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Análise Psicológica

 ISSN 0870-8231

     

 

Auto-estima e narcisismo na adolescência: Relação com delinquência autorelatada em contexto forense e escolar

Pedro Pechorro*; Rita Silva**; João Marôco***; Carlos Poiares****; Rui Xavier Vieira*

* Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa;

** Direcção-Geral de Reinserção Social;

*** ISPA – Instituto Universitário;

**** Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Correspondência

 

RESUMO

A presente investigação teve como objectivos analisar a importância relativa dos constructos de autoestima e de narcisismo e analisar a associação desses constructos com os comportamentos delinquentes auto-relatados pelos jovens. Recorrendo a 760 adolescentes de ambos os sexos divididos em grupo forense (n=250) e grupo escolar (n=510) foram feitas comparações relativamente aos dois constructos e foi elaborado um modelo de regressão múltipla tendo como variável dependente a delinquência auto-relatada. Os resultados indicam que o grupo forense se caracteriza por ter auto-estima baixa e narcisismo alto quando comparado com o grupo escolar, que a correlação entre os dois constructos é quase nula e que a variável narcisismo é a que mais contribui no modelo de regressão múltipla para a previsão da delinquência auto-relatada.

Palavras-chave: Auto-estima; Delinquência juvenil; Narcisismo.

 

ABSTRACT

The purpose of the present study was to analyze the relative importance of the self-esteem and narcissism constructs and to assess the association between these constructs and self-reported criminal behavior. With a total of 760 youths of both sexes divided in a forensic sample (n=250) and a community sample (n=510), comparisons were made with respect to the two constructs and a multiple regression model was estimated having the self-reported delinquency as the dependent variable. The results indicate that the forensic sample is characterized as having low self-esteem and high narcissism when compared to the community sample, that the correlation between the two constructs is almost non-existing, and that narcissism is the variable that contributes the most to the prediction of self-reported delinquency.

Key-words: Juvenile delinquency, Narcissism, Self-esteem.

 

Desde há muito que psicólogos, sociólogos e criminologistas consideram que a auto-estima se correlaciona de forma importante com o comportamento anti-social (Caldwell, Beutler, Ross, & Silver, 2006; Mason, 2001). É um pressuposto amplamente difundido considerar que todas as pessoas têm a necessidade básica de pensarem e sentirem bem acerca delas próprias, e que portanto a auto-estima é um motivador fundamental e universal para o ser humano.

Uma das linhas de investigação da relação entre a auto-estima e os problemas de comportamento anti-social está relacionada com o conceito de baixa auto-estima. Nesta perspectiva considera-se que as crianças e jovens apresentam problemas de comportamento e de agressão porque têm sentimentos negativos sobre elas próprias que por sua vez as levam a passar ao acto e a considerarem que nada têm a perder (Baumeister, Smart, & Boden, 1996; Bushman & Baumeister, 1998).

McCarthy e Hoge (1984) consideram que baixa auto-estima enfraquece os laços sociais, a conformidade às normas sociais e leva a um aumento da delinquência, além de produzir um feedback negativo nas pessoas que interagem com o jovem que reforça ainda mais a queda da auto-estima. Boden, Fergusson e Horwood (2007) investigaram a relação entre a auto-estima na adolescência e a delinquência violenta e hostilidade futura, tendo concluído que baixos níveis de auto-estima aos 15 anos estavam relacionados, embora de forma modesta, com maiores riscos de delitos violentos e de hostilidade aos 18, 21 e 25 anos.

A baixa auto-estima pode levar o jovem a relacionar-se com outros jovens com comportamentos anti-sociais dado que estes satisfazem as necessidades afectivas em termos de amizade e de apoio afectivo. Barnow, Lucht e Freyberger (2005) demonstraram como os adolescentes com baixa auto-estima são mais frequentemente rejeitados pelos seus pares e como esta rejeição produz um ciclo vicioso que provoca ainda mais baixa auto-estima. Tais experiencias negativas moldam as atitudes do jovem face às outras pessoas duma forma que aumenta o comportamento agressivo.

Existem evidências que demonstram que os jovens com baixa auto-estima tendem a envolver-se em comportamentos anti-sociais com mais frequência e que a sua auto-estima sai aumentada como consequência desse envolvimento anti-social. Toch (1993) e Baumeister, Smart e Boden (1996) consideram que a violência serve para que as pessoas com baixa auto-estima a elevem focando-se em vítimas mais fracas ou desprotegidas como forma de reduzir as probabilidades de retaliação (que iria baixar ainda mais a auto-estima).

A percepção que o sujeito tem da sua competência é um dos possíveis factores associados à baixa auto-estima e aos problemas de comportamento. Kuther (2000) evidenciou que os jovens que percepcionam ter níveis mais reduzidos de competência a nível escolar e comportamental se envolvem mais frequentemente em actividades de risco. Desta forma a competência relaciona-se com a auto-estima, pelo menos em algumas áreas, como forma de compensação.

A outra linha de investigação está relacionada com níveis altos de auto-estima, que é tida por alguns autores (e.g., Taylor, 1989; Taylor & Brown 1988) como sendo adaptativa e desejável. Todavia, outros autores como Baumeister, Smart e Boden (1996) encontraram evidências empíricas no sentido oposto, em que a alta auto-estima está associada a comportamentos agressivos e à passagem ao acto com desrespeito pelos direitos das outras pessoas. Traços como a visão grandiosa do próprio, a necessidade de ser visto de forma positiva e a protecção contra ameaças à auto-imagem caracterizam as pessoas com alta auto-estima. As pessoas que se vêem como superiores podem considerar que têm mais direitos que os outros. Podem também considerar que os actos violentos, que geralmente envolvem algum tipo de risco, não terão consequências para elas – o que as faz ainda mais prontamente correr riscos.

Kaplan (1980) evidenciou que jovens que se relacionavam com grupos de delinquentes ou gangues passavam a ter uma auto-estima mais alta, possivelmente porque se comparavam com estes grupos e não com a generalidade dos grupos da comunidade. Brendgen, Vitaro e Bukowski (1998) verificaram que os adolescentes com baixa auto-estima tendiam a adoptar atitudes positivas face aos comportamentos delinquentes e a associar-se a jovens com comportamentos desviantes.

Baumeister, Smart e Boden (1996) consideram que se uma pessoa tem o seu auto-conceito como correcto, mas recebe um feedback contrário à sua auto-imagem positiva, então a sua autoestima é ameaçada; e quanto mais ideal é a sua auto-imagem mais exposta está a avaliações desfavoráveis dos outros. Tal pode provocar reacções agressivas e hostis de forma a evitar ter de redefinir o auto-conceito de maneira desfavorável. Kernis, Grannemann e Barclay (1989) sugerem que as pessoas com alta auto-estima instável (que varia conforme as situações) têm uma maior tendência para reagir com hostilidade e raiva porque possivelmente têm muito a perder e são mais vulneráveis a um ataque à auto-estima.

Tal conceptualização levanta a questão pertinente de ser realmente a alta auto-estima que está relacionada com o comportamento anti-social, ou, se em vez dela, não será o conceito de narcisismo que melhor explica a relação. A baixa auto-estima e o narcisismo podem ser constructos distintos, e não pólos extremos do mesmo espectro. Rosenberg (1989) defende que a auto-estima se refere ao facto de o individuo se considerar ou não adequado, i.e., uma pessoa de valor, e não se se considera superior aos outros. Assim, um sujeito pode ter auto-estima alta sem ser narcísico de uma forma patológica que o defende contra sentimentos de insegurança. Rosenberg considerava também que a auto-estima seria superior no sexo masculino, especialmente no período da adolescência.

Todavia, a natureza da relação entre os constructos de auto-estima e de narcisismo permanece em aberto. Têm sido propostas diversas conceptualizações: o narcisismo enquanto forma exagerada de alta auto-estima, o narcisismo como uma faceta específica da auto-estima, o narcisismo enquanto forma altamente instável de auto-estima, o narcisismo como necessidade de a pessoa se sentir superior aos outros ou o narcisismo como defesa contra sentimentos inconscientes de inadequação ou inferioridade (Donnellan, Trzesniewski, Robins, Moffitt, & Caspi, 2005).

Barry, Frick e Killian (2003) procuraram investigar a relação da auto-estima e do narcisismo com os problemas de comportamento em crianças, tendo concluído que são constructos independentes que mantêm, cada um deles, associações únicas com os problemas de comportamento. No seu estudo concluíram que era o narcisismo que especificamente predizia as características mal-adaptativas, tendo a auto-estima basicamente um efeito moderador: as crianças com níveis altos de narcisismo e baixa auto-estima eram as que demonstravam a maior quantidade de sintomas de problemas de comportamento. Barry, Grafeman, Adler e Pickard (2007) encontraram resultados na mesma linha, defendendo que apenas o narcisismo estava significativamente relacionado com a delinquência e a agressão, e que a baixa auto-estima apenas se correlacionava indirectamente com a delinquência mediante o controlo do efeito do narcisismo.

Donnellan, Trzesniewski, Robins, Moffitt e Caspi (2005) exploraram a relação entre a autoestima global e problemas de externalização como agressão, comportamento anti-social e delinquência. Utilizando metodologias transversais e longitudinais com avaliação multi-método em grupos de crianças norte-americanas e neo-zelandesas, concluíram que auto-estima e narcisismo são constructos distintos (correlacionando-se de forma fraca) que têm efeitos independentes nos problemas de externalização. Os autores demonstraram que existe uma relação robusta entre a baixa auto-estima e os problemas de comportamento quando se controlavam as variáveis moderadoras. O narcisismo, por sua vez, também teria o seu efeito específico nos problemas de comportamento.

Podemos concluir que, embora os estudos empíricos mais recentes demonstrem haver independência entre os constructos de auto-estima e narcisismo (Lochman, Powell, Boxmeyer, Young, & Baden, 2010), continua a não existir consenso quanto à relação entre auto-estima e comportamentos anti-sociais. Apesar disso, muitos programas de prevenção e intervenção em delinquência juvenil baseiam-se na premissa de que a baixa auto-estima é um factor de risco nos comportamentos anti-sociais e consideram fundamental para o seu sucesso o reforço da autoestima nos jovens (Eastman, 2004; Wooldredge, Harman, Latessa, & Holmes, 1994).

O objectivo principal da presente investigação consiste em analisar a importância relativa dos constructos de auto-estima e de narcisismo na comparação entre o grupo forense e o grupo escolar (contraste), verificar que associação existirá entre esses constructos e investigar a importância de cada um deles na predição dos comportamentos delinquentes auto-relatados pelos jovens.

MÉTODO

Participantes

O grupo total final ficou constituído por 760 participantes (leque etário=12-20; Média=15.92 anos; desvio-padrão=1.48 anos), sendo que desse total 250 participantes (leque etário=13-20; Média=15.81 anos; desvio-padrão=1.32 anos) foram provenientes dos Centros Educativos do Ministério da Justiça e constituíram o grupo forense, e 510 participantes (leque etário=12-20; Média=15.95 anos; Desvio-padrão=1.55 anos) foram provenientes de estabelecimentos públicos de ensino da grande Lisboa e constituíram o grupo escolar (ver Tabela 1).

 

 

Os participantes do sexo masculino foram mais numerosos (71.4%) que os do sexo feminino (28.6%). Relativamente à etnicidade, 59.6% eram brancos, 24.2% eram negros, 13.4% eram mulatos, 1.8% eram ciganos e 0.9% pertenciam a outras etnias. Relativamente à nacionalidade, 79.9% eram portugueses, 16.2% eram nacionais de países africanos, 1.2% eram nacionais de países europeus e 2.8% tinham outras nacionalidades (e.g., Brasil). No que diz respeito à proveniência Rural versus Urbano, a maioria (98.8%) eram provenientes de zonas urbanas/semi-urbanas.

Medidas

A Escala de Auto-Estima de Rosenberg (Rosenberg Self-Esteem Scale – RSES; Rosenberg, 1979, 1989) foi desenvolvida a partir das pontuações de 5024 participantes de ambos os sexos, incluindo estudantes universitários e pessoas adultas provenientes de meios sociais diferentes e grupos étnicos diversificados. Originalmente concebida como escala Guttman, a RSES também pode ser cotada simplesmente somando os itens tipo Likert de 4 pontos (Discordo fortemente=0, Discordo=1, Concordo=2, Concordo fortemente=3), após se ter feito a reversão dos itens indicados (nomeadamente os itens 2, 5, 6, 8, 9). A pontuação na escala varia entre 0 e 30, sendo que pontuações elevadas na escala indicam auto-estima elevada e vice-versa. Na presente investigação utilizou-se uma validação portuguesa (Pechorro, Marôco, Poiares, & Vieira, no prelo a) com uma consistência interna por Alfa de Cronbach de .79.

O Dispositivo de Despiste de Processo Anti-social (Antisocial Process Screening Device – APSD; Frick & Hare, 2001; Muñoz & Frick, 2007) é uma medida psicométrica multi-dimensional projectada para avaliar traços psicopáticos em crianças e adolescentes. Originalmente chamado Psychopathy Screening Device (PSD), foi modelado a partir da Psychopathy Checklist – Revised (PCL-R; Hare, 2003) com a colaboração do próprio Hare, tendo por base grupos clínicas e comunitárias. O APSD é composto por 20 itens tipo Likert de 3 pontos (Nunca=0, Algumas vezes=1, Frequentemente=2), sendo que pontuações mais altas significam a elevação da presença dos traços em questão. Na presente investigação utilizou-se a dimensão Narcisismo da validação portuguesa da versão de auto-resposta (Pechorro, Marôco, Poiares, & Vieira, no prelo b) com uma consistência interna por Alfa de Cronbach de .68.

A Escala de Delinquência Auto-reportada Adaptada (Adapted Self-reported Delinquency Scale – ASDS; Carroll, Durkin, Houghton & Hattie, 1996) é uma medida de auto-resposta constituída por 38 itens tipo Likert de 3 pontos (Nunca=0, Algumas vezes=1, Frequentemente=2). A ASDS mede o envolvimento dos adolescentes em diversas actividades ilegais e anti-sociais. A pontuação total é obtida somando os itens, sendo que pontuações mais elevadas significam frequência mais elevada de actividade criminal. As pontuações obtidas nesta escala têm sido utilizadas como um índice de actividade criminal, inclusive para obtenção de valores de incidência e de prevalência. Na presente investigação utilizou-se uma validação portuguesa composta por 35 itens (Pechorro, 2011) com uma consistência interna por Alfa de Cronbach de .96.

Adicionalmente foi construído um questionário sócio-demográfico para descrever as características sócio-demográficas dos participantes e analisar o efeito moderador dessas variáveis.

Este questionário incluiu questões como a idade, nacionalidade, grupo étnico, sexo, proveniência rural versus urbana, anos de escolaridade completados, nível sócio-económico dos pais e estado civil dos pais.

Procedimentos

O leque etário para participação dos jovens na investigação foi previamente fixado entre os 12 anos e os 20 anos dado ser esse o intervalo etário abrangido pela Lei Tutelar-Educativa no sistema judicial português. Cada questionário aplicado era precedido por um termo de consentimento informado, em que era dado conhecimento do carácter voluntário e confidencial de participação no estudo.

A recolha dos questionários em meio forense decorreu individualmente após se ter obtido autorização por parte da Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS), Ministério da Justiça. Foram feitas aplicações em todos os Centros Educativos existentes a nível nacional. Nem todos os jovens concordaram ou puderam participar, sendo que a não participação incluiu motivos como recusa em participar, impossibilidade de participar devido a não entendimento da língua portuguesa e impossibilidade de participar devido a questões de segurança. A taxa de participação foi de cerca de 90%. Todos os questionários dos jovens que participaram foram considerados válidos.

A recolha dos questionários em meio escolar decorreu após se ter obtido autorização por parte da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC), Ministério da Educação. Foram aleatoriamente seleccionadas doze escolas básicas/secundárias da região da grande Lisboa, das quais quatro concordaram em participar. Os motivos da não participação incluíram ausência sistemática de resposta ao pedido de colaboração efectuado pelo investigador, alegadas questões relativas à organização interna das escolas que impossibilitaram a colaboração, além de recusa em colaborar devido ao conteúdo forense do questionário. As escolas que aceitaram participar solicitaram que a participação de cada aluno fosse previamente autorizada através de um termo de consentimento assinado pelo encarregado de educação. No final, foram excluídos cerca de 13% dos participantes devido a estarem fora do intervalo etário estabelecido ou a motivos como terem entregado questionários não preenchidos, incompletos ou ilegíveis.

Os dados relativos aos questionários considerados válidos foram inseridos em SPSS v18 e posteriormente tratados em SPSS v19 (IBM SPSS, 2010). Após a inserção dos dados ter sido feita foram aleatoriamente seleccionados 10% dos questionários inseridos, de forma a avaliar a qualidade de inserção dos mesmos. A qualidade foi considerada muito boa dado que praticamente não foram detectados erros de inserção.

Relativamente às comparações entre grupos, previamente foi efectuada Manova. Sempre que possível utilizaram-se técnicas paramétricas quando se estava perante uma distribuição normal (assimetria e curtose entre -2 e 2) e homogeneidade de variâncias. Quando não havia distribuição normal optou-se pelas técnicas não paramétricas, nomeadamente o teste U de Mann-Whitney. Foram também calculados o tamanho do efeito e a potência do teste (Marôco, 2010). No que diz respeito às correlações bivariadas utilizou-se a correlação de Pearson quando a distribuição era considerada normal (assimetria e curtose entre -2 e 2). Utilizou-se também regressão múltipla.

RESULTADOS

Na fase inicial do tratamento de dados foram analisadas as variáveis moderadoras incluídas no questionário sócio-demográfico. Os resultados demonstraram que o grupo forense continha menos participantes do sexo feminino (χ2=5.484, p ≤.001), menos participantes de etnia/raça branca (χ2=38.776, p≤.001), menos participantes de proveniência urbana (χ2=18.580, p≤.001), menos anos de escolaridade completos (F=1194.506, p≤.001), mais progenitores com baixo nível sócio-económico (U=33514, p≤.001) e mais progenitores divorciados ou falecidos (χ2=127.898, p≤.001). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o grupo forense e o grupo escolar relativamente à idade dos participantes ou à sua nacionalidade.

A MANOVA efectuada, que incluiu todas as variáveis dependentes do estudo, revelou não haver interacção estatisticamente significativa entre os factores Grupo Forense/Escolar e Sexo (ver Tabela 2), permitindo assim prosseguir com recurso a comparações individuais (Garcia-Marques, 1997; Marôco, 2010). Na interacção entre factores a dimensão do efeito por Eta parcial ao quadrado (ηp2) foi de .04 e a potência foi de .527 (Marôco, 2010).

 

 

Na comparação do grupo masculino dos grupos forense e escolar quanto à pontuação na Escala de Auto-estima de Rosenberg (RSES) foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. O Eta parcial ao quadrado (ηp2) foi de .073 e a potência foi 1 (ver Tabela 3). Na comparação do grupo masculino forense e escolar quanto à dimensão Narcisismo do APSD foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. O tamanho do efeito r foi de -.120 e a potência de .729 (ver Tabela 3).

 

 

Na comparação do grupo feminino forense e escolar quanto à pontuação na RSES não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. O ηp2 foi de .007 e a potência .238 (ver Tabela 4). Na comparação do grupo feminino forense e escolar quanto à dimensão Narcisismo do APSD foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. O ηp2 foi de .026 e a potência de .657 (ver Tabela 4).

 

 

Na comparação dos grupos masculino e feminino quanto à pontuação na RSES, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. O ηp2 foi de .001 e a potência .068 (ver Tabela 5). Na comparação dos grupos masculino e feminino forense quanto à dimensão Narcisismo do APSD, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. O ηp2 foi de .002 e a potência de .107 (ver Tabela 5).

 

 

Foi efectuada uma análise de regressão múltipla para determinar a importância das variáveis auto-estima e narcisismo na predição da delinquência auto-relatada (ver Tabela 6). Utilizou-se a Tolerância e o VIF para comprovar a inexistência de multicolinearidade. A correlação entre as variáveis independentes auto-estima e narcisismo foi de r=-.025, p=.488.

 

 

DISCUSSÃO

Relativamente à comparação do grupo masculino quanto à auto-estima verificou-se o grupo forense obteve valores significativamente mais baixos que o grupo escolar, indiciando uma auto-estima mais baixa. Já quanto ao narcisismo o grupo forense obteve valores significativamente mais altos, indicando um maior nível de narcisismo. Esta caracterização do grupo masculino forense como tendo auto-estima mais baixa e narcisismo mais alto é concordante com os resultados recentemente obtidos por Barry, Frick e Killian (2003) e por Barry, Grafeman, Adler e Pickard (2007).

No que diz respeito à comparação do grupo feminino forense e escolar quanto à auto-estima não se encontraram valores estatisticamente significativos. Tal pode ter-se ficado a dever à baixa potência do teste nesta comparação. Já quanto ao narcisismo foram encontradas diferenças estatisticamente significativas favoráveis ao grupo forense que obteve valores mais altos nesta variável; a potência neste caso foi também maior. A caracterização do grupo feminino forense também é, pelo menos em parte, concordante com os resultados de Barry, Frick e Killian (2003) e Barry, Grafeman, Adler e Pickard (2007).

Na comparação entre os grupos masculino e feminino forense não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente à auto-estima e ao narcisismo. Pelo menos no que diz respeito à auto-estima seria de esperar que os rapazes tivessem obtido valores mais elevados (Kling, Hyde, Showers, & Buswell, 1999; Rosenberg, 1989), todavia também pode ser o caso de que as características forenses tenham desempenhado um papel na ausência de diferenças. Não se pode deixar de salientar a baixa potência de teste na comparação destas duas variáveis. É possível que tal seja um artefacto causado pelo pequeno tamanho do grupo forense feminino (n=29), sendo que para haver um maior um maior grau de certeza quanto à não rejeição da hipótese nula o ideal seria repetir as comparações recorrendo a uma amostragem maior, apesar da conhecida enorme dificuldade em conseguir este tipo de participantes.

No modelo de regressão múltipla efectuado a combinação das variáveis predizia significativamente a delinquência auto-relatada [F(2,757)=78.139; p≤.001] com ambas as variáveis a contribuírem de forma estatisticamente significativa para a predição. O valor do R2 foi de .17, o que indica que 17% da variância da delinquência auto-relatada foi explicada pelo modelo, sendo que tal corresponde a uma dimensão de efeito média (Marôco, 2010). Os pesos de β sugerem que a variável narcisismo [β=.391; t(757)=11.823; p≤.001] é a que mais contribui para predizer a delinquência auto-relatada, apesar da variável auto-estima [β=-.133; t(757)=-4.021; p≤.001] também ter alguma contribuição, embora consideravelmente menor.

Tais dados parecem novamente corroborar os resultados obtidos por Barry, Frick e Killian (2003) e por Barry, Grafeman, Adler e Pickard (2007) quanto ao papel preponderante do narcisismo relativamente aos comportamentos anti-sociais e ao papel menor atribuído à auto-estima. Não foram encontradas evidências que apoiem os dados de Donnellan, Trzesniewski, Robins, Moffitt e Caspi (2005) no que concerne à existência de uma relação robusta entre baixa auto-estima e problemas de comportamento anti-social. Todavia, os nossos dados sustentam as conclusões a que chegaram todos os autores acima referidos relativamente aos constructos de auto-estima e de narcisismo serem conceptualmente independentes, dada a correlação muito fraca que encontramos entre eles.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Pedro Pechorro, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. E-mail: ppechorro@gmail.com

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