SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.34 número4Cancro da mama vivido na relação mãe-filhos e na parentalidadeA multidimensionalidade da adaptação escolar na pré-adolescência índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.34 no.4 Lisboa dez. 2016

https://doi.org/10.14417/ap.912 

Porque é que pais e mães fumadores fumam dentro de casa?

José Precioso1, Ana Carolina Araújo1, Catarina Samorinha2, Cláudia Correia1

1Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga

2Instituto de Saúde Pública, Universidade do Porto, Porto

Correspondência

 

RESUMO

Este estudo pretende identificar os fatores que influenciam os pais fumadores a fumar ou não dentro de casa. Realizaram-se, por telefone, entrevistas semiestruturadas a 10 pais e 10 mães, de crianças do 4º ano de escolaridade, fumadores que fumavam em casa, e a 10 pais e 10 mães fumadores, mas que não o faziam em casa. A análise de conteúdo mostrou que a preocupação com a saúde dos filhos e o mau cheiro foram os principais motivos mencionados pelos progenitores para não fumarem no domicílio. A comodidade e as condições meteorológicas foram as principais razões dos progenitores para fumarem no domicílio. Os pais fumadores que não fumam em casa parecem ter maior consciência dos riscos de fumar no domicílio para a saúde dos filhos, enquanto que os pais que fumam no domicílio fazem-no essencialmente por comodismo e desconhecimento aparente das consequências negativas desse comportamento. Deverá ser prioridade da educação para a saúde melhorar o conhecimento dos pais sobre as consequências da exposição ao fumo passivo. É indispensável que os profissionais de saúde das várias especialidades se envolvam no tratamento da dependência tabágica, promovendo a cessação tabágica dos pais, sendo esta a via mais segura para garantir casas livres de fumo.

Palavras-chave: Consumo de tabaco no domicílio, Determinantes, Prevenção.

 

ABSTRACT

This study aims to identify the factors influencing smoking parents to smoke or not to smoke at home. Semi-structured interviews were held by phone with parents of children in the 4th grade: 10 smoking fathers and 10 mothers who smoked at home, and 10 smoking fathers and 10 mothers who did not smoke at home. The content analysis revealed that concern about the health of children and the bad smell were the main reasons mentioned by parents not to smoke at home. The comfort and weather conditions were the main reported reasons to smoke at home. Smoking parents who smoke at home seem to have greater awareness of the risks of smoking indoors to the health of children while parents who smoke at home do it mainly for comfort and apparent ignorance of the negative consequences of that behavior. The improvement of parental knowledge about the consequences of exposure to secondhand smoke should be a priority of health education. It is essential that health professionals of different specialties are involved in the treatment of tobacco dependence, promoting smoking cessation among parents, which is the safest way to ensure the creation of smoke-free homes.

Key words: Smoking at home, Determinants, Prevention.

 

Introdução

A exposição das crianças ao Fumo Ambiental do Tabaco (FAT) está associada a graves problemas para a sua saúde, tais como: maior risco de infeções agudas das vias aéreas inferiores; maior probabilidade de terem infeções respiratórias de repetição; risco acrescido de infeções nos ouvidos; indução e exacerbação de asma e enfisema pulmonar (American Academy of Otolaryngology, 2011; IARC, 2002; USDHHS, 2014; WHO, 2007).

Apesar das mensagens de saúde pública e da consciencialização sobre os riscos da exposição ao FAT para a saúde, estas não têm resultado necessariamente em redução do tabagismo em casa (Blackburn, Spencer, Bonas, Coe, Dolan, & Moy, 2003; Priest et al., 2008). Constata-se que a exposição de crianças ao FAT no domicílio e nos carros continua a ser um problema muito prevalente (Precioso et al., 2013). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 40% das crianças existentes no Mundo (700 milhões) respirem ar contaminado pelo fumo do tabaco (WHO, 2009), especialmente nas suas casas (Winickoff et al., 2009). Tal como noutros países, em Portugal o consumo de tabaco no domicílio e no carro é um comportamento muito prevalente (Precioso et al., 2010; Precioso et al., 2013). Num estudo realizado em Braga em 2010 por Precioso e colaboradores, com alunos do 1º ciclo (média de idade: 9,2 anos; DP: 0,5 anos), constatou-se que 27,5% das crianças participantes estavam expostas diária ou ocasionalmente ao FAT, pelo facto de pelo menos um dos membros do núcleo familiar (pai ou mãe ou irmão ou outro convivente) fumar em casa. No mesmo estudo realizado em Braga, os alunos percecionavam que 69,8% das mães fumadoras e 56,8% dos pais fumadores fumavam dentro de casa. Os pais, que deviam zelar pela saúde e segurança das crianças, são na verdade os principais responsáveis pela exposição dos filhos ao Fumo Ambiental de Tabaco (FAT) (Precioso, Macedo, & Rebelo, 2007; Precioso et al., 2010; Precioso et al., 2013).

Para se desenhar intervenções mais eficazes, com vista à prevenção do consumo de tabaco pelos pais no interior das casas e com vista à criação de domicílios livres de fumo (Smoke Free Homes) é necessário compreender quando, onde e porque é que os pais fumadores optam por fumar ou não dentro de casa.

Num estudo realizado por Graham (2003), verificou-se que, muitas vezes, os pais afirmam que fumar proporciona alívio do stresse. A falta de um espaço adequado para fumar fora de casa parece constituir um motivo para as mães, que vivem, por exemplo, em apartamentos sem acesso ao espaço exterior (como uma varanda) e não podem deixar as crianças ao cuidado de outras pessoas, fumarem dentro de casa (Robinson & Kirkcaldy, 2007a). Os pais que moram nas condições descritas podem adotar outras estratégias, que consideram práticas, para tentar reduzir a exposição ao FAT, tais como o abrir de janelas, fumar em salas separadas das crianças, fumar numa sala com um ventilador ou segurar o cigarro fora da janela (Hill, Farquharson, & Borland, 2003). Outro estudo revelou que os pais que fumam no interior da casa estão menos convencidos dos efeitos negativos que a exposição ao FAT provoca na saúde do que os pais que não fumam ou dos que fumam ao ar livre (Johansson, Hermansson, & Ludvigsson, 2004), o que revela que o consumo de tabaco em casa está de alguma forma relacionado com a atitude dos pais em relação ao FAT. Robinson e Kirkcaldy (2007b) verificaram que mães que fumam em casa podem estar conscientes de alguns riscos do fumo passivo, mas, no entanto, não associam fumar dentro de casa a consequências graves para as crianças. Neste estudo foi evidenciado que as mães tendem a percecionar a saúde dos seus filhos, comparando-a com a saúde das crianças que vivem na sua proximidade, utilizando a observação e experiência pessoal em detrimento de informação científica sobre os riscos do fumo passivo na saúde das crianças. Podem assim subestimar o valor dos riscos da exposição ao FAT utilizando basicamente quatro fontes de conhecimento: a observação dos seus próprios filhos; a observação dos filhos de outras pessoas; as reflexões sobre a sua própria saúde enquanto filhos de pais fumadores e as informações a partir de outros familiares. O facto de não visualizarem efeitos imediatos da exposição das crianças ao FAT parece levar alguns pais a subestimar os verdadeiros riscos da exposição. Num estudo realizado por Phillips, Amos, Ritchie, Cunningham-Burley e Martin (2007), verificou-se que os pais/mães fumadores com restrições de fumar em casa referiram o (mau) cheiro do tabaco, a saúde (particularmente em torno da saúde das crianças), a pressão mais ou menos ativa, para não fumar exercida por outros membros da família, e as preocupações com o efeito de modelagem (ser mau exemplo para as crianças) como as razões mais comuns para não fumar em casa. Além da influência do valor atribuído ao risco da exposição ao FAT, parece existir uma maior motivação para deixar de fumar entre os pais que reportaram não fumar em casa, comparativamente aos que fumam dentro de casa (Winkelstein, Tazian, & Wood, 1997). Da mesma forma, e tendo em conta que um nível de dependência de tabaco mais elevado está associado a uma maior dificuldade em cessar o comportamento tabágico (USDHHS, 2010), importa avaliar estas dimensões e a sua possível associação com o comportamento tabágico dos pais em casa.

A presente investigação pretende identificar e descrever os fatores associados ao consumo de tabaco no domicílio, por pais fumadores.

 

Método

 

Participantes

A amostra total é constituída por 40 fumadores, pais e mães de alunos do 4º ano de escolaridade a frequentar escolas do concelho de Braga (Portugal), distribuídos por quatro grupos: mães fumadoras que fumam dentro de casa (N=10); mães fumadoras que não fumam no domicílio (N=10); pais fumadores que fumam dentro de casa (N=10) e pais fumadores que não fumam no domicílio (N=10). Os critérios de inclusão da amostra consistiam em ser pai ou mãe fumador/a, com filhos a frequentar o 4º ano de escolaridade em escolas de Braga.

A média de idades do grupo dos pais fumadores, que fumam dentro de casa (N=10) é de 43,3 anos (DP=8,68, Mínimo=31 e Máximo=61), sendo de 41,4 anos (DP=4,65, Mínimo=35 e Máximo=49) no grupo de pais que não fumam dentro de casa (N=10). Relativamente às mães fumadoras, a média de idades é mais baixa, sendo de 36,6 anos (DP=3,92, Mínimo=28 e Máximo=41) nas fumadoras que fumam dentro de casa (N=10) e de 37,5 anos (DP=7,75, Mínimo=24 e Máximo=49) nas mães que não fumam dentro de casa (N=10).

Relativamente à escolaridade, a mais frequente no grupo de pais fumadores foi o 9º ano de escolaridade, tendo sido referenciada por 5 dos 20 pais entrevistados. Em relação às mães, a categoria mais frequente foi o 12º ano de escolaridade, sendo mencionada por 8 das 20 mães entrevistadas.

As profissões mais prevalentes nos pais fumadores que fumam dentro de casa e que não fumam dentro do domicílio são, respetivamente, as de eletricista e de carpinteiro. Estar desempregada é uma das situações profissionais mais frequentes quer nas mães fumadoras que fumam dentro de casa, quer nas mães fumadoras que não fumam dentro de casa. As profissões mais prevalentes nas mães fumadoras que fumam dentro de casa e que não fumam dentro do domicílio são, respetivamente, as de funcionária administrativa e de empregada de balcão.

 

Material

Tendo em conta os objetivos do estudo foi elaborado um guião semiestruturado (Tabela 1) com questões específicas para pais e mães fumadores/as, que fumam e que não fumam dentro do domicílio. O guião é formado por questões abertas (exemplo: Como reagiria se o seu filho lhe pedisse para deixar de fumar?) – para os tópicos onde se pretendia explorar as perceções e opiniões dos participantes, e aceder ao historial e caracterização do comportamento de fumar no interior do domicílio – e questões fechadas (exemplo: Fuma dentro de casa?) – de forma a obter dados mais concretos das suas experiências nomeadamente dados sociodemográficos dos participantes.

 

 

Em seguida procedeu-se à validação dos guiões. Para isso, foram revistos e aprovados pela equipa de investigação do projeto em que este estudo se insere. Seguidamente procedeu-se à realização da entrevista a uma fumadora que não fuma dentro de casa e a um fumador que fuma dentro do seu domicílio.

Foi também utilizado um questionário constituído pela escala de Richmond e pela escala de Fagerström para determinar, respetivamente, o grau de motivação para deixar de fumar e o grau de dependência ao tabaco. A escala de Richmond é constituída por 4 questões de escolha múltipla, com os seguintes pontos de corte (Richmond, Kehoe, & Webster, 1993): motivação baixa (de 0 a 6 pontos), motivação moderada (de 0 a 9 pontos) e motivação elevada (10 pontos) – ver Tabela 1. Na nossa amostra, apresentou uma boa consistência interna (α=0,760).

No entanto, é de salientar que este teste psicométrico não está validado para a população portuguesa (Costa, 2006). A escala de Fagerström, adaptada e validada para a população portuguesa, é formada por um conjunto de 6 questões de escolha múltipla (Ferreira, Quintal, Lopes, & Taveira, 2009). A pontuação das respostas oscila entre 0 e os 10 pontos (grau de dependência baixo: 0-3; grau de dependência moderado: 4-6 e grau de dependência elevado: 7-10). O valor total de cada escala foi calculado através da soma dos códigos das respostas, sendo a cotação distribuída como demostrado na Tabela 2. A escala apresentou uma boa consistência interna (α=0,660).

 

 

Este estudo utiliza metodologias quantitativas (questionários) e qualitativas, recorrendo a entrevistas semiestruturadas realizadas a pais e mães fumadores, que o fazem dentro ou fora do domicílio.

A realização do presente estudo foi divulgada, junto dos encarregados de educação, numa reunião realizada em escolas do 1º ciclo do concelho de Braga, pelos professores dessas escolas. Concomitantemente foram solicitadas informações de contato aos pais que manifestaram interesse em participar no mesmo, procedendo-se, posteriormente, ao recrutamento de mães e pais fumadores dentro e fora do domicílio.

Uma vez que esta via de recrutamento não foi suficiente para saturar a amostra, optou-se por convidar encarregados de educação que tinham participado num estudo quantitativo inserido no mesmo projeto que abarca a presente investigação, que haviam cedido o seu contacto. O recrutamento da amostra terminou quando se considerou que existia um número adequado de indivíduos para formar cada um dos grupos.

Os participantes foram informados, por telefone, sobre os objetivos do estudo, a colaboração voluntária e anónima (consentimento informado), a duração média da entrevista (cerca de 15 minutos) e o procedimento de gravação. Depois de aceitarem participar neste estudo, a entrevista foi efetuada e gravada, via telefone, no decorrer do mesmo contacto telefónico ou agendada para outro momento, consoante a disponibilidade de cada participante.

O conteúdo das entrevistas realizadas foi gravado de forma a evitar a perda de informação e minimizar distorções. Embora a via escolhida (telefone) impossibilite a perceção da comunicação não-verbal dos entrevistados, possibilita uma maior rapidez do processo de entrevistas e facilita o acesso aos entrevistados.

As entrevistas foram parcialmente transcritas. O seu conteúdo foi codificado de acordo com categorias dos fatores associados a fumar ou não fumar dentro de casa, estabelecidas a priori (tendo por base a revisão da literatura) e tendo sido acrescentadas novas categorias, sempre que surgiam ao longo da análise. Os dados foram, assim, alvo de uma análise de conteúdo (Bardin, 2007): foram organizados, primeiro, de acordo com a categorização estabelecida, anotando-se a presença/ausência de cada categoria e registando-se exemplos ilustrativos de cada uma.

 

Resultados

 

Motivos associados ao consumo de tabaco no domicílio

Considerando as mães fumadoras, que fumam dentro de casa, verificamos que o motivo mais frequentemente referido para fumar dentro de casa é a comodidade (“estar em casa e estar vestida à vontade”; “por estar confortável”; “A cozinha é onde faço a minha vida diariamente... estamos acolhidos na cozinha”; “... pela preguiça”; “dar mais jeito”; “eu moro num apartamento... tinha que estar a descer à rua...”; “passar muito tempo em casa”), sendo referido por 8 das 10 mães fumadoras (Tabela 3). Outros motivos referidos por alguns dos entrevistados são: a ventilação do espaço (“Pela cozinha ser bastante arejada”; “... pela cozinha ter exaustor”; “... a marquise ser arejada”); as condições meteorológicas (“agora no Inverno...”); a privacidade (“Não gosto de fumar na via pública”; “é algo psicológico... só me dá para fazer isso quando estou em casa... porque fora de casa eu não o faço!”); a satisfação de impulso (“... não sei... é ter aquela vontade de querer fumar um cigarro”); o contexto de convívio social (“Jantar de amigos... sem a presença das crianças”) e a rapidez associada ao comportamento de fumar (“... é uma coisa rápida”).

 

 

Relativamente aos pais fumadores em casa, as condições meteorológicas (“por estar frio... e pela chuva”), a comodidade (“uma questão de comodidade...”; “quando estamos em casa, que é mais acolhedor, e já não tencionamos sair...”; “quando estamos a ver um filme, e dá intervalo, aproveita-se e fuma-se um cigarro”; “... moro num apartamento... para não ter que estar a subir e a descer escadas”) e fumar em espaços amplos (“tenho uma casa enorme... e a meu ver não afeta as crianças em nada”) foram os motivos referenciados para justificar a conduta de fumar dentro de casa (Tabela 3). O motivo mais frequente foi as condições meteorológicas, sendo referido por 6 dos 10 pais fumadores dentro de casa. Também a comodidade foi das categorias mais frequentemente mencionadas, tendo sido referenciada por 5 dos 10 pais fumadores dentro de casa.

A cozinha foi o compartimento da casa mais referenciado pelos entrevistados para fumar (Tabela 4). No entanto, encontrámos diferenças entre os pais e as mães que referenciaram a cozinha como compartimento para fumar – 3 dos 4 pais e 3 das 7 mães referiram que fumam na cozinha com o exaustor ligado.

 

 

 

Motivos associados ao não consumo de tabaco no domicílio

A maioria das mães e dos pais fumadores, que não fumam dentro de casa, referiram não permitir exceções no que respeita à impossibilidade de se fumar dentro de casa. Apenas uma das dez mães entrevistadas e dois dos dez pais entrevistados admitem fumar e permitir que se fume, em situações de convívio social (“num jantar ou num almoço... se alguma visita quiser fumar deixo!”; “se tiver companhia que fume”; “se algum familiar quiser fumar”).

Considerando as mães e os pais fumadores que não fumam dentro de casa, verificamos que os motivos mencionados para não fumarem dentro do domicílio são (Tabela 5): a saúde dos filhos (“... tenho consciência que faz mal ao meu filho...”; “... tenho um filho de 10 anos e não tem culpa dos pais serem fumadores e de levar com o fumo de tabaco...”), o cheiro (“... pelo mau cheiro”; “... sou fumadora mas não gosto do cheiro”), o cônjuge (“o marido não gosta”; “o meu marido não fuma”; “a minha mulher não fuma”) e os malefícios para a saúde (“não é bom”; “faz mal”). Os familiares (“sou contra os familiares inalarem o fumo de tabaco...” ;“... é chato as outras pessoas apanharem com o fumo”) e alguns hábitos tabágicos (“fui sempre habituado a não fumar em sítios fechados...”), também foram mencionados por alguns pais fumadores que não fumam dentro de casa. Os motivos mais frequentemente mencionados foram a saúde dos filhos (referido por 7 dos 10 pais fumadores que não fumam dentro de casa e por 4 das 10 mães) e o cheiro do tabaco (mencionado por 5 dos 10 pais fumadores que não fumam dentro de casa e por 4 das 10 mães).

 

 

 

Grau de motivação para deixar de fumar e grau de dependência de nicotina

Com a aplicação da escala de Richmond verificou-se que a maioria das mães fumadoras que fumam dentro de casa (n=8) têm uma baixa motivação para deixar de fumar, enquanto que nas que não fumam dentro de casa, a maioria apresenta uma motivação moderada para cessar o consumo (n=7) (Tabela 6). Já nos pais, a maioria dos que fumam dentro de casa (n=6) têm uma motivação moderada para deixar de fumar, mas os que não fumam têm maioritariamente uma baixa motivação para cessar o consumo (n=7).

 

 

 

Grau de dependência ao tabaco e grau de motivação para deixar de fumar

Considerando a escala de Fagerström, verificamos que a maior parte dos pais e mães entrevistados (13 dos 20 pais e 17 das 20 mães) apresentou um nível de dependência de nicotina baixo (valores inferiores ou iguais à pontuação 3).

 

Discussão e conclusões

Este estudo permitiu identificar e descrever fatores associados ao consumo de tabaco no domicílio, por progenitores fumadores. A comodidade e as condições meteorológicas do Inverno estão entre os principais fatores relacionadas com o comportamento de fumar em casa pelos pais e mães fumadores no domicílio. A comodidade foi o fator mais referido pelas mães, enquanto as condições meteorológicas do Inverno foi o mais mencionado pelos pais. Estes dados reforçam a ideia que o conforto é um dos principais motivos que os pais invocam para fumar em ambientes fechados (Robinson & Kirkcaldy, 2007a,b). Fumar fora de casa parece não ser tão relaxante e “consolador” como fumar dentro, principalmente durante os meses de Inverno.

Neste estudo, constata-se que a preocupação com a saúde dos filhos e o mau cheiro foram os principais motivos mencionados pelos pais e mães fumadores para não fumarem dentro de casa. Estes dados são concordantes com outros estudos (Phillips et al., 2007) que revelaram que o (mau) cheiro do tabaco, a saúde (particularmente as preocupações em torno da saúde das crianças), a pressão mais ou menos ativa, para não fumar exercida por outros membros da família, e as preocupações sobre o efeito de modelagem foram as razões mais comuns para a que os fumadores convocam para não fumar em casa. No presente estudo, alguns dos entrevistados referiram a pressão exercida por outros familiares (cônjuges), mas nenhum referiu o efeito da modelagem (relação entre o consumo de tabaco dos pais e o dos filhos). Parece que os pais fumadores que não fumam em casa têm maior consciência dos riscos para a saúde dos filhos e que alguns pais que fumam em casa, apesar de estarem conscientes dos riscos para a saúde da exposição ao FAT, podem subestimar o valor dessas mensagens (Robinson & Kirkcaldy, 2007b). O facto de não visualizarem efeitos imediatos pode levar os pais a subestimar os verdadeiros riscos do fumo passivo.

Verificamos que a maioria dos entrevistados tem um grau de dependência à nicotina baixo. Por sua vez, o grau de motivação para deixar de fumar é moderado na maioria das mães fumadoras que não fumam dentro de casa e dos pais fumadores que fumam dentro de casa e baixo na maioria das mães fumadoras que fumam dentro de casa e dos pais fumadores que não fumam dentro de casa. Segundo um estudo espanhol realizado por Córdoba e colaboradores (2000), o teste de Richmond e o teste de Fagerström têm valor preditivo positivo para a cessação tabágica, sendo consequentemente recomendados para os cuidados de saúde primários.

Phillips e colaboradores (2007) evidenciaram que a principal motivação para a mudança de comportamentos de fumar em casa era de natureza estética (a decoração e o cheiro). Os riscos para a saúde das crianças, resultante da exposição ao FAT, e o risco de as crianças se tornarem fumadoras são apontados por alguns pais fumadores como fatores importantes para parar de fumar. Estes autores sugerem que o fornecimento de evidência demonstrável sobre o impacto negativo do tabagismo na saúde das crianças seria uma forma eficaz de instigar e motivar mudanças de comportamento.

Numa intervenção implementada na escola, em que as crianças escreveram cartas para os seus pais pararem de fumar, Zhang e Qui (1993, citado por Priest et al., 2008) obtiveram uma redução nas taxas de pais fumadores relatados no grupo de intervenção, mas não houve alteração no grupo de controlo, oito meses após a intervenção. Em Portugal, o Programa Domicílios Sem fumo (Precioso et al., 2010) é promissor no que respeita à proteção das crianças no domicílio. Tratando-se de um programa simples, fácil de implementar, deve ser melhorado, com vista a uma implementação generalizada e mais eficaz. Constatou-se, contudo, que o programa terá promovido uma ligeira modificação dos hábitos tabágicos das mães no domicílio, ou seja, parece que muitas mães evitaram fumar em casa, passando de fumadoras diárias para fumadoras ocasionais (Precioso et al., 2010). Verificou-se que foi eficaz em prevenir o consumo dos pais e outros conviventes em casa, tendo contribuído para reduzir a prevalência de crianças exposta ao fumo ambiental em cerca de 10 pontos percentuais.

A melhor forma de proteger as crianças da exposição é promover a cessação tabágica pelos conviventes, em particular pelos pais (Hill, Farquharson, & Borland, 2003). Sendo o tabagismo dos pais o maior fator de exposição ao FAT das crianças em casa e no carro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reforça a necessidade de reduzir o tabagismo dos pais como um elemento-chave de ação para promover a saúde das crianças (WHO, 2009), devendo ser, por isso, o “alvo” principal das ações de prevenção e tratamento do tabagismo. Ao contribuir para o reforço da importância do papel dos pais/educadores e outros conviventes, na redução da exposição das crianças ao fumo passivo, este estudo chama a atenção para a necessidade de abordagens multidisciplinares no desenvolvimento de programas de prevenção do consumo de tabaco em casa, pelos pais (WHO, 2009). Ainda que mais estudos, com amostras representativas da população portuguesa, sejam necessários, realça-se a importância de os profissionais de saúde de várias especialidades (médicos de família, de saúde ocupacional, psicólogos, cardiologistas, pneumologistas, obstetras, pediatras, enfermeiros, entre outros) se envolverem no tratamento da dependência tabágica, como já o fazem relativamente ao controlo de outros fatores de risco para a saúde (Ministério da Saúde, 2002). Também os professores e educadores, pelo contacto que têm com pais e os filhos, podem ter um papel importante na prevenção do consumo de tabaco em casa, recomendando aos pais que é desejável que não fumem ou pelo menos que não o façam em casa, transformando os domicílios em locais 100% livres de fumo. Para tal, há a necessidade de implementar intervenções preventivas eficazes que diminuam a prevalência de crianças expostas ao FAT.

Tendo em conta os riscos para a saúde das crianças relacionados com a exposição passiva ao fumo do tabaco e à elevada prevalência de crianças expostas em todo o mundo e em Portugal, continua a ser necessário tomar medidas de saúde pública para a proteção desta população vulnerável, nomeadamente a proibição do ato de fumar no interior de um automóvel pessoal, sobretudo se forem crianças a bordo, tal como acontece nos transportes públicos (Precioso et al., 2010).

Para que medidas de prevenção da exposição de crianças ao FAT sejam estabelecidas e implementadas eficazmente no nosso país, é fundamental conhecer, para além da prevalência de crianças portuguesas expostas ao FAT (no domicílio e no meio de transporte privado), os hábitos tabágicos dos principais responsáveis por esta exposição, as regras de fumar nos ambientes fechados privados e as causas do consumo de tabaco no domicílio e no carro. Este estudo pretendeu dar um contributo para a compreensão de algumas questões relacionadas com o consumo de tabaco dos pais em casa podendo ser inspirador para intervenções preventivas, algumas delas já sugeridas neste artigo.

 

Limitações do estudo

A dimensão da amostra não permite a generalização dos resultados obtidos, mas possibilitou a exploração de possíveis diferenças entre pais que fumam dentro de casa vs que não fumam dentro de casa, no que respeita aos motivos subjacentes ao seu comportamento, mas que carecem de replicação em amostras maiores, em estudos quantitativos.

No presente estudo, os participantes revelaram baixo grau de dependência de nicotina e um grau de motivação moderado para deixar de fumar. Futuros estudos deverão investigar se as razões evocadas pelos pais para fumarem ou não fumarem dentro de casa são semelhantes em pais com elevado grau de dependência do tabaco e baixa motivação para deixar de fumar.

 

Referências

American Academy of Otolaryngology – Head and Neck Surgey. (2011). El humo del tabaco ambiental y los niños. Retrieved from http://www.entnet.org/HealthInformation/espTabacoNinos.cfm

Bardin, L. (2007). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições Setenta.         [ Links ]

Blackburn, C., Spencer, N., Bonas, S., Coe, C., Dolan, A., & Moy, R. (2003). Effect of strategies to reduce exposure of infants to environmental tobacco smoke in the home: Cross sectional survey. British Medical Journal, 327(7409), 257. Retrieved from http://www.bmj.com/content/327/7409/257.pdf%2Bhtml        [ Links ]

Córdoba, R., Martín, C., Casas, R., Barberá, C., Botaya, M., Hernández, A., & Jané, C. (2000). Valor de los cuestionarios breves en la predicción del abandono del tabaco en atención primaria. Atención Primaria, 25, 32-36.         [ Links ]

Costa, A. (2006). Tabagismo em médicos e enfermeiros da cidade do Porto. Motivação para deixar de fumar e grau de dependência tabágica. Rev Port Clin Geral, 22, 27-38.         [ Links ]

Ferreira, P., Quintal, C., Lopes, I., & Taveira, N. (2009). Teste de dependência à nicotina: Validação linguística e psicométrica do teste de Fagerström. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 27, 37-56.         [ Links ]

Graham, H. (2003). Disadvantaged lives and women’s smoking: Patterns and policy levers. MIDIRS Midwifery Digest, 13, 152-156.

Hill, L., Farquharson, K., & Borland, R. (2003). Blowing smoke: Strategies smokers use to protect non-smokers from environmental tobaccos smoke in the home. Health Promotion Journal of Australia, 14, 196-201.         [ Links ]

IARC. (2002). IARC monographs on the evaluation of carcinogenic risks to humans. Retrieved from http://monographs.iarc.fr/ENG/Monographs/vol83/volume83.pdf        [ Links ]

Johansson, A., Hermansson, G., & Ludvigsson, J. (2004). Parents’ attitudes to children’s tobacco smoke exposure and how the issue is handled in health care. Journal of Pediatric Health Care, 18, 228-235. doi: 10.1016/j.pedhc.2004.03.006

Ministério da Saúde. (2002). Tratamento do uso e da dependência do tabaco: Normas de actuação clínica. Lisboa: Ministério da Saúde.         [ Links ]

Phillips, R., Amos, A., Ritchie, D., Cunningham-Burley, S., & Martin, C. (2007). Smoking in the home after the smoke-free legislation in Scotland: Qualitative study. BMJ, 335, 553-557. Retrieved from http://www.ataca.ru/upload/iblock/209/smok1.pdf        [ Links ]

Precioso, J., Araújo, A. C., Machado, J. C., Samorinha, C., Becoña, E., Ravara, S. B., . . . Antunes, H. (2013). A educação para a saúde na proteção das crianças da exposição ao fumo ambiental de tabaco. Educação Sociedade & Culturas, 38, 13-29. Retirado de http://www.fpce.up.pt/ciie/sites/default/files/03.JosePedrosoetal.pdf        [ Links ]

Precioso, J., Macedo, M., & Rebelo, L. (2007). Relação entre o tabagismo dos pais e o consumo de tabaco dos filhos: Implicações para a prevenção. Revista Portuguesa de Clínica Geral, 23, 259-266. Retirado de http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5643/1/Tabagismo_pais_filhos.pdf        [ Links ]

Precioso, J., Samorinha, C., Calheiros, J. M., Macedo, M., Antunes, H., & Campos, H. (2010). Exposição das crianças ao fumo ambiental do tabaco (FAT). Avaliação de uma intervenção preventiva. Rev Port Pneumol, 16, 57-72, PMID: 20054508. Retirado de http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0873-21592010000100003&script=sci_arttext        [ Links ]

Priest, N., Roseby, R., Waters, E., Polnay, A., Campbell, R., Spencer, N., . . . Ferguson-Thorne, G. (2008). Family and carer smoking control programmes for reducing children’s exposure to environmental tobacco smoke. Cochrane Database of Systematic Reviews, 4, Art. No.: CD001746. doi: 10.1002/14651858.CD001746.pub2; Retrieved from http://www.thecochranelibrary.com/userfiles/ccoch/file/World%20No%20Tobacco%20Day/CD001746.pdf

Richmond, R., Kehoe, L., & Webster, I. (1993). Multivariate models for predicting abstention following intervention to stop smoking by general practioners. Addiction, 88, 1127-1135.         [ Links ]

Robinson, J., & Kirkcaldy, A. (2007a). Disadvantaged mothers, young children and smoking in the home: Mothers’ use of space within their homes. Heatlh Place. doi: 10.1016/j.heatlhplace.2007.03.001; Retrieved from http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1353829207000287#

Robinson, J., & Kirkcaldy, A. (2007b). You think that I’m smoking and they’re not: Why mothers still smoke in the home. Social Science and Medicine. doi: 10.1016/j.socscimed.2007.03.048; Retrieved from http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277953607001657#

USDHHS. (2010). How tobacco smoke causes disease – The biology and behavioral basis for smoking-attributable disease: A report of the surgeon general. Atlanta, GA: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health. Acedido janeiro 21, 2014, em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK53017/

USDHHS. (2014). The health consequences of smoking – 50 years of progress: A report of the surgeon general. Atlanta, GA: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health. Acedido janeiro 22, 2014, em http://www.surgeongeneral.gov/library/reports/50-years-of-progress/exec-summary.pdf

WHO. (2007). Second hand tobacco smoke. Geneva: World Health Organization. Acedido julho 9, 2007, em http://www.who.int/tobacco/research/secondhand_smoke/en/        [ Links ]

WHO. (2009). Report on the global tobacco epidemic: Implementing smoke-free environments. Geneva: World Health Organization. Acedido janeiro 22, 2014, em http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241563918_eng_full.pdf?ua=1        [ Links ]

Winickoff, J. P., Friebely, J., Tanski, S. E., Sherrod, C., Matt, G. E., Hovell, M. F., & McMillen, R. C. (2009). Beliefs about the health effects of “thirdhand” smoke and home smoking bans. Pediatrics, 123, e74-e79. doi: 10.1542/peds.2008-2184; Retrieved from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3784302/pdf/nihms510281.pdf

Winkelstein, M. L., Tarzian, A., & Wood, R. A. (1997). Motivation, social support, and knowledge of parents who smoke and who have children with asthma. Journal of Pediatric Nursing, 23, 576-581.         [ Links ]

 

CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: José Precioso, Instituto de Educação da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. E-mail: precioso@ie.uminho.pt

 

Este estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e Programa Operacional Temático Factores de Competitividade (COMPETE), comparticipado pelo fundo comunitário europeu FEDER (FCOMP-01-0124-FEDER-009117).

 

Submissão: 30/06/2014 Aceitação: 23/10/2015

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons