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Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Scaffolding verbal materno no âmbito de uma tarefa de elicitação narrativa em crianças de idade pré-escolar

Joana Carvalho*; Carla Martins*; Eva Costa Martins**; Ana Osório***; Maria João Carvalho*; Isabel Soares****

*Departamento de Psicologia Básica, Escola de Psicologia, Universidade do Minho;

**Departamento de Psicologia e Comunicação/UNIDEP-CINEICC, Instituto Superior da Maia;

***Laboratório de Neuropsicofisiologia, CIPsi, Escola de Psicologia, Universidade do Minho;

****Departamento de Psicologia Aplicada, Escola de Psicologia, Universidade do Minho

Correspondência

 

RESUMO

O scaffolding tem sido estudado no âmbito de tarefas de resolução de problemas, sendo escassas as investigações em contexto de elicitação narrativa. Este trabalho analisa o scaffolding verbal materno na promoção da construção narrativa de crianças em idade pré-escolar, através da utilização de um livro de imagens. As narrativas de 41 crianças (58.5% rapazes) de 4 anos foram vídeo-gravadas, transcritas e analisadas segundo a Grelha de Cotação de Comportamentos Verbais Promotores da Narrativa nas Crianças em Idade Pré-escolar. Verificou-se que as mães dirigem a atenção e o interesse da criança para o livro, utilizam questões específicas para direcionar o discurso da criança, recorrem a exemplos e solicitam a comprovação da criança e utilizam questões com incentivos de forma a promover o seu discurso. Relativamente ao modo como orientam a narrativa dos seus filhos, registaram-se valores semelhantes ao nível da intrusividade, sensibilidade e mudança. Os resultados sugerem que a mãe tende a desempenhar a função de coautora ou mesmo de narradora principal como forma de auxiliar a criança na construção da narrativa.

Palavras-chave: Idade pré-escolar, Livro de imagens, Narrativa, Scaffolding.

 

ABSTRACT

Scaffolding has been mostly studied during problem solving tasks. Research in the context of narrative elicitation is still scarce. The present investigation analyzes maternal verbal scaffolding aimed at promoting preschoolers’ narrative construction using a picture book. The narratives of 41 four-year-olds (58.5% boys) and their mothers’ were videotaped, transcribed and analyzed according to the Coding System of Verbal Behaviors that Promote Preschoolers’ Narratives. Mothers used different verbal behaviors to promote and support their children’s narrative construction. Specifically, mothers direct children’s attention and interest to the book; use specific questions to orient children’s discourse; make use of examples and confirmation requests; and provide open and closed questions with encouragements in order to promote children’s discourse. Similar values of intrusiveness, sensitivity and change levels were found. These results suggest that mothers tend to participate as co-authors or principal narrators in order to support children’s narrative construction.

Key-words: Narrative, Picture book, Preschool age, Scaffolding.

 

INTRODUÇÃO

A teoria sociocultural do desenvolvimento cognitivo de Vygotsky (1978) enfatiza a importância da interação social na aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Neste processo, os adultos desempenham um papel fundamental, na medida em que auxiliam e dirigem de forma mais eficaz a aprendizagem das crianças quando estas estão quase, mas não totalmente, capazes de realizar a tarefa por si próprias. Vygotsky (1978) define assim o conceito de zona de desenvolvimento proximal enquanto a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança, determinado pela sua capacidade para realizar uma tarefa de modo independente, e o seu nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de uma tarefa sob a orientação e o suporte de um adulto (ou em colaboração com pares mais competentes).

Na mesma linha, surge o conceito de scaffolding introduzido por Wood, Bruner e Ross (1976) que aplica a metáfora dos andaimes – plataformas temporárias utilizadas pelos trabalhadores da construção civil – no âmbito de uma interação de tutoria. Andaime (scaffold), neste contexto, pode ser, então, entendido como o suporte temporário que pais, professores ou outros adultos ou pares mais competentes, proporcionam à criança numa dada tarefa, até que esta a consiga executar sozinha com alguma mestria.

Segundo Otto (2006), o scaffolding verbal é um tipo específico de scaffolding que o adulto utiliza para auxiliar e promover verbalmente o discurso da criança. Neste caso particular, os adultos funcionarão como andaimes linguísticos que auxiliam a criança na construção narrativa e, consequentemente, na organização das suas experiências. O scaffolding verbal tem sido amplamente estudado no âmbito das tarefas de resolução de problemas (e.g., Smith, Landry, & Swank, 2000). Apesar de alguns estudos abordarem esta temática no contexto da interação narrativa, nomeadamente durante conversas familiares acerca de experiências passadas (e.g., Eisenberg, 1985) ou aquando a leitura de livros (e.g., Haden, Reese, & Fivush, 1996), são escassos aqueles que se debruçam sobre o contexto de uma tarefa de elicitação narrativa, na qual o papel de narrador principal é atribuído à criança, e que, por outro lado, apresentam um esquema de cotação que permita não só discriminar as estratégias de scaffolding, mas também avaliar como são empregues.

São, portanto, necessários estudos que possibilitem compreender de que forma os pais auxiliam e promovem verbalmente a construção narrativa da criança durante os anos pré-escolares, uma vez que é durante esse período que as crianças mais desenvolvem as suas capacidades narrativas. De facto, é através do scaffolding que a criança se torna um narrador cada vez mais competente (Melzi, Schick, & Kennedy, 2011).

O objetivo da presente investigação foi caracterizar o scaffolding verbal materno, analisando, para tal, quais os comportamentos verbais utilizados pela mãe e de que forma esta os introduz no âmbito de uma tarefa de elicitação narrativa.

MÉTODO

Participantes

Participaram no estudo 41 crianças, 24 (58.5%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 52 e os 55 meses (M=54.84, DP=.96), e suas mães. Os participantes foram selecionados por amostragem ocasional aos 10 meses de idade, momento em que foram recrutados para um estudo longitudinal mais vasto e atualmente em curso. A maioria da amostra (65.9%) pertence a um nível sociocultural médio a médio-elevado.

Instrumentos

Ficha socio-demográfica. Trata-se de uma ficha elaborada pela equipa de investigação do estudo longitudinal que permite recolher informações pessoais dos participantes, nomeadamente a idade da criança bem como o nível de escolaridade e profissão da mãe.

Livro de Imagens “Frog where are you?” (Mayer, 1969). Para a tarefa de elicitação de narrativas foi utilizado o livro intitulado “Frog, where are you?” (Mayer, 1969). Trata-se de um livro de 24 páginas composto exclusivamente por imagens e que retrata a história de um menino e de um cão em busca do seu sapo. A história começa no quarto do menino, onde este e o seu cão estão a olhar para o sapo que está dentro do frasco. No dia seguinte, ao acordar, descobrem que o sapo fugiu. Segue-se um conjunto de aventuras pela floresta à procura do sapo, até que finalmente o encontram, rodeado por uma companheira e vários sapinhos. A história termina com o menino e o cão a levarem um dos sapinhos para casa. A forma como o livro está estruturado permite ao leitor inferir as relações que se estabelecem entre as personagens bem como os seus pensamentos, sentimentos e motivações, de forma a integrar os diferentes elementos episódicos no sentido global da história (Reilly, Losh, Bellugi, & Wulfeckd, 2004).

Este livro foi utilizado, pela primeira vez, no estudo empírico de Bamberg (1986) centrado na aquisição das relações anafóricas. Desde então, tem sido usado em inúmeros estudos nacionais (e.g., Gonçalves et al., 2004) e internacionais (e.g., Reilly, Bates, & Marchman, 1998), predomi nantemente na área da competência linguística, dada a diversidade de processos, conteúdos e elementos estruturais que as imagens sugerem. De salientar que o número de páginas possibilita que o participante se envolva com a história, não sendo, no entanto, demasiado extenso ao ponto de causar cansaço ou aborrecimento (Wigglesworth, 1997).

Grelha de Cotação de Comportamentos Verbais Maternos Promotores da Narrativa em Crianças em Idade Pré-escolar (Carvalho, Martins, & Martins, 2011). Esta grelha de cotação foi especificamente concebida para o estudo de verbalizações exibidas pelas mães durante a produção de narrativas orais por parte de crianças em idade pré-escolar com recurso ao livro “Frog, where are you?” (Mayer, 1969). Tendo sido desenvolvida com base na literatura referente aos conceitos de zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1978) e scaffolding (Wood, Bruner, & Ross, 1976), o seu objectivo é identificar e descrever os comportamentos maternos que incentivam, promovem ou apoiam a construção da narrativa por parte dos seus filhos.

A grelha tem duas partes. A primeira parte é constituída pela descrição de 38 comportamentos verbais que, de acordo com a literatura, promovem a construção da narrativa oral por parte da criança. Estes comportamentos verbais estão organizados em duas grandes categorias: (i) comportamentos que dirigem a atenção e o interesse da criança para o livro, constituída por 7 itens e (ii) comportamentos que estimulam o discurso e apoiam a compreensão da história por parte da criança, composta por 31 itens (cf., Anexo 1). Perante a transcrição, o investigador tem de analisar quantas vezes cada um dos comportamentos verbais ocorre no discurso da mãe. A segunda parte da grelha permite capturar a qualidade dos comportamentos maternos ao longo de toda a interação através da análise de três dimensões – Intrusividade, Sensibilidade e Mudança – com recurso a uma escala de Likert de 3 pontos, variando entre “Pouca” (1), “Alguma” (2) e “Elevada” (3). A dimensão Intrusividade permite avaliar até que ponto os comportamentos utilizados pela mãe interrompem e/ou prejudicam o discurso livre da criança sobre a história com o intuito de que esta a construa de acordo com a perspetiva materna. A dimensão Sensibilidade avalia até que ponto a mãe interpreta corretamente os comportamentos verbais e não verbais da criança, de forma a responder-lhes adequada e prontamente. A dimensão Mudança permite avaliar a capacidade materna para modificar e ajustar o seu comportamento ao longo da realização da tarefa, na tentativa de auxiliar a criança na construção da narrativa (cf., Anexo 1).

O acordo inter-observadores foi calculado com base na cotação de 39% da amostra por um segundo juiz previamente treinado, tendo-se obtido excelentes níveis de acordo tanto para a primeira parte da grelha (.98<ric<1.0) como para a segunda parte da mesma (.86<ric<.91).

Com o objetivo de reduzir o número de variáveis cotadas para posterior análise estatística dos dados, procedeu-se a Análises de Componentes Principais seguidas de rotação Varimax para cada uma das partes constituintes da grelha.

Previamente foram eliminados 10 itens, pelo facto de apresentarem reduzida variabilidade na amostra (cf. Anexo 1).

A Análise de Componentes Principais, seguida de rotação Varimax, dos itens que descrevem os Comportamentos que dirigem a atenção e o interesse da criança para o livro, extraiu dois fatores. Dado que um dos fatores obtidos englobou apenas um item optou-se por forçar a extração de um único fator. Este explica 71.68% da variância, apresentando elevada consistência interna (α=.87). De referir que o item 4 obteve uma saturação de -.15, pelo que foi excluído do fator final, designado por A mãe dirige a atenção e o interesse da criança para o livro (cf. Anexo 1).

De igual modo, procedeu-se a uma Análise de Componentes Principais seguida de rotação Varimax dos itens que descrevem Comportamentos que estimulam o discurso e apoiam a compreensão da história por parte da criança, a qual extraiu 6 fatores. Por razões metodológicas e teóricas, optou-se, no entanto, por forçar a extração de 3 fatores, os quais explicam 51.21% da variância. O fator 1, explicativo de 21.01% da variância, foi denominado de A mãe coloca questões específicas e direciona o discurso da criança (α=.80), incluindo 9 itens (cf. Anexo 1). Foi excluído o item 28 (A mãe reforça a criança) do fator em análise, dado ter obtido uma saturação muito baixa (.13) e assim sendo não se considerou o item em questão em análises posteriores. O segundo fator obtido explica 15.22% da variância e integra 7 itens e foi designado por A mãe exemplifica e solicita a comprovação da criança (α=.64). O último fator explica 14.98% da variância e agregou 5 itens. A este fator atribuiu-se a seguinte designação A mãe coloca questões abertas e fechadas e incentiva o discurso da criança (α=.77).

Procedimentos de recolha e análise de dados

Dada a natureza longitudinal do estudo mais vasto onde a presente investigação se inscreve, a amostra inicialmente recrutada aos 10 meses de idade dos bebés, foi recontactada aos 4 anos e meio de idade das crianças no sentido de as convidar para vir de novo ao laboratório. Nessa visita, entre vários procedimentos, realizou-se a tarefa de elicitação de narrativas orais com recurso ao livro “Frog, where are you?” (Mayer, 1969). Foi então pedido à criança que contasse a história do livro à mãe, a qual poderia ajudar se assim o entendesse. A tarefa foi vídeo-gravada e, posteriormente, todas as narrativas foram transcritas e analisadas usando a Grelha de Cotação de Comportamentos Verbais Maternos Promotores da Narrativa em Crianças em Idade Pré-escolar (Carvalho, Martins, & Martins, 2011), especificamente desenvolvida para o efeito.

A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao programa IBM SPSS (Versão 19.0).

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a caracterização dos comportamentos verbais utilizados pela mãe durante a construção narrativa da criança. As mães utilizam, em média, mais questões específicas com tendência a direcionar o discurso da criança para determinados pontos-chave da história, M=37.63, DP=35.19. O segundo tipo de comportamentos que obteve a média mais elevada foi o recurso a exemplos e a solicitação de comprovação por parte da criança, M=26.56, DP=17.33. Segue-se as questões abertas e fechadas e o incentivo do discurso da criança, M=25.29, DP=18.21. Por último, os comportamentos utilizados na tentativa de dirigir a atenção e o interesse da criança para o livro, M=18.98, DP=22.96.

 

 

Relativamente ao modo como as mães guiam a construção narrativa, verificou-se que 70.8% das mães apresentam entre pouca ou alguma intrusividade (Mdn=2; IIQ=1), 73.2% demonstram pouca ou alguma sensibilidade (Mdn=2; IIQ=1) e 68.3% mostram pouca ou alguma mudança (Mdn=2; IIQ=1).

Em termos de correlações entre os fatores da primeira parte da grelha de cotação (cf. Tabela 2), verificou-se que os comportamentos verbais que dirigem a atenção e o interesse da criança para o livro não estão associados ao uso de questões especificas que direcionam o discurso da criança, r=.16, p=.32, nem à utilização de exemplos e de pedidos de confirmação, r=-.04, p=.83. No entanto, encontram-se positivamente correlacionados com a utilização de questões abertas e fechadas e com o incentivo ao discurso, r=.34, p=.029. Por seu turno, observou-se uma correlação positiva significativa entre a utilização de questões específicas que direccionam o discurso da criança e o uso de exemplicações e solicitações de comprovação, r=.44, p=.004, e entre a primeira e a utilização de questões abertas e fechadas e o incentivo ao discurso, r=.34, p=.028. Finalmente, existe uma correlação positiva significativa entre o uso de exemplicações e solicitações de comprovação e a utilização de questões abertas e fechadas e o incentivo ao discurso, r=.48, p<.001.

 

 

Verificou-se que mães mais intrusivas são menos sensíveis, rs=-.44, p=.004, e menos capazes de mudar e ajustar os seus comportamentos ao longo da realização da tarefa, rs=-.40, p=.009. Por outro lado, mães com maior sensibilidade têm maior capacidade de mudar e ajustar os seus comportamentos no decorrer da realização da tarefa, rs=.64, p<.001.

Encontrou-se uma correlação positiva significativa entre a intrusividade e os seguintes comportamentos verbais: dirigir a atenção e o interesse da criança para o livro, rs=.35, p=.026; utilização de questões específicas, rs=.55, p<.001; e o uso de exemplificações e pedidos de confirmação, rs=.39, p=.011. Assim, as mães que são mais intrusivas dirigem mais a atenção e o interesse da criança para o livro, colocam mais questões específicas e direcionam o discurso da criança para determinados pontos a reter da história e recorrem mais ao uso de exemplificações e pedidos de comprovação.

Por seu turno, a sensibilidade não está associada a nenhum dos comportamentos analisados.

Finalmente, verifica-se uma associação negativa significativa entre a capacidade de mudar e ajustar o comportamento no decorrer da tarefa e o modo como o adulto dirige a atenção e o interesse da criança para o livro, rs=-.50, p=.001. Obteve-se ainda uma associação marginalmente significativa com a utilização de questões específicas, rs=-.27, p=.082. Por outras palavras, as mães que apresentam menor capacidade de modificar e ajustar o seu comportamento no decorrer da realização da tarefa são mães que direcionam muito a atenção e o interesse da criança para a mesma e tendem a utilizar um maior número de questões específicas.

DISCUSSÃO

As mães recorrem a diferentes comportamentos verbais de forma a promover e auxiliar na construção narrativa da criança. Especificamente, dirigem a atenção e o interesse da criança para o livro, utilizam questões específicas com tendência a direcionar o discurso da criança para determinados pontos-chave da história, recorrem a exemplos e solicitam a comprovação por parte da criança e utilizam questões abertas e fechadas com incentivos de forma a promover o seu discurso. De notar que quanto mais a mãe dirige a atenção e o interesse da criança para o livro, mais coloca questões abertas e fechadas com incentivo ao discurso, de forma a encorajar a criança a contar a história do livro.

Verificou-se que mães mais intrusivas são menos sensíveis e menos capazes de mudar e ajustar os seus comportamentos ao longo da realização da tarefa. Um elevado nível de intrusividade pode indiciar uma certa dificuldade por parte da mãe para ser sensível e recetiva à interpretação que a criança tem da história do livro e às suas dificuldades para a comunicar. Deste modo, a mãe tenta auxiliar com base no seu próprio entendimento da história e no modo como considera que a narrativa deveria prosseguir, servindo como modelo de aprendizagem. Hobson, Patrick, Crandell, Garcia Pérez e Lee (2004), no seu estudo sobre sensibilidade materna e a capacidade da criança partilhar experiências, também encontraram uma elevada correlação negativa entre intrusividade e sensibilidade. Os autores reconhecem que a intrusividade e a sensibilidade não são conceitos totalmente independentes. Por outro lado, as mães que apresentam maior sensibilidade são mães que apresentam maior capacidade para mudar e ajustar os seus comportamentos no decorrer da realização da tarefa. Dado que a sensibilidade se refere à capacidade que o adulto tem de responder aos sinais da criança, esta pressupõe que o adulto adapte o seu comportamento ao longo da realização da tarefa na tentativa de conseguir responder às necessidades sentidas pela criança. Assim uma elevada sensibilidade parece implicar um certo ajustamento e mudança comportamental por parte do adulto de modo a auxiliar a criança no decorrer da construção narrativa. Instruções sensíveis requerem, portanto, que a mãe modifique as suas intervenções em resposta ao desempenho demonstrado pela criança (Baker & Gilat, 1996).

Verificou-se, também, que algumas variáveis – intrusividade, sensibilidade e mudança – se encontram correlacionadas com determinados comportamentos verbais. Concretamente, a intrusividade está fortemente associada à maioria dos comportamentos verbais utilizados pela mãe. De facto, as intervenções maternas, sejam sob a forma de questões específicas ou pedidos de atenção, podem interromper e/ou prejudicar a construção narrativa da criança, ao nível do discurso livre e da atribuição de significados. Por outro lado, a sensibilidade não se encontra associada aos comportamentos verbais analisados. Os resultados indicam, ainda, que as mães que apresentam menor capacidade de modificar e ajustar o seu comportamento ao longo da realização da tarefa, são aquelas que recorrem com maior frequência a comportamentos que dirigem a atenção e o interesse da criança para o livro e que tendem a elaborar um maior número de questões específicas. Possivelmente, as mães que persistem no mesmo tipo de comportamentos poderão percecionar as crianças como desinteressadas ou com muita dificuldade na realização da tarefa. Assim, poderão ter maior dificuldade em introduzir novos comportamentos verbais, dada a pouca recetividade da criança a outras formas de auxílio e promoção da narrativa.

Hausendorf e Quasthoff (1992) afirmam que os adultos, enquanto ouvintes das histórias das crianças, assumem atividades sistemáticas que influenciam a produção narrativa destas últimas. Tais atividades consistem em, por exemplo, substituir o papel do narrador (o adulto serve de modelo, demonstrando como a narrativa deveria proceder), apoiar a produção narrativa (o adulto é um ouvinte participativo) e indagar (o adulto assume o papel de interlocutor). Os mesmos autores afirmam, também, que as intervenções do adulto estão relacionadas com a idade da criança e o contexto da tarefa. Quanto mais nova a criança e menor a sua capacidade narrativa, mais o adulto necessita de utilizar estratégias de compensação para a manter empenhada na tarefa de construir uma história e, por isso, maior a sua responsabilidade na realização da tarefa. Essa responsabilidade pela tarefa pode implicar que o adulto chegue a assumir o papel de coautor ou que substitua, por completo, o papel de narrador que, nesta tarefa, é atribuído à criança. O estilo discursivo dos pais e, consequentemente, a sua participação na narrativa da criança pode ser, então, influenciado pelo modo como encaram a tarefa (Melzi et al., 2011) e pelas expectativas que têm acerca do potencial linguístico da criança (Cross, Johnson-Morris, & Nienhuys, 1980). Se alguns pais podem percecionar as interações narrativas como períodos de entretenimento e oportunidades para criar e fortalecer laços com a criança, outros podem entender que estas constituem ocasiões para estimular cognitivamente a criança, o que a preparará para a escola (Meagher, Arnold, Doctoroff, & Baker, 2008), sendo por isso mais rígidos em relação ao modo como a narrativa deve proceder. Em suma, a perceção que as mães têm do grau de exigência da tarefa e das possíveis dificuldades da criança em contar a história, bem como as suas expectativas relativamente ao desempenho que a criança deveria ter na realização da tarefa, podem influenciar o modo como participam na construção narrativa da criança e, consequentemente no desenvolvimento da história da criança.

CONCLUSÃO

O objectivo desta investigação foi desenvolver uma grelha que permita avaliar, de forma detalhada, os comportamentos verbais maternos que orientam a construção da narrativa por parte de crianças em idade pré-escolar. Os resultados sugerem que as mães tendem a assumir a responsabilidade da tarefa ao participarem como coautoras ou narradoras principais, como forma de promover e auxiliar a construção narrativa das crianças em idade pré-escolar, as quais estão num período de desenvolvimento importante no que toca às suas capacidades narrativas.

O próximo passo desta investigação será olhar para a qualidade das narrativas produzidas pelas crianças e analisar de que forma o scaffolding materno contribuiu para o desempenho destas. Apesar das crianças com menos de 6 anos disporem já de conhecimentos e competências necessários à produção de narrativas coerentes, exibem ainda bastantes dificuldades aquando do ato narrativo, sobretudo quando este acontece sem suporte externo (Freitas, 2005). Seria, então, relevante estudar se as narrativas, produzidas em contexto diádico, beneficiam, de facto, do suporte prestado pela mãe.

Para além disso, torna-se pertinente, em estudos posteriores, incluir os comportamentos nãoverbais da mãe, como, por exemplo, a utilização de gestos, a proximidade física com a criança, o controle do comportamento da criança durante a tarefa.

De ressalvar que a Grelha de Cotação de Comportamentos Verbais Promotores da Narrativa nas Crianças em Idade Pré-escolar não está limitada ao estudo dos comportamentos verbais da mãe. No futuro, esta grelha poderá vir a ser testada e adaptada para outros contextos de interação nos quais outros adultos, por exemplo, o pai, o professor ou até outros pares mais competentes, possam funcionar como promotores da construção da narrativa da criança.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Carla Martins, Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. E-mail: cmartins@psi.uminho.pt

 

ANEXO 1

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