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Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Afiliação e dominância em grupos de crianças pré-escolares

António J. Santos*

* UIPCDE, ISPA – Instituto Universitário

Correspondência

 

RESUMO

O presente artigo tem como objectivo apresentar algumas perspectivas etológicas acerca das primeiras relações entre pares. De inicio são discutidos os trabalhos da década de 70 sobre a hierarquia de dominância em crianças de idade pré escolar. De seguida é discutido o conceito de afiliação e em particular os estudos sobre a identificação das estruturas afiliativas em grupos de crianças no pré-escolar. Face às dificuldades encontradas com a interpretação dos sociogramas comportamentais é apresentado uma alternativa de identificar subgrupos de crianças com perfis de afiliação e a evolução deste tipo de metodologia. Finalmente, discutem-se possíveis pontes entre os conceitos de afiliação e dominância.

Palavras-chave: Afiliação, Dominância, Etologia Humana.

 

ABSTRACT

This article aims to present some ethological perspectives on early peer relationships. Firstly we discuss the research work of the 1970s about the dominance hierarchies in preschool-age children. Then we discussed the concept of affiliation and in particular the studies on how to identify affiliative structures in groups of children in preschool. Given the difficulties presented by the interpretation of behavioral sociograms an alternative method is presented to identify subgroups of children with affiliation profiles: the evolution of this methodology is described. Finally, we discuss the possible links between the concepts of dominance and affiliation.

Key-words: Affiliation, Dominance, Human Ethology.

 

PERSPECTIVAS ETOLÓGICAS ACERCA DAS PRIMEIRAS RELAÇÕES ENTRE PARES

Durante a maior parte do século XX, estereótipos, quer populares como científicos, sobre o desenvolvimento da criança sugeriam que, em particular entre os 30 e os 72 meses de idade, as relações entre pares eram infrequentes, breves, muitas vezes competitivas e/ou agressivas e, em última instância, inconsequentes. Os adultos (i.e., pais, familiares, cuidadores sem relação de parentesco) eram considerados como as fontes primárias de socialização das crianças, os pares em termos de idade eram, pelo contrário, considerados como tendo nenhuma ou muito pouca influência até á entrada na escolaridade formal (entre os 5 e os 7 anos de idade). Estes estereótipos eram sustentados, em parte, pelo facto da vasta maioria das crianças ter sido criada nas suas residências por familiares, normalmente pelas mães, e não ter sido tipicamente inserida em culturas de pares até à escolaridade primária.

Porém, a partir de 1960 e continuando até ao presente, forças económicas, políticas e sociais motivaram as mulheres (incluindo as mães de crianças de tenra idade) a entrar no mercado de trabalho e consequentemente, um número crescente de crianças foi exposto a grupos de pares muito antes do início da escolaridade formal. No final do século passado, a maioria das crianças deixou de ser cuidada exclusivamente por pais e familiares até à escolaridade primária. Coincidência à parte, os estereótipos relativos à influência socializadora dos pares foi também reconsiderada (i.e., Apolloni & Cook, 1975).

Em diversos programas de investigação (i.e., Bronson, 1981; Howes, 1980, 1985; Mueller & Rich, 1976; Strayer & Trudel, 1984), equipas independentes de investigadores da América do Norte referenciaram o potencial para, e a actualização de, episódios ricos e extensos de brincadeira entre as crianças na primeira infância, bem como assinalaram relações onde se coordenam afiliação e poder emergentes dessas interacções (e.g., Howes, 1983, 1987; Strayer & Trudel, 1984). No seu conjunto, tais estudos demonstraram que as crianças, mesmo mais novas que os 8-10 meses, têm quer a motivação como as competências comportamentais necessárias para iniciar e manter transacções sociais com os colegas, especialmente se estiverem familiarizadas com eles em resultado de um contacto diário no contexto de cuidados institucionais (i.e., creche ou jardim-deinfância). Importa sublinhar, que foram também descritos resultados semelhantes em estudos interculturais (i.e., Musatti & Panni, 1981; Stefani & Camaioni, 1983; Zaslow, 1980), indicando que as então reconhecidas, capacidades sociais precoces das crianças não se tratavam de um fenómeno localizado ou específico da América do Norte.

À medida que os resultados relativos às relações entre pares em creches e infantários eram filtrados através dos jornais e manuais de psicologia do desenvolvimento, muitos cientistas do desenvolvimento reconsideravam a sua posição acerca da importância da exposição aos pares e das experiências durante os primeiros anos, e iniciavam novos programas de investigação destinados a documentar o curso e as consequências de tais experiências. Tais programas continuaram e expandiram-se ao longo de mais de 25 anos (ver as revisões recentes de Goldman & Buysse, 2007; Hay, Caplan, & Nash, 2009).

As novas e modificadas perspectivas acerca das competências sociais e das possibilidades de relacionamento das crianças até aos 3 anos de idade alargaram-se também para as crianças mais velhas (3-5 anos de idade), sendo estas manifestamente mais capazes nos domínios da linguagem, motor e cognitivo, comparativamente aos colegas mais novos que se encontravam em programas de educação e cuidado na 1ª infância. A expansão de programas de cuidados infantis nas últimas três décadas do século XX também decorreu numa época de entusiasmo renovado face à observação naturalista do comportamento humano por parte dos cientistas desenvolvimentais que tinham sido treinados nos métodos e conceitos da etologia social (i.e., Crook, 1970a; Kummer, 1971). Crook (1970b) sugeriu que três características ou traços interdependentes do comportamento social deveriam ser os tópicos desta nova disciplina: (1º) o estudo comparativo da estrutura social e do comportamento comunicativo em relação às dinâmicas do habitat físico; (2º) as análises das relações entre a organização social em grupos estáveis e traços gerais das dinâmicas da população; e (3º) o estudo dos processos comportamentais que mantêm a estrutura do grupo, regulam a mudança social e que determinam o sucesso reprodutivo diferencial de membros individuais dos grupos.

Ainda que os etólogos sociais partilharem um interesse profundo pelo estudo das adaptações e da sua ontogenia com os etólogos clássicos (i.e., Tinbergen, 1951), tendiam a estar menos interessados na construção de etogramas (i.e., descrições compreensivas dos padrões comportamentais típicos das espécies) e na identificação de padrões fixos de acção no fluxo interactivo das espécies que observavam. Os etólogos sociais focavam-se, antes, nos constrangimentos ecológicos (sociais e físicos) inerentes à actividade social dos animais nos grupos, e nas consequências destes constrangimentos ao nível das histórias de vida e da aptidão inclusiva dos membros do grupo.

Apesar das diferenças, no que diz respeito aos objectivos da etologia social vs. etologia clássica, os investigadores de ambas as orientações partilham um compromisso no que concerne à observação natural das espécies nos seus ambientes naturais enquanto meio primordial de recolha de dados. Em princípio, um etólogo inicia contacto com a espécie alvo passando muitas horas “no terreno” observando os sujeitos na sua vida diária e notando regularidades e rotinas no curso do seu comportamento. Os etólogos não presumem conhecer a priori, quer a topografia (i.e., movimentos motores, estruturas físicas envolvidas no comportamento), quer o significado funcional dos padrões comportamentais. Em vez disso, as observações iniciais providenciam as bases para a elaboração de categorias de comportamento e dos contextos nos quais estas categorias de comportamento são observadas. As observações posteriores destes contextos providenciam as bases para caracterizar a utilidade funcional (i.e., para que serve o comportamento) e a significância adaptativa destes comportamentos nas várias categorias. No seu conjunto, os etólogos clássicos e os sociais desde Lorenz (i.e., 1937, 1958), Tinbergen (1951) e Eibl-Eibesfeldt (1989) a Bateson (2002), Crook (1970) e Kummer (1971), basearam-se nas suas observações de comportamentos de animais para ilustrarem e explicarem a biologia do comportamento. Por volta de 1960, os estudos etológicos sociais foram iniciados num grande número de famílias de mamíferos, incluindo primatas, e foi apenas uma questão de tempo até que as teorias e métodos da etologia social de primatas não-humanos fossem alargados de forma a incluírem crianças humanas como objecto de estudo.

ETOLOGIA SOCIAL DAS CRIANÇAS: A COORDENAÇÃO DA DOMINÂNCIA E AFILIAÇÃO

A migração de etólogos de várias espécies de primatas para o estudo das crianças humanas teve várias consequências. Devido ao facto de muitos primatas habitantes de savanas viverem em grupos com partições de juvenis, era esperado que o foco inicial dos etólogos de crianças fosse nos seus grupos em vez de nas díades adulto-criança (embora a teoria da vinculação de Bowlby apresentasse conexões explícitas com a etologia e tivesse enfatizado as interacções e relações adulto-criança). Por outro lado, na medida em que grupos pequenos de crianças de idade préescolar se encontravam, geralmente, mais disponíveis para observação do que as crianças em contextos escolares formais, muitos dos primeiros estudos de etologia da criança focaram-se nessas faixas etárias (i.e., McGrew, 1972; Strayer & Strayer, 1976; Vaughn & Waters, 1980). Finalmente, os etólogos sociais de primatas tinham identificado os processos e princípios geradores de coesão e dispersão grupais enquanto críticos para a compreensão da estrutura do grupo (i.e., Kummer, 1968). Estes processos e dimensões estruturais (i.e., afiliação e dominância) tornaram-se os primeiros e principais tópicos analisados nos estudos etológicos sociais de crianças (i.e., McGrew, 1972; Sluckin & Smith, 1977; Strayer, 1980a; Strayer & Strayer, 1976).

Após observações iniciais para que os investigadores ficassem familiarizados com as rotinas características de um grupo particular, foram derivadas medidas de comportamentos dispersivos e coesivos, usando-se um número limitado de padrões específicos de acção agonísticos e afiliativos (i.e., Strayer, 1980a). Os comportamentos dispersivos contêm várias formas de ataque, ameaça e competição, enquanto a coesão social inclui orientação diádica, aproximação social, contacto afável e partilha de objectos. Apesar das categorias coesivas e dispersivas se sobreporem em conteúdo às categorias de comportamento pró-social e anti-social, que foram usadas com regularidade nos estudos tradicionais de psicologia infantil para caracterizarem crianças individualmente, os etólogos infantis observaram que os comportamentos coesivos e dispersivos co-ocorrem frequentemente ou podem ser vistos sequencialmente numa díade que esteja a interagir, quando a díade é observada ao longo do tempo (i.e., Strayer, 1980a). Além disso, as crianças mais dominantes eram frequentemente os alvos das iniciações afiliativas por parte de crianças menos dominantes. Aparentemente, pelo menos algumas crianças nos grupos observados tinham preferência por pares de estatuto de dominância mais elevado como parceiros interactivos, sugerindo a possibilidade das actividades coesivas e dispersivas estarem mais intimamente relacionadas no interior de unidades sociais diádicas e mais abrangentes, do que as categorias de comportamento pró-social e anti-social implicam no nível individual. Esta observação ecoava um tema central dos estudos de grupos de primatas não-humanos, na medida em que muitas trocas afiliativas entre os membros destes grupos reflectem relações na hierarquia de dominância do grupo (i.e., Seyfarth, 1977).

As dimensões estruturais de afiliação e dominância, às quais nos temos vindo a referir, estão relacionadas com as categorias de comportamentos coesivos e dispersivos mas não são equiva lentes ou se reduzem a essas classes de categorias. A dimensão de afiliação refere-se às tendências dos membros dos grupos para se associarem selectivamente com apenas alguns co-membros do grupo. Quando estas associações selectivas continuam ao longo do tempo e das actividades, é justificável referir-se ao conjunto enquanto um “subgrupo” reconhecido no interior de uma unidade grupal mais ampla. Por outro lado, a afiliação não é uma propriedade de um membro individual do grupo (criança pré-escolar), mas reflecte antes as actividades entre dois ou mais membros do grupo alargado da sala.

A dominância social refere-se às relações a um nível diádico onde existem desigualdades em termos do agonismo dirigido por parte de um membro que conduz à submissão do outro membro da díade. Por outro lado, a dominância é inerentemente um conceito diádico e não um atributo de diferenças individuais do indivíduo. Quando o estatuto de dominância começou a ser estabelecido a um nível diádico ao longo de um grupo, os etólogos sociais tentaram ordenar o conjunto global das díades de acordo com cada membro que dominava em cada nível diádico. A hierarquia de dominância ideal, quando organizada numa matriz, apresenta uma forma triangular e é caracte rizada como sendo completamente linear e rígida (i.e., não existem “inversões” nas quais um membro com um posto mais baixo é dominante face a um membro com um posto mais elevado). Na prática, é raro encontrar-se uma hierarquia de dominância completamente linear ou rígida nos grupos de crianças, especialmente se os grupos forem estudados ao longo de períodos de tempo significativos (i.e., Abramovitch & Strayer, 1978; Strayer & Strayer, 1976). O mesmo também é verdade em muitos estudos de primatas não-humanos. No seu conjunto, as estruturas de afiliação e de dominância num grupo demarcam linhas de transmissão de informação relevantes para a interdependência e poder social entre os membros dos grupos, sejam estes compostos por macacos, chimpanzés ou crianças.

Tal como sugerido anteriormente, operacionalizar as estruturas de dominância nos grupos pré-escolares é relativamente simples e directo. Depois de se ter observado tempo suficiente para se registar um número fiável de actos de agonismo dirigido respondidos por submissão para cada membro do grupo, a matriz diádica de ganhos e perdas é construída e depois reorganizada, até que se obtenha a aproximação máxima da linearidade. Um exemplo representativo de uma matriz deste tipo é apresentado na Figura 1 (adaptada de Strayer & Strayer, 1976). A hierarquia da Figura 1 tem um elevado grau de linearidade e de rigidez (com apenas duas inversões, nos casos YK vs. MT e PL vs. TB), como definido anteriormente. Neste grupo, as raparigas sustêm as duas posições de topo na hierarquia da classe. Existe ainda um número elevado de díades sem dados (missing data). Isto é bastante comum nos grupos de crianças. Contudo, a partir da organização da matriz postula-se que, para as díades nas quais não se observaram incidentes de agonismo dirigido gerador de submissão, a criança com o posto mais elevado teria dominado a criança com o posto mais baixo, caso os dados relevantes estivessem disponíveis.

 

 

Apesar dos métodos e critérios para se estabelecerem relações de dominância dentro dos grupos terem sido trabalhados e elaborados em estudos de primatas não humanos antes dos estudos de crianças humanas terem sido iniciados, estavam a ser desenvolvidos critérios e métodos de estruturas afiliativas análogos. Não havia qualquer cenário de acordo acerca do critério para o estabelecimento de redes de afiliação que se aplicasse ao longo de muitas espécies, e os etólogos humanos estavam certamente “por sua conta”. Uma primeira tentativa para se descrever a estrutura afiliativa dos grupos pré-escolares foi providenciada pelos “sociogramas comportamentais” de Strayer (i.e., Strayer, 1980a). Estes foram criados através do exame da distribuição diferencial dos comportamentos afiliativos face aos vários parceiros no grupo pré-escolar e por comparação dos valores observados com frequências esperadas pelo acaso. Quando as frequências observadas excediam significativamente os valores esperados (i.e. através do teste de qui-quadrado), era estabelecida uma preferência social por uma determinada criança. Usando-se esta abordagem, foi possível determinar todas as preferências significantes dentro do grupo. Foi então possível visualizar as relações a um nível diádico bem como das cadeias de díades ligadas, através de um sociograma (como podemos ver na Figura 2). As ligações apresentados na Figura 2 podem diferir quanto à força (sendo “a magnitude da força” operacionalizada através do nível de significância do qui-quadrado) e revelam que muitas crianças (mas não todas) têm preferências recíprocas; que parecem existir alguns subgrupos organizados que são mais amplos que as díades; e que algumas crianças iniciam actos para dois subgrupos de pares diferentes (ver indivíduos 5 e 14 na Figura 2). Outra característica interessante do diagrama da figura 2 é que embora a maioria das crianças emita e receba preferências afiliativas, algumas (indivíduos 6 e 14) não são preferidas indicando que as suas preferências não podem ser recíprocas.

 

 

Apesar da abordagem dos sociogramas comportamentais providenciar um meio de se obter informação acerca da estrutura de conectividade e de transmissão de informação dentro de um grupo específico, estes são difíceis de limitar em subgrupos e comparar ao longo de grupos e são igualmente difíceis de coordenar com estruturas de dominância para o mesmo grupo. As dificuldades encontradas com a interpretação dos sociogramas comportamentais levaram os etólogos a procurarem outros métodos de representação das estruturas afiliativas dos grupos.

IDENTIFICAÇÃO DE ESTRUTURAS AFILIATIVAS NOS GRUPOS DE PARES PRÉ-ESCOLARES

Muitas destas dificuldades foram abordadas e parcialmente resolvidas em análises posteriores. Strayer e Santos (1996) reanalisaram o conjunto de dados dos actos afiliativos dirigidos, mas, em vez de formarem subgrupos com base nas preferências individuais ou diádicas para crianças específicas, identificaram subgrupos de crianças com perfis de afiliação similares ao longo de todo o grupo de pares. Estes subgrupos foram obtidos através de procedimentos de análise hierárquica de agrupamento/reagrupamento com as correlações entre díades de crianças a servirem de índice de semelhança. Estas análises produziram soluções de clusters satisfatórias nas 15 classes em estudo separadas por idades (salas de aula organizadas por idades desde 1 até 5 anos). Como podemos ver na Figura 3, o número de crianças incluídas em subgrupos, o tamanho médio dos subgrupos, assim como a proporção da afiliação dirigida pelos co-membros para o interior dos seus subgrupos, aumentava significativamente com a idade.

 

 

Talvez mais importante seja o facto das análises revelaram dois tipos distintos de subgrupos. Um tipo de subgrupo continha crianças com uma semelhança global significativa em termos das iniciações de actos afiliativos ao nível da sala e que também demonstravam preferências significativas entre si; enquanto o outro tipo de subgrupo continha crianças que eram semelhantes em termos dos perfis diádicos de afiliação ao nível da sala, mas que não demonstravam preferências significativas entre si. Os subgrupos que tinham elevada endo-preferência eram mais prováveis de serem encontrados nas salas de crianças mais velhas.

O exame posterior destes dois tipos de clusters foi referido por Santos, Vaughn e Bonnet (2000) em relação ao estudo de um único grupo pré-escolar ao longo de um ano académico completo, usando perfis de proximidade física (i.e., quão frequentemente uma criança foi observada como vizinho mais próximo de cada colega) em vez da afiliação enquanto métrica para o agrupamento (clustering). Santos et al. (2000) formalizaram a distinção entre as duas categorias de subgrupos como cliques (perfil de proximidade semelhante e elevada preferência mútua) e agregados (proximidade semelhante sem elevada preferência mútua). Testes suplementares revelaram que os membros de cliques dirigiam preferências de atenção social para os co-membros do seu subgrupo significativamente mais do que acontecia com os membros dos agregados.

Santos, Vaughn e Bost (2008) conduziram um novo estudo usando dados de 30 salas de aula do pré-escolar (total N>580); as idades das crianças variavam entre os 36 e os 60 meses de idade), mais uma vez com os perfis de proximidade a serem usados como as bases para a formação de agrupamentos. Os subgrupos foram posteriormente divididos nos dois tipos, cliques e agregados, Dendrogramas representativos para as crianças mais novas e mais velhas são apresentados na Figura 3. A linha vertical a negrito nos dendrogramas representa o ponto no qual as correlações intra-subgrupo apresentam uma probabilidade inferior a .05 e as linhas horizontais mostram as ligações entre os membros dos subgrupos. Não existiram associações significativas entre o tamanho do subgrupo e a idade nem com a composição (58% segregada: masculino/masculino, feminino/feminino ou combinado), contudo, as cliques tendiam a ser maiores do que os agregados.

Dados adicionais disponíveis para esta amostra incluíam entrevistas sociométricas (i.e., nomeações das crianças e classificações dos colegas como parceiros de brincadeira preferidos) e medidas de atenção social. Testes usando estes dados demonstraram que os membros de cliques tendiam a apresentar valores médios de aceitação de pares mais elevados comparativamente aos membros de agregados, com as crianças não incluídas em subgrupos a intermediarem no que diz respeito à aceitação de pares (e não significativamente diferente de qualquer um dos tipos). Testes examinando até que ponto os co-membros de subgrupos eram alvos preferenciais de atenção visual foram significativos para crianças em ambos os tipos (cliques e agregados), contudo o grau de preferência foi substancialmente e significativamente mais amplo para os membros de cliques.

Análises estatísticas das preferências sociométricas intra-subgrupo foram também referidas por Santos et al. (2008). Crianças pertencentes a cliques identificaram os co-membros como preferidos nas tarefas sociométricas mais frequentemente do que esperado, mas crianças pertencentes a agregados não mostraram uma preferência intra-subgrupo significativa. Estes resultados corroboram a distinção entre os dois tipos de subgrupos afiliativos e sugerem que as cliques tendem a ser com postos por crianças que são amigas entre si; enquanto os agregados não são compostos por amigos. Este resultado foi, em certa medida, antecipado pelas análises que demonstravam que os membros das cliques tinham mais amizades recíprocas do que os membros dos agregados. Aparentemente um número significativo destas amizades recíprocas encontrava-se entre os co-membros das cliques. Importa salientar brevemente, que os resultados deste estudo estão a ser replicados numa amostra portuguesa a caminho da vintena de grupos de crianças entre os 3 e os 5 anos de idade.

A INTEGRAÇÃO DA AFILIAÇÃO E DOMINÂNCIA

Os resultados revistos anteriormente, sugerem que os quadros conceptuais, conceitos e métodos apropriados para os estudos etológicos sociais dos primatas conduziram-nos num longo percurso para a compreensão da natureza das estruturas de dominância e de afiliação nos grupos pré-escolares e dos constrangimentos que estes estudos colocam na actividade social das crianças que estão nestes grupos. Por exemplo, pensa-se que o estabelecimento de classes ou categorias de dominância limita ou constrange o nível mais amplo das iniciações agressivas no grupo (Roseth, Pellegrini, Bohn, van Ryzin, & Vance, 2007; Strayer, 1980b, 1989) e que os subgrupos afiliativos providenciam recursos fundamentais para se praticarem estratégias pró-sociais e estratégias agonísticas que permitem atingir objectivos pessoais nos contextos sociais sem necessariamente impedir a prossecução de objectivos de outrem (i.e., Vaughn, Colvin, Azria, Caya, & Krzysik, 2001).

Para sumarizar os resultados destes estudos das estruturas sociais de grupos de crianças, parece ser razoável concluir que existe evidência clara de que ambas as estruturas (dominância e afiliativa) se encontram presentes na maioria, se não na totalidade, dos grupos pré-escolares e que estas estruturas reflectem duas motivações primárias das crianças humanas para encontrarem parceiros de brincadeira de confiança (necessidades de interdependência) e para determinar estatutos relativos no que respeita ao poder social (necessidades de singularidade/autonomia) vis-à-vis os membros do grupo. Até à data, contudo, estas duas fontes motivacionais e as estruturas às quais dão origem têm sido estudadas separadamente e existe apenas informação limitada acerca do quanto e como estas dimensões estão interligadas nos grupos de crianças.

Existe contudo uma literatura extensiva no que concerne às complexas relações entre dominância e afiliação nos grupos de primatas não-humanos. Por exemplo, de Waal (i.e., 1982, 1993, 2000) referiu a existência de padrões de resolução natural de conflitos ou reconciliação pósagressão entre membros de grupos de primatas. Ele sugeriu que apesar de a agressão ser mais tipicamente dirigida por animais mais dominantes para membros do grupo menos dominantes, muitos episódios agressivos são seguidos de tentativas de confortar a vítima através do contacto físico e de vocalizações que não são violentas, mas que são suaves ou afáveis. Estas reconciliações podem ter tendência a reforçar ligações afiliativas entre os oponentes e, neste sentido, servem uma função social positiva quer para a díade quer para o grupo com um todo.

Existe alguma evidência de que alguns episódios agressivos podem ser seguidos de reconciliações também nos grupos de crianças (i.e., Butovskaya & Kozintesev, 1997; Hartup, Laursen, Stewart, & Eastenson, 1988; Verbeek & de Waal, 2001) mas ainda não se sabe a extensão em que tais reconciliações são observadas. Todavia, Verbeek e de Wall (2001) sugeriram que o estatuto de amizade da díade é um factor moderador importante na reconciliação para as crianças em meio pré-escolar. Não estamos, como é óbvio, a argumentar aqui que o comportamento agressivo é socialmente desejável ou menos disruptivo para o tecido ou estrutura social; estes resultados encontrados apenas sugerem que os comportamentos agressivos e que os traços de agressividade são aspectos normais da natureza humana e devem ser compreendidos como uma parte do nexus de outros comportamentos e traços sociais normais. Este tópico deverá tornar-se um foco central em futuros estudos etológicos e desenvolvimentais de crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sentido de si próprio (vulgo self), das crianças é necessariamente um “trabalho em curso” durante a primeira década de vida. As experiências precoces de cuidados infantis são apenas recentemente normativas para as crianças nas sociedades industriais e pós-industriais e, enquanto não podem haver dúvidas de que estas experiências com pares e adultos prestadores de cuidados contribuem para a formação da compreensão de si mesmo e desenvolvimento da identidade, o que estas contribuições poderão ser e de que modo são actualizadas, ainda não está totalmente compreendido. Argumentámos anteriormente que as conexões sociais e as desigualdades no poder social são componentes da natureza humana resultantes da nossa herança enquanto primatas dos hábitos de vida em grupo. Todos os seres humanos têm de encontrar formas de negociarem estas dimensões e o nosso estudo sugere que mesmo as crianças mais novas iniciam estas negociações em alguns dias ou semanas após terem entrado para um grupo pré-escolar. Sabendo que estes desafios se colocam a todas as crianças, investigadores e profissionais encontram-se em posição para colocarem e responderem a questões acerca do modo como as negociações das relações sociais por parte das crianças contribuem para o seu desenvolvimento individual.

Finalmente, para concretizar as tarefas sociais envolvidas na negociação das afiliações (amizades) e das relações de dominância, as crianças necessitam de tempo suficiente para se envolverem livremente com os seus pares em brincadeira livre. Em muitos programas pré-escolares contemporâneos, as actividades das crianças são disciplinadas, arregimentadas e direccionadas para atingirem objectivos escolares/académicos específicos (e.g., sentarem-se quietas, ouvirem um adulto a ler, aprenderem a sequência de um número, reconhecimento de padrões, etc.) e a livre escolha de actividades e parceiros é escassamente racionada. Não se sabe o quanto, ou como isto impede, a agenda social das crianças mas parece-nos provável que as restrições ao nível da escolha livre e brincadeira livre irão afectar a natureza das relações estabelecidas com as outras crianças no grupo. Uma dificuldade relacionada, que notámos mais recentemente em colaboração internacional, diz respeito à baixa actividade social entre as crianças (isolamento por retraimento da actividade social). Apesar de muitos autores terem estudado sobretudo os problemas associados ao comportamento agressivo, temos verificado que alguns, se não muitos, dos comportamentos agressivos podem de facto servir uma função social positiva quando o conflito leva à reparação da relação e a outro tipo de acção construtiva. O insucesso no envolvimento com os pares, por sua vez, destitui a criança de oportunidades para aprender estratégias comportamentais, emocionais e cognitivas válidas que podem vir a ser necessárias para que consiga alcançar objectivos sociais concorrentes e futuros. As crianças nos nossos estudos cujo envolvimento social é muito baixo tendem a ser activamente menos aceites e mesmo rejeitadas pelos pares, e são também frequentemente caracterizadas através de observação sistemática como carecendo de competências sociais básicas. Este tópico, felizmente, tornou-se um foco de atenção entre os cientistas desenvolvimentais (i.e., Rubin & Coplan, 2004) e acreditamos que deverá receber consideravelmente mais atenção e erudição na década que se avizinha.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: António J. Santos, Unidade de Investigação em Psicologia Cognitiva do Desenvolvimento e da Educação, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: asantos@ispa.pt

Este trabalho foi financiado em parte pela F.C.T. (I & D UNIT Nº 332/94). O autor gostaria de agradecer a todos os membros da linha 1-Psicologia do Desenvolvimento, UIPCDE, pelos seus comentários valiosos. Uma palavra especial de apreço à Carla Fernandes.

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