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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.33 no.1 Lisboa mar. 2015

https://doi.org/10.14417/ap.736 

Envelhecer no concelho de Oeiras: Estudo numa população institucionalizada

Luísa Carrilho1, Cátia Gameiro2, André Ribeiro2

1Universidade Lusíada

2Mestres em Psicologia Clínica

Correspondência

 

RESUMO

Com o aumento da esperança de vida e a diminuição do número de nascimentos é notório o envelhecimento da população portuguesa, que por isso, apresenta uma maior vulnerabilidade à violência. Este artigo constitui a síntese de um estudo exploratório-descritivo realizado em 30 lares de idosos em diferentes freguesias do concelho de Oeiras1 que teve como objetivos identificar nos idosos institucionalizados sem défice cognitivo, quadros depressivos, de dependência funcional e situações de violência física, psicológica, financeira, sexual e negligência. A amostra incluiu 136 idosos, maioritariamente do sexo feminino e com idade superior a 80 anos, a quem foi efetuado um exame breve do estado mental e que não apresentaram défice cognitivo. Os resultados evidenciaram a presença de sintomatologia depressiva (65.4%) e significativa dependência funcional (58.8%). Embora a maioria dos idosos (86.0%) tenha referido gostar de residir na instituição, 33.1% descreveram queixas de violência, relatando sobretudo situações de violência financeira (22.8%). Os autores consideram estes dados alarmantes, com enfoque na violência, sublinhando a necessidade de uma resposta multidisciplinar, no sentido de possibilitar a esta população um envelhecimento com segurança e bem-estar bio-psico-social.

Palavras-chave: Idosos, Institucionalização, Depressão, Dependência funcional, Violência.

 

ABSTRACT

With the increase in life expectancy and the decline in the number of births, is noticeable the aging of the Portuguese population, which therefore presents a greater vulnerability to violence. This article is the summary of an exploratory-descriptive study carried out in 30 homes for the elderly in different parishes in the municipality of Oeiras that aimed to identify in institutionalized elderly without cognitive deficit, depression symptoms, functional dependency and situations of physical, psychological, financial, sexual violence and neglicence. The sample included 136 elderly, mainly female and aged over 80 years, which were subjected to a brief examination of the mental state and who had no cognitive deficit. The results showed the presence of depressive symptoms (65.4%) and significant functional dependence (58.8%). Although the majority of the elderly (86.0%) have said they like to reside in the institution, 33.1% reported complaints of violence, in particular situations of financial violence (22.8%). The authors consider these alarming data, with a focus on violence, stressing the need for a multidisciplinary response, in order to allow this population to age with safety and a bio-psycho-social well-being.

Key-words: Elderly, Institutionalization, Depression, Functional dependence, Violence.

 

Introdução

Com o aumento da esperança média de vida e a diminuição do número de nascimentos, Portugal tem vindo a tornar-se um país envelhecido, o que impõe equacionar medidas adequadas para responder às necessidades da pessoa idosa.

O envelhecimento é um processo que ocorre ao longo do tempo, atingindo todas as áreas do funcionamento humano, implicando perdas não só na autonomia e independência, no funcionamento corporal e intelectual, mas também ganhos, existindo processos de adaptação, otimização e compensação (Giro & Paúl, 2013). A aceitação e o ajustamento às mudanças que ocorrem possibilitarão que este processo seja bem-sucedido, correspondendo a um estado saudável e ativo nas dimensões física, cognitiva e social (Teixeira & Neri, 2008). A dinâmica entre fatores internos ou genéticos, e externos ou ambientais, à qual o sujeito é exposto ao longo da sua vida, explica a diversidade no envelhecimento, dependendo as diferentes formas de envelhecer dos padrões comportamentais do idoso e dos contextos nos quais viveu, ou seja da sua história de vida (Paúl, Fonseca, Martin & Amado, 2005).

Os idosos tendem a apresentar uma conceção física do envelhecimento, associando-a à crescente dependência funcional. Esta contempla as limitações físicas que a doença crónica pode gerar nas atividades pessoais e instrumentais da vida diária, nomeadamente na alimentação, higiene pessoal e mobilidade, tarefas domésticas, assuntos administrativos ou toma de medicamentos.

Nos idosos dependentes e muito dependentes, o bem-estar e a qualidade de vida estão mais facilmente diminuídos, quer pela idade quer pela funcionalidade, existindo limitações no seu quotidiano, nomeadamente na relação com os outros. Os idosos apresentam o receio de que a institucionalização aumente a sua dependência e dificulte a manutenção da autonomia.

Os idosos institucionalizados têm tendencialmente uma conceção do envelhecimento emocional, associando a velhice a sentimentos de tristeza, designadamente pelo isolamento (Pires, 2009).

A institucionalização pode criar condições de ocorrência de violência sobre os idosos, tornando-se por isso importante conhecer não só, as condições em que ocorre esta violência, mas também os fatores de risco que lhe estão associados, para que possamos estabelecer uma estratégia de prevenção/intervenção neste domínio.

Apesar de estar satisfeito com as instalações e cuidados institucionais prestados, o idoso pode apresentar insatisfação e tristeza quer pela falta de autonomia, quer pela existência de doenças e outras limitações físicas (Carvalho & Dias, 2011). O meio de onde provêm os idosos tem influência no processo de adaptação, considerando os autores existir uma ligação forte entre o ambiente familiar e a adaptação à instituição, sendo o primeiro determinante para uma integração bem-sucedida.

Se assim não for, a institucionalização pode constituir-se como fator desencadeador de estados depressivos no idoso, designadamente pela sua falta de autonomia funcional e pela perceção que tem da dificuldade do controlo do seu quotidiano (Salgueiro, 2007). A depressão enquanto problema psicológico pode influenciar negativamente um envelhecer ativo (Maurício, 2010). Os estudos epidemiológicos sugerem, que a taxa de morte está quatro vezes mais aumentada em sujeitos que têm mais de 55 anos e Perturbação Depressiva Major. No caso dos idosos institucionalizados, portadores desta perturbação, a probabilidade de morte é acentuadamente maior durante o primeiro ano. Na realidade, 15% das pessoas com idade superior a 60 anos padecem de algum tipo de perturbação psiquiátrica, ocorrendo a depressão em 7% dos casos (Organização Mundial de Saúde, OMS, 2013).

Embora a depressão seja apontada como um fator preditor da violência, é possível que a institucionalização e o envelhecimento não estejam necessariamente ligados a estados patológicos, como no caso do estudo de Carrilho, Gameiro, Pereira e Espanca (2012), com idosos de idades compreendidas entre 52 e 96 anos, a residir em Centros de Apoio Social, a quem foi proporcionado um certo número de atividades e apoios no seu quotidiano, que apresentavam um grau de dependência ligeiro, alguns sinais de deterioração cognitiva e sintomatologia depressiva ligeira.

A vulnerabilidade física e psicológica desta população, associa-se a situações de violência, as quais se registam de forma inquietante no nosso país, quer no contexto familiar quer institucional (Gil & Fernandes, 2011), tendendo a ampliar-se e a ter maior visibilidade com o aumento do envelhecimento populacional (Gil & Santos, 2012).

Entre os múltiplos aspetos que podem contribuir para a qualidade de vida dos idosos, encontra-se a prevenção e combate a situações de violência. Ainda que as diferentes opções conceptuais e operacionais possam dificultar a análise sobre a extensão do fenómeno da violência contra pessoas idosas, é hoje reconhecido em vários estudos a existência do fenómeno (Gil, Santos, Kislaya, & Nicolau, 2014). A nível nacional regista-se, contudo, uma prevalência da violência contra as pessoas idosas mais baixa, quando comparada com estudos europeus.

De salientar que a maioria destes estudos aborda a violência contra as pessoas idosas, inseridas na esfera familiar, enquanto o nosso estudo foi efetuado com idosos institucionalizados em lares.

Ainda que o conceito de violência seja amplo, podendo integrar maus-tratos, abuso e negligência, no nosso estudo o conceito adotado é o da OMS que na declaração de Toronto (2002) define violência e maus-tratos a pessoas idosas como “qualquer ato isolado ou repetido, ou a ausência de ação apropriada, que ocorre em qualquer relacionamento, em que haja uma expectativa de confiança, e que cause dano, ou incómodo a uma pessoa idosa. Estes atos podem ser de vários tipos: físico, psicológico/emocional, sexual, financeiro ou, simplesmente, refletir atos de negligência intencional, ou por omissão” (United Nations 2002; World Health Organization, 2002, in Gil e col. 2014).

As diferentes formas de violência referidas ao longo do nosso estudo, violência física, psicológica, sexual, financeira e negligência, constituem-se como atos e condutas que causam dano à integridade física e à saúde dos indivíduos, no caso da violência física, ou como ameaças ou condutas que visem a humilhação, prejudicando a saúde psicológica, a autodeterminação e o desenvolvimento individual, no caso da violência psicológica. No que diz respeito à violência sexual, contempla as ações destinadas a obrigar alguém a manter contacto sexual com outrem, contra a sua vontade, recorrendo quer à intimidação ou à ameaça, quer a outra forma que diminua ou anule a vontade individual. A violência financeira refere-se a situações cujas condutas têm como objetivo a obtenção de um determinado benefício ilegítimo, financeiro ou patrimonial. Quanto à negligência, resulta da omissão de ação de alguém que não agindo provoca lesão, mau estar, dor, ou sofrimento ou a morte a outrem que se encontra ao seu cuidado ou guarda (Decreto-Lei nº 48/95).

Segundo o relatório de estatísticas anuais da Associação Portuguesa de Apoio à Vitima de 2013, no referente às pessoas idosas de 65 e mais anos de idade, 774 idosos foram vítimas de crime, representando 8.9% do total de vítimas registadas nesta Associação. A faixa etária superior aos 65 de idade ocupou o 4º lugar em vitimação.

Bogalho, Lima e Ferreira-Alves (2010), no seu estudo sobre maus-tratos em utentes idosos do serviço de urgência de um hospital central, verificaram que a maioria dos indivíduos apresentou pelo menos um indicador de violência, sendo a negligência e o abuso emocional os tipos mais referidos. Como fatores de risco para o abuso na pessoa idosa, foram identificados o género feminino, a existência de depressão, viver sozinho e ter uma perceção negativa da suficiência dos meios de subsistência. Vergueiro e Lima (2010), num estudo sobre idosos inseridos em comunidade verificaram que a maioria dos sujeitos apresentou pelo menos um indício de abuso. O abuso mais prevalente foi o emocional, seguido da negligência e do financeiro, não se tendo registado casos de abuso físico. Porém, Pires (2009) havia concluído que para além de maus-tratos emocionais, também os físicos registaram maior número de ocorrências, tendo sido referidos como principais agressores os cônjuges. A exploração financeira dos bens económicos, que tem como principais autores da ocorrência os filhos e respetivos cônjuges, não foi tão referenciada. Neste estudo foi considerada a violência sobre as pessoas idosas como uma violência de género, na medida em que se constatou que o maior número de ocorrências foi praticado sobre mulheres.

No Projeto sobre Envelhecimento e Violência realizado por Gil e col. (2014) em território português, os autores concluíram ser a violência física perpetrada por cônjuges e filhos a que tem maior visibilidade social no nosso país. A negligência e a violência financeira surgem com frequências mais reduzidas, o que traduziria a invisibilidade destas formas de violência na sociedade portuguesa.

De salientar as situações de polivitimização que ocorrem, tendo os idosos portugueses, segundo este estudo, experienciado múltiplos tipos de violência. A maioria dos idosos foi vítima de duas a três condutas de violência, sendo que em 93.1% das situações de polivitimização uma das condutas vivenciadas era de natureza psicológica.

No referido estudo a prevalência da violência global foi superior no sexo feminino, na população solteira e na viúva. Verificaram os autores existir uma associação estatisticamente significativa entre o nível de escolaridade e a ocorrência de violência global. Os sujeitos sem escolaridade apresentaram a estimativa de prevalência mais elevada.

Relativamente ao estado de saúde física e mental, observaram uma maior prevalência da ocorrência de violência para os indivíduos que referiram sofrer de doença crónica. Na população com sintomas depressivos a prevalência da violência foi superior ao dobro da estimada para a população que não apresentou sintomas.

No referente ao nível de funcionalidade os autores identificaram uma associação estatisticamente significativa entre a funcionalidade e a ocorrência de violência global. Os sujeitos com necessidades de ajuda das Atividades de Vida Diária (AVD) apresentaram uma taxa de prevalência de ocorrência de violência superior aos sujeitos totalmente independentes. De salientar ainda que os sujeitos que necessitavam de ajuda nas AVD apresentaram uma possibilidade de serem vítimas 2.19 vezes superior aos sujeitos independentes.

Assim, as variáveis “idade”, “precisar de ajuda nas AVD” e “escolaridade” estão significativamente associadas a se ser vítima de algum tipo de violência em idosos no contexto familiar, e a variável “ter uma doença crónica” é marginalmente significante.

A escolaridade por seu turno constitui-se como fator protetor face à violência. Os sujeitos escolarizados tinham menor possibilidade de serem vítimas de violência comparativamente aos sujeitos sem escolaridade.

No que se refere ao grupo etário e sexo, concluíram os autores que as mulheres do grupo etário (60-69 anos) reportaram mais a violência do que os homens do mesmo grupo etário. Já no grupo etário dos 80+ anos, esta situação inverte-se evidenciando os homens uma estimativa superior à das mulheres. Os autores consideram que a diferença de género começa a atenuar-se a partir dos 70 anos.

No referente à violência doméstica o (ex) cônjuge/companheiro foi identificado como agressor em 50% dos atos, enquanto os filhos foram identificados como agressores em 25% dos atos de negligência.

Destaque ainda para os atos de violência cometidos em espaços públicos, nomeadamente na rua, aldeia, bairro ou estabelecimentos comerciais e em contexto institucional com foco para os serviços de saúde e para os lares de idosos. Efetivamente, talvez em nenhum contexto o idoso esteja mais vulnerável como nos lares, onde recebe cuidados médicos e apoio social, sendo as estatísticas sobre situações de violência de idosos institucionalizados sombrias e o respetivo combate uma meta distante (Weinmeyer, 2014). Nas instituições como lares ou residências, estas situações têm sofrido agravamento face aos cortes orçamentais, à redução de recursos humanos, à falta de formação para cuidar de idosos e ao stress e burnout a que os recursos humanos estão sujeitos (Carvalho, 2013).

De salientar que a estimativa de prevalência da violência psicológica, foi superior entre as mulheres, no grupo etário dos idosos com mais de 80 anos e nos idosos com idades compreendidas entre 60 e 69 anos. A violência psicológica contra idosos é ainda associada à presença de sintomas depressivos. Neste tipo de violência os (ex) cônjuges/companheiros representam quase um terço dos agressores (Gil & Col., 2014).

O combate à violência é uma questão de justiça social que necessita de uma teoria global unificadora (Harbinson et al., 2012), que transcende a saúde pública e os limites da medicina, uma vez que também diz respeito às esferas social e criminal.

Os idosos institucionalizados podem, em particular, correr um risco superior de serem vítimas de violência, tendo em conta a sua dependência e debilidade física, bem como o desconhecimento que manifestam dos seus direitos legais, o que vem associado ao receio de retaliações em caso de denúncia (Dias, 2005). Como referem Sibbald e Holroyd-Leduc (2012), se é verdade que alguns cuidadores que maltratam os idosos, são sem dúvida oportunistas ou sociopatas, outros podem simplesmente estar em situação de sobrecarga de trabalho, o que se vem verificando cada vez mais no nosso país.

Os fatores de risco para situações de violência, parecem pois existir em todos os níveis do contexto ecológico do desenvolvimento humano, incluindo interpessoal/psicológico, interpessoal/familiar, rede social, institucional, comunitário/social, cultural e histórico, sendo por isso fulcral, como medida de prevenção, fomentar a comunicação entre a família do idoso e os cuidadores, combatendo-se desta forma situações de isolamento social e de abuso (Schiambeg et al., 2011).

Da revisão de literatura sobre os estudos de prevalência da violência em idosos nas últimas décadas, Santos, Nicolau, Fernandes e Gil (2013) concluíram estarmos perante um problema multifatorial, complexo de conceptualizar e operacionalizar, que abrange fatores de risco inerentes ao idoso, ao mal tratante, ao relacionamento e ao ambiente. Embora a evidência atual suporte esta etiologia multifatorial, Johannesen e Logiudice (2013), recomendam alguma prudência, considerando a necessidade de mais pesquisa para testar a força e independência destes fatores de risco.

Existe pouca evidência científica que suporte a prevenção de violência/maus-tratos sobre os idosos, e poucos estudos sobre a intervenção nesta problemática que facilitem o desempenho dos profissionais de saúde (Daly, Merchant, & Jogerst, 2011). Na complexidade de avaliação deste fenómeno, são de assinalar as dificuldades na sua definição e metodologia que prejudicam a comparação de dados de vários países. Por outro lado, a falta de consciencialização familiar e social, o isolamento de alguns idosos, os maus-tratos enquanto problema escondido, que geralmente ocorre na privacidade do lar e é visto como um assunto de família (Lowenstein, 2009), bem como o acesso limitado a contextos institucionais, ou a falta de inquéritos nacionais representativos e de medição, têm-se constituído como entraves à investigação nesta área.

As situações de violência podem ter efeitos profundos e a longo prazo nas pessoas idosas, sendo necessário que a par do desenvolvimento de um sistema externo de comunicação, ocorram mudanças internas no contexto clínico, que facilitem a queixa das vítimas (Schmeidel, Daly, Rosenbaum, & Schmuh, 2012).

A violência é uma importante causa de morbilidade e mortalidade em adultos mais velhos para a qual, os técnicos de saúde têm de estar atentos (Yaffe & Tazkarji, 2012). Conhecer os estereótipos presentes na população portuguesa bem como a prevalência e a natureza fenomenológica dos episódios de violência é fundamental para combater estas situações (Vergueiro & Lima, 2010). Como sugerem Clancy, Mcdaid, O’Neill e O’Brien (2011) é fundamental a criação de um banco nacional de dados, encaminhamentos de casos de suspeita de violência sobre idosos, e a conjugação desses dados entre Estados Europeus, no sentido de serem criados procedimentos de classificação e acompanhamento das situações.

Tendo subjacentes as teorizações anteriores, tendo em conta que o fenómeno da violência sobre esta faixa etária tem aumentado, e as recomendações do Plano Estratégico Municipal para as Pessoas Idosas: 2013-2015 (CMO, 2013) que apontam para a necessidade de correção de determinadas situações, como os lares da terceira idade e as estruturas de apoio à população residente no concelho de Oeiras, não se encontrarem perto dos serviços ou da comunidade, terem instalações habitualmente de difícil acesso para pessoas com limitações na mobilidade, os autores do estudo que agora se apresenta, centraram-se na realidade da população idosa do referido concelho, residente em lares2 dada a necessidade premente de estabelecer um diagnóstico das suas particularidades. Assim, acederam ao contexto institucional, despistando nos idosos institucionalizados sem défice cognitivo, quadros depressivos, de dependência funcional e situações de violência. De salientar ainda que o referido Plano (CMO, 2013), considera ser primordial a implementação de medidas promotoras de segurança da população idosa no concelho.

O presente estudo visa identificar e caracterizar as situações de violência física, psicológica, financeira, sexual e negligência a que estiveram sujeitos os idosos institucionalizados em lares, localizados no concelho de Oeiras, que fazem parte da nossa amostra, tendo em conta que as cinco formas de violência referidas são transversais aos estudos mais recentes.

Fomos avaliar a prevalência da violência global e dos diferentes tipos de violência nos sujeitos que constituíram a nossa amostra. Posteriormente os resultados foram analisados por grupos específicos como o sexo, a idade, a escolaridade e o estado civil, saúde mental/depressão e capacidade funcional, bem como, a perceção que os idosos da nossa amostra tinham sobre o fato de terem ou não sido vítimas de violência.

 

Método

Tomando como referência a Carta Social do Concelho de Oeiras de 2012, foram contactados todos os lares que constam deste documento, no sentido de obter a sua colaboração no estudo. Verificou-se que algumas instituições não faziam parte da referida Carta Social, o que não constituiu óbice a que participassem no nosso estudo. Dos lares contactados apenas dois estabelecimentos se recusaram a participar. Num outro lar, embora tenha sido autorizada a recolha dos dados, os utentes não reuniram critérios de inclusão no estudo, de acordo com a avaliação breve do estado mental.

Em cada um dos lares que manifestou disponibilidade em aderir ao estudo, foi efetuada uma reunião prévia com os representantes, no sentido de serem explicados os objetivos do referido estudo, responder a questões e enfatizar a importância da sua adesão ao processo. Após as respetivas autorizações, procedeu-se à recolha dos dados. Os idosos com condições clínicas para responder, foram indicados pelas instituições e posteriormente triados por uma avaliação breve do estado mental. Após obtenção de consentimento informado, a aplicação dos instrumentos foi realizada exclusivamente por psicólogos, num espaço facultado pelas próprias instituições, garantindo assim a privacidade dos idosos.

O tratamento e análise estatística foram desenvolvidos com recurso ao programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences). A análise estatística incidiu sobre aspetos descritivos dos dados, baseando-se no cálculo de frequências, apresentadas na forma de percentagem. Para testar a associação entre a ocorrência da violência e variáveis tais como sexo, idade e escolaridade foi utilizado o Qui-quadrado. O nível de significância dos testes foi estabelecido em 5%.

 

Instrumentos

Com a aplicação presencial dos questionários, pretendeu-se caracterizar os aspetos sociodemográficos, o estado de saúde mental, a capacidade funcional e as experiências de violência psicológica, financeira, sexual, física e negligência, a sua frequência e o tipo de denúncia, quando efetuada.

Foram utilizados os seguintes instrumentos na recolha de dados:

 

Exame Breve do Estado Mental (Mini Mental State Examination/MMSE; Versão Portuguesa de Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas, & Garcia, 1994 in Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demências GEECD (2008): utilizado fundamentalmente para rastreio cognitivo, abrangendo a orientação, atenção, memória, linguagem e capacidade visuo-construtiva. Neste estudo permitiu triar os idosos sem défice cognitivo a incluir na amostra, variando a sua pontuação entre 0 e 30.

 

Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale/GDS, Yesavage et al., 1983; Versão Portuguesa de Barreto, Leuschner, Santos, & Sobral, 2003 in Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demências GEECD (2008): versão de 30 itens que permitiu caracterizar a sintomatologia depressiva, variando a sua pontuação entre 0 e 30. Este é um instrumento de autorrelato de avaliação de sintomas depressivos em pessoas idosas.

 

Escala de Dependência de Barthel (Barthel ADL Index, 1965, versão Portuguesa de Araújo, Pais-Ribeiro, Oliveira, & Pinto, 2007): avalia o nível de dependência do indivíduo, variando a sua pontuação entre 0 e 100.

 

Questionário de Violência: elaborado para este estudo foi constituído por uma pergunta inicial fechada (Alguma vez depois de estar nesta instituição foi vítima de violência por um cuidador/familiar?), com a qual se pretendia saber genericamente se o idoso de forma espontânea era capaz de identificar o fenómeno da violência, anotando-se a sua opção de resposta (sim vs. não), e perguntas fechadas com igual estrutura sobre diferentes indicadores de violência: (a) Física (e.g., episódios de ter sido trancado no quarto, ter sido batido, agarrado com força excessiva); (b) Psicológica (e.g., episódios em que lhe gritaram, insultaram, ignoram frequentemente); (c) Económica/Financeira (e.g., roubo de objetos pessoais, usurpação da reforma, obrigaram a fazer transferências/doações contra a sua vontade); (d) Sexual (e.g., toques/carícias que considerou inadequados sem o seu consentimento, alvo de comentários com conteúdo sexual); (e) Negligência (e.g., falta de cuidados na higiene pessoal, falta de cuidados de saúde, falta de ajuda nas idas à casa-de-banho).

Se o idoso respondesse positivamente a qualquer um dos itens e descrevesse o episódio, era-lhe questionado se tinha feito queixa, solicitando-se para especificar o tipo de queixa.

 

Questionário Sociodemográfico: aplicado na entrevista, incluiu parâmetros tais como sexo, idade, escolaridade, estado civil, nº de filhos, residência, concelho prévio à institucionalização e periodicidade de visitas.

 

Caraterização demográfica da amostra

O concelho de Oeiras pertence à grande área metropolitana de Lisboa, ocupa uma área de 46km2 e tem cerca de 168.500 habitantes, sendo constituído à altura por dez freguesias: Algés, Barcarena, Carnaxide, Caxias, Cruz Quebrada-Dafundo, Linda-a-Velha, Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos, Porto Salvo e Queijas, hoje reorganizadas3. Segundo os Censos de 2011 (Instituto Nacional de Estatística, 2012), Oeiras tem uma população idosa que ultrapassa os 33.200 residentes, (19.3% da população total do concelho) demonstrando um crescimento de mais de 9% desta população desde 1991. De salientar que alguns dos lares onde recolhemos a nossa amostra, embora acolham idosos, não possuem alvará, não têm técnicos qualificados e não ocupam os seus idosos com atividades. As condições que encontrámos nos diferentes lares, bem como os preçários, são muito díspares. Todavia, como este estudo não pretende fazer uma análise das condições de funcionamento dos lares no concelho de Oeiras, optámos por não abordar aqui essa matéria.

 

Participantes

O universo populacional integrou idosos institucionalizados sem sinais de défice cognitivo, de ambos os sexos e com condições clínicas para participar no estudo. A amostra foi recolhida em diferentes freguesias do concelho, com idosos indicados de acordo com os critérios referidos, triados ulteriormente pela aplicação do Exame Breve do Estado Mental e que aceitaram participar.

A amostra integrou um total de 136 idosos, provenientes de 30 lares das diferentes freguesias do concelho, sendo que 67.6% dos idosos eram do sexo feminino e 32.4% do sexo masculino. Relativamente à faixa etária, 36.0% tinham idade igual ou inferior a 80 anos e 64.0% uma idade superior a 80 anos. O sujeito mais novo tinha a idade de 58 anos e o sujeito mais velho 104 anos, sendo a média de idades 82.16 anos (sd=8.47). Assim, a maioria dos idosos foi do sexo feminino, com uma idade superior a 80 anos (cf. Tabela 1).

 

 

No referente ao nível de escolaridade, a maioria dos idosos tinha uma escolaridade compreendida entre o 1º e o 3º Ciclo (55.1 %). Atendendo ao nível etário dos idosos, é de assinalar que ao contrário do que se verifica atualmente, não havia à época escolaridade obrigatória até ao 12º ano, daí que se tenha verificado maior representatividade de habilitações literárias mais baixas. Dos restantes idosos, 21.3% eram analfabetos ou não completaram o ensino básico, 11.0% realizaram estudos superiores, 5.1% tinham escolaridade compreendida entre o 10º e o 12º ano e 7.4% não especificaram a sua escolaridade.

Quanto ao tempo de institucionalização, 36.8% residiam no contexto de lar num período superior a 1 ano, mas inferior a 3 anos, 29.4% estavam a residir em lar há menos de 1 ano, 14.0% habitavam o lar há mais de 3 anos mas menos de 5, 12.5% estavam na instituição entre 5 e menos de 10 anos e 7.3% num período igual ou superior a 10 anos. Como se pode verificar, a maioria dos idosos referiu residir na instituição entre 1 e 3 anos. Faziam parte de uma minoria os idosos que estavam institucionalizados há mais de 10 anos. No que diz respeito ao estado civil, a maioria da amostra, 63.3% era viúva. Dos restantes idosos, 15.4% eram solteiros, 13.2% eram casados/união de facto e 8.1% eram divorciados (cf. Tabela 2).

 

 

Previamente à institucionalização, 55.1%, habitavam casa própria, estando os restantes em casa alugada (38.2%), em casa dos filhos (2.9%), numa outra instituição (1.5%), em casa de outros familiares (1.5%) ou noutro contexto (8%). Os diferentes contextos habitacionais situavam-se sobretudo no concelho de Oeiras (53.7%), sendo Lisboa o segundo concelho mais representado (25.7%).

A maioria dos idosos (64.8%) tinha filhos, sendo que destes 56.6% tinha entre 1 a 2 filhos.

A maioria dos idosos (73.5%), encontrava-se em situação de reforma, sendo a gestão monetária realizada principalmente com ajuda (80.9%) geralmente dos filhos (48.5%) e de outros familiares (19.1%).

A maioria dos idosos (87.5%) recebia visitas, tendo as mesmas periodicidade usualmente semanal (50.0%) ou sem frequência definida de acordo com a disponibilidade dos familiares ou amigos (16.2%). Na sua maioria os idosos recebiam visitas exclusivas da família (74.9%). Apenas uma minoria não recebia visitas na instituição, ficando numa situação de maior vulnerabilidade e isolamento, constatando-se que maioritariamente os idosos tinham suporte, sobretudo familiar.

 

Resultados e discussão

Na sua maioria (86.0%), os idosos afirmaram gostar de residir na instituição, tendo uma minoria (14.0%) verbalizado não gostar de estar neste contexto, sendo as diferenças estatisticamente significativas (χ2=70.618; g.l.=1; p=.001).

No seu quotidiano, 55.1% dos idosos tinham passatempos e 44.9% referiram não ter qualquer atividade individual, não sendo as diferenças encontradas estatisticamente significativas (χ2=1.441; g.l.=1; p=.230). Os passatempos referidos pelos idosos foram vários, nomeadamente a leitura (14.0%), ver televisão (8.1%), fazer costura (8.1%) e ocupar o tempo com jogos (5.1%).

No referente à distribuição dos níveis de Depressão dos idosos resultante da aplicação da Escala de Depressão Geriátrica, observou-se que 55.1% dos idosos apresentavam sinais de depressão ligeira, 10.3% sinais de depressão grave, e 34.6% não apresentavam sintomatologia depressiva (cf. Tabela 3). Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas (χ2=41.132; g.l.=2; p=.001). De salientar que não se encontraram diferenças estatisticamente significativas por sexo (χ2=1.160; g.l.=1; p=.282), idade (χ2=0.001; g.l.=1; p=.980) ou estado civil (χ2=6.227; g.l.=3; p=.101). De acordo com os resultados, constatou-se que a maioria dos idosos (65.4%) apresentava sinais de depressão, o que pode constituir um fator de risco, na medida em que podem ser mais vulneráveis às situações de violência. Gil e col. (2014) observaram uma associação estatisticamente significativa entre o estado de saúde física e mental e a ocorrência de violência global (p=0.002). Na população com sintomas depressivos a prevalência de violência (17.5%) foi superior ao dobro da estimada para a população que não apresentou sintomas (8.3%).

 

 

No que se refere à distribuição dos níveis de dependência funcional dos idosos e de acordo com os resultados obtidos na aplicação da Escala de Barthel, as diferenças encontradas foram estatisticamente significativas (χ2=43.632; g.l.=4; p=.001). Na funcionalidade, observou-se que a maioria dos idosos apresentou um nível de dependência significativo (58.8%). Nos idosos mais dependentes, foi superior a dependência média (22.1%), seguida da moderada (14.7%) e por fim da severa e total, ambas com 11.0%. Apresentaram um grau de dependência mínima 41.2% dos idosos (cf. Tabela 4).

 

 

Refira-se que não se encontraram diferenças estatisticamente significativas na funcionalidade quanto ao sexo (χ2=.872; g.l.=4; p=.929), idade (χ2=7.398; g.l.=4; p=.116) e estado civil (χ2=19.368; g.l.=12; p=.080).

Também em relação ao nível de funcionalidade Gil e col. (2014) identificaram uma associação estatisticamente significativa entre o nível de funcionalidade e a ocorrência de violência global (p<0.001). Assim, os idosos com necessidades de ajuda das AVD apresentaram uma taxa de prevalência de ocorrência de violência de 24.3% comparativamente aos sujeitos totalmente independentes com 10.1%. Os idosos do nosso estudo apresentam também este fator de risco no referente a ser vítima de algum tipo de violência.

No que diz respeito à perceção que os idosos manifestaram sobre terem ou não sido vítimas de violência, perpetrada por um familiar ou cuidador, a maioria dos idosos (95.6%) respondeu negativamente e 4.4% indicaram que já haviam sido vítimas deste fenómeno. As diferenças encontradas foram estatisticamente significativas (χ2=113.059; g.l.=1; p=.001).

Quando se particularizou as respostas e se apresentou aos idosos múltiplos indicadores de violência (cf. Tabela 5), esta percentagem subiu para os 33.1%, tendo-se encontrado diferenças estatisticamente significativas (χ2=15.559; g.l.=1; p=.001).

 

 

As situações de polivitimização que ocorrem são patentes no nosso estudo. Dos 45 idosos vítimas de violência, 35 sofreram um tipo de fenómeno e 10 foram vítimas de dois ou mais tipos de violência. Uma vez que dos 45 idosos vítimas de violência, 10 sofreram mais de um tipo, registou-se um total de 58 queixas de violência. No estudo de Gil e col. (2014) 82.8% dos idosos reportaram 2 a 3 condutas de violência de que foram vítimas.

Nas queixas, a violência económica/financeira foi a mais representada, já que do total da amostra, 22.8% destas situações foram sinalizadas, envolvendo sobretudo desaparecimento de objetos/valores pessoais dentro da instituição. Por outro lado, 8.8% dos casos incluíram violência psicológica, 8.1% situações de negligência e 2.9% episódios de violência física. Não foi identificado qualquer tipo de violência sexual, tendo todos os idosos respondido negativamente a qualquer um dos possíveis indicadores. Contrariamente a outros estudos não é a violência psicológica a que surge como mais prevalente, ainda que ela se apresente em segundo lugar (cf. Tabela 5). A violência financeira e a psicológica constituem efetivamente os dois principais tipos de violência relatados pela população portuguesa com mais de 60 anos.

Estes resultados alertam para a necessidade de consciencializar esta população dos direitos que tem, dando-lhe voz e incentivando-a a identificar indicadores de violência. O apoio social pode, nestes casos, representar um fator chave na redução e prevenção da vulnerabilidade e isolamento das pessoas idosas, bem como o risco de maus-tratos (Melchiorre et al., 2013). De salientar que não se verificaram diferenças estatisticamente significativas no referente à escolaridade (χ2=18.828; g.l.=11; p=.064), sexo (χ2=0.030; g.l.=1; p=.864), idade (χ2=1,119; g.l.=1; p=.290) e estado civil (χ2=3.153; g.l.=3; p=.369), contrariamente a outros estudos, nomeadamente o de Gil e col. (2014) em que os autores encontraram estimativas de prevalência de violência para as mulheres do grupo etário (60-69 anos) com 17.5% comparativamente aos homens do mesmo grupo etário com 6.3%. Invertendo-se estes resultados no grupo etário superior a 80 anos, em que os homens evidenciaram uma estimativa de 23.1% e as mulheres 21.5%. No referido estudo a prevalência da violência global foi superior no sexo feminino (F=15.0% e M=8.8%).

Relativamente às participações das ocorrências de situações de violência, verificou-se ter havido por parte dos idosos uma atitude passiva, não tendo a maioria das situações chegado ao conhecimento dos responsáveis das instituições. Dos 45 idosos que sofreram violência, 13 (28.9%) apresentaram queixa, sobretudo interna, como por exemplo à direção técnica do lar (84.6%). Verificou-se também que os idosos não apresentaram queixa à sua família de situações ocorridas na instituição, optando por relatar as situações apenas internamente ou junto de outras entidades. Estes resultados vão na mesma linha de outros estudos, sendo que 13.5% da população vítima de violência, no estudo de Gil e col. (2014) recusou identificar o agressor, o que segundo os autores pode indicar sentimentos de inibição para a denúncia, e 64.9% das vítimas de crime e violência não falou, nem contactou ou apresentou queixa sobre a situação vivida. Não podemos esquecer a fragilidade em que se encontram estes idosos, normalmente sem a possibilidade de recorrerem a outros, que não os que com eles lidam no quotidiano. De salientar que uma percentagem importante dos agressores coabita com a vítima, sendo os laços afetivos com o agressor um dos motivos para a não apresentação de queixa.

 

Considerações finais

Os resultados obtidos sugerem que nos idosos do concelho de Oeiras institucionalizados, sem défice cognitivo, há satisfação relativamente à integração no contexto de lar. Os idosos que participaram neste estudo, com idades compreendidas entre os 58 e os 104 anos, na sua maioria viúvos, com escolaridade maioritariamente compreendida entre o 1º e o 3º ciclo, e institucionalizados na sua maioria entre 1 a 3 anos, afirmaram (86.0%) estar satisfeitos com a instituição na qual se encontravam. À semelhança de estudos já referidos, com resultados idênticos, também estes idosos, apesar de satisfeitos com a instituição, apresentaram sintomatologia depressiva. Ainda que a depressão possa ter sido desencadeada pela institucionalização nalguns casos, nomeadamente pela falta de autonomia funcional que afetava 58,8% dos idosos, as referências ao apoio familiar através das visitas, com diferentes periodicidades, feitas por 87.5% sugere que a institucionalização na maioria dos casos não terá conduzido a situações de isolamento e exclusão social.

Efetivamente se a resposta social tiver qualidade, poderá, indo ao encontro das necessidades do idoso, possibilitar-lhe ter uma representação da instituição que não seja a de resposta de último recurso, mas sim um novo contexto habitacional, no qual se estabelecem novas relações sociais, se combate a solidão, e se tem assistência com humanização, aos mais diversos níveis.

A nível de ocupação de tempos livres, as referências feitas pelos idosos foram muito heterogéneas. Alguns atribuem importância à ocupação dos tempos livres, praticando diferentes atividades, enquanto outros não. Assim, verificou-se que nem todos os idosos ocupam o seu tempo, pelo que urge dinamizar mais estes contextos e fomentar a iniciativa do idoso na manutenção de hábitos e rotinas, desenvolvidas individualmente e/ou em grupo, combatendo-se situações de apatia e desinvestimento na realidade circundante. Considera-se importante sensibilizar os idosos designadamente, para os benefícios da estimulação cognitiva, bem como motivá-los para um envelhecer ativo.

Os níveis de depressão sinalizados em 65.4% dos idosos, a dependência funcional em 58.8% e as situações de violência em 33.1%, não podem ser ignorados, pois como referimos, nos idosos institucionalizados portadores de depressão, os riscos de morte aumentam e, por outro lado, os idosos com dependência funcional, pelas limitações no seu quotidiano, terão o seu bem-estar e a qualidade de vida diminuídos. O fator funcionalidade pode também contribuir para os níveis de depressão encontrados na nossa amostra.

Ainda que não se tenham obtido resultados que possam apontar fatores de risco ou protetores em relação à violência contra idosos, com os mesmos níveis de confiança que outros estudos referem, ao que não será eventualmente estranho estarmos perante uma população institucionalizada e não em contexto familiar, como nos diferentes estudos referidos, nalguns idosos institucionalizados, sinalizaram-se expressivos sinais de depressão, dependência e vitimização de violência, estando este último fenómeno envolto em desconhecimento e passividade, à semelhança do referido na literatura.

No que se refere aos processos de vitimização, constatou-se que os idosos identificaram com maior facilidade, ter sido vítimas de violência, mediante a apresentação concreta de indicadores, do que através de uma pergunta geral sobre este fenómeno, o que vem ao encontro da literatura, e sugere que ainda existe desconhecimento nesta população sobre os seus direitos em geral e sobre esta temática em particular.

A violência financeira referenciada por 22.8% dos idosos pode tornar-se mais grave atendendo a que a gestão monetária é assegurada principalmente com ajuda (80.9%) geralmente dos filhos (48.5%). À semelhança de outros estudos, também neste se encontrou maioritariamente passividade face às ocorrências, com apenas uma minoria dos idosos (28.9%) a apresentar queixa.

Tratando-se de dados agrupados, as conclusões deste estudo não se referem a lares específicos, pelo que os resultados obtidos não devem ser atribuídos a nenhuma das entidades em particular.

Estes fenómenos isolados, mas sobretudo interagindo em simultâneo, podem comprometer um envelhecimento com bem-estar e qualidade. Alguns idosos continuam a desconhecer os seus direitos de uma forma geral, pelo que, situações de violência ocorrem e podem ocorrer sem que o idoso faça queixa, não só por receio de represálias, como também por falta de identificação da própria situação de abuso/maltrato. Quando sinalizados no contexto institucional, devem ser monitorizados e tomadas ações preventivas, enquanto boa prática no âmbito da saúde, com instrumentos de rastreio, mas também de avaliação mais exaustiva, sendo fulcrais no delineamento do plano de intervenção com o idoso.

Uma das preocupações do nosso estudo foi a de contribuir para uma reflexão sobre questões ligadas à terceira idade, nomeadamente no que se refere à institucionalização em lares, no caso vertente, numa amostra recolhida no concelho de Oeiras. Com a apresentação destes resultados têm os autores a expectativa de que possam ser tomadas medidas corretivas e preventivas, nomeadamente no concelho de Oeiras, no sentido de obviar situações que se constituem como de extrema gravidade, para uma população cujas defesas são no limiar da vida muito exíguas.

A violência é uma importante causa de morbilidade e mortalidade em adultos mais velhos, como foi referido. Assim, seria importante que os técnicos, designadamente os médicos de família, em virtude do seu contacto privilegiado e forte relação de confiança estabelecida ao longo do tempo, estivessem atentos a esta problemática. Conhecer a prevalência e a natureza fenomenológica dos episódios de abuso, bem como definir uma linguagem comum de identificação da violência nas pessoas idosas, é fundamental para desenvolver os meios de prevenção primária deste género de situações.

Neste sentido, considera-se importante como foi referido, a criação de um banco nacional de dados sobre encaminhamentos de casos de suspeita de violência sobre idosos, bem como a conjugação desses dados entre Estados Europeus, no sentido de fornecer informações valiosas sobre abuso de idosos.

Só quando se assumir que a prevenção da dependência, depressão e violência nas pessoas idosas, são questões prioritárias, que não podem mais ser descuradas e carecem de uma resposta multidisciplinar – urgente e articulada – poderemos pedir às pessoas idosas que identifiquem e exijam melhores cuidados, denunciando a sua falta, garantindo que podem envelhecer em segurança. Têm esse direito e devemos-lhes isso.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Luísa Carrilho, Praceta de Luanda, nº 2, r/c Dto, 2780-018 Oeiras. E-mail: lcarrilho@gmail.com

 

Financiado em parte pela F.C.T (PIHM/GC/0008/2008, SFRH/BPD/77199/2011) e pela Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género.

 

Submissão: 12/08/2013 Aceitação: 04/02/2015

 

NOTAS

1 Agradecemos aos idosos institucionalizados, às suas famílias, às Direções dos lares Corpuscare Global Health Center, Casa Solar São Pedro, Casa de Repouso as Rosas, Casa de Repouso das Palmeiras, Centro Social Paroquial de Oeiras, Casa de Repouso O Teu Ninho, Lar Casa Antiga, Casa do Parque, Casa de Repouso dos Arcos, Lar Casa de Repouso Vila Mendes, Casa de Repouso da Marginal, Centro Social Nossa Senhora do Cabo-Lar e Centro de Dia Padre Dehon, Conferência Masculina de Nossa Senhora das Graças, bem como dos restantes que preferiram o anonimato.

Agradecemos a colaboração da Dra. Mafalda Alexandre na recolha de informação junto dos idosos e do Prof. Doutor Joaquim Pinto Coelho na supervisão do tratamento estatístico.

2 Segundo o Despacho Normativo nº 12/98, considera-se lar para idosos o estabelecimento em que sejam desenvolvidas atividades de apoio social a pessoas idosas através do alojamento coletivo, de utilização temporária ou permanente, fornecimento de alimentação, cuidados de saúde, higiene e conforto, fomentando o convívio e propiciando a animação social e a ocupação dos tempos livres dos utentes. Os objetivos específicos dos lares para idosos passam por proporcionar serviços permanentes e adequados à problemática bio-psico-social das pessoas idosas, contribuir para a estabilização ou retardamento do processo de envelhecimento, criar condições que permitam preservar e incentivar a relação intrafamiliar e potenciar a integração social.

3 Freguesia de Barcarena, Freguesia de Porto Salvo, União de Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, União de freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz-Quebrada, Dafundo e União de Freguesias de Carnaxide Queijas.

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