quando falamos de coping queremos referir-nos aos pensamentos e comportamentos que o indivíduo utiliza para se regular e lidar com a adversidade. Este processo inicia-se com uma avaliação individual do significado de um evento stressante e com a perceção dos recursos de coping adequados e disponíveis (Johnson & Neilands, 2007; Moskowitz & Wrubel, 2005). Uma das estratégias de coping que se baseia na reavaliação positiva parece estar associada a melhores resultados de coping nos indivíduos com VIH, levando à adoção de comportamentos que promovem um melhor estado de saúde (Moskowitz, Hult, Bussolari, & Acree, 2009). A adoção de estratégias de coping religiosas também parece associar-se a elevados níveis de bem-estar (Trevino et al., 2010). Foi verificado ainda que estas estratégias de coping parecem constituir um forte preditor da satisfação com a vida (Büssing, Ostermann, Neugebauer, & Heusser, 2010). As estratégias de coping baseadas no evitamento (Brincks, Feaster, & Mitrani, 2010) e na cognição (Tartakovsky & Hamama, 2012) parecem contribuir para uma maior sintomatologia depressiva e de ansiedade. Um estudo recente de Mudgal e Tiwari (2015) em doentes com VIH/SIDA verificou que a satisfação com a vida parece estar relacionada com o Self-forgiveness (auto-perdão).

Neste sentido, o principal objetivo deste estudo é a análise de variáveis associadas à satisfação com a vida na Infeção VIH/SIDA, entendendo a satisfação com a vida como uma forma positiva de adaptação psicológica à doença. Essas variáveis são: o sentido de vida, o mal-estar psicológico e o coping. Pretendemos ainda contribuir para a construção de um modelo preditor da satisfação com a vida, encarada como um fator de adaptação à doença no contexto da infeção pelo VIH/SIDA.

 

Método

 

Participantes

Entre o número de participantes (n=40), 62.5% são do género masculino, o intervalo de idades com mais participantes situa-se entre os 30-39 anos (32.5%) e os 50-59 anos (32.5%), a grande maioria (97.5%) é de nacionalidade portuguesa e distribuem-se essencialmente pela cidade do Porto (52.5%), zona urbana (87.5%), 42.5% são solteiros e 32.5% completaram o 1º Ciclo de estudos. Quanto à profissão/ocupação 52.5% da amostra está desempregada e 65% vive com a família nuclear (cônjuge/companheiro(a) e/ou filhos). A maioria dos sujeitos está infetado pelo vírus tipo 1 (97.5%) e 82.5% está a tomar a medicação anti-retrovírica. Mais detalhes acerca da caraterização sociodemográfica e clínica dos participantes estão apresentados na Tabela 1.

 

 

 

Instrumentos

 

Questionário de Caraterização da Amostra. Este questionário incluiu informação acerca do perfil sociodemográfico: género, idade, nacionalidade, local de residência, estado civil, profissão/ocupação, escolaridade e composição do agregado familiar; e clínico, tipo vírus e toma da medicação anti-retrovírica.

 

Satisfaction with Life Scale. Esta escala foi desenvolvida por Diener, Emmons, Larsen e Griffin (1985), tendo sido adaptada para a população portuguesa por Neto (1993). É apresentada em cinco itens sob a forma de escala de resposta tipo Likert de sete pontos, variando entre 5 e 35. Neste estudo, o alfa de Cronbach é de 0.76.

 

Escala de Sentido de Vida. Esta escala é da autoria de Guerra (1992; Guerra, Lencastre, Silva, & Teixeira, 2015) e é constituída por sete itens, apresentados sob a forma de respostas de tipo Likert com cinco opções: 1 – “Concordo muito”, 2 – “Concordo”, 3 – “Não tenho a certeza”, 4 – “Discordo” e 5 – “Discordo muito”. A cotação é atribuída de 1 a 5 para cada pergunta e os resultados podem variar entre 7 e 35. Numa amostra constituída por 200 participantes diagnosticados com cancro coloretal, o coeficiente de alpha de Cronbach obtido para a escala Sentido de Vida foi de 0.76 (Guerra et al., 2015), o que representa um valor satisfatório indicando a precisão do instrumento. No presente estudo, o alfa de Cronbach é de 0.85.

 

Hospital Anxiety and Depression Scale. A HADS foi desenvolvida por Zigmond e Snaith em 1983, tendo sido traduzida e adaptada para a população portuguesa por Ribeiro e colaboradores (2007). É constituída por 14 itens e a soma fornece um resultado total com um alpha de Cronbach elevado (0.91) que mede a soma da ansiedade e da depressão denominado distress, conceito esse que ao longo do artigo é referido como “mal-estar psicológico”.

 

Brief-Cope. Esta escala pretende medir as propriedades individuais das estratégias de coping. Foi construída por Carver, Scheier e Weintraub em 1989 e traduzida e adaptada por Ribeiro e Rodrigues (2004). É constituída por 28 itens e as respostas dadas são do tipo Likert. O Brief-Cope é composto por 14 subescalas, cada uma constituída por dois itens. As subescalas que o compõem são (alphas de Cronbach entre parênteses para o presente estudo): Coping Ativo (0.64), Planear (0.58), Utilizar Suporte Instrumental (0.72), Utilizar Suporte Social Emocional (0.72), Religião (0.97), Reinterpretação Positiva (0.63), Auto-culpabilização (0.79), Aceitação (0.62), Expressão de Sentimentos (0.61), Negação (0.73), Auto-distração (0.48), Desinvestimento Comportamental (0.88), Uso de substâncias (0.98) e Humor (0.77). Uma vez que as subescalas “Planear” e “Auto-distração” não mostraram uma boa consistência interna, não as consideramos nas análises posteriores.

 

Procedimentos

Os dados foram recolhidos entre Janeiro e Abril de 2014 e o preenchimento do protocolo de investigação, junto dos utentes do Hospital Joaquim Urbano (Porto), foi realizado no final das consultas externas do serviço de Psicologia do referido hospital e na Associação ABRAÇO (Porto). O estudo obteve parecer favorável da Comissão de Ética e do Conselho de Administração pelo Secretariado dos Estudos de Investigação do Centro Hospitalar do Porto. Foi fornecido um Folheto Informativo, que continha os objetivos do estudo, e o papel dos participantes, tendo sido sublinhada a participação voluntária, a questão da confidencialidade, bem como as indicações de preenchimento e espaço para esclarecer possíveis dúvidas.

 

Resultados

 

Caraterização das variáveis psicológicas satisfação com a vida, sentido de vida, mal-estar-psicológico e coping

A média das respostas obtidas na escala Satisfação com a vida foi 20.3 (DP=6.7), sendo inferior à média da população normal sem doença (24.1 e DP=6.7) (Neto, 1993). Na escala Sentido de vida a média foi de 23.8 (DP=5.2), sendo inferior à média da população normal sem doença (28.10, DP=3.93) e na escala HADS de Ansiedade e Depressão foi de 16.1 (DP=9.4). Este valor corresponde a um ponto de corte que sugere severidade dos sintomas relacionados com a ansiedade e a depressão, sendo superior ao intervalo compreendido entre 0 e 7 que prevê ausência de sintomatologia ansiosa e depressiva na população sem doença (Ribeiro et al., 2007). Na Tabela 2 são apresentadas as médias das respostas obtidas nos diferentes instrumentos de avaliação utilizados neste trabalho.

 

 

 

Relação entre sentido de vida, mal-estar psicológico e coping com a satisfação com a vida

Com o objetivo de analisar a relação entre as diferentes variáveis psicológicas e a satisfação com a vida determinaram-se os valores dos coeficientes de correlação momento produto de Pearson que se apresentam na Tabela 3.

 

 

A satisfação com a vida correlaciona-se positiva e significativamente com o sentido de vida sugerindo que quanto mais elevada for a pontuação na escala de sentido de vida melhor é a perceção de satisfação com a vida. Relativamente à associação entre satisfação com a vida e o mal-estar psicológico, a correlação é negativa e estatisticamente significativa sugerindo que as pontuações elevadas no instrumento de que avalia a ansiedade e a depressão (HADS) se associam a uma pior perceção da satisfação com a vida. Relativamente à satisfação com a vida e as escalas de coping podemos observar que dos 12 domínios, apenas 6 dimensões se correlacionam significativamente (cf. Tabela 3). Constatamos que a mais elevada se encontra entre a satisfação com a vida e a autoculpabilização. As escalas negação, uso de substâncias, expressão de sentimentos e autoculpabilização correlacionam-se negativamente com a satisfação com a vida, sugerindo que quanto mais elevadas forem estas pontuações menor será a perceção de satisfação com a vida. Quanto às restantes, estas correlacionam-se positivamente e de forma moderada com a satisfação com a vida.

Foi também nossa intenção estudar as diferentes relações estabelecidas entre as restantes variáveis psicológicas – sentido de vida, mal-estar psicológico e coping – e a força da correlação entre si (cf. Tabela 3).

Em relação à associação entre o sentido de vida e com os domínios do coping, é possível constatar que a reinterpretação positiva e a aceitação apresentam os valores mais elevados de correlação significativa e forte com o sentido de vida, ambos positivamente, indicando que estes domínios, quando presentes, favorecem a perceção do sentido de vida. Verificamos que o mal-estar psicológico se correlaciona forte, negativa e significativamente com o sentido de vida, indicando que quanto mais elevados forem os níveis de mal-estar psicológico menor será a perceção de sentido de vida.

Em relação ao mal-estar psicológico e aos domínios do coping, os mais elevados são a negação, que se correlaciona forte, positiva e significativamente com o mal-estar psicológico indicando que quanto maior for a negação mais altos serão os níveis de mal-estar psicológico, e a aceitação, que se correlaciona também de forma forte, negativa e significativamente com o mal-estar psicológico indicando que quanto maior é a aceitação menor são os níveis de mal-estar psicológico.

 

Modelo preditor de satisfação com a vida na infeção VIH/SIDA

O procedimento de regressão linear múltipla através do método “enter” foi conduzido para predizer a satisfação com a vida tendo por base alguns critérios específicos e as correlações preliminares apresentadas na Tabela 3. Escolhemos incluir neste modelo as variáveis mal-estar psicológico e sentido de vida, considerando que alguns estudos prévios associam estas três variáveis (Park et al., 2010), e também tendo em conta o valor das correlações encontradas neste estudo. Consideramos ainda que dado o número reduzido de participantes na nossa amostra, o modelo só poderia incluir duas variáveis independentes para predizer a satisfação com a vida. Por último, verificamos se entre o mal-estar psicológico e o sentido de vida não existia correlação superior a r=0.80 entre si, para se excluir a possibilidade de existir multicolineariedade (Pallant, 2001). Depois de cumpridos os pressupostos da regressão (Pallant, 2001), os resultados indicam que o modelo encontrado é significativo F(2,37)=9.17, p<0.01 e explica 33.1% da variância. Analisando individualmente as variáveis introduzidas no modelo, verificamos que o mal-estar psicológico apresenta uma contribuição única significativa (β=-.501, p<0.01), sendo por isso esta a variável que melhor permite explicar e prever a perceção da satisfação com a vida nos portadores de VIH/SIDA que integraram a nossa amostra. A relação entre as duas variáveis é negativa, isto é, quanto menor for a experiência de mal-estar psicológico, maior a perceção de satisfação com a vida. O sentido de vida não apresenta uma contribuição única para a predição da satisfação com a vida (β=0.11, p>0.05), podendo este facto ser explicado por uma sobreposição da influência desta variável com a influência do mal-estar psicológico no modelo de predição da satisfação com a vida.

 

Discussão e conclusão

Considerando o objetivo principal deste estudo que se prende com a análise da perceção de satisfação com a vida e sua relação com variáveis psicológicas como o sentido de vida, mal-estar psicológico e estratégias de coping em portadores do vírus VIH/SIDA, vamos debruçar-nos sobre a discussão dos resultados.

Vejamos em primeiro lugar os resultados médios obtidos nos diferentes instrumentos de avaliação em comparação com outros estudos de referência. Em relação à satisfação com a vida, a média obtida no nosso estudo (20.3) é inferior à encontrada no estudo de Neto (1993) com uma população saudável (24.1). Comparando com outros grupos de doentes, verificamos que também é inferior em doentes que sofreram acidente vascular cerebral (21.83) (Moreira, 2011) e mulheres com cancro da mama (27.96) (Fonseca, Lencastre, & Guerra, 2014). Estes resultados parecem sugerir que a vivência de uma doença como o VIH diminui a perceção de satisfação com a vida e dificulta a adaptação à doença (Heckman, 2003). Um dado curioso, é que, de acordo com um estudo desenvolvido em 2009 por Reis, Guerra e Lencastre (2013), a média observada da satisfação com a vida numa amostra de 154 pessoas seropositivas portuguesas, analisada por estádios de evolução da doença, foi inferior à do presente estudo, tendo-se verificado as seguintes médias nos portadores assintomáticos (16.55), sintomáticos (16.36) e com SIDA (14.11). Estes dados poderão ser indicadores de que os avanços nos tratamentos anti-retrovíricos, a crescente sensibilização em relação à doença (diminuindo a discriminação) e a disponibilidade de acompanhamento médico e de outros profissionais (psicologia, medicina dentária, nutrição, fisioterapia) contribuíram para uma melhoria no bem-estar e para a perceção de uma maior satisfação com a vida atualmente.

Comparamos os nossos resultados relativos à mesma escala de sentido de vida (23.8) com uma população oncológica e verificamos que a média das pessoas seropositivas é e inferior (cancro coloretal M=27.67 e cancro da mama M=28.09) (Guerra et al., 2015). Este resultado poderá sugerir que pessoas portadoras do vírus VIH sejam menos capazes de desenvolver os seus projetos de vida, devido ao impacto da doença nas suas vidas, necessitando eventualmente de intervenção psicológica para potenciar/melhorar esta dimensão que se revela fundamental na adaptação psicológica à doença.

Em relação ao mal-estar psicológico, a média na nossa amostra (16.1) é superior à do estudo de Meneses, Ribeiro, Silva e Giovagnoli (2008) com pessoas diagnosticadas com epilepsia focal (M=13.72). Estes resultados poderão sugerir que a vivência de uma doença crónica como o VIH poderá fazer com que indivíduo experiencie reações de ansiedade, stress ou depressão, reações essas que podem ter um impacto negativo no curso da doença.

Relativamente ao coping, verificamos que numa amostra de mulheres diagnosticadas com cancro da mama (Carver et al., 1993) as médias dos nossos resultados são superiores em todos os domínios apresentados. Mais especificamente, o coping aceitação foi o que obteve média mais elevada na nossa amostra (5.8) e que coincidiu com o valor mais elevado (3.7) na amostra no estudo de Carver e colaboradores (1993). Estes resultados poderão sugerir que um dos comportamentos mais adotados por estas pessoas portadoras de VIH para diminuir/eliminar o mal-estar psicológico ou as condições stressantes, é o de aceitação, ou seja, aceitar que o evento stressante ocorre, e é real (Ribeiro & Rodrigues, 2004). No mesmo sentido, comparando os resultados obtidos no presente estudo com os resultados obtidos numa amostra de doentes portugueses com lesão vértebra-medular (Ferreira & Guerra, 2014) verificou-se que as médias do presente estudo foram, na generalidade, superiores, sobretudo, a aceitação (5.8) e o coping activo (5.6) (que no estudo de Ferreira & Guerra, 2014, foram, respetivamente de 5.1 e de 4.67).

Da análise da relação entre a satisfação com a vida, o sentido de vida, o mal-estar psicológico e o coping, verificamos que o sentido de vida exerce uma influência positiva na satisfação com a vida (Park et al., 2010), e que esta última se correlaciona negativamente com o mal-estar psicológico (Bello et al., 2011), com comportamentos de coping desadaptativos (auto-culpabilização, expressão de sentimentos, negação e uso de substâncias) que dificultam a adaptação psicológica à doença e positivamente com estratégias de coping positivas (reinterpretação positiva e aceitação) (Büssing et al., 2010; Sung, Muller, Ditchman, Phillips, & Fong, 2013).

As estratégias de coping adaptativas e positivas (aceitação, reinterpretação positiva e coping ativo) revelaram uma relação positiva com a satisfação com a vida e com o sentido de vida, e uma relação negativa com o mal-estar psicológico. Estes dados vão ao encontro dos resultados do estudo de Park, Malone, Suresh, Bliss e Rosen (2008) que defende que estratégias de coping como aceitação e reinterpretação positiva se relacionam positivamente com o sentido de vida. Tendo em conta as correlações negativas obtidas entre o sentido de vida e algumas estratégias de coping, os nossos resultados parecem indiciar uma influência negativa dos processos de coping mais desadaptativos como a autoculpabilização, expressão de sentimentos, negação, desinvestimento comportamental e uso de substâncias sobre o sentido de vida. Como referimos previamente, Mudgal e Tiwari (2015) avaliaram o conceito de self-forgiveness em associação com a satisfação com a vida em doentes com VIH/SIDA e concluíram que a associação era positiva. Estes resultados são semelhantes aos encontrados por nós, se considerarmos que a autoculpabilização se relaciona negativamente com a satisfação com a vida. Era esperado que o mal-estar psicológico pudesse influenciar negativamente o sentido de vida (Jim & Andersen, 2007; Sherman & Simonton, 2012) e na realidade esses dados foram verificados no nosso estudo. Estratégias de coping desadaptativas parecem associar-se a uma maior experiência de mal-estar psicológico e menor satisfação com a vida. Estas estratégias parecem igualmente promover a negligência em relação ao estado de saúde, diminuindo os cuidados de saúde necessários e a adesão à terapêutica, uma vez que não existe confronto com a realidade (Ribeiro & Rodrigues, 2004). É de acrescentar ainda que a vivência de uma doença crónica como o VIH pode despoletar quadros de ansiedade e de depressão (distress) que têm um impacto negativo na evolução da doença, bem como na adaptação psicológica à mesma, tornando-se mais difícil para estas pessoas concretizar os seus projetos de vida (sentido de vida). Esses quadros de ansiedade e depressão podem também ser devidos à fraca aceitação e discriminação que esta doença tem por grande parte da sociedade. Todos estes fatores poderão contribuir para a diminuição da satisfação com a vida, como sugerido por Greeff e colaboradores (2010).

Por fim e analisando o valor preditivo do sentido de vida e do mal-estar psicológico em relação à satisfação com a vida através da regressão linear múltipla, verificamos que o modelo é significativo e que explica 33.1% da variância, sendo o mal-estar psicológico o único factor com contribuição única para a explicação da perceção da satisfação com a vida. Esta relação é negativa sugerindo que a experiência de depressão e ansiedade diminuem a satisfação com a vida em portadores do vírus VIH/SIDA. Apesar do sentido de vida não apresentar uma contribuição única na predição da satisfação com a vida, a literatura tem enfatizado o seu papel benéfico na satisfação com a vida (Fonseca et al., 2014; Park et al., 2010) e nos bons resultados de saúde associados à adesão terapêutica e mudanças no estilo de vida (Sherman & Simonton, 2012).

Podemos ainda sugerir outras variáveis, relacionadas com o sentido de vida como por exemplo a estratégia de coping autoculpabilização, que poderá ter uma contribuição na satisfação com a vida, mas que não pode ser introduzida neste modelo devido ao tamanho da amostra. Consideramos que seria muito interessante analisar o papel dessas variáveis num estudo futuro.

Os resultados deste estudo ressaltam a importância que algumas variáveis psicológicas têm na forma como as pessoas com VIH aceitam, lidam e se adaptam à doença. Os estados de ansiedade e depressão deveriam ser monitorizados, e o desenvolvimento de projetos e objetivos de vida reforçados. As respostas desadaptativas (negação, uso de substâncias, auto-culpabilização, desinvestimento comportamental) devem ser diminuídas e substituídas por respostas adaptativas, promovendo a melhoria do estado físico, psicológico e a adesão ao tratamento. Este estudo poderá constituir um alerta para a importância da aceitação do estatuto de seropositividade. Por outro lado e segundo Guerra (1998) e alguns teóricos humanistas, as crises em geral, e neste caso a infeção VIH poderá ser considerada como uma oportunidade de crescimento e aperfeiçoamento físico e psicológico, o que vai ao encontro dos benefícios da utilização de estratégias de coping como a reinterpretação positiva, favorecendo uma melhor perceção do sentido de vida (Auhagen, 2000; Jim & Andersen, 2007).

Este estudo apresenta algumas limitações. Trata-se um estudo exploratório e a amostra é reduzida, não sendo, por esse motivo, representativa da população seropositiva portuguesa. Nesta linha, sugerimos que futuros estudos tenham um desenho longitudinal e que as amostras sejam mais abrangentes procurando incluir portadores de VIH provenientes de diferentes instituições e zonas do país.

 

Referências

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Sara Duque, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto, Portugal. E-mail: saraduque@gmail.com

 

Submissão: 15/10/2015 Aceitação: 13/10/2016

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