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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.32 no.4 Lisboa dez. 2014

https://doi.org/1014417/ap.32.3.844 

Os estilos educativos parentais e a regulação emocional: Estratégias de regulação e elaboração emocional das crianças em idade escolar

 

Hugo Miguel Pinto*, Ana Rita Carvalho*, Eduardo Nunes Sá*

* ISPA – Instituto Universitário

Correspondência

 

RESUMO

O fenómeno da regulação emocional tem-se revelado um tema de grande interesse ao nível da investigação científica pela importância que adquire na vida das pessoas e nas trajetórias de desenvolvimento adaptativo das crianças. O presente estudo investigou a relação que as dimensões de suporte emocional, rejeição e tentativa de controlo estabelecem com o grau de elaboração emocional das crianças tendo em conta os movimentos do mundo interno das crianças. Participaram na investigação 64 crianças, de ambos os sexos, dos 3º e 4º ano de escolaridade, do ensino público e particular e cooperativo. Verificou-se que níveis mais elevados de suporte parental estão associados a níveis elevados de elaboração emocional. A dimensão relativa à rejeição parental encontra-se associada a dificuldades ao nível da elaboração emocional confirmando a regulação emocional enquanto fenómeno relacional alicerçado na complexidade individual que decorre da importância que a qualidade das relações parentais se revestem.

Palavras-chave: Emoções, Regulação, Estilos parentais educativos.

 

ABSTRACT

The phenomenon of emotion regulation has proved to be a topic of great interest in scientific research by the importance that it has in people’s lives and in the trajectories of adaptive development in children. The present study represents an operationalization of the construct of emotional regulation, taking into account the movements of the inner world of children, seeking to understand the relationship that the dimensions of emotional support, denial and attempt to control establish with the degree of emotional development of children. In this study participated 64 children of both sexes, from 3rd and 4th grade of public and private and cooperative elementary schools. It was found, that higher levels of parental support are associated with higher levels of emotional development. Parental rejection is associated with difficulties in terms of emotional development confirming the emotional regulation as a relational phenomenon grounded in individual complexity due to the importance that the quality of parental relationships is covered.

Key-words: Emotion, Regulation, Parental rearing style.

 

INTRODUÇÃO

Todas as nossas experiências envolvem emoções e todas as nossas emoções decorrerão das nossas experiências. Estão presentes na nossa vida quotidiana, desde as atividades mais elementares às atividades mais complexas. Não sendo as emoções que caracterizam a nossa espécie, estando presentes em muitos outros animais, são, porventura, as emoções que melhor caracterizarão a nossa humanidade. Filogeneticamente competentes para a vinculação, pais e crianças constroem uma linguagem emocional, estabelecida e presente ao longo do desenvolvimento (Shipman et al., 2007). Esta linguagem emocional, parece assim, ser uma forma de diálogo interno que vai contribuindo para o desenvolvimento de uma linguagem emocional própria por parte da criança na interação com os outros, determinante ao nível da regulação emocional e adaptação ao meio (Gross, 2007).

A capacidade de regulação das emoções apresenta-se como um objetivo absolutamente fundamental no desenvolvimento sócio emocional das crianças (Shipman et al., 2007). A investigação com crianças tem demonstrado que estratégias de regulação das emoções estão associadas com a qualidade da vinculação (Shaver & Mikulincer, 2002), com o desempenho cognitivo e escolar (e.g., Cummings, Davies, & Campbell, 2000) e manifestações de ordem psicopatológica (e.g., Gross, 2007).

 

AS EMOÇÕES

As emoções constituem-se enquanto um fenómeno multifacetado e complexo, presente em todos os aspetos da vida quotidiana, influindo de modo significativo nas trajetórias de desenvolvimento adaptativas (Aldao, Nolen-Hoeksema, & Schweizer, 2010). O seu estudo e interesse remontam à antiguidade clássica, desde os filósofos hedonistas antigos e modernos, através de Descartes, até às hipóteses mais empíricas de Darwin ou William James. Esta diversidade e complexidade justificam a multiplicidade de perspetivas, divergências de opiniões (Lewis, Haviland-Jones, & Barret, 2008) e abordagens científicas e metodológicas (Calkins, 2010).

Não obstante a sua complexidade e abrangência, a sua presença situa-se no espaço de intersecção entre o corpo e a mente, manifestando-se ao nível físico e ao nível psicológico. Neste espaço de intersecção, não obstante o interesse quem tem sido dotado à relação entre as emoções e as perturbações psicossomáticas (Matos, 2003; Sami-Ali, 2002), as emoções têm-se revelado um campo privilegiado de investigação na prossecução da tentativa de compreensão da relação entre as emoções e as trajetórias de desenvolvimento adaptativas ou, ainda, a psicopatologia infantil, o desenvolvimento sócio emocional, ou o conhecimento e expressão das emoções na infância e a sua relação com as práticas e estilos parentais educativos (Gross, 2007).

As emoções não existem dissociadas do Sistema Nervoso Autónomo que, em relação ao Sistema Nervoso, representa a primeira linha de defesa do corpo e da mente. Perante a complexidade do Sistema Nervoso, (co)existem sempre 3 fontes ou fatores a condicioná-lo permanentemente: a filogénese, a ontogénese e a auto-organização cerebral (Sá, 2009). A biologia nervosa permite-nos, deste modo, perceber que todas as interações sociais suscitam transformações sinápticas. Sendo assim, é a relação que organiza e arquiteta as associações e a biologia nervosa; é o mental que organiza o cerebral. De outro modo ainda, é a relação que organiza e arquiteta a emoção (Brazelton & Greenspan, 2002; Sá, 2009).

 

AS EMOÇÕES E A REGULAÇÃO EMOCIONAL INFANTIL

Falar de emoção e desenvolvimento emocional na criança conduz-nos, inevitavelmente, a falar de um conceito muito próximo, ou, segundo alguns, mesmo intrínseco à própria emoção (Hoeskma, Oosterlaan, & Shipper, 2004) e largamente abordado na literatura destes últimos anos: a regulação emocional.

Depois do estudo das emoções, o próprio fenómeno da regulação emocional, representou a nova fronteira na investigação ao nível do fenómeno emocional, procurando a compreensão do fenómeno na sua globalidade. O termo regulação emocional começou a ser utilizado na década de 80 (Gross, 1999), mas cedo a excessiva abrangência de aplicação do conceito se revelou nefasta para o seu próprio estudo e compreensão (Bridges, Denham, & Ganiban, 2004; Cole, Martin, & Dennis, 2004).

A investigação no âmbito da regulação emocional tem aumentado consideravelmente no decorrer das duas últimas décadas (Eisenberg, Champion, & Ma, 2004). Contudo, como diversos investigadores fizeram questão de notar, definições de regulação emocional têm estado de forma recorrentemente implicadas mas não definidas (e.g., Thompson, 1994).

Não obstante as dificuldades inerentes ao desafio proposto, esforços recentes têm vindo a ser realizados, ao nível da literatura científica, no sentido de clarificar o constructo de regulação emocional e, neste sentido, uma definição mais abrangente do termo parece começar a emergir (Calkins, 1994; Cole et al., 2004; Thompson, 1994; Walden & Smith, 1997).

Thompson (1994, pp. 27-28), define a regulação emocional enquanto “os processos extrínsecos e intrínsecos responsáveis por monitorizar, avaliar e modificar reações emocionais, especialmente os seus aspetos temporais e de intensidade, com a finalidade de atingir determinado objetivo”. Adicionalmente, o mesmo autor define algumas formas possíveis da emoção ser regulada, designadamente através de uma resposta neurofisiológica, processos atencionais, atribuições, recursos de coping, exposição ao ambiente e respostas comportamentais.

De acordo com uma primeira dimensão, a regulação emocional é um constructo dialético, envolvendo a emoção na qualidade de regulador emocional e de fenómeno regulado (Cole et al., 2004). Um segundo aspeto da regulação emocional encontra-se relacionado com a distinção entre controlo e regulação. Cole et al. (2004) definem a regulação como ‘o ajustamento dinâmico’ do comportamento emocional, enquanto que o controlo se reporta à contenção dos processos emocionais. Um último aspeto da regulação emocional diz respeito à sua interação com as variáveis ambientais, tais como a família ou a cultura. As interações dialéticas entre o temperamento da criança e as características comportamentais dos progenitores (e.g., vinculação e estilo parental), no desenvolvimento da regulação emocional, revestem-se de particular importância (e.g., Calkins, 1994). Nesta perspetiva, a regulação emocional desenvolve-se num contexto mais vasto que compreende as interações entre a criança e os seus cuidadores primários.

 

Estilos parentais educativos e a regulação emocional

As relações afetivas satisfazem a necessidade de pertença do ser humano e contribuem para o crescimento emocional, cognitivo, e social das crianças (Bowlby, 1980, 1988; Canavarro, 1999). Estabelecer relações constitui uma necessidade psicológica básica do ser humano, que nos impele para procurar vinculações e experienciar sentimentos de segurança, pertença e intimidade (Ryan & Deci, 2000). A qualidade das interações parentais com os seus filhos constitui-se como a base para a construção de uma relação de confiança e intimidade, que se identifica com efeitos profundos ao nível das experiências da criança, da sua expressão e ao nível da regulação das emoções (Eisenberg et al., 2004; Morris, Silk, Steinberg, Myers, & Robinson, 2007).

Darling e Steinberg (1993) referem que as dimensões inerentes ao exercício de uma parentalidade adequada podem ser descritas através do agrupamento de dimensões singulares ou de tipologias (e.g., Baumrind, 1966) que incorporam distintas dimensões mas não medem os seus efeitos singulares. Contudo, Darling e Steinberg (1993) têm vindo a propor a utilização de uma estratégia distinta que consiste em descrever as características parentais recorrendo ao desmantelamento das tipologias nas diferentes partes componentes, avaliando, deste modo, separadamente os efeitos do envolvimento, do calor parental ou da disciplina indutiva. Deste modo, Arrindell e Van der Ende (1984), descrevem três dimensões de estilos parentais educativos, passíveis de avaliação mediante as escalas EMBU, nomeadamente, o suporte emocional, rejeição e sobreprotecção.

Desde muito cedo que as crianças são responsivas aos outros, e filogeneticamente competentes para a vinculação (Eisenberg et al., 2004; Sá, 2009). As relações emocionais afetivas precoces constituem a base para o desenvolvimento intelectual, promovendo a confiança, a segurança física, fomentam o afeto, a intimidade, o prazer e estabelecem um contexto emocionalmente seguro determinante para a interpretação dos estados emocionais e a segurança relativa à expressão das emoções e comunicação dos afetos e sentimentos (Brazelton & Greenspan, 2002; Denham, 1998).

A regulação emocional interpessoal representa, assim, uma capacidade que se desenvolve ao longo dos primeiros anos de vida comportando efeitos significativos no reportório comportamental e expressivo da criança (Cole et al., 2004; Rieder, Perrez, Reicherts, & Horn, 2008; Spinrad et al., 2006). Neste sentido, os processos de regulação emocional interpessoal mantêm uma relação direta com a importância que os cuidadores e as figuras de vinculação desempenham ao nível da regulação emocional infantil, estabelecendo, neste sentido, uma relação de intersecção com os conceitos amplamente (Gottman, Katz, & Hooven, 1996; Malatesta-Magai, 1991). Num plano interpessoal, relativamente às figuras parentais, a teoria da vinculação propôs uma sequência desenvolvimental desde a co-regulação emocional entre a figura de vinculação e a criança, nos estados iniciais de desenvolvimento, conduzindo ao desenvolvimento da autorregulação, envolvendo estádios mais complexos e desenvolvidos (Mikulincer, Shaver, & Pereg, 2003; Spinrad et al., 2006). As reações parentais às emoções das crianças e a sua influência variam de acordo com a idade da criança e a natureza da situação emocional envolvida. Os meios através dos quais os pais regulam as emoções dos seus filhos, em idades muito precoces, podem incluir o cuidar emocional ou a responsividade enquanto que, em idades pré-escolares ou escolares poderão incorporar, por seu turno, movimentos parentais reconfortantes, a discussão dos sentimentos e emoções, e o desenvolvimento de estratégias de coping adaptativas (Ainsworth, Blehar, Waters, & Wall, 1978; Eisenberg et al., 2004; Spinrad et al., 2006).

O Modelo Integrativo de Ativação e da Dinâmica do Sistema de Vinculação de (Mikulincer et al., 2003) introduz compreensibilidade ao nível da regulação dos sistemas emocionais no âmbito das relações interpessoais e de vinculação. A teoria da vinculação (Bowlby, 1988) tem-se revelado um dos modelos conceptuais mais pertinentes para entender o processo de regulação emocional (Gross, 2007; Mikulincer et al., 2003). Tomando como ponto de partida a teoria da vinculação, postula-se que a interação entre as crianças e os seus cuidadores primários molda, indelevelmente, o estilo de interação, determinando o modo como as pessoas conseguem regular a expressão das suas emoções. As interações positivas com o cuidador responsivo, consistentemente sensível e afetuoso, potenciam o desenvolvimento de um sentido de segurança, resultando numa atitude otimista face a eventos stressantes, concomitantemente com um sentido de confiança na bondade dos outros e de autoeficácia face a eventos potenciadores de perigo ou stress (Mikulincer & Florian, 1998).

Neste sentido, a investigação tem vindo a demonstrar que, no sentido de potenciar e desenvolver nas crianças a sua própria autorregulação emocional, os pais necessitam de permitir uma autonomia apropriada em situações que envolvam, de forma mais premente, a regulação emocional (Southam-Gerow & Kendall, 2002). Deste modo, os pais que interagem e exteriorizam uma atitude suportativa, compreensiva e de diálogo com os filhos, permitem que estes exprimam as suas emoções de forma autónoma experimentando, deste modo, estratégias de regulação emocional. Pelo contrário, os pais que inibem a expressão de emoções por parte dos filhos de exercendo algum controlo, ou manifestando comportamentos superprotetores ou negligentes, inibem as crianças de experimentarem estratégias de regulação emocional que lhes permitam um ajustamento emocional às várias situações quotidianas (Fox & Calkins, 2003).

Por seu turno, a investigação tem colocado em evidência que as crianças regulam as suas emoções de modo adaptativo no seu contexto imediato, adquirindo e desenvolvendo estratégias de regulação emocional construtivas e de nível de elaboração superior quando os pais respondem de forma suportativa às suas manifestações emocionais negativas (Ramsden & Hubbard, 2002).

 

MÉTODO

 

Participantes

Participaram na investigação 64 crianças do 3º e 4º ano de escolaridade do Ensino Básico, retiradas aleatoriamente de uma população de 156 crianças de 2 escolas da rede de ensino público e 2 escolas do ensino particular e cooperativo, do distrito de Castelo Branco. Para o efeito, foram selecionadas 2 turmas de cada escola e 8 participantes de cada uma das 8 turmas da população disponível. Os participantes distribuem-se equitativamente pelo ano de escolaridade e tipo de ensino, apresentando uma proporção equilibrada de crianças do sexo masculino (47%) e do sexo feminino (53%), com idades compreendidas entre os 8 e os 10 anos (M=8.7, DP=0.7).

Os agregados familiares são compostos, maioritariamente, por uma fratria de um irmão (66%) e pertencentes, de acordo com o critério referente à atividade profissional (Simões, 1994), na sua maioria, a um nível socioeconómico baixo (45%) e médio (42%).

 

Procedimento

No que diz respeito aos procedimentos utilizados para recolha dos dados, foram aplicados o instrumento EMBU-C (Canavarro & Pereira, 2007) e prova semi-projectiva “Era uma vez” (Fagulha, 1997) à amostra de crianças do presente estudo.

Num primeiro momento da investigação foram endereçados pedidos de autorização e colaboração aos presidentes do Conselho Diretivo dos Agrupamentos de Escolas do Ensino Público e Escolas do Ensino Particular e Cooperativo.

Após concedidas as respetivas autorizações, foi estabelecido um contacto com os respetivos professores das turmas do 3º e 4º ano referenciadas pelos respetivos presidentes do conselho diretivo, procedendo-se à explicação dos objetivos da investigação e procedimentos. Seguiu-se a entrega aos respetivos professores dos pedidos de autorização e colaboração endereçados aos pais e/ou encarregados de educação de forma a obter o consentimento informado, tendo sido estabelecido o intervalo de duas semanas para a sua devolução.

Nas datas agendadas para a primeira fase da avaliação, foram contabilizadas as devoluções de autorização e realizada uma aleatorização simples recorrendo a fichas de cores distintas de forma a selecionar 8 alunos de cada uma das 8 turmas de entre os alunos que apresentaram a devolução das respetivas autorizações.

Num primeiro momento, os alunos selecionados de cada turma foram conduzidos coletivamente para uma sala onde procederam ao preenchimento do instrumento EMBU-C (Canavarro & Pereira, 2007). Em primeiro lugar foi explicado às crianças os objetivos da investigação e assegurada a confidencialidade das respostas. Aquando do preenchimento do instrumento, o investigador procedeu à leitura em voz alta das instruções e do item exemplo. Depois de verificada a compreensão por todas as crianças, o preenchimento do instrumento foi realizado autonomamente, permanecendo o investigador disponível para qualquer dúvida que pudesse surgir. Num segundo momento da investigação, passada uma semana, procedeu-se à aplicação individual da prova semi-projetiva de completamento de histórias “Era uma vez...” de acordo com o procedimento de aplicação estabelecido (Fagulha, 1997).

 

Instrumentos

 

Avaliação dos estilos parentais educativos: EMBU-C

O EMBU-Crianças (Canavarro & Pereira, 2007) tem por objetivo avaliar a perceção que as crianças têm dos estilos parentais educativos dos seus progenitores. É constituído por 32 itens avaliados numa escala de Lickert de 4 pontos, desde ‘Não, nunca’ a ‘Sim, sempre’. O EMBU-C é constituído por três fatores ou dimensões com valores de coeficientes de alpha entre .62 e .85: suporte emocional (14 itens); rejeição (8 itens); e tentativa de controlo (10 itens). O suporte emocional refere-se à disponibilidade afetiva e física dos progenitores, à comunicação dos afetos e a comportamentos que manifestam a aceitação da criança por parte dos pais. A rejeição diz respeito à hostilidade física e verbal dos pais para com a criança e comportamentos de rejeição. Por último, a tentativa de controlo corresponde a comportamentos que têm por objetivo o controlo do comportamento da criança, a comportamentos que visam a adesão do comportamento da criança às expectativas dos pais, com o recurso, inclusive, a estratégias de indução de culpa, e a comportamentos de sobreprotecção.

A aplicação exclusiva do EMBU-C, sem o complemento da versão para pais, deve-se, por um lado, a constrangimentos de acesso a amostras emparelhadas de pais e, por outro, consubstancia-se no argumento de que as perceções que as crianças têm dos seus pais podem ser mais importantes e fidedignos que o próprio comportamento parental (Canavarro & Pereira, 2007).

 

Avaliação da regulação das emoções: “Era uma vez...”

A prova Era uma vez... corresponde a um teste semi-projetivo, de complemento de histórias, apresentadas em forma de banda desenhada. A sua aplicação destina-se a crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 12 anos, e visa fundamentalmente perceber a forma como as crianças lidam com os estados de ansiedade e de prazer. Estas emoções são evocadas por acontecimentos apresentados nos desenhos que constituem a prova.

A Prova é composta por nove cartões: 1 cartão que serve para exemplificação do trabalho a pedir à criança, 7 cartões-estímulo, numerados de I a VII, e ainda um cartão em formato reduzido (com a indicação de FIM) que se destina a finalizar a Prova. Dos 7 cartões estímulo, cinco remetem para situações ansiógenas e dois remetem para experiências agradáveis. Os primeiros cartões falam de: (a) separação e abandono (cartão I); (b) doença e morte (cartão II); (c) terrores noturnos e pesadelos (cartão IV); (d) conflito entre os pais (cartão VI); (e) dificuldades escolares (cartão VII). Os segundos falam de: (a) situações de partilha (cartão III); (b) situações de convívio com os outros (cartão V). Assim, os episódios propostos apresentam acontecimentos comuns na vida de qualquer criança, associados quer a vivências ansiógenas, quer a experiências de prazer (Fagulha, 1997).

A criança escolhe três entre nove cenas e organiza-as numa sequência que permite continuar a história incompleta que lhe é apresentada no cartão. A escolha e a sequência de organização das cenas, constituem, deste modo, os “determinantes fundamentais do significado a atribuir ao movimento interno de elaboração das emoções suscitadas pelos cartões da Prova” (Pires, 2001,

Neste sentido, a sequência escolhida pelas crianças permite conhecer a perspetiva da sua tomada de consciência do afeto, de acordo com o movimento interno desencadeado na mobilização dos recursos, para lidar com os afetos sintetizando, deste modo, em três grandes modalidades em respostas emocionais: Estratégia com Equilibração Emocional (EEE); Estratégia Adaptativa Operacional (EAO); e Incapacidade de Organização Emocional (IOE) (Pires, 2001).

A Estratégia com Equilibração Emocional representa uma modalidade flexível e criativa de lidar com o afeto doloroso, onde se verifica uma capacidade de recurso à fantasia por parte da criança. A utilização criativa da fantasia foi descrita e designada por Winnicott (1971, 1986) como fenómeno transacional que decorre numa área de experiência emocional, entre a fantasia e a realidade. Esta estratégia compreende sequências que englobam as três categorias de cenas, Aflição, Fantasia e Realidade, regra geral tendo na última posição uma cena de Realidade ou de Fantasia.

A Estratégia Adaptativa Operacional representa uma modalidade em que o reconhecimento do sofrimento conduz à procura de uma estratégia de ação coartada adequada, orientada para a realidade, de modo a resolver a situação que o desencadeia, compreendendo sequências que englobam cenas de Aflição e de Realidade (Pires, 2001).

Por último, a Incapacidade de Organização Emocional verifica-se quando o reconhecimento do afeto doloroso não conduz a uma possibilidade de solução adaptativa, verificando-se a incapacidade para uma resolução adequada. Perante a incapacidade de elaboração do afeto doloroso, de um modo geral, esse afeto torna-se mais ameaçador, definindo uma modalidade que se designou como Impossibilidade (I) ou Negação (N), traduzindo-se “em sequências que englobam cenas de Aflição, Fantasia e Realidade, terminando em cenas que expressam Aflição (podendo ser realidade quando esta traduz cenas dolorosas)” (Pires, 2001, pp. 8-9).

A Impossibilidade corresponde, deste modo, à incapacidade de resolução adaptativa e de elaboração da ansiedade desencadeada pela história apresentada no cartão. O confronto com a experiência ansiógena resulta na inadequação da estratégia de elaboração, conduzindo a um impasse e à permanência a situação sem uma resolução. Por seu turno, a Negação traduz-se por movimentos internos que tem a finalidade de impedir a tomada de consciência dos aspetos perturbadores, defendendo o ego da experiência de ansiedade. Esta forma de elaboração revela dificuldades de resolução por antecipação de uma resposta que se apoie nos conhecimentos anteriormente adquiridos, evitando a dor psicológica, negando a criança a existência do problema. No movimento de negação, a fantasia é utilizada como fuga face a situações dolorosas, não permitindo o reconhecimento do afeto perturbador e da experiência emocional dolorosa (Fagulha, 1997; Pires, 2001).

 

RESULTADOS

 

Estilos parentais educativos

De forma geral, as crianças percecionam níveis elevados de suporte emocional (MPai=3.23, DP=.44; MMãe=3.34, DP=.40), moderados a elevados de controlo (MPai=2.56; DP=.55; MMãe=2.72; DP=.53) e baixos a moderados de rejeição (MPai=1.48; DP=.38; MMãe=1.51; DP=.38).

Os padrões de associações entre cada uma das subescalas são idênticos para as respostas relativamente a ambos os progenitores. Assim, no sentido do esperado, e analogamente para a escala total, verificam-se associações negativas e significativas entre as subescalas Suporte Emocional e Rejeição [r(62)=-.287, p<.05] e associações positivas e significativas entre as subescalas Rejeição e Tentativa de Controlo [r(62)=.341, p<.01]. Observa-se igualmente uma associação positiva, de maior magnitude, significativa entre as subescalas Suporte Emocional e Tentativa de Controlo [r(62)=.398, p<.005].

Os resultados apoiam a existência de diferenças estatisticamente não significativas dos estilos parentais educativos em função do sexo da criança, do ano de escolaridade ou do tipo de ensino. As raparigas percebem menos suporte emocional [t(63)=.67, p>.05], rejeição [t(63)=.58, p>.05] e tentativa de controlo [t(63)=.84, p>.05] por parte dos pais e das mães. As crianças do 3º ano de escolaridade percebem mais suporte emocional [t(63)=.65, p>.05] e tentativa de controlo [t(63)=1.68, p=.09] que as crianças do 4º ano e menos rejeição [t(63)=-.04, p>.05] que estas últimas. Por seu turno, os alunos do ensino público percebem mais suporte emocional [t(63)=.20, p>.05], menos rejeição [t(63)=-1.49, p>.05] e tentativa de controlo [t(63)=-.33, p>.05], comparativamente com os alunos do ensino particular e cooperativo.

As associações entre a Idade, NSE e Fratria não se revelaram estatisticamente significativas. Observa-se, contudo, uma tendência positiva entre as dimensões dos estilos educativos parentais e o NSE e positiva em relação à Idade e Fratria.

Por último, observaram-se diferenças significativas entre os estilos parentais educativos de pais e mães relativamente à dimensão de Suporte Emocional [t(63)=-3.29, p<.005] e Tentativa de Controlo [t(63)=-4.87, p<.001]. Neste sentido, as crianças percebem significativamente níveis mais elevados de Suporte Emocional, e Tentativa de Controlo por parte da mãe comparativamente ao comportamento parental do pai observando-se, ainda, a tendência para percecionarem níveis mais elevados de Rejeição relativamente à mãe [t(63)=-1.54, p>0.05].

 

Estratégias de regulação emocional

De forma geral, as crianças utilizam Estratégias de Equilibração Emocional (EEE) em situações associadas ao prazer, conforme é visível na História 3 (53%) e 5 (69%). Regista-se a prevalência de Estratégias Adaptativas Operacionais, mais coartadas (EAO) associadas, predominantemente, a situações ansiógenas, como acontece na História 1 (58%), 4 (42%) e 7 (59%). Observam-se, ainda, a utilização expressiva de estratégias não adaptativas (i.e., Impossibilidade de Organização Emocional) conducentes à Impossibilidade (I) ou à Negação (N) nas Histórias 1 (34%), 2 (42%) e 7 (41%).

Os padrões de associação entre cada uma das dimensões educativas parentais são idênticas para o nível de elaboração emocional (NEE) do conjunto das 7 histórias e para o subconjunto das histórias ansiógenas (NEE-A). Assim, no sentido do esperado, verificam-se associações positivas e significativas entre o NEE e a subescala Suporte Emocional [r(62)=.251, p<.05] e associações negativas para as subescalas Rejeição [r(62)=-.268, p<.05]. Relativamente ao NEE-A verifica-se uma associação positiva e significativa com a subescala Suporte Emocional [r(62)=.252, p<.01].

Os resultados para o conjunto das 7 histórias apoiam a existência de diferenças estatisticamente significativas da dimensão de Suporte Emocional em relação ao pai [F(2,63)=3.198, p<.05] e à mãe [F(2,63)=6.422, p<.005] e da dimensão Rejeição para a mãe [F(2,63)=4.815, p<.05] e para a escala total [F(2,63)=3.238, p<.05], em função do nível de elaboração emocional. Comparações múltiplas através do teste post-hoc de Tukey permitiram identificar diferenças estatisticamente significativas entre o Nível de Equilibração Emocional (NEE) e Nível Adaptativo Operacional (NAO) para a mãe, em função das dimensões Suporte Emocional (MNEE=48.02; DP=4.71; MNAO=42.09; DP=5.79) e Rejeição (MNEE=11.64; DP=2.52; MNAO=14.27; DP=4.69). As crianças que percecionam níveis mais elevados de suporte emocional parental apresentam, de modo significativo, predominantemente um Nível de Equilibração Emocional quando comparado com as que apresentam um nível de elaboração emocional Adaptativo Operacional. Por seu turno, de modo inverso, as crianças que percebem níveis mais elevados de rejeição parental apresentam, de modo significativo, um nível de elaboração emocional Adaptativo Operacional em comparação com as que apresentam um Nível de Equilibração Emocional.

 

Análise de conteúdo

Numa análise de conteúdo das histórias (Amado, 2000) verifica-se que a distribuição das estratégias de elaboração emocional e estilos parentais educativos não são independentes do conteúdo dos cartões, com a categoria suporte a flutuar de acordo com a existência de auxílio imediato em cada história. Regista-se uma capacidade de Resolução (R) das situações elevadas por parte das crianças, com a temática dos conflitos parentais a registar o maior número de Resoluções Angustiantes (RA), e a incapacidade de resolução (NR) a incidir nas duas primeiras histórias com relevância particular para a temática da separação e abandono.

Verifica-se, igualmente, uma variabilidade no que à relação entre o NEE e os conteúdos das histórias diz respeito, evidenciando que os diferentes conteúdos se revestem de significância distinta para as diferentes crianças. Na história inventada, isenta de conteúdo previamente definido, verifica-se um aumento da categoria Rejeição. Verifica-se que a maioria das crianças revela um Nível de Equilibração Emocional, à exceção da temática da história I, IV e VII, onde se verifica uma total ausência de estratégias de equilibração emocional. Observa-se, no geral, ainda, à exceção da história IV, uma elevada concordância entre o suporte (S) e a capacidade de resolução das situações entre as crianças com um Nível de Equilibração Emocional.

 

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados consubstanciam a complexidade do fenómeno emocional e a importância que a qualidade das interações parentais com os seus filhos constituiu para a construção de uma relação de confiança e intimidade. Deste modo, os resultados validam a perspetiva relacional presente no Modelo Integrativo de Ativação e da Dinâmica do Sistema de Vinculação de Mikulincer et al. (2003) e a sequência de estádios proposta tendo por base a qualidade das relações de vinculação.

A análise das dimensões educativas parentais demonstram que o suporte emocional percebido pelas crianças varia em sentido inverso com a Rejeição. A correlação positiva entre o suporte emocional e tentativa de controlo, contudo, não significativa, poderá ser explicada em função do que o controlo significa em termos de proximidade e de preocupação por parte dos pais com as crianças, podendo, contudo, no limite, ser disfuncional. Esta associação positiva entre a perceção de comportamentos parentais de controlo e a perceção de suporte emocional, por parte dos progenitores, é específica do período da infância sendo que os comportamentos que, na adolescência e na fase adulta, são interpretados como intrusivos, poderão ser interpretados, na infância, como reveladores de envolvimento e atenção por parte dos pais (Castro, Toro, Van Der Ende, & Arrindell, 1993; Markus, Lindhout, Boer, Hoogendijk, & Arrindell, 2003). Igualmente relacionado com a dimensão Tentativa de Controlo, Castro et al. (1993) chamam a atenção para a maior heterogeneidade de conteúdo desta dimensão, que inclui dimensões qualitativamente diferentes de comportamentos de controlo. Alguns comportamentos de controlo, mais coercivos, têm uma conotação mais negativa, enquanto outros comportamentos de controlo, que recorrem a estratégias de indução, poderão ter um significado mais positivo. Não obstante a conceção de Castro et al. (1993) e Markus et al. (2003), verifica-se que a dimensão da tentativa de controlo parental, à semelhança da dimensão rejeição, se relaciona inversamente com o Nível de Elaboração Emocional. Considerando que a dimensão rejeição se refere a comportamentos de rejeição e à manifesta hostilidade física e verbal dos pais para com a criança, e a tentativa de controlo consiste no comportamento dos pais que tem por objetivo orientar o comportamento da criança para que aquele esteja de acordo com o que os progenitores desejam, poderemos começar, desde já, a antever o papel negativo que a restrição da criatividade das crianças poderá desempenhar no seu ajustamento e nível de elaboração emocional. Neste sentido, a regulação emocional será sempre uma elaboração mais complexa evoluída e criativa. Num nível de maior equilibração emocional a criança reconhece o estado de ansiedade mas realiza um movimento no sentido da sua elaboração, constituindo “uma modalidade particularmente harmoniosa de confronto com a ansiedade, em que a sua elaboração é facilitada pelo recurso à fantasia, numa área transacional da experiência em que a fantasia e a realidade se integram para proporcionar uma vivência criativa” (Pires, 2001, p. 101).

Por seu turno a diferenciação entre o nível de elaboração emocional adaptativo operacional e a incapacidade de organização emocional esbate-se nos dados do presente estudo. Este aspeto parece conduzir a uma distinção mais ténue do que o esperado, entre a predominância da utilização de estratégias adaptativas operacionais mais orientadas para a realidade e a negação da tentativa de elaboração emocional ou a impossibilidade de o realizar. Neste sentido, verifica-se que as crianças que apresentam um nível de elaboração emocional mais equilibrado percecionam níveis mais elevados de suporte emocional por parte dos progenitores e menos rejeição quando comparados com os restantes níveis de elaboração emocional, onde como já referido, as diferenças se esbatem. Por seu turno, no sentido do esperado, a dimensão da tentativa de controlo não detém efeitos significativos ao nível da elaboração emocional pelo seu carácter mais heterogéneo (Castro et al., 1993). Neste sentido, não será tanto o controlo ou a coartação da espontaneidade da criança por comportamentos que podem, inclusive, na infância, ser compreendidos enquanto interesse e suporte por parte dos pais, mas a dimensão de rejeição, percebida pelas crianças, que diminui a sua auto-estima e o sentido de confiança necessário para a complexificação, audácia e criatividade na resolução e elaboração do fenómeno emocional nas mais variadas situações quotidianas.

De acordo com a complexidade e multi-determinação do fenómeno emocional, constata-se que a regulação emocional encontra-se predominantemente relacionada com diferenças individuais decorrentes da história de vida dos sujeitos não redutíveis a variáveis descontextualizadas.

Numa dimensão mais social, verifica-se a existência de uma relação significativa entre a fratria e o nível de elaboração emocional, o que corrobora, em parte, a dimensão relacional do fenómeno emocional. Deste modo, contrariamente ao expectável, verifica-se que quanto maior o número de irmãos, menor o nível de elaboração emocional por parte das crianças. Contudo, a explicação para este facto poderá residir no menor suporte emocional percebido evidenciado pelas crianças por parte dos progenitores, corroborando, de modo ainda mais demarcado, a importância que a segurança parental e a dimensão relacional suportativa por parte de uma figura de vinculação se reveste ao nível do desenvolvimento emocional.

Ao nível da análise de conteúdo verifica-se uma capacidade elevada de resolução das situações por parte das crianças, com a temática dos conflitos parentais a registar o maior número de Resoluções Angustiantes. Este dado vem, uma vez mais, a confirmar a teoria relacional da regulação emocional que temos vindo a defender, com a categoria de resolução angustiante a incidir principalmente da temática que ameaça a base de confiança dos objetos externos, sobre a qual a criança edifica o seu mundo interior suportativo. Do mesmo modo, em relação à categoria referente à incapacidade de resolução, verifica-se a sua incidência nas duas primeiras histórias com relevância particular para a temática da separação e abandono.

No que diz respeito à capacidade de elaboração emocional, de modo consistente com outros estudos (Pires, 2001; Santos, 2002), verifica-se que as maiores dificuldades de elaboração emocional por parte das crianças se verificam ao nível de problemáticas que estão permanentemente presentes no mundo interno dos sujeitos, enquanto organizadores mentais: o medo da separação, presente no cartão I, que implica a elaboração da perda dos objectos de amor e a função reparadora dos objetos de relação significados, presente no cartão VII. Através da análise dos dados verifica-se, igualmente, que o nível de elaboração emocional é, de acordo com o esperado, maior nas situações que envolvem menos angústia. Um outro dado interessante reporta-se ao cartão IV, no qual, exclusivamente, a dimensão de suporte não se relaciona com o NEE. A forma de construção do cartão IV afigurar-se-á paradigmática do progressivo desenvolvimento da regulação emocional de que dá conta o Modelo Integrativo de Ativação e da Dinâmica do Sistema de Vinculação de Mikulincer et al. (2003). Tomando em consideração o conteúdo dos cartões, parece evidenciar-se a progressão por parte das crianças com um nível elaborativo mais equilibrado, de um estádio de co-regulação emocional, dependente das figuras parentais de vinculação, para um estádio de auto-regulação, assente na disponibilidade das figuras de vinculação e a viabilidade de procura de proximidade, tendo por base a securização e a flexibilidade elaborativa construída no âmbito da relação parental.

O fenómeno emocional parece assim convergir para uma complexidade alicerçada na capacidade elaborativa dos sujeitos, derivada da sua própria complexidade individual. A emoção é assim, melhor entendida, não como fenómeno abstrato, mas como um processo dinâmico e um sistema organizado ao redor de componentes interdependentes que, ao longo do desenvolvimento, vão dando lugar a diferenças individuais na forma de experienciar e abordar as emoções, ou de outro modo, enquanto “uma reação subjetiva a um acontecimento saliente, caracterizada por mudanças fisiológicas, experienciais e no comportamento aberto” (Sroufe, 1995, p. 15). Privilegiando a referida perspetiva relacional, é aqui defendido que cada emoção tem um papel próprio e um significado relacional único.

Deste modo, não negligenciando a componente intrapessoal do fenómeno emocional, a sua componente interativa e relacional (Frijda, 2008), traduzida em comportamentos de securização e responsividade, por parte dos cuidadores, parece desempenhar um papel da maior relevância para as crianças, na estruturação do seu mundo interno, e consequente capacidade de elaboração emocional (Sroufe, 1995). Os resultados suportam, assim, a perspetiva relacional e de ativação do sistema de vinculação do modelo de Mikulincer et al. (2003), bem como a sequência desenvolvimental de um estado de co-regulação para a auto-regulação emocional. A análise de conteúdo vem, por seu turno, confirmar a perspetiva funcionalista (Campos, Mumme, Kermoian, & Campos, 1994) e a importância que a construção de significado desempenha ao nível da elaboração emocional.

Não obstante o exposto e as variáveis consideradas na presente investigação, no presente estudo não foi possível a análise do fenómeno emocional recorrendo a uma amostra mais significativa de participantes que pudesse integrar um conjunto mais alargado e heterogéneo de crianças e tendo em consideração os contributos de pais e professores. Neste sentido, revelar-se-ia, igualmente importante, analisar em investigações posteriores a relação entre a regulação emocional e dimensões ao nível do comportamento, particularmente em relação a problemas de internalização e externalização, bem como a utilização de medidas de ajustamento social das crianças. Seria, ainda, interessante cruzar as distintas variáveis com as competências emocionais das crianças, ao nível do reconhecimento das emoções, e considerar as múltiplas dimensões por que o comportamento parental se pauta nomeadamente em relação à intergeracionalidade do fenómeno vinculativo.

Contudo, considerando pais e crianças filogeneticamente competentes para a vinculação, verificou-se, no estudo realizado, que a linguagem emocional estabelecida entre pais e filhos, desde as relações mais precoces, assume uma importância preponderante ao nível do ajustamento adaptativo das crianças contribuindo para o seu bem-estar e desenvolvimento emocional. O sentimento de segurança e validação das expressões emocionais nas crianças por parte dos pais resultam, deste modo, em níveis de regulação emocional mais elaborados e adaptativos determinantes nas suas trajetórias de desenvolvimento. Neste sentido, parece-nos sensato afirmar que a complexidade atribuída ao fenómeno da regulação emocional advém, precisamente, da complexidade inerente ao ser humano e o seu estudo deve comportar os múltiplos contributos existentes procurando uma integração entre as distintas e multideterminadas dimensões do fenómeno emocional.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Hugo Miguel Pinto, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal; E-mail: hugomiguelpinto@hotmail.com

 

Submissão: 03/03/2014 Aceitação: 30/06/2014

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