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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.34 no.2 Lisboa jun. 2016

https://doi.org/10.14417/ap.1089 

O estilo de reminiscência nas interações mãe-criança e pai-criança

Ana Rebelo1, Joana Maia2, Ana Gatinho1, Leandra Coelho1, Nuno Torres1, Manuela Veríssimo1

1WJCR, ISPA – Instituto Universitário

2ISPA – Instituto Universitário

Correspondência

 

RESUMO

Nas últimas décadas, a investigação na área da reminiscência adulto-criança tem-se debruçado, essencialmente, sobre a forma como as mães conversam sobre eventos passados com os seus filhos. Contudo, mais recentemente, os investigadores têm procurado compreender a importância do pai no desenvolvimento da comunicação infantil. O presente estudo explora as diferenças do estilo de reminiscência nas díades mãe-criança e pai-criança, em função do sexo desta. Participaram 79 crianças portuguesas (40 raparigas e 39 rapazes), com uma média de 56.93 meses de idade, e respectivas figuras parentais (mãe, n=75 e pai, n=57), 53 destas tinham dados com as díades mãe e pai. As díades participaram separadamente, numa tarefa de reminiscência sobre três eventos passados partilhados. Investigadores independentes transcreveram as conversas e cotaram o estilo de reminiscência dos pais, das mães e da criança. Os resultados evidenciam que tanto os pais, como as mães não diferem grandemente na forma como falam do passado com as crianças, no entanto as mães utilizam um discurso mais repetitivo do que os pais. As crianças apresentam uma tendência para falar mais com os pais, do que com as mães, independentemente do sexo. Estes dados reforçam a importância do papel do pai como agente de socialização, desde os primeiros anos, promotor da comunicação da criança com o mundo exterior.

Palavras-chave: Memória autobiográfica, Reminiscência, Estilo de reminiscência, Figuras parentais, Sexo da criança.

 

ABSTRACT

In the last decades, research in the area of adult-child reminiscence has addressed essentially the way mothers talk about past events with their children. However, more recently, researchers have sought to understand the importance of fathers in the development of child communication. This study explores the differences of reminiscing style of mother-child and father-child dyads, according to sex of the child. 79 Portuguese preschool children (40 girls and 39 boys), with an average of 56.93 months, and their parental figures participated (mother, n=75 and father, n=57). 53 of those had data for both mother and father dyads. The dyads participated separately in a reminiscing task about three past shared events. Independent researchers transcribed the conversations and quoted the reminiscing style of fathers, mothers and children. The results show that both parents are similar in how they talk about the past with their children, however the mothers use a speech more repetitive than fathers. Children have a tendency to talk more with fathers than with mothers, regardless of gender. These data reinforce the importance of the father’s role as a socializing agent, from early years, promoting the child’s communication with the outside world.

Key words: Autobiographical memory, Reminiscing, Reminiscing style, Parental figures, Sex of child.

 

Introdução

A capacidade de recordar é um processo complexo que envolve várias competências, mediadas cultural e socialmente. Partindo da teoria sociocultural de Vygotsky (1978), o desenvolvimento das competências de memória da criança inicia-se nas interações entre esta e os pais, tendo a linguagem um papel privilegiado neste processo. Nas interações com os cuidadores, a criança começa a desenvolver a sua capacidade de recordar e partilhar as suas experiências passadas. A partilha destas experiências, num contexto cultural e social, e a compreensão do que os outros sentem e pensam acerca das mesmas, permitem à criança desenvolver narrativas coerentes, que promovem a construção da noção de si própria ao longo do tempo (Fivush, 2011; Fivush, Haden, & Reese, 2006; Fivush & Nelson, 2006).

Ao participar nas interações guiadas pelos adultos, a criança aprende as funções da memória e a narrar as suas experiências passadas. Vários estudos têm demonstrado que a forma como os pais estruturam conversas acerca do passado com a criança, em idade pré-escolar, tem um profundo efeito no modo como esta posteriormente se lembra dos eventos e os partilha com os outros (e.g., Fivush & Fromhoff, 1988; Reese, Haden, & Fivush, 1993). Neste âmbito, é através da partilha de experiências passadas, guiada pelos adultos, que a criança aprende diferentes formas narrativas de memória autobiográfica.

A memória autobiográfica difere do processo de recordação, na medida em que esta inclui informação acerca da importância do evento e o porquê de determinado evento ser tão importante para o próprio, não sendo apenas um recontar do que aconteceu no passado (e.g., Fivush & Haden, 2005; Fivush & Nelson, 2006). Esta memória é construída nas interações sociais, com a partilha e negociação de determinados eventos passados que trazem em si memórias partilhadas (Fivush, 2007).

Diferenças individuais na qualidade e quantidade destas interações conduzem a variações na memória autobiográfica da criança (Fivush, Haden, & Reese, 2006; VanBergen & Salmon, 2010). Assim, pais que nas reminiscências elaboram mais e que clarificam a informação espacial e temporal, têm crianças que, no final da idade pré-escolar, são capazes de recontar eventos passados mais detalhadamente e em forma de narrativa, espacial e temporalmente coerente, acerca das suas próprias experiências (Fivush & Fromhoff, 1988; Nelson & Fivush, 2004; Reese, Haden, & Fivush, 1993).

 

Estilo de reminiscência parental

Debruçando-se, essencialmente, sobre os aspetos da comunicação mãe-criança acerca de eventos passados, e prestando especial atenção ao estilo elaborativo do adulto, vários estudos têm vindo a considerar dois tipos de estilo narrativo parental: um estilo mais elaborativo e um estilo mais repetitivo (e.g., Farrant & Reese, 2000; Fivush, Haden, & Reese, 2006; Fivush & Vasudeva, 2002). O estilo mais elaborativo, é caracterizado por um maior envolvimento, com mais detalhe e mais perguntas de resposta aberta. O adulto fornece mais informação com questões sucessivas e encoraja mais a participação da criança na recordação do evento passado. A informação fornecida pela criança é integrada pelo adulto de forma a criar narrativas conjuntas enriquecidas com vários componentes informativos (quem, onde, como, o quê) e avaliativos (como foi, o que sentiu).

Apesar das confirmações do seu discurso ajudarem a criança a participar mais na conversa, são as elaborações maternas que permitem que a criança desenvolva as suas competências de conversação. Quando a criança não é capaz de se recordar do evento, as mães com um estilo predominantemente elaborativo providenciam mais informação, convidando a criança a participar, construindo em conjunto uma narrativa coerente. O estilo repetitivo é caracterizado por poucas perguntas, maioritariamente fechadas que visam obter respostas sim/não, e o adulto fornece pouca informação sobre o evento passado. Quando a criança não responde, o adulto simplesmente repete a pergunta e adiciona pouca informação nova à conversa. O discurso repetitivo pode ser interpretado de duas formas: uma validação, feita pelo adulto, da informação fornecida pela criança ou uma mera expectativa, portanto sem qualquer tipo de suporte linguístico ou de memória, de que a criança se recorde do evento (Farrant & Reese, 2000; Fivush, 2011; Fivush, Haden, & Reese, 2006).

Saliente-se que o estilo elaborativo das mães não está relacionado com o facto destas conversarem em maior ou menor extensão com as crianças, uma vez que uma mãe com um estilo mais elaborativo não é, necessariamente, uma mãe que fala muito com a criança, noutras atividades do dia-a-dia como por ex. durante a brincadeira livre ou hora das refeições (e.g., Haden & Fivush, 1996). Neste sentido, a reminiscência é um contexto único no qual as mães procuram alcançar objetivos específicos de conversação com as suas crianças (Fivush, 2006).

Estudos longitudinais, evidenciam que a forma como as mães falam acerca de eventos passados é consistente ao longo do tempo. Ou seja, as mães que são mais elaborativas com as crianças na idade do pré-escolar, continuam a sê-lo durante o desenvolvimento da criança (Reese & Brown, 2000; Reese, Haden, & Fivush, 1993). Por outro lado, estudos realizados (e.g., Boland, Haden, & Ornstein, 2003; Reese, Stewart, & Newcombe, 2003) visando manipular o estilo de reminiscência das mães, demonstram que mães treinadas para um estilo mais elaborativo, mantêm esse estilo ao longo do tempo, com consequências positivas para as suas crianças ao nível da linguagem, nomeadamente, por promoverem nestas competências narrativas e de recordação mais detalhadas e coerentes. Contudo, o estilo de reminiscência da mãe não pode ser considerado como uma causa linear das competências da criança. Em vez disso, a mãe e a criança influenciam-se uma à outra, num processo contínuo ao longo do desenvolvimento.

Encontramos, assim, estudos que evidenciam o facto de serem as mães mais elaborativas, com as suas crianças de idade pré-escolar, que promovem nestas o desenvolvimento de competências de memória autobiográfica mais sofisticadas, com uma maior consolidação e uma maior facilidade em recordar os eventos, assim como alterações ao nível de representação (Fivush, 2011; Fivush, Haden, & Reese, 2006; Harley & Reese, 1999; McGuigan & Salmon, 2004, 2005; Nelson & Fivush, 2004; Reese, 2002). Neste âmbito, as mães que promovem um estilo de reminiscência mais elaborativo acerca de eventos passados com as crianças, têm pré-adolescentes que evidenciam maiores níveis de autoestima e de autoeficácia (Bohanek, Marin, Fivush, & Duke, 2006). O estilo mais elaborativo promove na criança o desenvolvimento da compreensão de si própria e ajuda-a a construir um sentido de si mais coerente, diferenciado e positivo, ao longo do desenvolvimento (Fivush, 2006).

 

Diferenças de sexo na reminiscência de díades mãe-criança e pai-criança

Tal como se salvaguardou anteriormente, a grande maioria dos estudos sobre a reminiscência incide no discurso mãe-criança, sendo escassos os estudos que se debruçam sobre as diferenças entre o discurso da mãe e do pai. Destes, embora alguns tenham evidenciado poucas diferenças (e.g., Buckner & Fivush, 2000; Fivush, 1998; Reese & Fivush, 1993; Reese, Haden, & Fivush, 1996), outros apresentaram diferenças ao nível da reminiscência mãe-criança e pai-criança, nomeadamente na extensão do discurso e na conversação de eventos emocionais (e.g., Fivush, Brotman, Buckner, & Goodman, 2000), sendo notória a necessidade de se realizar uma análise mais profunda e pormenorizada destas diferenças (Laible, Murphy, & Augustine, 2013).

Na verdade, poucos estudos incidem, ainda, sobre os efeitos da reminiscência pai-criança no desenvolvimento socio emocional desta. Os existentes (Buckner & Fivush, 2000; Fivush & Buckner, 2003; Fivush, Brotman, Buckner, & Goodman, 2000; Reese, Haden, & Fivush, 1996), evidenciam que mães e pais não diferem substancialmente na frequência e na forma como elaboram as conversas com as crianças, mas que os pais tendem a referir menos aspetos emocionais do passado. Estes resultados poderão estar relacionados com o facto das mulheres, em termos de memória autobiográfica, se recordarem das experiências pessoais passadas de forma mais detalhada, mais vívida e se focarem mais nas emoções, comparativamente com os homens (e.g., Bauer, Stennes, & Haight, 2003; Fivush & Buckner, 2003; Fivush & Haden, 2003).

No estudo de Kuebli e Fivush (1992), em que não foi fornecida nenhuma instrução relativa a emoções, mãe e pai não apresentaram diferenças na reminiscência e tanto os pais como as mães conversaram mais de temas emocionais com as raparigas, do que com os rapazes. Estes resultados foram mais pronunciados em relação a recordações associadas a tristeza e não se verificaram diferenças ao nível da linguagem emocional nas crianças.

No seguimento deste estudo, foi solicitado aos pais que falassem com os seus filhos de três e quatro anos de idade sobre eventos passados relacionados com palavras emocionais chave (feliz, triste, zangado, assustado). Verificou-se, que as mães apresentam discursos mais longos, conversam mais acerca de aspetos emocionais da experiência e usam mais palavras emocionais do que os pais (Fivush, Brotman, Buckner, & Goodman, 2000).

No que diz respeito à forma como pai e mãe conversam com os seus filhos e filhas, estudos indicam que tanto os pais, como as mães utilizam várias expressões emocionais, mais pormenores na descrição das situações passadas e são mais elaborativos, quando conversam com as filhas, do que com os filhos (e.g., Adams, Kuebli, Boyle, & Fivush, 1995; Buckner & Fivush, 2000; Fivush, Berlin, Sales, Mennuti-Washburn, & Cassidy, 2003; Kuebli & Fivush, 1992). No mesmo sentido, tanto as mães como os pais conversam mais acerca de outras pessoas e relações, e colocam as experiências emocionais da criança num contexto mais social, quando conversam com as filhas (Buckner & Fivush, 2000).

Num estudo realizado no final da idade pré-escolar sobre a reminiscência mãe-criança e pai-criança (Adams, Kuebli, Boyle, & Fivush, 1995), as raparigas demonstraram maior tendência para falar sobre as suas experiências emocionais. Consistentes com esses dados, são os estudos que referem que, no final da idade pré-escolar, as raparigas apresentam narrativas mais extensas e mais detalhadas (Buckner & Fivush, 1998). Adams, Kuebli, Boyle e Fivush (1995) consideram outra hipótese referindo que as raparigas ao, tendencialmente, expressarem mais a tristeza ao nível não-verbal levam a que os pais falem mais extensamente com estas sobre conteúdos emocionais deste tipo.

O contexto em que se dá a comunicação pais-criança é essencial para se considerarem as diferenças nas díades mãe-criança e pai-criança. Neste sentido, a meta-análise realizada por Leaper, Anderson e Sanders (1998), considerou como fatores que determinam as diferenças do discurso parental, quer o sexo do progenitor, quer os diferentes tipos de atividade (de brincadeira ou de cuidado, como dar banho). Concluíram que as diferenças linguísticas por parte dos pais, estavam relacionadas com o facto de estes desempenharem diferentes atividades e que existiam mais diferenças quando as atividades eram realizadas em contextos naturalistas (por exemplo numa atividade sem ser estruturada ou na escolha de um brinquedo). A atividade de brincadeira – e não o sexo do progenitor – foi identificado como um fator suscetível de influenciar o discurso parental, contudo, o sexo do progenitor foi considerado como preditor do discurso da criança (Leaper & Gleason, 1996).

Analisando o discurso pais-criança nas conversas do dia-a-dia, no que diz respeito às diferenças do discurso direto das figuras parentais em função do sexo da criança, a investigação refere que as mães conversam em maior extensão com as crianças comparativamente aos pais, apresentam um discurso menos diretivo, fornecem mais suporte e conversam mais com as filhas, do que com os filhos. Por sua vez, os pais utilizam uma linguagem cognitivamente mais elaborada com os seus filhos, do que com as filhas (Leaper, Anderson, & Sanders, 1998).

Considerando o contexto naturalista, no estudo de Reese e Fivush (1993) – no qual avaliaram o estilo elaborativo das mães e dos pais, em casa das famílias e com crianças de três e quatro anos de idade – os resultados evidenciaram que as raparigas participam em maior extensão do que os rapazes e que os pais foram mais elaborativos com as raparigas do que com os rapazes. Contudo, não foram encontradas diferenças no estilo discursivo das mães e dos pais.

Num estudo realizado por Fivush, Marin, McWilliams e Bohanek (2009), que avaliou a reminiscência (de um evento positivo e um negativo) ao nível familiar em idade escolar da criança, quando pai e mãe estão a conversar em conjunto sobre eventos passados com a criança, as mães tendem a ser mais elaborativas do que os pais. Não foram encontradas diferenças entre pais e mães acerca dos aspectos emocionais dos eventos falados.

Bohanek, Fivush, Thomas-Lepore, Merchant e Duke (2009), realizaram um estudo no qual avaliaram as conversas entre a família à hora de jantar, com crianças de idade escolar. Os resultados evidenciaram que quando pai e mãe conversam em conjunto sobre eventos passados com a criança, as mães tendem a ser mais elaborativas do que os pais e confirmam e negam mais informação. Por outro lado, os pais questionam às crianças mais informação sobre os eventos, comparativamente às mães. As contribuições narrativas da mãe e do pai nas questões que fazem dos eventos do dia-a-dia estão associadas a menos comportamentos de internalização e externalização por parte das crianças.

 

Objetivos

Temos como principal objetivo analisar a existência de diferenças ao nível do discurso de eventos passados partilhados, nas díades mãe-criança e pai-criança. Nomeadamente, pretendemos averiguar se existem diferenças no estilo de reminiscência materno e paterno, no discurso com a criança. De acordo com a literatura, esperamos que as mães apresentem um discurso mais longo e mais elaborativo com as crianças (e.g., Fivush, Haden, & Reese, 2006).

Pretendemos ainda, analisar possíveis diferenças no discurso mãe-criança e pai-criança, em função do sexo da criança. Tendo em consideração a investigação apresentada, espera-se que as raparigas, ao assistirem, de forma continuada, a uma maior exposição das emoções, das causas e das resoluções das experiências emocionais, na reminiscência parental, aprendam a conversar mais sobre os eventos passados (Fivush, 2006). Como tal, esperamos igualmente que pais e mães sejam mais elaborativos com as raparigas, do que com os rapazes.

 

Método

 

Participantes

Participaram neste estudo 79 crianças, 40 do sexo feminino e 39 do sexo masculino, e respetivas figuras parentais (75 mães e 57 pais). Destes, 53 adultos formavam um casal, 22 mães participaram com a criança sem o pai e 4 pais participaram com a criança sem a mãe.

As crianças frequentavam dois jardins-de-infância do distrito de Lisboa. No momento da recolha dos dados, as crianças apresentavam em média 56 meses (DP=5.45), 30 destas crianças eram filhos primogénitos e 29 tinham pelo menos um irmão. A idade das crianças na entrada para a creche/jardim-de-infância variou entre os 3 e os 62 meses (M=15.12, DP=12.75), passando estas de 3 a 11 horas por dia neste contexto (M=8.01, DP=1.47). As idades das mães variaram entre os 24 e os 48 anos (M=35.33, DP=4.11) e as dos pais entre os 25 e os 63 anos (M=37.44, DP=5.52).

As famílias pertenciam a um nível socioeconómico médio e médio-alto, variando o nível de educação materno entre os 7 e os 23 anos de escolaridade (M=15.22, DP=2.90) e o paterno entre os 4 e os 19 anos (M=14.65, DP=3.31). Na sua grande maioria, tanto as mães (89%) como os pais (99%) estavam empregados e a trabalhar fora de casa. A generalidade das crianças pertenciam a famílias bi-parentais (86%), contudo 11 crianças vivem com as mães, tendo contacto regular com os pais. Estes dados fazem parte de um projeto longitudinal mais vasto da Unidade de Investigação em Psicologia do Desenvolvimento e da Educação financiado em parte pela FCT (PTDC/PSI/64149/2006, PTDC/MHC-PED/3929/2012).

 

Instrumentos

Tarefa de reminiscência pais-criança. Os estilos narrativos pais-criança foram recolhidos através da Tarefa de Reminiscência Pais-Criança baseado no procedimento descrito por Fivush e Fromhoff (1988), que se mostrou válido na avaliação da comunicação pais-criança (ver Reese & Fivush, 1993), nomeadamente numa amostra portuguesa (Maia, 2011).

Esta tarefa permite avaliar o estilo de reminiscência das díades mãe-criança e pai-criança, e consiste na realização de uma conversa entre mãe-criança e pai-criança, filmada em dias separados, na qual é solicitado antecipadamente aos pais, que escolham 3 eventos passados (de carácter emocionalmente positivo, negativo e neutro) passados partilhados com a criança, para falarem com esta.

Escala de inteligência de Wechsler para a idade pré-escolar e primária. De forma a controlar possíveis efeitos devido a diferenças inter-individuais ao nível das competências linguísticas e da compreensão verbal das crianças, utilizou-se a Escala de Inteligência de Wechsler para idade pré-escolar e primária traduzida para português (Seabra-Santos, Simões, Albuquerque, Pereira, Almeira, Ferreira, & Lopes, 2003; WPPSI; Wechsler, 1996). Esta escala permite identificar os pontos fortes e fracos da criança, num determinado momento do seu desenvolvimento. A WPPSI é aplicada em crianças entre os quatro e os seis anos de idade e é constituída por doze sub-testes, seis sub-testes perceptivo-motores (realização) e por seis sub-testes verbais. Os resultados dos doze sub-testes permitem calcular três escalas compósitas: Quoeficiente de Inteligência (QI) verbal, QI de realização e QI da escala completa. Neste estudo, apenas se avaliou o QI verbal, constituído pelas seguintes 6 provas: informação, vocabulário, aritmética, semelhanças, compreensão e frases memorizadas (prova opcional).

 

Procedimento

Após obtenção de consentimento informado por parte dos pais da criança, os dois instrumentos foram aplicados de forma individual, por assistentes de investigação independentes e previamente treinados. A aplicação da WPPSI decorreu no jardim-de-infância, numa sala disponibilizada para o efeito, estando o entrevistador e a criança sentados, em situação de face a face. As recolhas com as díades mãe-criança e pai-criança, decorreram igualmente na instituição, tendo-se procedido ao contra-balanceamento da ordem das mesmas. De forma a controlar possíveis efeitos da ordem de aplicação dos 3 eventos, a sequência destes foi previamente escolhida de forma aleatória e informada aos pais, antes de realizarem a tarefa. O intervalo entre as recolhas dos vídeos das mães e dos pais foi de, no mínimo, uma semana.

 

Tarefa de reminiscência pais-criança. Depois de assinarem o consentimento informado, pais e mães foram contatados telefonicamente e separadamente. Foram informados sobre o procedimento (filmagem de pequeno vídeo de uma conversa informal com a criança e que o objetivo da recolha destes dados seria o estudo da memória autobiográfica das crianças) e foi agendado um dia para se deslocarem ao jardim-de-infância, de acordo com a disponibilidade destes. Foi-lhes igualmente solicitado que selecionassem 3 eventos, isolados no tempo, que tivessem vivenciado com a criança nos últimos 12 meses, mas não na última semana. Dois desses eventos deveriam corresponder a situações emocionalmente ativadoras para a criança, uma positiva e outra negativa, devendo o terceiro evento ter um carácter neutro.

Foram fornecidos exemplos do tipo de eventos pretendidos: situação de doença da criança e/ou possível ida ao hospital, ter perdido o brinquedo preferido (para os eventos negativos); festa de aniversário da criança, um passeio especial em família (para os eventos positivos); terem ido jantar em casa de amigos dos pais, terem ido a um supermercado diferente do habitual (para os eventos neutros). Foram desaconselhados eventos que envolvessem idas ao cinema, visionamento de filmes ou teatro, uma vez que segundo Reese e Fivush (1993), o mais provável é que nestes casos a comunicação se cingisse apenas ao relato do filme ou peça em causa.

Nas famílias em que ambos os pais optaram por participar, foi-lhes solicitado que escolhessem eventos diferentes dos que tinham sido escolhidos pelo outro progenitor. Foi-lhes igualmente solicitado que não conversassem com a criança sobre os eventos até à realização da tarefa. A mãe/pai foram deixados na sala com a criança e com a câmara de vídeo a filmar, com o objetivo de tornar a situação o mais natural possível, foi-lhes pedido que, sem restrições de tempo, houvesse um período inicial de conversa ou brincadeira e quando sentissem que a criança estava preparada para conversar, falassem com a criança sobre os eventos. A instrução dada aos pais foi que tentassem que a criança recordasse de forma natural, o máximo de informação possível sobre cada um dos eventos.

Seguidamente os vídeos foram divididos por três elementos da equipa de investigação, responsáveis pela sua transcrição literal, tendo a correspondência entre a transcrição e o áudio sido confirmada por outra pessoa, externa ao processo de transcrição. Depois de devidamente codificadas, omitindo informações da criança e dos pais, todas as transcrições foram analisadas por dois investigadores independentes, previamente treinados, relativamente às características do discurso da criança e do adulto (para exemplos ver Bost et al., 2006; Farrant & Reese, 2000; Fivush & Fromhoff, 1988; Reese & Fivush, 1993).

 

Estilo de reminiscência. A cotação foi baseada na tradução e adaptação feita de Bost e colaboradores (2006) e Fivush e Fromhoff (1988), realizada por Maia (2011). De acordo com o procedimento original (Fivush & Fromhoff, 1988), todas as transcrições foram marcadas com o início e fim em relação aos três eventos falados. De seguida, foram assinaladas todas as unidades proposicionais do discurso, quer da criança, quer do adulto, formadas pela inclusão implícita de sujeito e verbo. Cada unidade proposicional foi cotada ao nível do conteúdo com um código, sendo os códigos do adulto e da criança exaustivos e mutuamente exclusivos.

No que diz respeito à cotação do discurso parental, este foi cotado considerando a frequência com que apareceram questões gerais abertas, questões específicas, questões iniciadas por “Lembras-te?” e questões fechadas do tipo “sim ou não”. A todos os códigos acima referidos foi adicionado um segundo código o qual, baseado em investigação anterior, pode definir o estilo de reminiscência: elaborativo ou repetitivo (Fivush & Fromhoff, 1988; Reese, Haden, & Fivush, 1993). Foram igualmente avaliadas as confirmações, negações e reiterações do adulto relativamente ao discurso da criança e os elementos de meta-memória. Ao contrário da categoria das questões, a categoria da provisão da informação, que diz respeito a qualquer comentário realizado pelo adulto que fornece informação sobre o evento, não solicita uma resposta à criança como as questões e como tal não entra para a cotação. Todos os códigos do discurso do adulto são apresentados na Tabela 1.

 

 

Em relação à cotação do discurso da criança, este foi cotado como evocações elaborativas sempre que a criança providenciava nova informação acerca do evento que estava a ser falado ou quando falava de um novo aspeto do mesmo evento (e.g., “Nós também vimos elefantes no jardim zoológico”). As evocações repetitivas foram cotadas quando a criança repetia a informação previamente fornecida pelo adulto (e.g., “Eu não sei” ou “Diz-me tu”). As negações, reiterações ou confirmações da criança relativas à informação fornecida pelo adulto, foram cotadas como avaliações. Os códigos utilizados para cotar o discurso da criança são apresentados na Tabela 2.

 

 

Foi também cotada a extensão do discurso do adulto e da criança. Para tal, foi contabilizado o número total de palavras, apenas relativas aos eventos em causa e para cada sujeito individualmente (adulto e criança). Tal como reportado por outros estudos prévios que utilizaram o mesmo procedimento (e.g., Bost et al., 2006; Haden, Haine, & Fivush, 1997; Maia, 2011; Reese & Fivush, 1993), optámos por considerar o discurso de cada elemento no seu todo ao longo da tarefa, não fazendo distinção entre os 3 eventos (positivo, negativo e neutro). Esta escolha deveu-se ao facto de dentro de cada evento, os diálogos da generalidade das díades acabarem por não se cingirem apenas a um tom emocional.

Seguindo os critérios referidos por Bost e colaboradores (2006) de um total de 132 transcrições, 32 (cerca de 24%) foram aleatoriamente selecionadas e cotadas de forma independente por outro investigador treinado e sem qualquer conhecimento prévio sobre as famílias. Relativamente ao discurso parental, o acordo inter-juízes (realizado com correlações intra classes) foi de .92 para o somatório das categorias elaborativas, de .87 para o somatório das categorias repetitivas e de .96 para o somatório das categorias avaliativas. Para o discurso da criança foi de .92 para o somatório das categorias evocativas (elaborativas e repetitivas) e de .80 para a categoria avaliativa.

De forma a verificar a fiabilidade do instrumento, calculámos para o discurso da mãe com a criança, o alfa de cronbach relativo ao conjunto das categorias elaborativas do discurso, que inclui as avaliações positivas (e.g., confirmações e reiterações) e os elementos de meta-memória, que foi de .79. Para o conjunto das categorias repetitivas do discurso que, também, inclui as avaliações negativas (e.g., negações) o alfa de cronbach foi .61.

No que diz respeito ao discurso do pai com a criança, para o conjunto das categorias elaborativas foi de .77 e para o conjunto das categorias repetitivas foi de .79. Tanto para o discurso da mãe, como para o discurso do pai, o instrumento evidencia níveis aceitáveis de consistência interna. Para o discurso da criança, foi igualmente calculado o alfa de cronbach para o conjunto das categorias evocativas elaborativas, evocativas repetitivas e avaliativas que foi de .55 para o diálogo mãe-criança, e de .61 para o diálogo pai-criança, evidenciando, níveis mais baixos de consistência interna embora considerados, ainda, aceitáveis.

 

Resultados

Foram calculadas as frequências médias, as médias e os desvios-padrão das variáveis do discurso mãe-criança e pai-criança, que são apresentados nas Tabelas 3 e 4. Posteriormente correlacionaram-se as variáveis do discurso da mãe com o discurso da criança e o mesmo para o discurso do pai com a criança, através de correlações de Pearson.

A grande maioria das categorias do discurso de cada sujeito, estão correlacionadas positivamente com a extensão do mesmo. Assim, de forma a controlar efeitos decorrentes da extensão do discurso foi realizada uma proporção para cada categoria em relação ao número de palavras do discurso, dividiu-se o valor de cada categoria de cada sujeito (mãe, pai e criança) pelo número de palavras do seu discurso, multiplicou-se por 100 e obtiveram-se assim proporções para cada categoria discursiva (e.g., Bost et al., 2006).

 

Redução dos dados

Após a análise das categorias em separado e visto que estas se encontravam na sua maioria correlacionadas significativamente e positivamente entre si, optámos por agrupar as categorias intra-sujeito, dado o interesse neste estudo ser a análise da qualidade do discurso na sua totalidade. Para tal, quer para o pai, quer para a mãe, criámos duas novas variáveis compósitas, à semelhança do que foi feito noutros estudos (ver Bost et al., 2006; Maia, 2011; Reese & Fivush, 1993). Uma variável, elaborativa, que corresponde ao somatório das proporções das categorias elaborativas do discurso, das avaliações positivas (e.g., confirmações e reiterações) dirigidas ao discurso da criança e dos elementos de meta-memória. Outra variável, repetitiva, que diz respeito ao somatório das categorias repetitivas do discurso e das avaliações negativas (negações) dirigidas ao discurso da criança.

Para o discurso da criança, criámos uma variável compósita, participação que à semelhança do que foi feito noutros estudos (ver Bost et al., 2006; Maia, 2011), correspondente ao somatório das proporções das categorias evocativas (elaborativas e repetitivas) do discurso da criança e das avaliações feitas ao discurso parental. Na Tabela 5 são apresentadas as descritivas das variáveis agrupadas para o discurso da díade mãe-criança e para o discurso da díade pai-criança.

 

 

 

Associações entre as variáveis do discurso das díades

Relativamente à amostra geral, encontraram-se associações positivas e significativas entre a elaboração materna (n=75, r=.42, p<.01) e a repetição materna (n=75, r=.29, p<.05) com a participação da criança com a mãe. Neste sentido, quando as mães elaboram mais na reminiscência, as crianças também participam mais na evocação de eventos. No mesmo sentido, quando as mães utilizam a repetição, as crianças apresentam a mesma tendência. Não foram encontradas associações significativas para os pais.

De forma a verificar se as mães utilizavam mais a elaboração (M=8.97, DP=2.91, n=75) ou a repetição (M=2.67, DP=1.34, n=75), realizámos testes t-student para amostras emparelhadas, concluindo que as mães utilizam mais significativamente a elaboração do que a repetição [t(74)=18.08, p=.00] no discurso com a criança. O mesmo acontece com os pais [t(56)=16.40, p=.00], em que a elaboração (M=9.44, DP=3.00, n=57) é mais usada do que a repetição (M=2.55, DP=1.24, n=57) na reminiscência.

 

Associações com as variáveis sociodemográficas e QI verbal

Em relação às competências linguísticas da criança, foram encontradas associações positivas do QI verbal com a participação da criança no discurso com a mãe (r=.45, p<.01). Assim, crianças mais desenvolvidas ao nível da linguagem, participam mais na evocação de eventos passados com a mãe.

 

Diferenças de sexo entre variáveis do discurso das díades

Foram realizados testes t-student para amostras independentes, não tendo sido encontradas diferenças significativas entre as raparigas e os rapazes, nas variáveis participação da criança, quer na interação com a mãe, quer na interação com o pai.

Em relação à díade mãe-criança, no que diz respeito à extensão do discurso da criança, não existem diferenças significativas [t(73)=1.80, p=.08, d=.41] entre a extensão do discurso das raparigas (M=208 palavras, DP=132, n=38) e dos rapazes (M=160 palavras, DP=101, n=37) com a mãe. A extensão média do discurso das mães também não diferiu significativamente [t(73)=-.01, p=.99, d=.54] em função da criança ser rapariga (M=586, DP=338) ou rapaz (M=587, DP=281).

Para as díades pai-criança, também não encontrámos diferenças em relação à extensão do discurso da criança com o pai [t(55)=-.31, p=.76, d=.08], tanto para as raparigas (M=239 palavras, DP=214), como para os rapazes (M=258 palavras, DP=242). No mesmo sentido, não se verificaram diferenças [t(47)=-1.37, p=.18, d=.36] entre a extensão do discurso dos pais com os rapazes (M=780, DP=668) e com as raparigas (M=584, DP=381).

De forma a verificarmos se existiam diferenças de sexo em relação ao grupo de crianças (n=58) que tinham medidas de reminiscência, quer com a mãe, quer com o pai, foram realizadas ANOVAs de medições repetidas com a elaboração, repetição, participação, e extensão do discurso parental e da criança, considerando o sexo como fator inter-sujeitos. Não se verificaram efeitos do sexo das crianças para nenhuma das variáveis analisadas.

Relativamente ao discurso parental, para a elaboração da mãe e do pai não se encontraram diferenças significativas [F(1,51)=.96, p=.33, η2p=.02, π=.16]. Contudo, para a repetição, encontraram-se diferenças significativas [F(1,51)=82.46, p<.001, η2p=.62, π=1], com as mães (M=13.58, DP=9) a utilizarem mais a repetição do que os pais (M=2.51, DP=1.21), na evocação de eventos passados com as crianças. Ao nível da extensão do discurso parental, não foram encontradas diferenças significativas [F(1,51)=1.77, p=.19, η2p=.04, π=.26].

No que diz respeito ao nível da participação da criança, encontraram-se diferenças significativas [F(1,51)=6.31, p<.05, η2p=.11, π=.70], com as crianças a participarem mais com os pais (M=258, DP=232) do que com as mães (M=178, DP=95.3).

 

Discussão

Atendendo à escassez de trabalhos empíricos que consideram a figura paterna nas suas análises, e procurando dar um contributo neste âmbito, este estudo visou analisar as diferenças no estilo de reminiscência nas díades mãe-criança e pai-criança, tanto ao nível da elaboração, repetição e participação, como da extensão do discurso.

A medida de elaboração é considerada um constructo global do discurso do adulto, através do qual este estrutura e ajuda a criança na co-construção de significados. Esta estruturação por parte do adulto pode tomar várias formas, tais como providenciar informação detalhada, questionar informação à criança e validar a participação desta na recordação de eventos passados. Por outro lado, na repetição, o adulto não providencia informação nova, apenas repete informação fornecida por si próprio ou pela criança, não dando nenhum suporte linguístico, nem de memória à recordação do evento (Farrant & Reese, 2000; Fivush, Haden, & Reese, 2006). Os resultados do nosso estudo evidenciam que tanto os pais como as mães apresentam um discurso com características elaborativas e repetitivas, o que vai ao encontro do que tem sido reportado noutros estudos (e.g., Haden, Haine, & Fivush, 1997; Reese & Fivush, 1993).

No que diz respeito ao nosso primeiro objectivo, pretendíamos explorar o discurso da mãe-criança e pai-criança numa tarefa de reminiscência. Na nossa amostra geral, os resultados evidenciam que quando as mães usam mais a elaboração, as crianças participam mais nas conversas sobre os eventos passados. Estes dados são concordantes com estudos que ressaltam que quando o adulto elabora mais é provável que a criança também participe mais na reminiscência (Reese & Fivush, 1993). No entanto, na nossa amostra a mesma tendência também se verifica em relação à repetição. Quando as mães utilizam a repetição, as crianças também participam mais na reminiscência. Ao analisarmos o discurso da mãe verificámos que este é significativamente mais elaborativo do que repetitivo. De acordo com estes resultados, podemos considerar que o discurso da mãe é composto maioritariamente pela elaboração e que no nosso estudo ambos os estilos estão associados a uma maior participação por parte da criança.

A memória autobiográfica emerge nos primeiros anos do pré-escolar e está relacionada com as capacidades de linguagem da criança e com a compreensão de si ao longo do tempo (Fivush & Nelson, 2004). À medida que a criança se desenvolve, as suas competências linguísticas vão aumentando e cada vez se vai tornando mais autónoma a nível da linguagem. Os nossos dados evidenciam uma associação entre a competência verbal da criança e a participação desta na reminiscência com a mãe. Apesar das competências verbais da criança estarem relacionadas com a sua participação na reminiscência, considera-se, na linha com outros autores (ver Farrant & Reese, 2000; Reese, Haden, & Fivush, 1993) que estas capacidades verbais não são sinónimo das competências de memória da criança.

Relativamente ao segundo objetivo, no qual pretendíamos verificar se existiam diferenças no estilo e extensão da reminiscência das díades em função do sexo da criança, foram analisados os discursos da criança com a mãe e com o pai em separado. Como tal, não foram encontradas diferenças entre as raparigas e os rapazes ao nível da participação e extensão do discurso, quer com mãe, quer com o pai.

No que diz respeito à amostra de crianças que tinham realizado a tarefa com ambos os pais, relativamente ao discurso parental não foram encontradas diferenças na elaboração nem na extensão do discurso, entre mãe e pai. Estes dados não vão ao encontro do que era esperado, isto é, que as mães tendem a elaborar mais e a ter um discurso mais longo em relação aos pais (e.g., Fivush, Haden, & Reese, 2006). Estes autores encontraram diferenças, com as mães a usarem mais a repetição ao falar de eventos passados com as crianças do que os pais. Os nossos dados podem ir ao encontro do que é defendido noutros estudos em que mães e pais não diferem grandemente na forma como estruturam as conversas de eventos passados com a criança (Haden, Haine, & Fivush, 1997). A literatura refere, ainda, que mães e pais não diferem sistematicamente um do outro em termos de linguagem e que ambos apresentam papéis distintos, mas complementares na promoção do desenvolvimento das competências da criança (Haden, Haine, & Fivush, 1997).

Considerando o discurso das crianças, os nossos dados evidenciam que estas tendem a falar mais com os pais do que com as mães, não tendo, todavia, sido encontradas diferenças na extensão do discurso do pai e da mãe. Estes resultados são concordantes com os de outros estudos (Haden, Haine, & Fivush, 1997; Reese, Haden, & Fivush, 1996), em que foi utilizada a análise do discurso da criança longitudinalmente.

Alguns autores (Reese, Haden, & Fivush, 1996) levantaram algumas hipóteses para estes resultados, tais como as mães normalmente serem as cuidadoras principais da criança e conversarem no dia-a-dia mais com a criança do que os pais, pelo que, quando a criança tem a oportunidade de conversar com o pai, ou por estar simplesmente um tempo a sós com este, a natureza mais invulgar e, como tal, mais “especial” da situação leva-a a participar mais na reminiscência.

Como limitações do presente estudo, teria sido pertinente avaliar outros fatores que pudessem influenciar a reminiscência, tais como avaliar as conversas noutros contextos de interação, visto que mães e pais evidenciam diferenças no estilo linguístico em diferentes contextos (e.g., Haden & Fivush, 1996). Seria igualmente relevante considerar as características de personalidade dos pais e o temperamento da criança, na medida em que foram encontrados efeitos do temperamento da criança na elaboração materna, com as mães a serem mais elaborativas com crianças que se mostram mais interessadas, persistentes, sociáveis, ativas e atentas na situação de reminiscência (Bauer & Burch, 2004; Farrant & Reese, 2000; Lewis, 1999). Seria igualmente interessante avaliar o discurso emocional dos pais e da criança (Fivush, Brotman, Buckner, & Goodman, 2000).

É interessante verificar que esperávamos uma maior elaboração por parte da mãe, de acordo com a maioria dos estudos nesta área, mas os nossos dados evidenciaram que o pai tem um papel cada vez mais importante a desempenhar no desenvolvimento da criança. Por um lado, as mães podem, como referiu Rosenthal (1985), servir de “guardiãs” da história familiar, que asseguram que a família mantém uma série de memórias que a une ao longo do tempo. Estas memórias vivas permitem manter as relações e o sentido de união e identidade familiar (Pratt & Fiese, 2004). Por outro lado, os pais desempenham a função de “pontes para o exterior” promovendo nas crianças uma maior socialização das suas capacidades de comunicação com os outros, preparando-as também para conversas cognitivamente mais desafiantes (Gleason, 1975; Tomasello, Conti-Ramdsen, & Ewert, 1990). O pai permite que a reminiscência se torne uma atividade social na qual a criança se começa a definir perante os outros e constrói o sentido de si ao longo do tempo. Deste modo, parece-nos que tanto a mãe como o pai desempenham um papel fundamental na manutenção e construção da memória autobiográfica das crianças.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Manuela Veríssimo, William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: mveriss@ispa.pt

 

Agradecimentos: Os autores gostariam de agradecer a todas as famílias que participaram neste estudo. Uma palavra de agradecimento a todos os colegas pelos seus comentários valiosos. Este trabalho foi em parte financiado pela FCT (PTDC/PSI/64149/2006, UID/PSI/04810/2013 e SFRH/BD/48802/2008).

 

Submissão: 13/06/2015 Aceitação: 06/09/2015

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