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Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.31 no.3 Lisboa Sept. 2013

 

O impacto dos estilos educativos parentais e do desenvolvimento vocacional no rendimento escolar de adolescentes

Ana Prata; Maria Barbosa-Ducharne; Carlos Gonçalves; Orlanda Cruz*

* Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto

Correspondência

 

RESUMO

Compreender a complexidade da problemática do in/sucesso e/ou do abandono escolar, tem sido uma das preocupações dominantes da investigação nas últimas décadas, sendo não só objeto do interesse geral, como também tem vindo a municiar os discursos críticos em relação à dita escola de massas. Neste sentido, a presente investigação incide na análise dos preditores familiares e individuais do rendimento escolar de adolescentes. Participaram neste estudo 222 adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 16 anos, que frequentavam o 9º ano de escolaridade. Os dados foram recolhidos em escolas secundárias, através do Questionário de Estilos Educativos Parentais e da Escala de Exploração e Investimento Vocacional. O nível de escolaridade das mães, a monitorização parental e o investimento vocacional revelaram-se preditores do rendimento escolar. Os resultados são discutidos à luz de uma abordagem psicossocial sendo retiradas implicações para a intervenção psicológica.

Palavras-chave: Desenvolvimento vocacional, Estilos educativos parentais, Rendimento escolar.

 

ABSTRACT

Understanding the complexity of school failure and school dropout has been one of the main concerns of research in recent decades, being not only the object of general interest, but also providing the substance for critics regarding a school of masses. The present research focuses on the analysis of family and individual predictors of adolescents’ school achievement. Participants were 222 adolescents aged between 14 and 16 years, attending the 9th grade. Data collection was made on higher/secondary schools with a Portuguese version of the Parenting Scales and the Vocational Exploration and Investment Questionnaire. Results indicated three main predictors of school achievement amongst teenagers namely, mothers’ school years, parental monitoring and vocational investment. Results are discussed from a psychosocial standpoint and implications for psychological intervention are drawn.

Key-words: Parenting practices, School achievement, Vocational development.

 

O insucesso escolar e o abandono precoce da escola são, direta e indiretamente, o resultado de uma sociedade que, no desenho das suas políticas sociais e educativas, não tem realizado os investimentos adequados e necessários para esbater o fenómeno de discriminação oriunda dos contextos mais vulneráveis do ponto de vista social, cultural e económico. Com a globalização, as sociedades que não conseguem travar este fenómeno, tornam-se cada vez menos competitivas e menos influentes. Por conseguinte, há que investir na educação de forma a reduzir o insucesso e consequente abandono escolar, tornando a sociedade mais instruída e qualificada. Para que isso seja possível, importa perceber quais os fatores determinantes e geradores de in/sucesso e abandono escolar.

A presente investigação encontra-se inserida num estudo longitudinal iniciado em 2007, e que pretende estudar o percurso escolar de alunos entre o 7º e o 11º anos de escolaridade, analisando decisões e projetos vocacionais e identificando os determinantes do sucesso e insucesso escolar e/ou do abandono da escola. No presente estudo pretende-se identificar as variáveis preditores do rendimento escolar dos alunos, no 9º ano de escolaridade.

À luz do modelo bioecológico (Bronfenbrenner, 2001/2005), os fatores intra-individuais e os fatores inter-individuais (que se referem ao ambiente envolvente, mais ou menos próximo), facilitam ou inibem os comportamentos do sujeito, em particular, o seu desempenho escolar (Sallis & Owen, 1997). No entanto, este modelo postula que a influência destes fatores não se exerce de forma linear e independente, mas através da integração dos seus efeitos de interação (Canavarro, 2007). Por outro lado, o contexto em que o desenvolvimento ocorre é conceptualizado como um sistema de sistemas, progressivamente mais afastados do sujeito em desenvolvimento, mas exercendo a sua influência – os micro, meso e exossistemas – os quais operam num determinado contexto macrossistémico, sensível às mudanças associadas ao tempo. É também neste contexto macrossocial que se torna pertinente, quer do ponto de vista da investigação quer pela sua relevância na agenda social, analisar os constrangimentos complexos com que se confrontam os adolescentes da atualidade para realizarem uma das tarefas mais decisivas e centralizadoras da sua identidade: a escolha de um projeto vocacional. As grandes transformações verificadas no mundo do trabalho, consequência de fenómenos macrossociais, como a escassez e a precaridade do emprego, o desemprego estrutural, a não correspondência entre formação e trabalho e, especialmente, a tomada de consciência de que a incerteza é provavelmente a única certeza razoável quanto à evolução futura do mundo do trabalho, tornam ainda mais premente e desafiante esta tarefa desenvolvimentista de realização pessoal num mundo turbulento e inseguro (Gonçalves, 2008).

O desenvolvimento vocacional pode ser abordado a partir de diversos pontos de vista. Contudo assume-se que a perspetiva ecológico-desenvolvimentista e construtivista se apresenta como o modelo capaz de avançar as respostas mais viáveis e plausíveis aos desafios da contemporanei dade, anteriormente referidos: a incerteza e a turbulência face ao futuro (Gonçalves, 2008). Assim, à luz desta perspetiva, o desenvolvimento vocacional poderá ser percecionado como um processo de construções e reconstruções de significados e representações, que o self estabelece na relação com os diversos contextos em que se insere (Vondracek & Fouad, 1994). Neste sentido, o desenvolvimento vocacional é visto como um processo interativo onde o indivíduo tanto influencia como é influenciado pelas características sociais, culturais e físicas do seu ambiente (Whiston & Keller, 2004). Isto é, face aos questionamentos do mundo atual torna-se cada vez mais óbvio que os projetos vocacionais não se descobrem, mas são construídos nos contornos das oportunidades que os contextos histórico-sociais viabilizam ou impossibilitam (Gonçalves, 2008).

O desenvolvimento vocacional é concetualizado como uma dimensão através da qual o desenvolvimento psicológico global se pode concretizar (Gonçalves, 2008). Os dois processos psicológicos estruturantes e ativadores do desenvolvimento vocacional são: a exploração e o investimento. Estes processos psicológicos estruturantes permitem compreender de forma mais adequada o desenvolvimento vocacional, porque é mediante a exploração, através da relação que o sujeito estabelece com os segmentos da realidade física e social, que o sujeito transforma e reconstrói os seus investimentos vocacionais atuais atribuindo-lhes novos significados (Campos & Coimbra, 1991).

A perspetiva de Erikson (1968) de que os processos psicológicos de exploração e investimento são responsáveis pelo desenvolvimento profissional/vocacional, no sentido daquilo “que sou” e do “que acredito”, foi operacionalizada por Marcia (1966, 1980, 1986), através de um modelo de quatro formas, estilos e momentos de aquisição da identidade, designado por Modelo dos Estatutos de Identidade: a Identidade Realizada, a Identidade Outorgada, a Identidade Moratória e a Identidade Difusão (Costa, 1991). Cada estatuto é definido mediante a presença ou ausência dos processos psicológicos centrais de exploração e investimento, concretizados nos vários estatutos com que os adolescentes se confrontam face à escolha vocacional.

Os estudantes que construíram uma forte identidade obtêm melhores resultados escolares, levando a cabo tarefas mais orientadas e concebendo o próprio trabalho e esforço como importante e determinantes para o seu futuro (Cross & Allen, 1970; Was, Al-Harthy, Stack-Oden, & Isaacson, 2009).

Para além da influência do desenvolvimento vocacional na edificação de projetos futuros e no rendimento escolar dos adolescentes, também as práticas e estilos educativos e parentais se têm revelado preponderantes no desempenho escolar dos filhos. Neste sentido, os estilos educativos parentais e as dimensões comportamentais que os definem, têm surgido de forma consistente, como determinantes fundamentais do desenvolvimento e adaptação da criança e do adolescente (Barbosa-Ducharne, Cruz, Marinho, & Grande, 2006; Cruz, 2005; Slicker, 1998; Steinberg, Elman, & Mounts, 1989).

Originalmente proposto por Baumrind (1973), o conceito de estilo educativo parental refere-se à forma como os pais lidam com questões como a hierarquia, o poder e o apoio emocional na relação que estabelecem com os filhos, influenciando de modo significativo diferentes áreas do seu desenvolvimento psicossocial, nomeadamente o seu ajustamento social e o seu rendimento escolar. De acordo com a abordagem tipológica, existem quatro estilos educativos: autorizado, autoritário, permissivo e negligente. Duas dimensões da atuação parental – a Aceitação/responsividade e a Monitorização/exigência – têm sido identificadas como determinantes na definição do ambiente educativo no qual as crianças crescem (Maccoby & Martin, 1983). Estes autores consideram a aceitação/responsividade inserida no domínio afetivo-emocional, designando-a como a sensibilidade que os pais revelam face às necessidades e interesses dos filhos, reportando-se a atitudes compreensivas que os pais têm para com os filhos, visando através do apoio emocional e da bidirecionalidade na comunicação, favorecer o desenvolvimento da autonomia e da auto afirmação dos jovens (Costa, Teixeira, & Gomes, 2000; Palos, Ocampo, Casarín, Ochoa, & Rivera, 2012). Já a monitorização/exigência é entendida por Maccoby e Martin (1983), como o controlo exercido pelos pais no sentido de fazer cumprir as regras e os limites ditados pelas normas sociais e morais. Esta dimensão inclui todas as atitudes dos pais que buscam de alguma forma regular o comportamento dos filhos (Costa, Teixeira, & Gomes, 2000; Lopes, Calvo, & Caro, 2008).

A dimensão aceitação/responsividade parental tem sido associada ao desenvolvimento do autoconceito positivo, autoconfiança e bem-estar. Por seu turno a monitorização/exigência parece evidenciar uma associação com a regulação do comportamento da criança ou do adolescente, podendo assim reduzir comportamentos desviantes (Justo & Lipp, 2010; Lamborn, Mounts, Steinberg, & Dornbusch, 1991).

Pais que demonstram elevada aceitação, envolvimento e grande rigor e supervisão, promovem níveis elevados de maturidade psicossocial e competência escolar (Dornbusch, Ritter, Leiderman, Roberts, & Fraleigh, 1987; Strage & Brandt, 1999). Os pais influenciam o rendimento escolar dos filhos através do seu envolvimento nas actividades escolares, como por exemplo, ajudar os filhos com os trabalhos de casa, estar presente nas reuniões com os directores de turma e, também, através de encorajamentos específicos, explícitos e implícitos, que mantenham e promovam o desempenho escolar (Steinberg, Lamborn, Dornbusch, & Darling, 1992). A associação entre envolvimento escolar dos pais e o sucesso escolar dos filhos pode ser explicado pelo facto dos alunos mais acompanhados serem mais incentivados, mas também porque o acompanhamento dos filhos garante o aproveitamento necessário ao progresso escolar. Assim, o investimento escolar surge positivamente associado a um conjunto de dinâmicas familiares, nomeadamente a supervisão (Cia, Pamplin, & Williams, 2008), a autodisciplina em relação ao trabalho escolar, e a ênfase dos pais na obediência e na autonomia dos filhos (Diogo, 2008).

A nível individual, o desenvolvimento vocacional, e a nível familiar, as práticas educativas parentais, surgem como determinantes importantes no percurso escolar dos alunos. É, porém, necessário ter em conta que cada um destes determinantes, quer individual, quer familiar, não intervém isoladamente mas sempre em interação. Neste sentido, o objetivo geral desta investigação é a identificação do impacto diferenciado das práticas educativas parentais e do desenvolvimento vocacional dos adolescentes do 9º ano de escolaridade, no seu rendimento escolar. Mais especifica mente pretende-se: (1) identificar comportamentos de exploração e investimento vocacional dos adolescentes; (2) identificar a perceção que os adolescentes têm dos comportamentos parentais de aceitação/responsividade e monitorização/exigência (3) identificar o impacto do desenvolvimento vocacional e das práticas educativas parentais no rendimento escolar.

MÉTODO

Participantes

Participaram neste estudo 222 adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 16 anos (M=14.24; DP=0.51), 129 dos quais do sexo feminino (58.1%) e 93 do sexo masculino (41.9%). Todos se encontram a frequentar o 9ºano de escolaridade. Os pais estudaram em média 10.93 anos (DP=5.18) e as mães 11.44 anos (DP=5.35).

Instrumentos e procedimento

Foi utilizado um questionário sociodemográfico para recolher dados demográficos, académicos e socioeconómicos e culturais, relativos ao adolescente (idade, género, percurso escolar, prosseguimento de estudos e interesses profissionais) e à família (estado civil dos pais, situação profissional e escolaridade). A avaliação do rendimento escolar dos participantes foi feita a partir da consulta das pautas de cada período letivo, cedidas pela direção das Escolas. Foi calculada a média das classificações nas disciplinas frequentadas.

O Questionário de Estilos Educativos Parentais (QEEP, Barbosa-Ducharne et al., 2006; Cruz, Raposo, Ducharne, Almeida, Teixeira, & Fernandes, 2011), adaptado das Parenting Scales (Lamborn, Mounts, Steinberg, & Dornbuch,1991) foi utilizado com o objetivo de avaliar a perceção que os adolescentes têm dos comportamentos parentais. O QEEP é constituído por 19 itens organizado em duas subescalas – Aceitação/responsividade e Monitorização/exigência – e permite a identificação dos quatro estilos educativos parentais propostos por Baumrind (1973). As respostas obtidas a cada item são cotadas numa escala tipo Likert entre 1 e 4, em que 1 significa nada e 4 muito. Os valores de alfa obtidos foram de 0.81 para a Aceitação/responsividade e de 0.84 para a Monitorização/exigência. Para cada dimensão foi calculada a média da pontuação dos itens correspondentes.

A Escala de Exploração e Investimento Vocacional foi construída a partir da reformulação da Commitment to Career Choice Scale (Blustein, Ellis, & Devenis, 1989). Este instrumento é constituído por 42 itens, agrupados em cinco dimensões ou fatores, avaliando diferentes processos do desenvolvimento vocacional – Exploração Vocacional, Investimento Vocacional, Difusão, Outorgado Tendência a Excluir Escolhas e Outorgado em Relação aos Significativos. As respostas obtidas a cada item, discriminam o grau de intensidade de desacordo e acordo, através de uma escala tipo Likert entre 1 (discordo sempre) e 6 (concordo sempre). No presente estudo, os valores de alfa para cada sub-escala foram os seguintes: Exploração – 0.85, Investimento – 0.80, Difusão – 0.74, Outorgado Tendência a Excluir Escolhas – 0.73 e Outorgado em relação aos significativos – 0.56. Refira-se que a pontuação de cada subescala constituiu a média da pontuação dos itens correspondentes. Neste estudo serão apenas utilizadas as dimensões de Exploração e Investimento.

O rendimento escolar foi operacionalizado a partir das notas obtidas pelos adolescentes tendo sido considerada a média das notas obtidas em todas as disciplinas.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas relativas ao rendimento escolar e às dimensões do desenvolvimento vocacional (exploração e investimento) e da atuação parental (aceitação e monitorização).

 

 

Os resultados indicam que os participantes apresentam níveis mais altos de investimento do que de exploração vocacional e que percecionam os pais como manifestando níveis elevados de aceitação e monitorização. Os valores encontrados não se diferenciam em função do sexo dos adolescentes.

A Tabela 2 revela uma correlação positiva de valor moderado entre as dimensões aceitação e monitorização parental, sendo que os pais mais calorosos também tendem a procurar saber mais acerca do que os seus filhos fazem, onde estão e com quem, quando não estão em casa. Constata-se ainda uma correlação negativa de valor moderado entre as dimensões exploração e investimento vocacional, sugerindo que, à medida que o nível de investimento aumenta, o nível de exploração tende a diminuir. Verificou-se, ainda, que o investimento vocacional se correlaciona positivamente com a aceitação parental e com a monitorização parental, sendo ambas as correlações de valor baixo.

 

 

O rendimento escolar dos adolescentes evidencia uma correlação positiva média com o investimento vocacional e uma correlação fraca positiva com a monitorização parental.

Tendo em vista identificar os preditores do rendimento escolar, foi construído um modelo de regressão (Tabela 3). A fim de controlar a variância explicada pela escolaridade das mães, esta variável foi incluída no primeiro passo. Em passos sucessivos foram incluídas a monitorização parental e o investimento vocacional.

 

 

Os dados da Tabela 3 confirmam o papel da monitorização parental e do investimento vocacional como preditores do rendimento escolar dos adolescentes.

DISCUSSÃO

Os participantes deste estudo são alunos do 9º ano de escolaridade e encontram-se numa etapa do desenvolvimento vocacional de forte questionamento face à escolha de um curso do ensino secundário. Trata-se de uma tarefa emocionalmente exigente, do ponto de vista pessoal e social, implicando a realização de atividades de exploração vocacional, que poderão ser reduzidas ou até interrompidas (tendência à exclusão de escolhas ou outorgado), para evitar o confronto com as situações de desconforto e ansiedade despoletadas ao longo do processo de exploração (Blustein & Philips, 1990).

Face à importância que se vem atribuindo à formação no espaço europeu nas últimas décadas, como um instrumento inquestionável para a inclusão pessoal e social e como fator determinante para o desenvolvimento do capital humano, tem-se registado em Portugal, um decréscimo das taxas de analfabetismo e de abandono escolar pelo investimento nas várias modalidades de formação. A criação dos Centros Novas Oportunidades na educação e formação de adultos que abandonaram precocemente a escola por falta de oportunidades ou para as garantirem às gerações mais novas (filhos e netos), o alargamento e diversificação da oferta de cursos profissionalizantes e a extensão do ensino obrigatório até aos 12 anos de escolaridade, são medidas que vêm sendo implementadas com vista a combater o insucesso escolar, o abandono escolar e aumentar o capital humano dos cidadãos para os transformar em cidadãos críticos e participativos (Imaginário & Castro, 2011).

Assumindo a problemática do in/sucesso e abandono escolar precoce como uma preocupação prioritária, pelo seu impacto negativo no desenvolvimento pessoal, social, económico, político e cultural do nosso País, várias investigações têm sido desenvolvidas com o intuito de melhor compreender este fenómeno, procurando construir soluções políticas e sociais para reduzir estes efeitos. Neste sentido, no âmbito deste estudo, entendemos que seria relevante e uma mais-valia para a compreensão do mesmo, explorar os determinantes micro e macrossociais que estão subjacentes ao insucesso escolar e ao abandono escolar precoce.

Dos resultados obtidos, no âmbito deste estudo, destaca-se, como principal preditor do rendimento escolar dos adolescentes, a escolaridade materna, facto que corrobora o que tem vindo a ser defendido na literatura vigente, estando esta questão fortemente relacionada com o nível sociocultural de origem do aluno; ou seja, o insucesso escolar não atinge de igual modo todas as classes e grupos sociais. Não é irrelevante viver em ghettos de exclusão social ou viver em zonas privilegiadas onde se pode aceder às oportunidades de maior viabilização de sucesso, pertencer a uma classe social ou a outra. O sucesso e o acesso às melhores oportunidades estão principalmente determinados pelo contexto social de pertença e não por determinantes intra-individuais (Gonçalves, 2008).

Os resultados deste estudo revelam ainda que os níveis de monitorização parental e de investimento vocacional podem predizer os níveis de rendimento escolar dos adolescentes. Relativamente à monitorização, estes resultados vêm corroborar os dados da literatura (Cia et al., 2008). Quanto ao investimento vocacional, este verifica-se quando o indivíduo faz escolhas relativamente firmes de elementos de identidade e ações dirigidas para as implementar, havendo uma preparação para o desempenho de papéis futuros, de acordo com objetivos e valores definidos a priori, fornecendo um mecanismo de integração do passado com o futuro (Costa, 1991). O investimento supõe mobilizar o sujeito para realizar ações concretas de exploração nas várias dimensões da vida e para envolver-se ativamente na consecução de objetivos. Neste caso específico, investir nos resultados escolares implica compreendê-los, antecipadamente, como preditores de oportunidades de acesso a cursos/formações e profissões mais apetecíveis do ponto de vista dos interesses pessoais e do estatuto social dos mesmos.

Neste estudo a monitorização parental e o investimento vocacional indiciam constituir-se como determinantes para o rendimento escolar dos adolescentes, sendo importante ter em conta que não atuam isoladamente, mas cumulativamente. Neste sentido, estes resultados corroboram a perspetiva ecológico-desenvolvimentista, reforçando a importância que uma multiplicidade de fatores intra-individuais, inter-individuais e macrossistémicos exerce sobre o rendimento escolar.

Na contemporaneidade, face ao cenário a que assistimos, marcado pela incerteza e pela imprevisibilidade que o futuro descarrega no presente, em que as relações entre formações, profissões e trabalho têm um carácter cada vez mais descontínuo, incerto, precário e temporário, torna-se premente o desenvolvimento de intervenções que permitam e promovam condições para a exploração reconstrutiva do investimento vocacional dos adolescentes, jovens e adultos, constituindo-se como autênticas oportunidades para a inclusão social e empoderamento dos sujeitos para se assumirem como cidadãos críticos, participativos e autores das suas próprias vidas na relação com os outros (Monteiro & Gonçalves, 2011). A comunidade escolar deverá assumir um papel decisivo neste processo para que os Serviços de Psicologia e Orientação se convertam em espaços para o questionamento e o desenvolvimento pessoal e social e não para a adaptação e acomodação constituindo-se em indústrias de programas contribuindo para a proletarização do Ser (sujeito psicológico) reduzindo-o a um objeto de consumo, legitimando uma cultura desindividuante, produtora de produtos tóxicos e descartáveis, subordinando-se aos desejos insaciáveis do hiperconsumo de uma ordem economicista e tecnicizante dominantes (Stiegler, 2004).

Um das implicações deste estudo para a intervenção é a necessidade de se continuar a investir na intervenção na consultoria parental para capacitar os significativos em competências parentais, de forma a melhorar o nível de informação dos pais, a aumentar a sua mestria no acesso aos recursos da comunidade, a implicá-los nas atividades escolares dos filhos, desenvolvendo uma forma de relação mais responsável no seio da família e, consequentemente, melhorando o bemestar individual dos seus componentes.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Prata, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto. E-mail: vazprata@gmail.com

 

NOTA

Os dados apresentados foram recolhidos no segundo momento do estudo longitudinal “Percursos escolares na adolescência: Determinantes socio-cognitivo-motivacionais” desenvolvido no âmbito do Centro de Estudos Euro-Regionais (CEER), pelo Centro de Psicologia da Universidade do Porto, coordenado pelo último autor e foram objeto da tese de Mestrado em Temas de Psicologia na FPCEUP do primeiro autor.

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