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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.31 no.1 Lisboa jan. 2013

 

Tornar-se Psicólogo para além das aulas: Grupo de desenvolvimento com estudantes de Psicologia

Ana Cristina Rocha*; Graça Silva*; Raquel Barbosa*; Cidália Duarte*

* Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Correspondência

 

RESUMO

O Desenvolvimento Profissional (DP) tem vindo a ser revelado como um elemento crítico na formação e desempenho profissional do Psicólogo. Tendo por base os fundamentos teóricos acerca do DP e da construção da identidade profissional, e com carácter exploratório, construiu-se, implementou-se e avaliou-se a eficácia de um programa de intervenção. O principal objectivo desta é, num contexto seguro à exploração, promover o DP de estudantes de Psicologia, em duas componentes (intrapessoal e interpessoal/social). Constituíram-se dois grupos (um de 10 e outro de cinco participantes), avaliados formalmente no início e no fim do programa, através de uma medida construída para o efeito – Questionário de Desenvolvimento de Estudantes de Psicologia. Os resultados apoiam a eficácia da intervenção e indicam mudanças ao nível do autoconhecimento, da representação de DP, do conhecimento do papel de Psicólogo, dos recursos para a transição entre papéis e contextos, da coerência e riqueza narrativa e das competências relacionais básicas. Não obstante as reformulações necessárias identificadas na avaliação informal, o programa promove o DP e a construção da identidade profissional dos estudantes de Psicologia, tendo os participantes demonstrado a sua satisfação com a mesma.

Palavras-chave: Desenvolvimento do Psicólogo, Desenvolvimento profissional, Estudantes de Psicologia, Identidade profissional, Programa de intervenção.

 

ABSTRACT

Professional Development (PD) has been highlighted as a critical element of professional training and practice within Psychology. Based on theory about PD and professional identity development and with an exploratory nature, we proceeded to the construction, implementation and evaluation of an intervention. Its main purpose is within a secure environment to exploration, to promote the PD of psychology students, in two components (intrapersonal and interpersonal/social). We formed two groups (one with 10 and another with five participants) that we evaluated formally by the pre-pos test design with a measure built for this purpose – Questionnaire Development Psychology Students. The results support the effectiveness of the intervention and indicate changes in: the level of self-knowledge, the representation of PD, the knowledge of the role of the psychologist, resources for the transition between roles and contexts, the consistency and richness of the narrative and basic relational skills. Despite the reformulations demanded by participants at the informal assessment, the program promotes the PD and the professional identity development of psychology students that presented high levels of satisfaction.

Key-words: Intervention program, Professional development, Professional identity, Psychologist development, Psychology students.

 

INTRODUÇÃO

Nós somos pessoas psicólogas e não psicólogas pessoas! Nós somos a nossa principal ferramenta de trabalho e, assim sendo, é fundamental para o nosso desempenho profissional que nos desenvolvamos e cresçamos enquanto pessoas.

(Estudante participante, 2010)

 

Nas últimas décadas, o desenvolvimento profissional (DP), especialmente no domínio da Psicologia, tem vindo a ser reconhecido como um elemento crítico na formação e no desempenho profissional por variadas instituições, dando origem um pouco por todo o mundo à redacção de artigos e capítulos, bem como à constituição de comités científicos dedicados à temática e à realização de actividades promotoras do mesmo, ainda que não integradas no plano de estudos (Ducheny, Allezhauser, Crandell, & Schneider, 1997). Em Portugal, esta não parece ser ainda uma prática corrente, não obstante o interesse pelo DP do Psicoterapeuta patente na recente proliferação de investigações no domínio (ex., Carvalho & Matos, 2011a,b; Ferreira, 2010; Magalhães, 2008; Vasco, 1992).

Na verdade, o estudo do DP do Psicólogo tem estado bastante associado ao do Psicoterapeuta. Após décadas de investigação acerca da eficácia da Psicoterapia, despoletadas pelo questionamento de Eysenck, em 1952, a investigação direccionou-se para os factores comuns da Psicoterapia, especificamente para a preponderância da relação estabelecida e, portanto, para a pessoa do Psicoterapeuta (Mahoney, 1991; Norcross & Lambert, 2011; Sales, 2009; Sousa, 2006; Wampold, 2001). Provavelmente pela ausência de questionamento o mesmo não se sucedeu de uma forma sistemática noutros domínios da Psicologia relativamente à figura do Psicólogo. Assim, conferir relevância e mover o foco também para o Psicólogo e para o seu DP a par de colocar termo ao divórcio entre a investigação e a intervenção, considerado uma das principais prioridades actuais (Sales, 2009), são dois dos objectivos do presente trabalho.

Tal como Skovholt (2005), consideramos que a essência das profissões que prestam ajuda/apoio, entre as quais se insere a de Psicólogo, é o processo relacional inerente, sendo a componente relacional transversal ao DP do Psicólogo independentemente do seu campo de intervenção. Pois trabalhar relações não é uma tarefa exclusiva do Psicoterapeuta na medida em que também o Psicólogo é um “especialista das relações”, cujo desenvolvimento das suas componentes intra e interpessoal é essencial. Um estudo junto de estudantes de Psicologia, no ramo da consulta psicológica, parece corroborar esta perspectiva já que os factores relacionais foram os mais valorizados no DP (Ducheny et al., 1997). No entanto, a liberdade inerente à nossa interpretação do conceito certamente se explicará ainda por estarmos perante um conceito pouco claro e consensual, até na sua terminologia (idem; Elman, Illfelder-Kaye, & William, 2005).

Elman, Illfelder-Kaye e William (2005), que constituíram o Professional Development Work Group, definiram DP como um processo desenvolvimental no qual se adquire, amplia e refina o conhecimento, a competência e a proficiência necessários a um funcionamento profissional competente que tem, por sua vez, como resultado o profissionalismo. Segundo os autores, este é constituído por duas componentes: (i) a intrapessoal referente à clarificação dos objectivos profissionais e à cristalização da identidade profissional (para os quais o auto-conhecimento, a auto-confiança e a capacidade de reflexão são fundamentais); e (ii) a interpessoal/social que diz respeito ao desenvolvimento de aspectos interpessoais e à internalização de padrões inerentes ao funcionamento profissional e à autonomização. O grupo ressalva ainda a continuidade processual como característica do DP, tal como Skovholt e Ronnestad (1992, 1995) que, conferindo um maior enfoque ao papel do desenvolvimento pessoal no DP, afirmam que este se trata de um longo, lento e errático processo no sentido da individuação profissional, que implica a integração do self profissional e do self pessoal. De facto, ao DP parece estar sempre associado o desenvolvimento pessoal, especialmente na profissão de Psicólogo, pelo que, por uma questão de parcimónia, passamos a referirmo-nos também a este na expressão DP.

As definições tecidas acerca do DP remetem-nos para a natureza empírica do próprio conceito de desenvolvimento que está estruturado em três princípios teóricos: mudança, estrutura e continuidade. Isto é, o desenvolvimento implica sempre uma mudança de alguma espécie, que se organiza sistematicamente ao longo do tempo com continuidades e descontinuidades (Lerner, 1986). Estes princípios estão subjacentes ao corpo de conhecimento construído acerca do desenvolvimento do Psicoterapeuta e da supervisão, donde se ressalta os modelos de DP e vocacional, que têm procurado responder às questões: o que muda? Como se estrutura e muda o Psicoterapeuta/Psicólogo? (Skovholt & Ronnestad, 1995). Dada a concepção de Psicólogo já exposta e a lacuna de modelos de desenvolvimento do Psicólogo na literatura, este programa de intervenção, muito embora se destine a estudantes de Psicologia, tem por base, em grande parte, o DP do Psicoterapeuta explanado em alguns destes modelos, que foram desenvolvidos maioritariamente no contexto da supervisão/formação (Marshall, 2000), e sobre os quais passaremos a discorrer.

TORNAR-SE PSICÓLOGO NO FINAL DA FORMAÇÃO ACADÉMICA: MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

Como se processa e se caracteriza o DP dos estudantes de Psicologia, no período final da sua formação académica de base? À semelhança de outros profissionais de saúde, parece certo que o seu desenvolvimento é acelerado (Mahoney, 1991) e que num momento inicial é especialmente desafiador (Ronnestad & Skovholt, 2003), o que terá levado a que muitos dos modelos de desenvolvimento do Psicoterapeuta se tenham centrado exclusivamente nesta fase. Skovholt e Ronnestad (1992, 1995), criando um ponto de ruptura, formularam inicialmente, com base no primado de Super (1957) que perspectivou o desenvolvimento vocacional ao longo da vida, um modelo com oito estádios que, em 2003, reduziram para seis aquando de uma revisão mais parcimoniosa (ajudante convencional, estudante iniciado, estudante avançado, profissional novato, profissional experiente e profissional estabelecido) (Ronnestad & Skovholt, 2003).

Dadas as diferenças estruturais no percurso académico formal do sistema português que o tornam mais diversificado e idiossincrático, consideramos não ser possível realizar uma transposição integral deste modelo. Ainda assim, observamos empiricamente semelhanças no que respeita à vivência dos Psicoterapeutas portugueses e os primeiros estádios do modelo (Carvalho & Matos, 2011a,b; Magalhães, 2008;), que passamos a apresentar numa síntese integrativa. Na fase final do seu percurso académico, o estudante de Psicologia está a ter as suas primeiras experiências práticas quer no estágio, cuja importância é crítica (Magalhães, 2008), quer na observação participativa em intervenções da responsabilidade de um orientador.

Portanto, a sua principal função é agir a um nível profissional básico, o que acarreta um distanciamento das experiências e soluções pessoais e também uma vivência emocional intensa que começa por oscilar entre o entusiasmo e a ansiedade (Magalhães, 2008; Ronnestad & Skovholt, 2003; Skovholt & Ronnestad, 1992, 1995). A dificuldade em lidar com a sua ansiedade e em regular as emoções intensificadas por uma tendência para a sobre-identificação é uma das características mais prementes, a par da sua excessiva auto-centração e dependência externa não só de Psicoterapeutas modelo que procura imitar e que coincidem frequentemente com a figura do Supervisor, cuja influência e feedback são primordiais, mas também de técnicas e modelos teóricos que procura adoptar à medida que tenta ainda esconder as suas características pessoais. No entanto, a tendência para simplificar, característica dos primeiros momentos, vai dando gradualmente lugar a uma maior capacidade de complexificação, tal como a excitação inicial é suprida por um sentimento de desilusão com a profissão que advém da dificuldade em compreender os limites da intervenção psicoterapêutica e da excessiva e incorrecta auto-responsabilização (Carvalho & Matos, 2011a,b; Magalhães, 2008; Skovholt & Ronnestad, 1992, 1995; Ronnestad & Skovholt, 2003).

É uma fase particularmente crítica do seu desenvolvimento, pelo que Skovholt e Ronnestad (2003) sintetizam as suas principais fontes de stress: ansiedade e medo do fracasso intensos, padrões de avaliação ambíguos, fronteiras emocionais pobres ou rígidas, percepção de um self profissional frágil e incipiente, mapas conceptuais inadequados, expectativas idealistas acerca da profissão e uma forte necessidade de apoio de um mentor. Com efeito, parece haver uma exacerbada necessidade de absorver um modelo (teórico e de Psicoterapeuta) por parte do estudante que age de forma pouco espontânea e experiencia elevados níveis de ansiedade de realização e, por vezes, sintomas depressivos (Kuyken, Peters, Power, Lavender, & Rabe-Hesketh, 2000), enquanto, explorando-se, procura o seu self de Psicoterapeuta. Este evolui, por conseguinte, de um foco externo para um interno.

Skovholt e Ronnestad (1995), inspirados por Erikson (1968) e Marcia (1966) afirmam que o desenvolvimento se processa através de momentos de exploração, reflexão e abertura, nos quais o Psicoterapeuta poderá usufruir de moratórias; e que a estagnação se relaciona com uma defensividade e um enclausuramento prematuro cujo fito é diminuir a ansiedade, mas que resultará ora num pseudo-desenvolvimento, ora num abandono da profissão. Na verdade, vários autores fazem referência à construção da identidade profissional associada ao DP e a esta fase desenvolvimental que corresponde à adaptação à transição de papéis, dada a incongruência entre o self pessoal e o self exigido no contexto profissional de estágio, nomeadamente (Ducheny et al., 1997; Elman, Illfelder-Kaye, & William, 2005; Fouad, 2003; Ibarra, 1999, 2003; Ibarra & Barbulescu, 2010; Kottler & Swartz, 2004).

A este respeito, Ducheny e colaboradores (1997) afirmam que a identidade profissional é o mecanismo organizador do DP e Ibarra (1999) advoga que é através de três tarefas básicas (observação, experimentação e avaliação a partir do feedback externo e interno) que o estudante experimenta selves provisórios que mais não são do que tentativas de uma identidade profissional ainda não completamente construída e que este vai avaliando e refinando de acordo com os seus contextos de desenvolvimento. A autora e Barbulescu (2010) acrescentam que o resultado destas tarefas é organizado pelo estudante numa auto-narrativa, enquanto um poderoso instrumento no estabelecer a ponte durante a transição de papéis e a implícita construção da identidade. Pois, a auto-narrativa é uma história construída com a participação dos outros que procura ser coerente e legítima, permitindo uma percepção de autenticidade e validade (2010), aquilo a que certamente Skovholt e Ronnestad (1995) se referiam na expressão “integração do self profissional e do self pessoal” e também Savickas (2001) quando menciona a construção narrativa como elaboração de um propósito e de um sentido uno de si, assim como Erikson (1968) ao postular um sentido único, uno e fiel de si como produto da construção da identidade.

Todavia, segundo Orlinsky e Ronnestad (2005), o DP do Psicoterapeuta, para o qual esta construção parece ser estruturante, não se processa de forma linear, por oposição ao que proclama a maioria dos modelos (Marshall, 2000). De acordo com os autores, o desenvolvimento processase sequencialmente a partir do balanço interligado entre duas espirais que actuam em concomi tância, representando uma, um ciclo de desenvolvimento positivo, que tem por base a experiência de crescimento e resulta na remoralização, e a outra um negativo, que tem por base a experiência de esgotamento e resulta na desmoralização. Com base nesta assumpção, os autores questionam o que leva a que um estudante, sem nenhuma experiência, inicie o seu desenvolvimento num ciclo predominantemente positivo, remoralizando, e outro num ciclo predominantemente negativo, desmoralizando. As competências relacionais básicas, que reflectem uma maturidade social para a qual são fundamentais a capacidade de reflexão, a capacidade de comunicação e de empatia genuína e a identidade profissional, foram a resposta encontrada.

Com efeito, a capacidade de reflexão é o factor mais comummente ressaltado como preponde rante na literatura (Carvalho & Matos, 2011a,b; Ducheny et al., 1997; Elman et al., 2005; Ferreira, 2010; Magalhães, 2008; Mahoney, 1991; Marshall, 2000; Orlinsky & Ronnestad, 2005; Skovholt & Jennings, 2005; Skovholt & Ronnesdad, 1995, 2003). A reflexão contínua a par da valorização da complexidade e ambiguidade humana, do auto-conhecimento, de uma postura aberta e nãodefensiva, da competência cultural, bem como da maturidade (integração dos selves) e da saúde mental, sem descurar a importância da experiência, têm sido as características encontradas nos Psicoterapeutas especialistas e, portanto, associadas ao desenvolvimento (Jennings & Skovholt, 1999; Jennings, Goh, Skovholt, Hanson, & Banerjee-Stevens, 2003; Skovholt & Ronnestad, 1995). Relativamente à saúde mental, Skovholt e Ronnestad (1995) ressalvam a importância dos motivos da escolha da profissão, na medida em que a excessiva focalização em si quer do ponto de vista do desenvolvimento pessoal e da cura, quer do da resposta a necessidades narcísicas que passam por sentir poder e percepcionar alguma omnipotência no apoio que prestam, influenciam negativamente o desenvolvimento. Assim, o auto-conhecimento no que concerne estes motivos, através da reflexão, é crucial já que os mesmos não são, muitas vezes, conscientes e estão camuflados no desejo de ajuda ao outro (Norcross & Farber, 2005). Todavia, se as variáveis individuais associadas ao Psicoterapeuta têm sido alvo de um escrutínio na investigação no domínio, também as variáveis que se prendem com a interacção com o meio têm sido salientadas como estruturantes no DP.

CONTEXTOS RELACIONAIS DE DESENVOLVIMENTO: PROMOVER O DP

Nenhum desenvolvimento, independentemente da sua natureza, ocorre em isolamento e no que diz respeito ao DP o contexto de formação é capital (Skovholt & Ronnestad, 1995). Por isso, a literatura, num movimento baseado nas assumpções ecológicas que salienta a importância dos factores externos no DP (Elman et al., 2005; Ibarra, 1999, 2003; Ibarra & Barbulescu, 2010; Orlinsky & Ronnestad, 2005; Skovholt & Ronnestad, 1995), tem ressaltado a importância do contexto de formação criar oportunidades de equilibração nos processos de assimilação e acomodação piagetianos, suficientemente desafiantes e apoiantes (Skovholt & Ronnestad, 1995).

Tal como noutros estudos (Elman et al., 2005; Mahoney, 1998; Orlinsky & Ronnestad, 2005), em Portugal, um conjunto de investigações tem ressaltado a importância de se criar e/ou integrar nos curricula experiências que promovam uma postura reflexiva, uma abertura à incerteza e à ambiguidade e proporcionem o autoconhecimento e a integração de experiências pessoais (Carvalho & Matos, 2011a,b; Ferreira, 2010; Magalhães, 2008; Vasco, 1992), num contexto securizante de exploração e construção da identidade profissional (Ibarra, 2003). A intervenção em grupo, pela relevância da experiência interpessoal (Orlinsky & Ronnestad, 2005) e da participação social por parte de pares e mentores na construção da identidade e, consequente, elaboração narrativa (Ibarra & Barbulescu, 2010), parece ser bastante profícua na promoção do DP (Elman et al., 2005) perspectivado numa lógica que mais do que tecnicista se pretende humana e humanizada. Foi neste âmbito que surgiu com uma natureza bastante exploratória a construção, implementação e avaliação de uma intervenção que visa a promoção do DP dos estudantes de Psicologia e que será objecto de exploração e análise.

MÉTODO

Participantes

Esta intervenção dirigiu-se a estudantes do 2º ciclo do Mestrado Integrado em Psicologia (MIP) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Constituíram-se 2 grupos de 15 estudantes (um de 10 e outro de cinco participantes), do sexo feminino, a frequentar maioritariamente o 4º ano do curso de MIP (apenas 3 estudantes eram do 5º ano) e o ramo de Psicologia Clínica e da Saúde (apenas 3 estudantes estavam no ramo da Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça). Na formação dos grupos, tentou-se que estes fossem o mais heterogéneos possíveis, pretendendo-se assim, para além da densificação das redes sociais de apoio, que o confronto com diferentes perspectivas provocasse desequilíbrios dinâmicos e se constituísse um estímulo ao desenvolvimento, à luz das teorias do conflito sociocognitivo.

Programa de intervenção “Tornar-se Psicólogo para além das aulas”

A construção desta intervenção tem como base, para além dos aspectos teóricos acima mencionados, uma avaliação de necessidades prévia junto de estudantes e professores do curso de MIP da FPCEUP. Foram realizados questionários junto de 73 estudantes do 3º e 4º ano do curso, assim como uma entrevista semi-estruturada ao presidente da associação de estudantes, enquanto representante dos mesmos, e a professores do MIP, no sentido de se perceber quais seriam as suas percepções acerca da pertinência de uma intervenção intencionalizada para o DP dos estudantes de Psicologia e quais seriam as temáticas mais relevantes a considerar. Estudantes e profissionais foram unânimes na relevância que atribuíram à criação de um grupo de desenvolvimento dirigido a estudantes, na fase final do curso, para abordar questões que se prendiam essencialmente com a identidade profissional e com a transição para o mercado de trabalho. A par da opinião destes, considerámos ainda as reflexões da equipa de 15 Psicólogos do Serviço de Psicoterapia da FPCEUP, que contactam com os estudantes enquanto orientadores dos mesmos, em experiências de observação. A equipa de psicólogos que interveio era supervisionada e constituída por três profissionais, organizados em pares, participando, portanto, uma das psicólogas nos dois grupos.

Eixos estruturantes e objectivos do programa de intervenção

Assim, o programa de intervenção tem como objectivo primordial promover num contexto seguro à exploração o DP, desenvolvendo-se, para este efeito, segundo dois eixos estruturantes: (i) exploração do seu self e (ii) exploração do papel de Psicólogo e dos seus padrões de funcionamento profissional; ambos considerados fundamentais para a construção narrativa referente à identidade profissional (componentes intra e interpessoal do DP, segundo Elman et al., 2005). Portanto, com esta intervenção intenta-se que o estudante, no confronto com as diferentes perspectivas apresentadas no grupo, explore, avalie e refine a sua identidade profissional (provisória), organizando-a numa narrativa que potencie a vivência de um ciclo de desenvolvimento predominan temente positivo no início do seu percurso profissional e a remoralização, em detrimento de um pseudo-desenvolvimento ou de um desinvestimento na profissão.

Planeamento das sessões. O programa de intervenção é composto por oito sessões, cada uma centrada numa temática específica do DP do estudante de Psicologia, não obstante o trabalho transversal dos aspectos já referidos (ver estrutura descrita no Quadro 1).

A sessão introdutória do programa serve para apresentar os objectivos do mesmo aos estudantes e para se negociar aspectos funcionais da sua aplicação. Para além disso, é pedido aos participantes para preencherem um questionário acerca do desenvolvimento do estudante de Psicologia (ver instrumento).

Cada uma das restantes sete sessões aborda aspectos relacionados e interdependentes, cada uma assente em estratégias e actividades específicas e adequadas aos objectivos propostos. De uma forma geral, cada uma das sessões é constituída por 3 fases: (1) Início – reflexão sobre a sessão anterior; (2) Corpo da sessão – iniciado com uma actividade de “quebra-gelo” relacionada com a temática a ser trabalhada; apresentação, experimentação e discussão dos conteúdos da sessão, a partir de estímulos como excertos de filmes, textos, frases, role-play. Estas actividades visam, sobretudo, a promoção da reflexão, da sensibilização dos participantes relativamente à importância do auto-conhecimento e DP para a prática psicológica; (3) Fim – no final de cada sessão é fornecido aos participantes um pequeno questionário para estes registarem opiniões e sentimentos relativamente aos conteúdos das sessões.

Na sessão final, potencia-se a integração dos principais aspectos do DP promovidos ao longo da intervenção e realiza-se a avaliação final formal e informalmente (ver procedimento), entregando-se também um certificado de participação.

Instrumento

Uma vez que não existem medidas objectivas para avaliar o DP e que pela sua natureza processual é difícil definir padrões de desenvolvimento (Elman et al., 2005), desenvolveu-se um instrumento para avaliar a eficácia do programa de intervenção, mas que se pretende também que se constitua um importante ponto de partida para a construção de um instrumento de avaliação do DP de estudantes de Psicologia ou Psicólogos no início do percurso profissional.

Este instrumento foi apelidado de “Questionário de Desenvolvimento de Estudantes de Psicologia” (QDEP) e foi desenvolvido com base na entrevista semi-estruturada de Skovholt e Ronnestad (1995) e de Magalhães (2008), e também no Development of Psychotherapists Common Core Questionnaire (Orlinsky & Ronnestad, 2005). Na construção do QDEP foi tida em conta a importância da construção narrativa no processo de construção da identidade, pelo que é composto sobretudo por questões abertas, apresentando, no total, 22 questões (15 questões abertas e sete de resposta em escala de likert de cinco pontos) que avaliam as seguintes dimensões:

– Representação e importância do DP (três questões);
– Escolha da Psicologia (motivação e satisfação com a escolha) (duas questões);
– Exercício da Psicologia (Expectativas, Vantagens e desvantagens, e Impacto na vida pessoal e relacional) (quatro questões);
– Início do exercício da Psicologia (Afecto predominante e Recursos percepcionados) (duas questões);
– Papel de Psicólogo (Crenças associadas, Competências básicas, Modelo ideal, Vulnerabilidades e potencialidades pessoais, Mapa conceptual) (nove questões);
– Transição Universidade – Mercado de Trabalho (Afecto predominante e Recursos percepcio nados) (duas questões).

Procedimento (de implementação e de avaliação)

Após a revisão da literatura e da avaliação das necessidades, procedeu-se à divulgação do grupo de desenvolvimento que foi efectuada com a colaboração da associação de estudantes da FPCEUP.O grupo decorreu ao longo de 8 sessões quinzenais, com duração de cerca de 90 minutos. A avaliação formal da intervenção foi realizada através de um desenho de pré-teste e pós-teste com o objectivo de avaliar o DP dos participantes. Assim, o QDEP foi aplicado no início (primeira sessão) e no fim do programa (última sessão). Os dados recolhidos nas questões abertas foram analisados segundo a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2008), existindo previamente algumas categorias e temas esperados, sem, no entanto, descurar a possibilidade de se explorarem categorias que emergiram das respostas. Os dados recolhidos nas questões de resposta em escala de likert foram analisados com o software estatístico PASW Statistics 18. Realizou-se ainda uma avaliação informal do programa na última sessão, na qual se solicitou aos estudantes feedback específico relativamente ao programa e sugestões para a reformulação do mesmo.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Avaliação formal do programa de intervenção

Análise das questões abertas. A avaliação formal da intervenção tem por base a análise das diferenças perceptíveis a partir do QDEP, entre o início e o final desta. Do processo de análise de conteúdo das questões abertas resultou uma árvore com cinco categorias, que correspondem essencialmente às dimensões do instrumento, e 15 subcategorias, cujos dados, por uma questão de espaço e compreensão, passamos a apresentar e discutir apenas os mais relevantes, ilustrando-os com as narrativas dos participantes.

Representação do DP

Pré-teste: “DP é um desenvolvimento global (cognitivo, emocional, social, etc.) para nos tornarmos para além de mais competentes, melhores pessoas.”

Pós-teste: “DP do Psicólogo é um crescimento/maturação do nosso self enquanto profissional. É um caminho inacabado que nos permite crescer e adquirir competências a vários níveis para que possamos depois ajudar os outros mais eficazmente.” (Participante 2)

Como está patente na narrativa apresentada, os participantes parecem apresentar uma represen tação de DP mais abrangente e completa que vai de encontro às concepções de Skovholt e Ronnestad (1992, 1995) e de Elman e colaboradores (2005), enquanto um processo contínuo que passa pela integração entre os selves profissional e pessoal, mas também por um desenvolvimento global de competências. Corroborando também Skovholt e Ronnestad (2003), parece ter ocorrido nos estudantes uma mudança para um foco mais interno. Pois, estes parecem, por um lado, encontrar-se mais auto-focalizados e, por outro lado, valorizar o DP como uma variável influente na eficácia da sua intervenção tal como o auto-conhecimento que emerge também como um meio importantíssimo para o próprio DP.

Escolha da Psicologia

Pré-teste: “A escolha pela Psicologia surgiu pela curiosidade que sempre tive pela compreensão do comportamento e do ser humano em geral.”

Pós-teste: “A minha escolha foi motivada por várias razões pessoais. Desde sempre fui uma pessoa muito cuidadora e sentia que a escolha vocacional teria de ir nesse sentido. Esta escolha foi também motivada pela vivência de uma depressão num familiar próximo que me despertou para estas temáticas.” (Participante 9)

Se no momento inicial a escolha da Psicologia surge justificada principalmente pela compreensão do comportamento humano e pela ajuda ao outro, no final associados à escolha da Psicologia emergem a pessoa do participante e a sua história de desenvolvimento, em detrimento dos primeiros motivos que, embora denotem uma propensão para a reflexão e complexificação, correspondem às características da profissão muitas vezes socialmente estereotipadas e que parecem ter camuflado motivos mais idiossincráticos e menos conscientes, como sugere a literatura (Norcross & Farber, 2005; Skovholt & Ronnestad, 1995). No que concerne os motivos baseados em acontecimentos de vida, ganham particular relevo as experiências interpessoais e a influência de figuras emocionalmente significativas. De facto, são notórias as respostas mais ricas e completas, que evidenciam um maior auto-conhecimento a este respeito, considerado fundamental por autores como Skovholt e Ronnestad (1995). Na verdade, a partir da diversidade de motivos, ora focados na profissão, ora na pessoa do estudante de Psicologia, tal como no estudo de Magalhães (2008), continua claramente a ser possível verificar uma intersecção complementar entre o que a profissão pelas suas características permite vivenciar e o que os estudantes necessitam pela sua personalidade, influenciada pela sua história de vida.

Exercício da Psicologia

Pré-teste: “Penso que poderei ter dificuldade em separar o lado profissional da vida pessoal, levando as preocupações dos casos “para casa” e prejudicando a vida pessoal e relacional.”

Pós-teste: “Continuo com receio de não conseguir separar a vida profissional da pessoal, mas acho que vou aprendendo a lidar com as implicações ao longo do tempo e a “desvalorizar” este medo.” (Participante 17)

Os participantes parecem apresentar, no final da intervenção, um maior conhecimento sobre o exercício da Psicologia e do próprio papel de Psicólogo, que exploraremos seguidamente, bem como expectativas mais ajustadas sobre estes, parecendo ter iniciado a internalização de padrões de funcionamento profissional importantes. Com efeito, parecem ter uma representação menos idealizada da profissão, pois se não foram notórias mudanças nas expectativas positivas relativamente ao exercício da Psicologia que continuam a prender-se sobretudo com o prestar ajuda, no que respeita as expectativas negativas surge uma nova subcategoria que comporta os limites da intervenção, parecendo ter também aumentado o receio de desilusão com a profissão, como expectável aquando da exploração do papel de Psicólogo, de acordo com a literatura (Ronnestad & Skovholt, 2003; Skovholt & Ronnestad, 1995). Todavia, note-se que a desilusão é normal e fundamental no processo de DP, pois reflecte o ajustamento das expectativas do estudante e potencia, com base no novo conhecimento acerca dos limites da intervenção e da ajuda que podem prestar, a definição de padrões de auto-avaliação menos ambíguos e essenciais para o ajuste da sua auto-responsabilização, comummente excessiva (Carvalho & Matos, 2011a,b; Ronnestad & Skovholt, 2003).

O conhecimento mais alargado acerca do exercício da Psicologia, importantíssimo enquanto dissipador de mitos acerca do mesmo (Marshall, 2000), também parece estender-se ao impacto da profissão na vida pessoal e relacional, especialmente no que respeita o desgaste psicológico, implicação bastante salientada na literatura acerca do DP (Carvalho & Matos, 2011a,b; Mahoney, 1991; Orlinsky & Ronnestad, 2005; Ronnestad & Skovholt, 2003; Skovholt & Ronnestad, 1995) e que desperta maior receio por parte dos estudantes. Contudo, não obstante este, na avaliação final, são evidentes quer uma maior confiança na capacidade para lidar e prevenir as implicações negativas como ilustra a participante 17, quer uma maior valorização das implicações positivas da profissão na vida pessoal e relacional.

De facto, a mudança nos afectos dominantes despoletados pelo início do exercício da Psicologia está bem patente nos seus discursos e ocorre no sentido de uma maior segurança e confiança em si próprio e na sua capacidade de lidar com as dificuldades e de se desenvolver. Esta mudança parece poder explicar-se em parte pelo maior conhecimento da profissão, mas também pela normalização e aceitação do seu processo de DP e, assim, das suas dificuldades, emoções e medos vivenciados. Fouad (2003) partilha que quando apresentou o modelo de Skovholt e Ronnestad (1995) aos seus alunos, estes experienciaram uma intensa identificação com o mesmo, tranquilizando-se relativamente às suas vivências, o que levou o autor a discorrer sobre a relevância da normalização do processo de DP. A intervenção parece também potenciar esta reacção, pois embora o medo do fracasso predomine ainda, este surge no final como natural, próprio da fase desenvolvimental e como uma dificuldade que será ultrapassada. Esta normalização e representação processual do DP emerge também como um recurso para lidar com as dificuldades características do início da prática profissional, a par da identificação de uma panóplia de recursos que surge mais diversificada no final do programa e da qual se destaca a partilha com pares e com profissionais mais experientes, parecendo que a própria partilha potenciada no grupo é significativa. Apesar do maior conhecimento do exercício da Psicologia e do papel de Psicólogo, com as repercussões já explanadas, não são perceptíveis mudanças claras relativamente às vantagens/desvantagens da profissão, sendo as identificadas as que a própria classe reconhece, em detrimento da identificação de vantagens/desvantagens idiossincráticas, pelo que concluímos não se ter verificado um maior auto-conhecimento a este nível.

Papel do Psicólogo

Pré-teste: “Não existe nenhuma receita para ser um bom Psicólogo. Cada um tem a sua forma de aprender, de interiorizar as coisas e as pôr em prática, de acordo com as suas experiências e personalidade.”

Pós-teste: “Não penso que seja possível haver um modelo de Psicólogo porque cada um tem as suas experiências, a sua forma de interpretá-las e de sentir-se mais ou menos bem com elas. Por isso, cada Psicólogo é diferente e inimitável e então cada um tem de procurar ser o seu próprio modelo.” (Participante 10)

No que concerne o papel do Psicólogo, a acrescentar a uma perspectiva menos idealizada do mesmo, é perceptível, no final, uma auto-focalização na construção de um estilo pessoal, que suplanta o reconhecimento da idiossincrasia na forma como se exerce o papel de Psicólogo, patente na narrativa inicial dos estudantes. Pois, na sua narrativa final o estilo pessoal surge mais do que como um resultado, como um processo idiossincrático no qual as características pessoais devem influir e que, por conseguinte, nos remete para os selves provisórios aquando da construção da identidade exigida pela transição entre o papel de estudante e o de Psicólogo (Ibarra, 1999, 2003), mas também para a integração entre os selves profissional e pessoal (Skovholt & Ronnestad, 1992, 1995). Neste sentido, os participantes parecem também apresentar um maior auto-conhecimento relativamente as suas potencialidades e dificuldades, que se prendem maioritariamente com autoregulação emocional e que se mantiveram na avaliação final, pelo que será profícuo reflectir sobre a necessidade de se intencionalizar uma intervenção que vise a promoção de competências de auto-regulação emocional.

Ainda neste domínio, especificamente no mapa conceptual que orienta a prática psicológica, a mudança pontua-se na valorização da importância de se construir uma mapa conceptual como grelha de leitura e de orientação da prática psicológica, ainda que este seja flexível, característica que assim como o ecletismo é já valorizada inicialmente pelos participantes e pela literatura (Orlinsky & Ronnestad, 2005).

Transição Universidade – Mercado de trabalho

Pré-teste: “Informar-me e partilhar os meus receios e anseios.”

Pós-teste: “Conversar com outras pessoas e tranquilizar-me: eu tenho ferramentas, competências pessoais, projectos e planos… Tudo para concretizar, nada para arquivar, pelo menos por agora!” (Participante 4)

Tal como no que diz respeito ao início do exercício da Psicologia, os participantes parecem revelar um maior auto-conhecimento, em particular dos traços de personalidade que poderão ser essenciais para uma transição bem sucedida para o mercado de trabalho, mas também um maior reconhecimento dos recursos disponíveis, pelo que as suas narrativas são mais completas e ricas. A predominância de afectos negativos (angústia, ansiedade) relacionados com o medo do desem prego e com o medo de falhar mantém-se, porém também relativamente a esta transição parecem emergir mais afectos positivos (esperança, confiança), como exemplifica a participante 4.

Análise das questões de resposta em escala de likert. Uma vez violado o pressuposto da normalidade (verificado através do teste Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors), foram utilizados testes não paramétricos (teste de Wilcoxon) para avaliar eventuais diferenças nas respostas das participantes no pré e pós teste.

Relativamente às duas primeiras questões “Importância do DP do Psicólogo” e “Satisfação com a escolha do curso”, as respostas mantiveram-se quase exclusivamente no ponto da escala “5 -Muito”, não se verificando qualquer variabilidade no início e fim do programa de intervenção (relembramos que é uma escala de 5 pontos de 1 – Nada até 5 – Muito), particularmente no que diz respeito à Importância do DP (100% afirmaram ser “Muito” importante no início e no fim do programa). No que diz respeito à satisfação demonstrada pela escolha do curso, apesar da não existência de diferenças significativas, verificou-se um pequeno acréscimo do número de participantes que referiram estar “Muito” satisfeitas com a escolha do curso de Psicologia no final do grupo de desenvolvimento (53% no início e 80% no final, com M=4,5, DP=0,5 no início e M=4,8, DP=0,4 no fim do programa). Este grupo de estudantes, para além de se manter bastante satisfeito com a escolha profissional efectuada, considera muito importante o DP do Psicólogo para a sua actividade profissional, mesmo antes da sua participação no grupo. Na verdade, o facto de se mostrarem predispostos a fazer parte de um grupo desta natureza, será indicador de que seriam pessoas mais sensibilizadas para a importância da reflexão e para as questões relacionadas com o DP.

No que concerne às cinco crenças analisadas no questionário, os testes não paramétricos de Wilcoxon para amostras relacionadas não revelaram diferenças significativas nas respostas dadas no início e no fim do programa, nomeadamente; “Se tenho um problema ou questão pessoal por resolver na minha vida pessoal não poderei ser um bom Psicólogo” (Z=-0,75; p=0,454), “Se as mudanças não ocorrem a culpa é minha, sou um péssimo Psicólogo” (Z=-1,63; p=0,102), “Se os clientes não voltam a culpa é minha” (Z=-1,6; p=0,109), “Tenho que saber tudo e dominar todas as temáticas para ser um bom Psicólogo” (Z=-1,73; p=0,083), “Os Psicólogos não fazem juízos de valor” (Z=-1,81; p=0,07).

Uma das limitações encontradas nestas análises será, obviamente, a dimensão bastante reduzida da amostra (15 participantes), para além da pouca variabilidade encontrada nas respostas (a maioria centrou-se no ponto de concordância “Nada” da escala). Neste sentido, optámos por dicotomizar as respostas (0 – Nada e 1 – as restantes opções) para explorar eventuais diferenças, continuando a não ser obtidos quaisquer resultados significativos. No entanto, quando considerado o somatório do número de crenças, no início e no fim da intervenção, foram encontradas diferenças significativas (Z=-2,43, p=0,016) entre o início (M=3,6; DP=0,83) e o fim do programa (M=2,6; DP=1,24). Assim, apesar das respostas se encontrarem nos pontos mais baixos da escala, verificase a existência de um aumento de respostas na opinião “Não concordo nada” no final do grupo de desenvolvimento, tendo em conta o número total de afirmações analisado.

Avaliação informal do programa de intervenção

Na última sessão, bem como nos questionários passados no final das sessões, os participantes expressaram encontrar-se globalmente satisfeitos com o grupo, especialmente por terem podido explorar o papel de Psicólogo, segundo uma perspectiva bastante distinta da das aulas, o que consideraram fundamental. Salientaram a exploração da sua identidade profissional segundo novas perspectivas pelo tempo para além das sessões que necessitavam para assimilar e reflectir sobre as temáticas. A este respeito e já no domínio das sugestões para a reformulação do programa, os participantes propuseram que fosse dispensado mais tempo/sessões para algumas temáticas e que os momentos de reflexão sobre a sessão anterior fossem maiores, o que denota que o tempo da própria sessão não é suficiente para assimilar, acomodar e equilibrar os novos conhecimentos e que, por isso, é importante que as temáticas sejam abordadas em mais do que uma sessão, aproveitando-se a reflexão e a, consequente, construção do conhecimento realizada no intervalo entre sessões, para a partilha e discussão em grupo na sessão seguinte. Neste sentido, sugeriram também que, por um lado, o número de sessões do programa fosse alargado e, por outro, que a frequência das sessões fosse semanal, de forma a não se sentir uma interrupção tão forte no processo de reflexão e construção de conhecimento, o que é também ressaltado pela literatura dada a importância e a morosidade destes processos (Skovholt & Ronnestad, 1995).

Relativamente ao planeamento específico das sessões, para além de momentos de reflexão da sessão anterior maiores, os participantes gostavam que fossem utilizadas mais dinâmicas de grupo de forma a potenciar mais a coesão grupal e a tornar as sessões menos densas. No que concerne à avaliação da eficácia do programa, referiram ser importante reformular o QDEP para uma versão mais curta e mais clara, uma vez que efectivamente o preenchimento do mesmo demorou em média 45 minutos e que algumas das respostas apresentadas pela maioria dos participantes não cumpriram o objectivo com que algumas questões foram colocadas, tendo-se verificado a repetição de informação em algumas respostas (e.g., expectativas para o exercício da Psicologia e vantagens/desvantagens do mesmo). Não obstante estas críticas, os participantes demonstraramse bastante satisfeitos com o programa de intervenção, considerando que este, com as reformulações necessárias, deveria ser estendido a outro anos do MIP, e que deveria inclusivamente transformar-se numa intervenção contínua ao longo da formação académica, parecendo ir de encontro à integração da promoção do DP no plano de estudos, como advogam alguns autores (Elman et al., 2005).

CONCLUSÃO

De uma forma global, consideramos que os principais objectivos do presente trabalho e do programa de intervenção “Tornar-se Psicólogo para além das aulas” foram alcançados. Atraindo o foco para um domínio de investigação e de intervenção – o DP do Psicólogo – ainda com pouco destaque, especialmente no nosso país, construímos, implementámos e avaliámos um programa de intervenção que parece ter promovido o DP dos estudantes de Psicologia participantes.

Com efeito, parecem ter sido potenciados factores importantes para o seu DP e para o início do seu percurso profissional num ciclo de desenvolvimento predominantemente positivo. Foi possível avaliar mudanças significativas por parte dos estudantes, especialmente no que diz respeito: (i) ao seu auto-conhecimento e capacidade de reflexão/complexificação; (ii) à sua capacidade de conceptualizar, aceitar e lidar com o seu próprio processo de DP, especificamente com as dificul dades e fontes de stress características dos estádios iniciais; (iii) ao seu conhecimento do papel de Psicólogo e, portanto, à representação do mesmo que passou a ser menos idealizada, favorecendo padrões de auto-avaliação e auto-responsabilização mais ajustados; (iv) à sua capacidade para identificar recursos essenciais para a transição entre papéis e contextos que vivenciam; (v) à coerência e riqueza da sua narrativa, ambas fundamentais para a percepção de autenticidade e validade narrativa e, portanto, para a vivência de um sentido uno, único e fiel de si enquanto pessoa e profissional; (vi) às suas competências relacionais básicas; e (vii) a uma diminuição de crenças absolutistas e negativas acerca do papel e responsabilidade do Psicólogo.

De ressalvar que, tratando-se de um estudo exploratório, será importante em futuras experiên cias considerar a hipótese de ser alargada a um maior número de participantes e a constituição de um grupo de controlo para validar eventuais diferenças encontradas aquando da aplicação do programa de intervenção.

Efectivamente, “Tornar-se Psicólogo para além das aulas”, não obstante as reformulações neces sárias que, para além das acima mencionadas, se prendem, essencialmente, com alterações no que respeita o número de sessões, o planeamento das mesmas e o instrumento de avaliação (QDEP), parece revelar-se um importante recurso para a formação de estudantes de Psicologia, especifica mente para o DP destes, mas também um contributo para a intervenção e investigação neste domínio, essenciais para a humanização da figura do Psicólogo. Pois, tornar-se Psicólogo, mais do que desenvolver um conjunto de competências técnicas, é tornar-se profundamente humano.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Cristina Rocha, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da, Universidade do Porto, Instituto de Consulta Psicológica, Formação e Desenvolvimento, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto. E-mail: anarocha@fpce.up.pt

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